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no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Sobre o terror islâmico: Raqqa, aqui

Raqqa, aqui

Por Demétrio Magnoli
Enquanto, na França, dezenas de milhares saíam às ruas para dizer "Eu sou Charlie", professores universitários brasileiros saíam de suas tocas para celebrar o terror. Não começou agora: é uma reedição das sentenças asquerosas pronunciadas na esteira do 11 de setembro de 2001. São sinais notáveis da contaminação tóxica de nossa vida intelectual e, especificamente, da célere conversão de departamentos universitários em latas de lixo do pensamento.

A mensagem dos franceses foi um tributo à vida e à civilização. "Eu sou Charlie" não significa que concordo com qualquer uma das sátiras do Charlie Hebdo. Significa que concordo com a premissa nuclear das sociedades abertas: a liberdade de expressão é, sempre, a liberdade daquele com quem não concordo. Isso, porém, nunca entrará na cabeça de nossos mensageiros da morte.

Seu discurso padrão começa com uma condenação ritual do ato terrorista: "É claro que não estou defendendo os ataques", esclareceu de antemão uma dessas tristes figuras, antes de entregar-se à defesa, na forma previsível da condenação das vítimas "justiçadas". "Não se deve fazer humor com o outro", sentenciou pateticamente Arlene Clemesha, que ostenta o título de professora de História Árabe na USP, para concluir com uma adesão irrestrita à lógica do terror jihadista. É preciso, disse, "tentar entender" o significado do ataque: "um atentado contra um jornal que publicou charges retratando o profeta Maomé, coisa que é considerada muito ofensiva para qualquer muçulmano".

Clemesha é só uma, numa pequena multidão acadêmica consagrada à delinquência intelectual. No mesmo dia trágico, Williams Gonçalves, professor de Relações Internacionais na Uerj, esqueceu-se do cínico aceno prévio para expor logo sua aguda visão sobre o "controle social da mídia" e, de passagem, candidatar-se a porta-voz oficial do Estado Islâmico: "Quem faz uma provocação dessas", explicou, referindo-se aos cartunistas assassinados, "não poderia esperar coisa muito diferente". O curioso, nas Clemeshas e nos Gonçalves, é que eles rezam pela mesma cartilha que Marine Le Pen, apenas com sinal invertido. O nome dessa cartilha é "choque de civilizações".

Na onda de islamofobia que varre a França, surfam dois lançamentos recentes. O livro "Le suicide français", do jornalista ultraconservador Éric Zemmour, alerta contra a destruição da cultura francesa por vagas sucessivas de imigração muçulmana. O romance "Soumission", de Michel Houellebecq, imagina a França governada por um partido islâmico no ano agourento de 2022. Segundo a gramática do "choque de civilizações", o Islã não cabe na França: um muçulmano só pode ser um francês se, antes, renunciar à sua fé. Os nossos Gonçalves e Clemeshas estão de acordo com isso –mas preferem que, para acolher os muçulmanos, a França renuncie a suas leis e a seus valores, entre os quais a laicidade do Estado. E, no entanto, apesar de Zemmour, Houellebecq, Clemesha, Gonçalves e Le Pen, milhares de muçulmanos franceses exibiram nas ruas os cartazes com a inscrição "Eu sou Charlie"...

Karl Marx escreveu cartas elogiosas a Abraham Lincoln. Leon Trostsky contou com a colaboração inestimável do filósofo liberal John Dewey para demolir as falsificações dos Processos de Moscou. Entre um evento e outro, o socialista August Bebel qualificou o antissemitismo como "o socialismo dos idiotas". Em outros lugares e outros tempos, o pensamento de esquerda confundiu-se com o cosmopolitismo e produziu as mais comoventes defesas das liberdades civis. No Brasil de hoje, com honoráveis exceções, reduziu-se a um pátio fétido habitado por "black blocs" iletrados, mas fanaticamente antiamericanos e antissemitas.

"Não se deve fazer humor com o outro", está escrito na lápide definitiva que cobre o túmulo do humor. Raqqa, a sede do califado, é aqui. "Eu sou Charlie".

Fonte: Folha de São Paulo, 10/01/2015

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Sobre o terror islâmico: A primeira vítima é o humor

A primeira vítima é o humor

por Eugênio Bucci

O atentado contra a redação da revista Charlie Hebdo, ontem, em Paris, deixou para trás 12 cadáveres, 10 feridos e uma perplexidade do tamanho do mundo. O alvo dos terroristas foi a piada, o deboche. A vítima foi o humor. Dez dos 12 mortos trabalhavam na publicação, entre elas o diretor, Stephane Charbonier, que também era chargista (os outros dois mortos eram policiais, que não conseguiram deter os assassinos em fuga). A Charlie Hebdo fazia humor sobre o Islã e vinha sofrendo ameaças e agressões. Ontem foi finalmente dizimada. Testemunhas contaram que os atiradores teriam dito que "vingavam o Profeta" enquanto disparavam contra os cartunistas. Movidos por uma verdade absoluta qualquer, eles pretendiam silenciar e exterminar a ironia.

O sinal que mora dentro disso vem carregado de trevas. Muitos apontaram aí um crime contra a liberdade de imprensa e, portanto, um atentado contra os direitos humanos (embora muitos se esqueçam, a liberdade, que aparece no primeiro artigo da Declaração dos Direitos Humanos de 1948, é parte integrante e inseparável de qualquer entendimento que se possa ter das garantias fundamentais que cimentam a ideia que acalentamos de civilização). Mas é pior do que isso. Nessa tragédia concentrada, a vítima não é a imprensa em geral, não é a imprensa genérica. Estamos falando aqui da imprensa que faz rir, que falta com o respeito, que destroça a impostura de seriedade tão comum nos demagogos. Estamos falando de uma imprensa ainda mais arredia, que zomba da circunspecção dos circunstantes e rechaça a impostação e os salamaleques das autoridades, sejam elas religiosas, civis, militares ou simplesmente imbecis. Desta vez a vítima é a sátira. A vítima é a ironia.

Nada pode ser mais expressivo e mais aterrorizante. Matando a ironia, cortando-a pela raiz (e pelo pescoço), os autores da carnificina pretendiam matar o próprio espírito da modernidade. Se existe um traço distintivo da modernidade, é a ironia, essa sofisticação cética do espírito humano que passa pela recusa do argumento da autoridade - e pela ridicularização, mais ou menos ostensiva, da figura empolada da autoridade. A ironia duvida do poder porque sabe que o sujeito, em público e em privado, não governa todos os seus atos e todas as suas palavras. Enquanto uns batem continência e outros se ajoelham, a ironia ri. Não leva o ego tão a sério assim. Não dá crédito ao superego. Quando argumentam que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus, a ironia gargalha: se inventou esse tal de homem, Deus só pode ser mesmo um pastel. O melhor da ironia é rir de si mesma. Ela se sabe vã, embora se saiba também onipresente (mais onipresente do que Deus). Sabe-se presente, ainda que de forma involuntária, em tudo o que se move e em tudo o que fica parado na paisagem social e nas profundezas do psiquismo de cada um. Sem ironia o que é moderno fenece. Não há mundo moderno sem o arejamento da ironia e, no fundo, é exatamente esse arejamento que nos pode vacinar contra as catedrais do fundamentalismo e da intolerância, as forças malignas que nos tracionam para o passado.

Quem disparou contra os desenhistas corrosivos da revista francesa alimenta, sim, a fantasia tanática de aniquilar a democracia, a liberdade, a modernidade e, principalmente, a nossa ideia profana e fugidia de felicidade. Quem quer que tenha cometido tamanha brutalidade quer castrar a imaginação e o prazer, nos semelhantes e em si mesmo.

Além de monstruoso em todas as suas faces, o ataque terrorista à revista Charlie Hebdo é também um alerta sobre o lugar da liberdade de imprensa em tempos em que a imprensa parece não ter lugar no mercado. Os jornalistas acostumaram-se a pensar que ser independente se resume a não depender econômica e politicamente do governo, do Estado, de um grupo particular de anunciantes, das igrejas e do lobby cada vez mais poderoso das ONGs aparentemente boazinhas. Bem sabemos que, no Brasil, muita gente não assimilou metade dessa lição elementar, mas, de todo modo, ela continua sendo boa e necessária. Só tem um detalhe: ela não é mais suficiente. As agressões à liberdade de imprensa não partem mais apenas de juízes desavisados que impõem censura prévia em sentenças mal fundamentadas ou de governantes maliciosos que cooptam veículos fragilizados com o dinheiro ilimitado da publicidade oficial. A violência contra o direito à informação e a liberdade de expressão já não vem somente da cobiça dos endinheirados ou da ganância dos donos do poder. Agora quem se lança contra o espírito livre da crítica são gigantescas estruturas paraestatais e abertamente criminosas. Para não irmos longe, em comunidades da Colômbia e do México são grupos paramilitares, a mando de traficantes ou de milícias, que assassinam profissionais de imprensa e impõem às redações o pior dos regimes de terror. Quanto à polícia e quanto à Justiça, estas, muitas vezes compradas, se limitam a ser morosas ou aéreas. É o seu modo de ser cúmplice.

Hoje, em suma, o Estado não é deletério apenas quando move ataques contra a imprensa livre. Ele é ainda mais deletério quando não sabe (ou não quer) defendê-la.

Em Paris, o presidente François Hollande acertou ao ir prontamente a público para liderar a indignação da sociedade contra o gesto inominável. Mas a reação ainda é tímida. Na França, como no Brasil, ainda são numerosos os políticos que não perceberam que não poderiam existir sem a imprensa que zomba deles. Mais, muito mais do que antes o Estado é chamado a defender não apenas o instituto da reportagem investigativa e das críticas mais ácidas, mas também a irreverência, a sátira e a caçoada. Se a democracia não despertar para esse compromisso, será sucedida por um mundo em que o riso, a ironia e o gozo transgressor serão proibidos. E a política também.

* Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP
Fonte: O Estado de São Paulo, 08 de janeiro

Sobre o terror islâmico: El islam como problema

Maurício Rojas
El islam como problema

A comienzos de junio Tony Blair publicó un artículo a propósito del asesinato del soldado británico Lee Rigby en una calle del sur de Londres que causó gran revuelo. Su título era Un problema dentro del islam y en sus párrafos más destacados decía lo siguiente:
No hay un problema con el islam... Pero hay un problema dentro del islam –de parte de los adherentes a una ideología que es una rama dentro del islam–. Y esto tenemos que ponerlo sobre la mesa y ser honestos acerca de ello. Por supuesto que hay cristianos extremistas y también judíos, budistas e hinduistas que lo son, pero me temo que esta rama dentro del islam no sólo abarca a unos pocos extremistas. En su núcleo existe una concepción de la religión y de la relación entre religión y política, que no es compatible con las sociedades pluralistas, liberales y tolerantes.
Para muchos fue una declaración escandalosa, lo que simplemente indica el grado de incapacidad de hablar con franqueza a que se ha llegado en lo referente al islam. Al poco tiempo vino la crisis egipcia, confirmando una vez más que el islamismo, es decir, lo que Blair considera la rama problemática del islam, "no sólo abarca a unos pocos extremistas". Sin embargo, si bien para muchos la constatación de Blair parece osada la verdad es que elude lo más importante y problemático, a saber, que aquella "concepción de la religión y de la relación entre religión y política, que no es compatible con las sociedades pluralistas, liberales y tolerantes" es, en realidad, la esencia misma del credo instaurado por Mahoma.

Cabe recordar que la idea distintiva del islam es que su libro sagrado, el Corán, es la palabra eterna, exacta e inmutable de Dios que Mahoma, con la mediación del arcángel Gabriel, sólo se limitó a recitar (Corán, Qu’rān, significa "la recitación" y la ortodoxia plantea que el texto, ya en árabe clásico, existió en Dios desde siempre). Esto crea un obstáculo mayor para cualquier intento de interpretación alegórica, matización o reforma del mensaje coránico. Pero lo decisivo es que este mensaje inmutable, complementado por los hadices o hechos y dichos del Profeta, no se refiere exclusivamente a cuestiones espirituales o supraterrenales, sino que aspira a regir directamente el conjunto de la vida social y espiritual. Ésta es la raigambre "totalizante" del islam, ya que excluye la existencia de un orden secular separado o no regido por la religión. Pero aquí también radica su matriz predemocrática, ya que no reconoce la soberanía legislativa del pueblo sino sólo la divina. Por ello, cuando los Hermanos Musulmanes dicen "El Corán es nuestra Constitución", están, de hecho, diciendo una obviedad para todo musulmán que siga tomando en serio los pilares mismos de su fe.

Si hacemos una comparación con el cristianismo y su evolución hacia una aceptación de la modernidad secularizada vemos dos notables diferencias que harán una evolución semejante mucho más difícil en el caso del islam. Por una parte, el cristianismo no es fundacionalmente totalizante (si bien tendería a serlo al ser adoptado como religión de Estado) y por ello no se articula originalmente como una religión que pretenda regir los asuntos de este mundo. "Dad al César lo que es del César, y a Dios, lo que es de Dios" y "Mi Reino no es de este Mundo" son dos magníficas síntesis bíblicas de esta distancia respecto del orden social y político terrenal. Por otra parte, a diferencia de Mahoma, Cristo no fue ni pretendió ser un jefe político-militar ni tampoco el creador de un orden social determinado. En suma, mientras que el cristianismo nació para resistir al mundo o incluso apartarse de él, el islam nació para conquistarlo y gobernarlo, para ampliar contantemente la "Casa del Islam" (Dār al-Islām) hasta absorber completamente ese mundo exterior llamado la "Casa de la Guerra" (Dār al-Harb).

Así y todo, el camino del cristianismo hacia una aceptación plena de una sociedad abierta no fue fácil. Su retirada hacia la esfera privada y la pérdida de su monopolio ideológico fue un proceso largo y desgarrador. También lo fue aceptar la crítica de sus textos sagrados, la autonomía de la ciencia y, sobre todo, la libertad del individuo para elegir sus formas de vida y, finalmente, creer o no creer. Nada semejante ha ocurrido dentro del islam y por ello su enfrentamiento con la modernidad –que no surge como en el mundo cristiano de una evolución interior sino que irrumpe como una fuerza exterior– ha sido tan difícil y traumático, provocando finalmente una fuerte reacción defensiva que propone la reislamización plena de la sociedad y la vuelta a la pureza de los orígenes, encarnada por esa utopía arcaica que es la umma o comunidad de los creyentes instaurada por Mahoma.

Este es el sentido estrictamente reaccionario del fundamentalismo islámico, pero lo que hay que entender es que el mismo no se deriva de una interpretación atávica o delirante del mensaje original de Mahoma, sino que fluye de la esencia misma de ese mensaje. En ello reside la dificultad que hay que saber reconocer y enfrentar, no para satanizar al islam sino para entender a cabalidad tanto su encrucijada actual como la fuerza del islamismo en sus diversas variantes.

El futuro dirá si el islam va a seguir siendo una "religión del recuerdo", es decir, de la fidelidad a la tradición (sunna) y al pasado, o si será capaz de evolucionar hacia una religión del futuro. Los que deseamos que prevalezca esta última alternativa debemos empezar por reconocer que existe un problema no sólo dentro del islam sino con el islam.

Fonte: Libertad Digital, 07/01/2015

sábado, 17 de janeiro de 2015

Retrospectiva 2014: O Liberalismo, que nasceu à esquerda, precisa voltar às suas raízes.


Registro aqui parte do resgate, feito pelo colunista do site Mercado Popular, Rodrigo Viana, da história da doutrina liberal, que realmente nasceu à esquerda, embora hoje seja tida como de direita. Deixo link para o texto integral, intitulado Liberalismo, a primeira esquerda, ao fim do texto. 

Viana identifica o liberalismo à esquerda porque a ela se costuma atribuir, como filha do Iluminismo, o anseio por mudanças, a crença otimista na razão e na capacidade humanas de moldar o seu destino e construir uma vida social mais justa e próspera. Nesse sentido, o liberalismo comunga, em espírito ao menos, com o socialismo. Em oposição a ambos, estaria o conservadorismo, com seu pessimismo quanto a qualquer tipo de reforma ou inovação estrutural na sociedade que não esteja realmente firmado numa continuidade.

Concordo com o autor quanto à identificação do liberalismo como doutrina de esquerda por seu anseio de mudanças. Aliás, nem há como discordar com tal abordagem por tratar-se de fato histórico. Discordo, contudo, da tese de que só haveria, em política, ou esquerda ou direita, o que corresponderia aos temperamentos humanos ou otimista ou pessimista. Ele chega a afirmar que "Na filosofia política não tem espaço para centro. Ou é x ou y." Embora não tome essas dicotomia a ferro e fogo, Viana não consegue escapar do maniqueísmo que lhe é intrínseco.

De fato, entre os temperamentos otimista e pessimista existe o temperamento realista que corresponde ao centro político. Como na velha piada, enquanto o otimista celebra o fato do copo estar meio cheio e o pessimista lastima que esteja meio vazio, o realista examina o conteúdo do copo, constata que é potável e o toma. Vale lembrar que o liberalismo, com o advento de seu meio-irmão psicologicamente instável, o socialismo, foi empurrado para o centro do espectro político e de lá sequestrado pelos conservadores, de fato seus antônimos anímicos, daí a figurar hoje como de direita. Uma verdadeira heresia, na minha opinião.

Cabe portanto, resgatar sim as raízes de esquerda do liberalismo, mas para permitir-lhe ser uma alternativa de esquerda ao seu irmão socialismo, que perdeu a Razão, e ao conservadorismo medroso e pessimista que leva ao imobilismo. E não como forma de reatar laços com o socialismo devido à origem comum.

A influência dos movimento iluministas e contra-revolucionários

por Rodrigo Viana

É sabido que os pensamentos políticos que vieram a ser influenciados diretamente pelos movimentos iluministas (ou Era da Razão) podem ser descritos facilmente como “esquerdistas”. Isto é, pensamentos de caráter visionário e de natureza opositora à perspectiva pessimista, mais preocupado em mudanças reformadoras e/ ou inovadoras. Estes pensamentos deram novas formas de reflexão na relação entre o ser humano e a sociedade. Resultando em ideias, possibilidades e alternativas sobre o estado em que se encontra a sociedade. E o liberalismo não apenas se encaixa nessa perspectiva, como foi o primeiro pensamento político a inaugurar de fato o que vinha sendo produzido nos círculos iluministas.

Uma vez a filosofia liberal sendo obra destes movimentos, em maior parte dos que se seguiram nos séculos dezessete e dezoito e em menor no dezenove, é natural que o liberal defenda a ideia de que o ser humano possui os instrumentos necessários para guiar o seu próprio destino no alcance de uma vida social mais justa e próspera. A crença iluminista pela busca por um mundo melhor é também um importante componente muito presente no liberalismo. E o que responde esse questionamento senão premissas como o respeito ao indivíduo enquanto um ser único tendo fim em si mesmo; direitos inalienáveis sobre a vida, liberdade e propriedade; igualdade de autoridade; poder político limitado; e sociedade tolerante?

Ora, existe um aspecto ativo dentro de qualquer pensamento enraizado nos movimentos iluministas. Esse aspecto é o impulso que motiva o liberal a não aceitar o mundo da forma como se encontra. Ele deseja a mudança e isso o motiva a buscar o que pretende. E isso independe da vertente que o liberal se apoia, seja ela no liberalismo clássico de Robert Nozick e Ludwig von Mises, no liberalismo social de John M. Keynes e John Rawls ou no liberalismo radical de Murray Rothbard e David Friedman. O liberal deseja aprimorar, transformar e tornar mais justo as relações humanas.

Isso é notório ao comparar com uma outra importante filosofia política também de origem iluminista: o socialismo. Mas antes abro um parêntese: do mesmo modo que falo do liberalismo em uma maneira ampla e sem levar em conta suas vertentes internas, assim falo do socialismo. Quer dizer, a filosofia política que também gerou diversas teorias e correntes próprias para buscar soluções para as relações sociais.

Tudo isso significa que as bases do pensamento socialista são tranquilamente compartilhadas por liberais, uma vez que foram os movimentos iluministas quem as forneceram. Como e por qual fim utilizar tais ferramentas é o que também distingue estas filosofias políticas. Podemos ver isso na interpretação que cada filosofia (e suas correntes internas) dá às ideias de liberdade, igualdade ou justiça, por exemplo. Do mesmo modo que individualismo necessariamente não significa “supressão do indivíduo para com outro indivíduo”, assim também é em relação ao coletivismo com a ideia da “supressão do coletivo sobre o indivíduo”. Nem todo socialista é coletivista, como nem todo coletivista é anti-indivíduo. É muito importante mencionar tais fatores porque isso faz cair por terra a errônea crença popular de que “direita é pró-indivíduo e esquerda pró-coletivo”.

Bom, é sabido que liberais e socialistas são os descendentes dos iluministas e comungam da perspectiva otimista de interpretar o mundo enquanto entidade social. Então que movimento defendia a perspectiva pessimista e quem são seus descendentes hoje?

Quando analisamos o período histórico do nascimento das teorias políticas modernas entre o final da Idade Média e início da Idade Moderna, não podemos nos esquecer do não menos importante movimento político chamado Contra-revolução. Movimento este presente em vários países europeus, porém de atuação mais expressiva na França. As ideias desse movimento faziam parte do corpo teórico defendido pelo absolutistas monárquicos, dos quais são os antepassados diretos dos conservadores modernos.

Por terem um ceticismo perante as reivindicações “idealistas” defendidas pelos primeiros liberais e socialistas, os absolutistas eram “impedidos” pelo pessimismo característico de vislumbrar qualquer tipo de reforma ou inovação estrutural na sociedade que não estivesse realmente se firmado numa continuidade. Tanto a democracia liberal, quanto o socialismo de estado ou o anarquismo eram concepções vistas por muitos como uma forma artificial, pois contava com construções teóricas que exigiam um certo grau de confiança abstrata referente ao funcionamento da sociedade e/ ou da própria natureza humana. Por exemplo, para alguns absolutistas a simples ideia da não existência de um governo regido pela hereditariedade soava como “anti-natural”.

Vale comentar que, por diversas particularidades, a Inglaterra não teve um movimento tão expressivo em favor do absolutismo como foi em outras partes da Europa. A ideia de um estado absoluto não era muito bem vista até por aqueles que compartilhavam da perspectiva pessimista. Esse grupo de pessimistas influenciou enormemente o pensamento conservador atual, sobretudo o de origem anglo-saxônica, pois diferencia consideravelmente na forma de se fazer política (mas não as bases filosóficas) dos conservadores mais apegados às lições pelos antigos apoiadores do absolutismo. Da mesma forma que os iluministas tiveram suas diferenças, os contra-revolucionários também tiveram.

Hoje os tempos são outros. Não existe mais grupos defendendo um retorno ao regime absolutista. Os conservadores, que carregam o pessimismo dos contra-revolucionários, já aceitaram a democracia liberal como um sistema de governo estável. Estando o norte conservador na preservação de princípios civilizacionais e das instituições políticas, os meios de como eles serão alcançados pouco importa no âmbito filosófico, seja através de uma forte intromissão governamental ou pela defesa da autonomia e da liberdade das comunidades. Mudança moderada ou radical nunca foi empecilho para o conservador firmar o tradicionalismo, dado que a natureza de sua mudança visada é de caráter mantenedora e não inovadora. Então podemos ver que o conservadorismo pode tanto tender para o autoritarismo, típico dos absolutistas, quanto a uma versão mais tolerante, presente nas ideias dos whigs moderados da Inglaterra. Nível de presença do governo na sociedade não é fator determinante para o espectro político. Nunca foi.

Como as ideias liberais, de uma forma geral, prevaleceram no mundo, é natural que hoje os conservadores defendam muitas delas, dando a impressão de que, a partir de agora, eles “se tornaram liberais”. Não se tornaram. O DNA pessimista ainda é o fator que guia a defesa das estruturas sociais consolidadas e tradicionais do pensamento conservador e não o gene otimista. Ou por acaso social-democratas modernos se tornaram liberais só porque largaram de vez a ideia do estado proletariado para abraçar a democracia liberal? Indo direto ao ponto, um conservador “é tão liberal” quanto um social-democrata, embora este último esteja muito mais próximo da filosofia liberal do que o primeiro por assuntos já comentados anteriormente.

Um adendo

Querer resumir os movimentos iluministas como se fossem apenas “movimentos políticos” é uma interpretação que não se sustenta. Estes movimentos foram muito mais do que expressão política propriamente dita, foram a expressão viva do ser humano em todas as suas relações. Os iluministas influenciaram as ciências naturais, as artes, a educação e forma de passar conhecimento e muitas outras coisas. Ajudaram a florescer verdadeiros debates religiosos, literários e ajudou na ideia da disseminação do conhecimento, seja através do livro ou da imprensa. Suas ideias desafiantes mexiam com a opinião pública, esclareciam conceitos baseados apenas em meras tradições ao ponto de chocar e escandalizar a sociedade com suas opiniões diferenciadas.

Estes senhores (e senhoras também) mudaram o mundo de tal maneira que, em poucos séculos, toda a sociedade deu saltos gigantescos na civilização para melhor. O que não quer dizer que tudo ocorreu como planejado, mas ainda assim vivemos bem melhor do que qualquer época já registrada. Diferente de hoje, em que podemos ver o mundo de nossos avós bem diferente, em séculos passados o que prevalecia era a mesmice. Essa é a perspectiva atuante que gira o mundo. O mundo não é feito por covardes, mas por gente que se arrisca, que questiona ou que sonha. Esse é o grande legado deixado pelos iluministas.

Conclusão

O liberalismo, enquanto filosofia, ainda é uma ideia radical, visionária, inovadora e, em certas vertentes internas, revolucionária. Desde o seu surgimento ele vem propondo ideias e alternativas que colocam em xeque o modo de ver a sociedade baseada na continuidade tradicional. A alegação da ideia do indivíduo como senhor de si é ainda revolucionária mesmo hoje. Estes ensinamentos iluministas também se mantém bem presentes nas vertentes libertárias do socialismo (anarquismo).

Um problema que eu vejo hoje está em enxergar as teorias e tendências políticas de origem direta no marxismo ou não (socialismo fabiano) da era pós-comunismo, quase que de forma exclusiva como “a esquerda”. Não tenho nenhum problema em classificar esta ou aquela prática, vertente ou proposta política como “de esquerda ou de direita” para dar a noção de algo moderado ou radical, de pouco ou mais inovador ou coisa do tipo dentro da realpolitik.

O problema é quando esses conceitos superficiais se transformam em um tipo de regra que envolve as filosofias políticas em si, pois tendem a ficar deturpadas e viciadas. Dado que isso tende a renegar aspectos teóricos e históricos, um estudante com uma maior bagagem cultural sobre filosofia política poderá se atrapalhar e não entender pontos muito mais importantes. A divisão entre “proletariado x burguês” do pré-comunismo e o “capitalismo x socialismo” da Guerra Fria é tão somente um fator histórico que não deve ser levado tanto em conta para os estudos das filosofias políticas. A ciência política pode lidar com isso de uma forma mais elegante.

Se os liberais franceses, antes da ascensão dos partidos de raiz socialista, eram vistos como os progressistas, esquerdistas no século dezenove e hoje são visto como direitistas, muito se deve a ideias particulares deste ou daquele autor, como também das próprias formas como as propostas políticas foram empregadas. Independente ser de cunho liberal ou não. O fato dos liberais terem se aproximado dos conservadores no século vinte para a contenção do marxismo é tão somente um fator circunstancial.

Será mesmo que os liberais não se manteriam próximos dos socialistas caso as vertentes libertárias deste último tivessem se sobressaído como influência maior no mundo, empurrando o socialismo estatista de Marx para os becos da intelectualidade? Bem, a história mostra que liberais e socialistas ficaram juntos na França quando os dois ainda mantinham propostas parecidas. Dado que parte da tradição socialista se radicalizou em prol da liberdade no século dezenove e o liberalismo no século vinte, soa até previsível que estas duas linhagens mantenham novamente laços próximos no século vinte um.

Liberalismo e socialismo, enquanto filosofia, possuem um ancestral comum e a tendência que eu acredito hoje está neles se reatarem como em séculos atrás, visto que as ideologias fortemente estatistas e/ ou autoritárias tão presentes no século vinte tem estado perdendo força nas últimas décadas. Sim, os dois pensamentos surgiram em épocas próximas, embora o liberalismo tenha vindo antes. É por isso que o liberalismo foi a primeira esquerda.

Agradecimentos especiais pelas contribuições feitas por Adriel Santana.

Fonte: Mercado Popular, 02/06/2014, Liberalismo, a primeira esquerda

Publicado originalmente em 17/06/2014

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Retrospectiva 2014: Conservadores e sua misoginia: contra a interrupção da gravidez até nos casos previstos em lei

Conservadores só defendem a vida dos não-nascidos,
 dos não efetivamente vivos
Pastor evangélico envolvido em desvios de recursos públicos e outros delitos, como a maioria dos parlamentares-pastores do congresso brasileiro, o senador Magno Malta (PR-ES) quer agora revogar a Portaria 415 do governo, publicada na semana passada, que inclui na tabela do Sistema Único de Saúde (SUS) a interrupção da gravidez nos casos previstos em lei, ou seja, em casos de estupro, gestação de anencéfalos ou quando há risco de morte para a mulher (ver notícia abaixo).

Completa desumanização da mulher no discurso conservador

Em outras palavras, o senador quer mais é que as mulheres pobres e que não têm condições de fazer um aborto seguro em clínicas particulares se fodam. Claro que nem ele nem qualquer conservador assumem que querem mais é que as mulheres se fodam. Não pega bem dizer isso às claras. Por isso, eles vêm com aquela falácia (argumento enganador), ou, mais popularmente, conversa mole e cínica de "defesa da vida", "pró-vida", mera cortina de fumaça para ocultar a verdade dos fatos.

E a verdade dos fatos é a total desumanização da mulher no discurso conservador. Essa desumanização salta aos olhos de quem consegue enxergar através da grossa fumaça ideológica conservadora. Percebe-se, então, que simplesmente não interessa o que a mulher sente, o que ela pensa. Não importam sequer as condições objetivas que a mulher tem para manter uma gravidez. Ela é apenas um objeto que tem que cumprir sua função: ser uma incubadeira.

Inclusive não importa também, realmente, a vida do bebê que nasce fruto de uma gravidez compulsória. Todo o mundo sabe que muitas mulheres que parem nessas circunstâncias, totalmente despreparadas para a maternidade e em depressão pós-parto, abandonam o recém-nascido no mato, no lixo, no riacho, na privada. E aí, se pegas no ato, ainda vão ser processadas por tentativa de homicídio. No mínimo, os conservadores deveriam ser igualmente processados como cúmplices.

Sem falar nas crianças das miseráveis que morrem antes do primeiro ano de vida, vítimas de inanição. Sem falar nas milhares de crianças que os homens matam diariamente em suas intermináveis guerrinhas sujas. Sem falar que, de qualquer forma, não é possível neste planeta encarar a vida como valor absoluto.

Conservadores, contudo, só se importam com a "defesa da vida" dos não-nascidos, dos não efetivamente vivos: as células embrionárias, os zigotos, os embriões, os fetos. Os nascidos, os realmente vivos - assim como as mulheres - que se fodam.

Negando a realidade biológica da concepção para criminalizar a mulher

No afã, porém, de ocultar que simplesmente negam a mulher como ser humano, todos os conservadores, desde os  tipos mais toscos, como esses pastores evangélicos até aqueles outros autoproclamados conservadores libertários (saquinho, please, que vou chamar o Hugo), saem-se com os "argumentos" mais estapafúrdios, kafkianos até. 

Por exemplo, o político Ron Paul do Partido Republicano dos EUA, conservador dito libertário, por se dizer, entre outras coisas, contrário a intervenção estatal na vida das pessoas, muito citado por uns e outros aqui do Brasil, contraditoriamente, apóia a intervenção estatal (ainda que não federal) na vida dos indivíduos do sexo feminino. Como desculpa surreal para sua postura "antiaborto", ele "argumenta" que o feto é um ser completamente distinto da mãe e, portanto, retirá-lo do útero só pode ser crime. Kct, e o fulano é médico! O fulano é médico e nega os fatos biológicos envolvidos na concepção.

Não só o feto nada tem de distinto da mulher que o gesta como também, ao contrário, ele é uno com ela, mantém uma relação simbiótica com a mãe, ou seja, uma relação praticamente unha e carne. Aliás, é essa simbiose a produtora da chamada tolerância imunológica que desativa as células maternas, encarregadas de rejeitar o feto como corpo estranho, e que permite a gravidez ser levada a termo. De tal ordem a gestação é uma simbiose de duas vidas que células do feto passam para a circulação materna e permanecem no corpo da mulher até após o nascimento da criança (microquimerismo).

Mas nem se precisa entender esse básico do processo gestacional para sacar o quanto o feto nada tem de distinto da mulher. Se uma mulher grávida morre antes de sete meses de gestação, mesmo estando internada num hospital, o feto morre com ela porque sua vida é una com a da mãe. Só haveria chance de sobrevivência para o feto, nas condições ideais descritas, se ele tivesse de sete a mais meses de desenvolvimento, pois já estaria suficientemente constituído para sobreviver fora do útero materno. Em outras palavras, quando fosse realmente distinto da mulher.

Em resumo, o tal discurso "pró-vida", por qualquer ângulo que se veja, é uma asquerosa mentira. Há honrosas exceções entre os homens que veem as mulheres como iguais, mas forçoso reconhecer que muitos integrantes do sexo masculino (sobretudo os ditos conservadores) têm um enorme complexo de inferioridade por não serem capazes de reproduzir a si mesmos e depender das mulheres para o simples fato de existir. Essa ferida anímica essencial, esse recalque, eles buscam tratar controlando o corpo das mulheres, negando sua subjetividade, sua humanidade, reduzindo-as a mero receptáculo daquilo que pensam ser fundamentalmente extensão sua. 

Entretanto, a capacidade reprodutiva feminina é fruto da mãe natureza e não de condições sociais ou de fantasias delirantes de egos feridos. E essa capacidade quem tem que gerenciar é a mulher a quem a natureza outorgou esse privilégio. Por mais complexa e delicada que seja a questão do aborto, um verdadeiro dilema para a maioria das mulheres, quem tem que responder a esse dilema é quem o vive literalmente na própria carne. Em outras palavras, não pode ser homem algum, que não sabe o que é gravidez,  que deve decidir tal dilema pela mulher seja individualmente ou - pior ainda -  pela via do Estado patriarcal, sua maior projeção.

Fica registrado, como exemplo contundente de que o tal discurso "pró-vida" não passa de deslavada misoginia, a tentativa do horrendo Magno Malta de impedir  o aborto pelo SUS até nos casos previstos em lei (estupro, anencefalia, risco de vida para a mulher). Para esse escroto, crime é salvar a vida de uma mulher que esteja prestes a morrer em decorrência de uma gravidez mal concebida.

Mas nós sabemos que crime de fato quem cometeu foi a mãe de Malta ao nos obrigar a conhecê-lo, não é mesmo?

Crime de fato cometeu a mãe de Malta ao nos obrigar a conhecê-lo
Magno Malta quer revogação de portaria que oficializa aborto

O senador Magno Malta (PR-ES) anunciou em Plenário, nesta terça-feira (27), que vai se empenhar pela revogação da portaria do Ministério da Saúde que oficializa o procedimento do aborto nos hospitais brasileiros. Segundo o parlamentar, a decisão do governo federal não representa o desejo da sociedade e não tem a aprovação da maioria dos partidos no Congresso Nacional.

A Portaria 415, publicada na semana passada, inclui na tabela do Sistema Único de Saúde (SUS) a interrupção da gravidez nos casos previstos em lei, ou seja, em casos de estupro, gestação de anencéfalos ou quando há risco de morte para a mulher.

O SUS pagará R$ 443 pelo procedimento, com a exigência da presença de um acompanhante e de equipe médica multidisciplinar.

Na opinião de Magno Malta, a portaria obriga os médicos a "cometerem um crime", excluindo os princípios éticos e religiosos de cada profissional.

Argumentando que não quer ser acusado de polarizar o debate, por ser da bancada evangélica, o senador lembrou que a Igreja Católica também condena a prática do aborto, punida com a excomunhão.

- Chamo a atenção para que nós cristãos, que entendemos o aborto como uma afronta à natureza de Deus, nos levantemos, nos insurjamos e exijamos que essa portaria seja revogada - pediu Magno Malta.

Fonte: Portal de Notícias do Senado Federal, 27/05/2014

Atualização: Cedendo às pressões dos fundamentalistas religiosos, o governo de Dilma Roussef revogou a portaria 415 no dia 28/05/2014 

Publicado originalmente em 30/05/2014

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Retrospectiva 2014: PT assume de vez caráter fascistoide e prega implantação do bolivarianismo como diretriz para um segundo mandato de Dilma

A máfia fascista se assume de vez
Se alguém ainda tinha dúvidas quanto aos propósitos do PT de cubanizar o Brasil, agora não tem mais. Em seu último encontro nacional, realizado nos dias 2 e 3 deste mês, a Cosa Nostra tupiniquim lançou um documento com diretrizes táticas para as eleições e para um possível segundo governo da presidente Dilma Rousseff de deixar não só liberais mas qualquer pessoa com amor à liberdade e à democracia realmente de cabelos em pé.

É ler para crer e, sobretudo, mais do que nunca se mobilizar a fim de erradicar esse câncer autoritário não só do governo mas de todo o tecido social do país. Agora é questão de vida ou morte mesmo.


7 diretrizes aprovadas pelo PT que vão deixar liberais de cabelo em pé
Pontos foram definidos no encontro nacional do partido, realizado no início do mês, e devem orientar campanha eleitoral deste ano e possível segundo governo Dilma


O Partido dos Trabalhadores aprovou, em seu encontro nacional, realizado nos dias 2 e 3 deste mês, um documento com diretrizes táticas que devem orientar a postura do partido nas próximas eleições e em um possível segundo governo da presidente Dilma Rousseff. O texto, com um forte tom de ruptura com a política de conciliação ideológica adotada desde que Lula subiu ao poder, traz algumas propostas que vão deixar liberais de carteirinha com os cabelos em pé.

O Administradores.com destacou alguns pontos do documento, que pode ser lido na íntegra no próprio site do PT. Veja abaixo os destaques:

Menos liberalismo econômico

De acordo com o documento, um dos objetivos do PT a partir de 2015 será fazer com que Dilma consiga fazer um segundo mandato superior ao primeiro. E o texto diz como: superando a “herança maldita cujas fontes são a ditadura militar, o desenvolvimentismo conservador e a devastação neoliberal.” E complementa: “Esta herança maldita se materializa, hoje, em três dimensões principais: o domínio imperial norte-americano; a ditadura do capital financeiro e monopolista sobre a economia; e a lógica do Estado mínimo.”

Maior aproximação com a esquerda latino-americana

A superação da tal “herança maldita” citada no documento é vista como “uma tarefa simultaneamente nacional e regional” e deve se dar com “o aprofundamento da soberania nacional, a aceleração e radicalização da integração latino-americana e caribenha, uma política externa que confronte os interesses dos Estados Unidos e seus aliados”. Hoje, quase todas as economias da América Latina são governadas por líderes que, no espectro político, se posicionam do centro para a esquerda.

Aprofundamento de políticas sociais

Se os atuais programa de bolsas do governo e outros mecanismos de assistência social já despertam a ira dos liberais, um possível segundo mandato liderado pelo PT deve gerar ainda mais críticas. O documento afirma que para dar continuidade aos objetivos do partido, será necessário, entre outras coisas, ampliar “as políticas públicas universalizantes do bem estar-social”.

Reaproximação com os movimentos sociais

Dilma deu menos atenção aos movimentos sociais do que Lula e uma das condições impostas para a unificação do PT em torno de sua reeleição foi justamente uma mudança nesse sentido. Uma reaproximação deve acontecer em um possível segundo mandato, segundo o documento aprovado no congresso do partido. “A continuidade – e, sobretudo, o avanço – do nosso projeto está vinculada à nossa capacidade de fortalecer um bloco de esquerda e progressista, amparado nos movimento sociais, na intelectualidade e em todos os setores comprometidos com o processo de transformações econômicas, políticas, sociais e culturais implementadas pelos governos Lula e Dilma”, diz o texto.

Maior influência dos sindicatos no governo

Os sindicatos e centrais devem ter maior influência nas decisões de um possível segundo governo Dilma. “O 14º Encontro Nacional do PT destaca a importância da candidatura Dilma acolher a ‘Pauta da classe trabalhadora’, apresentada pela CUT e as centrais sindicais”, diz o documento.

Constituinte exclusiva para a reforma política

Criticada pela oposição e por intelectuais liberais, a convocação de uma Constituinte Exclusiva por meio de consulta popular para fazer a reforma política, proposta por Dilma durante os protestos de 2013, deve ser levada a cabo a partir de 2015, como bandeira do PT e do próprio governo. “A proposta feita pela presidenta Dilma ao Congresso Nacional, de um plebiscito para convocar uma Constituinte Exclusiva pela Reforma Política, proposta encampada pelo PT, movimentos sociais, centrais sindicais, partidos políticos, organizações da sociedade, deve fazer parte destacada da ação eleitoral da militância e de nossas candidaturas. A luta pela reforma política deve estar no centro de nossa tática eleitoral e dos programas de governo nacional e estaduais”, diz o texto.

Implantar o socialismo

Nada aterroriza mais um liberal do que o governo do seu país se comprometer com a implantação do socialismo. Mas é esse compromisso que o PT espera de Dilma, segundo o documento. “Nosso grande objetivo é, através das vitórias que obtemos nos espaços institucionais, democratizar o Estado, inverter prioridades e estabelecer uma contra-hegemonia ao capitalismo, capaz de construir um projeto de socialismo radicalmente democrático para o Brasil”, diz o texto.

Fonte: Administradores, 27/05/2014

Publicado originalmente em 29/05/2014

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Retrospectiva 2014: La Quenelle: enquanto a América Latina sofre com a extrema-esquerda, a Europa vê renascer a extrema-direita

Atacante francês Anelka faz a quenelle em jogo na Inglaterra (21/01/2014)
Enquanto a América Latina sofre com as viúvas do Muro de Berlim, determinadas a recriar localmente uma espécie de união das repúblicas socialistas latino-americanas, ironicamente em conluio com grandes capitalistas, a Europa vê renascer a extrema-direita no contexto da crise econômica que afeta o continente. Racismo, sexismo, xenofobia, homofobia aparecem camuflados por uma suposta defesa da família tradicional, mantra que os conservadores entoam através dos tempos como desculpa esfarrapada para justificar sua incapacidade de aceitar a igualdade de oportunidades e direitos entre os seres humanos. 

Na França, inventaram até uma versão estilizada do famigerado gesto nazista chamada La Quenelle (ver fotos e vídeo abaixo sobre essa inovação nada elegante dos franceses). Tentam passar ao público a versão de que se trata apenas de um gesto contra o sistema, o governo, os políticos, uma espécie de "vai tomar no cu" ou "foda-se" generalizado. Entretanto, seu inventor, o comediante Dieudonné M’bala M’bala é conhecido por suas piadas contra judeus e discípulo de Alain Soral, um autoproclamado nacional-socialista, “teórico” dos grupos fascistas franceses, há anos insultando gays, feministas e judeus.

Dieudonné e Anelka (negros nazis!?)
Impressionante como a humanidade não aprende e de como a mentalidade autoritária, diga-se de esquerda ou direita, volta e meia retorna ao centro do palco. Filha da estupidez e do medo, ela não é desprivilégio de nenhum grupo em particular. Basta ver que o comediante que inventou o lastimável gesto é negro bem como o jogador de futebol, atacante francês Nicolas Anelka, que o reproduziu em partida contra um time inglês (sendo inclusive processado por isso).

De fato, a história da humanidade às vezes me parece  uma longa noite tempestuosa iluminada vez ou outra somente pelo clarão de algum raio. Para não terminar de forma pessimista, cumpre bradar um "libertários uni-vos" porque a corja autoritária está de novo a toda. 

Intolerância
Uma França usualmente silenciosa está há três semanas nas ruas, gritando sua raiva. A guerra cultural causa mais estragos em tempos de crise, momento favorável a extremismos 


“Fora judeu.” Este grito pavoroso ecoou pelas ruas de Paris e Lyon domingo, pela primeira vez desde a época da França ocupada pelos nazistas na II Guerra Mundial. Foi ouvido durante manifestações em que se misturavam católicos ortodoxos, muçulmanos radicais, extrema-direita, grupos racistas e respeitáveis partidos de direita, todos unidos na suposta defesa da “família tradicional” que degenerou numa demonstração de racismo, xenofobia e homofobia. E, pior, o governo socialista cedeu às pressões desta versão francesa do Tea Party americano e adiou o debate sobre a nova lei da família para 2015.
É lamentável a débil reação dos partidos republicanos e a degeneração do debate político”, disse, escandalizado, o filósofo Roberto Badinter, ex-ministro da Justiça do governo Mitterrand.
Uma França tradicionalmente silenciosa está há três semanas nas ruas, gritando sua raiva. É bem diferente da França que a gente gosta e admira pela defesa da liberdade, a diversidade do pensamento e o elegante savoir vivre. Herdeira da direita antissemita, esta fatia da sociedade francesa radicaliza-se a cada domingo e acrescenta novas reivindicações em sua agenda centrada na defesa de valores ultraconservadores e no repúdio aos não iguais. Pede a revogação da lei do casamento gay, é contra a reafirmação da lei do aborto - prevista neste novo código da família - e agora organiza um boicote às escolas sob o argumento de que uma tal de “teoria de gênero” ensinaria as crianças a serem transsexuais e homossexuais. Acusam o governo de ser fobicamente contra a família e de se inclinar diante do lobby LGBT.

Delírios, claro. O mais recente alvo da ira deste grupo ultra conservador é o ABCD da Igualdade, uma inovação acrescentada experimentalmente ao currículo de 600 escolas. O ministro da Educação exaustivamente explicou que se tratava de promover os valores da República e da igualdade entre homens e mulheres, mas foi considerada pelos ultras como “uma maneira de diluir a ligação entre pai, mãe e filho” e contra a alteridade “homem e mulher”. Com a complacência da UMP - partido de oposição - a campanha para boicotar as escolas no dia do ABCD da Igualdade cresceu e chegou a deixar fora das salas de aula 40% das crianças em várias cidades francesas.
O contexto é favorável ao crescimento da extrema-direita, os meios populares são receptivos aos slogans da Frente Nacional”, diz Bruno Cautrés, da Sciences-Po.
Para onde vai a França? Um vento torto está levando o país para a radicalização. O sentimento de pessimismo domina os franceses diante da constatação de que empregos, poder e ideias estão migrando para lugares mais acolhedores e dinâmicos. Nesta França que procura seu novo papel no século XXI, cada tentativa de mudar os contornos da vida em sociedade é vista como uma agressão por uma parte dos cidadãos, especialmente os religiosos, sejam eles muçulmanos radicais ou católicos ortodoxos. A guerra cultural americana, que há décadas divide o país, trava-se também há anos na Europa, mas causa mais estragos num momento favorável a extremismos, estimulados pela crise econômica e por líderes políticos fracos, como François Hollande na França e Mariano Rajoy na Espanha.

Personagens nefastos contam com inesperada popularidade, como o cômico Dieudonné com seus insultos aos judeus e a popularização da quenelle, um gesto de saudação nazista estilizado. Seus espetáculos estão proibidos na França e esta semana ele foi impedido de entrar no Reino Unido, mas tirou das sombras seu inspirador: Alain Soral, que se autoproclama nacional-socialista, “teórico” dos grupos fascistas franceses, há anos insultando gays, feministas e judeus mas devidamente colocado no ostracismo. Aproveitou a mobilização contra o casamento gay para se relançar e reativar seu blog odioso em que faz publicidade da literatura nazista.
Esta França que repudia o outro - seja o imigrante europeu pobre, o judeu ou árabe - sempre existiu, mas era minoritária e agora acha mais canais de expressão”, diz o jornalista Jean Marie Colombani em artigo no “El País”.
Este mês tem eleições municipais na França, em maio para o Parlamento Europeu, e os prognósticos são de que a extrema-direita vai crescer nas cidades francesas e também pode formar uma bancada em Bruxelas. A direita tradicional, que deixou o poder há apenas dois anos e pretende voltar, está estimulando a radicalização dos movimentos de direita, fazendo das questões de família uma arma política. Esta estratégia, nós brasileiros, conhecemos, e não queremos ver esse filme de novo: há 50 anos, a Marcha da Família pela Liberdade antecedeu o golpe de 64.

Na Europa, a intolerância já causou duas guerras.. 


Fonte:
O Globo, Helena Celestino, 05/02/2014

Publicado originalmente em 12/02/2014

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Retrospectiva 2014: Vargas Llosa na mosca: Liberais e liberais

O liberalismo continua sendo a doutrina que mais contribuiu para melhorar a coexistência social, promovendo o avanço da liberdade humana.
O escritor peruano Mario Vargas Llosa empresta frequentemente sua pena de Nobel da Literatura para traçar a história da filosofia liberal e suas origens e resgatá-la das distorções geradas por seus inimigos e pela aliança equivocada e infausta com conservadores. No artigo abaixo, publicado no Estadão de ontem, domingo, ele sintetiza essa trajetória até os dias de hoje, quando grassa enorme confusão a respeito do termo liberal, e termina por retomá-lo em sua essência. Destaco o trecho abaixo, mas recomendo todo o artigo:
Há certas ideias básicas que definem um liberal. Por exemplo, a liberdade, valor supremo, é una e indivisível, e deve atuar em todos os campos para garantir o verdadeiro progresso. A liberdade política, econômica, social cultural, é uma só e todas elas permitem o avanço da justiça, da riqueza, dos direitos humanos, das oportunidades e da coexistência pacífica em uma sociedade. Se a liberdade se eclipsa em apenas um desses campos, ela se encontra armazenada em todos os outros. Os liberais acreditam que o Estado pequeno é mais eficiente do que o que cresce demasiado e, quando isso ocorre, não só a economia se ressente, como também o conjunto das liberdades públicas. Eles acreditam que a função do Estado não é produzir riqueza, e essa função é melhor desempenhada pela sociedade civil, num regime de livre mercado, no qual são proibidos os privilégios e a propriedade privada é respeitada. Indubitavelmente, a segurança, a ordem pública, a legalidade, a educação e a saúde competem ao Estado, mas não de maneira monopólica, e sim em estreita colaboração com a sociedade civil.

Liberais e liberais

Mario Vargas Llosa (tradução de Anna Capovilla)

Assim como os seres humanos, as palavras mudam de conteúdo dependendo do tempo e do lugar. Acompanhar suas transformações é instrutivo, embora, às vezes, como ocorre com o vocábulo "liberal", semelhante averiguação possa fazer com que nos extraviemos num labirinto de dúvidas.

No Quixote e na literatura de sua época, a palavra aparece várias vezes. O que significa em tal contexto? Homem de espírito aberto, bem educado, tolerante, comunicativo; em suma, uma pessoa com a qual se pode simpatizar. Nela não há conotações políticas nem religiosas, apenas éticas e cívicas no sentido mais amplo de ambos os termos.

No fim do século 18, esse vocábulo muda de natureza e adquire matizes que têm a ver com as ideias sobre a liberdade e o mercado, dos pensadores britânicos e franceses do Iluminismo (Stuart Mill, Locke, Hume, Adam Smith, Voltaire). Os liberais combatem a escravidão e o intervencionismo do Estado, defendem a propriedade privada, o livre comércio, a concorrência, o individualismo, e declaram-se inimigos dos dogmas e do absolutismo.

No século 19, um liberal é acima de tudo um livre pensador: ele defende o Estado laico, quer separar a Igreja do Estado, emancipar a sociedade do obscurantismo religioso. Suas divergências com os conservadores e os regimes autoritários geram, às vezes, guerras civis e revoluções. O liberal de então é o que hoje chamaríamos um progressista, defensor dos direitos humanos (conhecidos desde a Revolução Francesa como Direitos do Homem) e da democracia.

Com o aparecimento do marxismo e a difusão das ideias socialistas, o liberalismo passa da vanguarda para a retaguarda, por defender um sistema econômico e político - o capitalismo - que o socialismo e o comunismo querem abolir em nome de uma justiça social que identificam com o coletivismo e o estatismo (essa transformação do termo liberal não ocorre em todas as partes). Nos Estados Unidos, um liberal é ainda um liberal, um social-democrata ou pura e simplesmente um socialista. A conversão da vertente comunista do socialismo para o autoritarismo impele o socialismo democrático para o centro político e o aproxima - sem juntá-lo - ao liberalismo.

Nos nossos dias, liberal e liberalismo significam, dependendo das culturas e dos países, coisas distintas e às vezes contraditórias. O partido do tiranete nicaraguense Anastacio Somoza dizia-se liberal, e assim se denomina, na Austrália, um partido neofascista. A confusão é tão extrema que regimes ditatoriais como os de Pinochet no Chile e o de Fujimori no Peru são chamados às vezes "liberais" ou "neoliberais" porque privatizaram algumas empresas e abriram mercados. Desta degeneração da doutrina liberal não são totalmente inocentes alguns liberais convencidos de que o liberalismo é uma doutrina essencialmente econômica, que gira em torno do mercado como uma panaceia mágica para a solução de todos os problemas sociais. Estes logaritmos viventes chegam a formas extremas de dogmatismo, e se dispõem a fazer tais concessões no campo político à extrema direita e ao neofascismo que contribuem para desprestigiar as ideias liberais e para que sejam vistas como uma máscara da reação e da exploração.

Dito isso, é verdade que alguns governos conservadores, como os de Ronald Reagan nos Estados Unidos, e de Margaret Thatcher na Grã-Bretanha, realizaram reformas econômicas e sociais de inequívoca raiz liberal, impulsionando a cultura da liberdade de maneira extraordinária, embora em outros campos a fizessem retroceder. Poderíamos dizer o mesmo de alguns governos socialistas, como o de Felipe González na Espanha ou o de José Mujica no Uruguai, que, na esfera dos direitos humanos, promoveram o progresso em seus países reduzindo injustiças inveteradas e criando oportunidades para os cidadãos de renda inferior.

Nos nossos dias, uma das características do liberalismo é que pode ser encontrado nos lugares mais impensados e, às vezes, brilha pela ausência onde certos ingênuos acreditam vê-lo. Pessoas e partidos devem ser julgados não pelo que dizem e pregam, mas pelo que fazem. No debate que se desenrola nos dias de hoje no Peru sobre a concentração dos veículos de comunicação, alguns defensores da aquisição pelo grupo El Comercio da maioria das ações de Epensa, o que lhe confere quase 80% do mercado da imprensa, são jornalistas que silenciaram ou aplaudiram quando a ditadura de Fujimori e Montesinos cometia seus crimes mais hediondos e manipulava toda a informação, comprando ou intimidando donos e redatores de jornais. Como poderíamos levar a sério esses novíssimos catecúmenos da liberdade?

Um filósofo e economista liberal da chamada escola austríaca, Ludwig von Mises, opunha-se à existência de partidos liberais, porque, na sua opinião, o liberalismo devia ser uma cultura que irrigasse um leque muito amplo de formações e movimentos que, embora tivessem importantes discrepâncias, compartilhavam de um denominador comum sobre certos princípios liberais básicos.

Algo disso ocorre há bastante tempo nas democracias mais avançadas, onde, com diferenças mais de matiz do que de essência, entre democratas-cristãos e social-democratas e socialistas, liberais e conservadores, republicanos e democratas, há alguns consensos que dão estabilidade às instituições e continuidade às políticas sociais e econômicas, um sistema que só se considera ameaçado por seus extremos, o neofascismo da Frente Nacional na França, por exemplo, ou a Liga Lombarda na Itália, e grupos e grupelhos ultra comunistas e anarquistas.

Na América Latina, esse processo se dá de maneira mais pausada e com maior risco de retrocesso do que em outras partes do mundo, em razão da debilidade em que se encontra ainda a cultura democrática, que tem uma tradição somente em países como Chile, Uruguai e Costa Rica, enquanto nos demais é muito mais precária. Mas começou a acontecer, e a maior prova disso é que as ditaduras militares praticamente se extinguiram e que, dos movimentos armados revolucionários, sobrevive a duras penas o das Farc colombianas, com um apoio popular decrescente. É verdade que há governos populistas e demagógicos, deixando de lado o anacronismo que é Cuba, mas a Venezuela, por exemplo, que aspirava a ser o grande fermento do socialismo revolucionário latino-americano, vive uma crise econômica, política e social tão profunda, com a grande desvalorização de sua moeda, a carestia demencial - falta tudo, comida, água, até papel higiênico - e as iniquidades da delinquência, que dificilmente poderia agora ser o modelo continental no qual queria transformá-la o comandante Chávez.

Há certas ideias básicas que definem um liberal. Por exemplo, a liberdade, valor supremo, é una e indivisível, e deve atuar em todos os campos para garantir o verdadeiro progresso. A liberdade política, econômica, social cultural, é uma só e todas elas permitem o avanço da justiça, da riqueza, dos direitos humanos, das oportunidades e da coexistência pacífica em uma sociedade. Se a liberdade se eclipsa em apenas um desses campos, ela se encontra armazenada em todos os outros. Os liberais acreditam que o Estado pequeno é mais eficiente do que o que cresce demasiado e, quando isso ocorre, não só a economia se ressente, como também o conjunto das liberdades públicas. Eles acreditam que a função do Estado não é produzir riqueza, e essa função é melhor desempenhada pela sociedade civil, num regime de livre mercado, no qual são proibidos os privilégios e a propriedade privada é respeitada. Indubitavelmente, a segurança, a ordem pública, a legalidade, a educação e a saúde competem ao Estado, mas não de maneira monopólica, e sim em estreita colaboração com a sociedade civil.

Estas e outras convicções gerais de um liberal têm, na hora de serem aplicadas, fórmulas e matizes muito diferentes relacionados ao grau de desenvolvimento de uma sociedade, de sua cultura e de suas tradições. Não há fórmulas rígidas e receitas únicas para que as ponhamos em prática. Forçar reformas liberais de maneira abrupta, sem consenso, pode provocar frustração, desordens e crises políticas que põem em risco o sistema democrático. Este é tão essencial ao pensamento liberal como o da liberdade econômica e o do respeito pelos direitos humanos. Por isso, a difícil tolerância - para quem, como nós, espanhóis e latino-americanos, tem uma tradição dogmática e intransigente tão forte - deveria ser a virtude mais apreciada entre os liberais. Tolerância significa simplesmente aceitar a possibilidade do erro nas próprias convicções e de verdade nas alheias.

Por isso, é natural que haja entre os liberais discrepâncias, e às vezes muito sérias, sobre temas como o aborto, os casamentos gays, a legalização das drogas e outros. Sobre nenhum desses temas existem verdades reveladas. A verdade, como estabeleceu Karl Popper, é sempre provisória, válida apenas enquanto não surgir outra que a qualifique ou a refute. Os congressos e encontros liberais costumam ser frequentemente parecidos com os dos trotskistas (quando existia o trotskismo): batalhas intelectuais em defesa de ideias contrapostas. Alguns veem nisso um traço de inoperância e irrealismo. Acredito que essas controvérsias entre o que Isaias Berlin chamava de "as verdades contraditórias" fizeram com que o liberalismo continue sendo a doutrina que mais contribuiu para melhorar a coexistência social, promovendo o avanço da liberdade humana.

Fonte: Estado de São Paulo, 26/01/2014

Publicado originalmente 27/01/2014

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Retrospectiva 2014: Com os portos brasileiros obsoletos, Dilma vai inaugurar porto de Mariel em Cuba pago com dinheiro do BNDES


Enquanto os portos brasileiros não atendem à demanda, Cuba vai inaugurar um, novinho, feito com investimento do BNDES que é mantido sob sigilo pelo governo petista

Uma potência agrícola com portos tão inadequados é uma Ferrari com um reles motor 1.0. A exuberância fica empacada. É o caso do Brasil. O principal porto brasileiro, o de Santos, está assoreado e isso impede que os cargueiros de última geração, que exigem profundidades superiores a 14 metros, atraquem no terminal. As obras de dragagem ali avançam, mas em ritmo cubano. Opa! Quem nos dera! Em Cuba, com dinheiro do povo brasileiro, as obras de infraestrutura progridem velozmente.

Em 2014, o Brasil vai perder 22% da riqueza gerada pela maior safra de soja da história, de 55 milhões de toneladas. A causa disso são os gargalos da infraestrutura portuária brasileira e- da perda de carga em acidentes de caminhões nas péssimas estradas. Isso significa que o governo brasileiro dedicou a essa questão a prioridade máxima, investindo o máximo possível na melhoria das estradas e dos portos brasileiros? Não. Apenas 7% dos 218 milhões de dólares pré-vistos para ser investidos nos terminais brasileiros em 2013, ou 15,5 milhões de dólares, foram aplicados. O maior investimento brasileiro em portos nos últimos anos foi feito onde? Em Cuba.

No fim de janeiro, a presidente Dilma Rousseff vai à ilha dos irmãos Castro inaugurar o Porto de Mariel. O governo brasileiro investiu 682 milhões de dólares nos últimos três anos na construção de um terminal em Cuba, onde a ditadura de Fidel e Raul Castro, perdoem a repetição, vive sua fase terminal. O Porto de Mariel terá capacidade 30% superior à do Porto de Suape, o principal do Nordeste brasileiro. O descalabro é obra de Lula. Foi no governo dele, em 2008, que o BNDES decidiu financiar 71% do orçamento da construção do porto. Para entendermos o senso de prioridade do governo do PT, o BNDES emprestou aos cubanos três vezes mais do que destinou a melhorias e ampliações no Porto de Suape desde a sua inauguração, em 1983. Cuba não pode esperar. O Brasil pode.

Acrescente-se aos dados acima o fato de que o negócio com a ditadura cubana transcorreu sob segredo de Estado. Em junho de 2012, o ministro Fernando Pimentel, do Desenvolvimento e Comércio Exterior, classificou o conteúdo do contrato como "secreto", com validade até 2027. A justificativa foi proteger "informações estratégicas". Acabava de entrar em vigor a Lei de Acesso à Informação quando Pimentel decidiu classificar o negócio com os cubanos como secreto.

O BNDES financia obras de infra-estrutura em quinze países, mas apenas três contratos — dois com Cuba e um com Angola — são considerados secretos. Um documento arquivado na biblioteca do Senado antes da blindagem feita por Pimentel e o relato de um funcionário público familiarizado com 35 negociações em torno ao empréstimo para o Porto de Mariel dão uma pista do tipo de informação que o governo tenta esconder. A única garantia exigida pelo empréstimo foi a abertura de uma conta em uma agência do Banco do Brasil nos Estados Unidos na qual Cuba se compromete a manter um saldo equivalente a três parcelas do pagamento da dívida com o Brasil, cujo desembolso começará apenas em 2017. Em caso de atraso no pagamento, o Brasil teoricamente, poderia sacar os valores da conta de Havana no BB. Teoricamente, pois os termos do contrato secreto são desconhecidos e podem conter cláusulas ainda mais favoráveis aos ditadores de Cuba. Por exemplo, o valor das três parcelas pode ser irrisório.

A promessa dos cubanos é depositar na agência do BB nos Estados Unidos parte da receita de suas exportações de açúcar. Como Cuba produz hoje menos açúcar do que há 55 anos, quando os Castro substituíram a ditadura de Fulgencio Batista pela deles, não há nenhuma garantia. Havana pode simplesmente deixar de depositar o dinheiro. O porto estará prontinho. E estará dado o calote — aliás, recorrente nos negócios com Cuba. Nem ao falecido Hugo Chávez o Brasil ofereceu tanta facilidade. Uma das razões para não ter vingado a participação da petroleira PDVSA na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, foi o fato de o BNDES ter exigido que o venezuelano buscasse junto a bancos privados as garantias necessárias para a liberação do crédito. Chávez queria a mesma mamata dada pelo PT aos cubanos. Ofereceu dar como garantia uma conta a ser abastecida com as divisas geradas pelas exportações de petróleo. Não funcionou.

"Cuba é conhecida pêlos calotes. Os contribuintes brasileiros podem considerar esse dinheiro como uma doação de seu governo para a manutenção de uma ditadura", diz José Azei, professor do Instituto de Estudos Cubano-Ameri-canos da Universidade de Miami. Em 2004, o governo do México recorreu à Justiça italiana para embargar 40 milhões de dólares de uma conta da empresa de telefonia de Cuba, na tentativa de reaver parte de um empréstimo de 500 milhões de dólares. Em novembro passado, o México acabou perdoando 70% da dívida e parcelou o saldo de 150 milhões de dólares em dez anos. O mesmo foi feito pelo Japão, que abriu mão de 80% de uma dívida de 1,4 bilhão de dólares.

Cuba já pleiteia um novo empréstimo do Brasil. Desta vez para construir uma zona industrial ao redor do Porto de Mariel. Em novembro passado, Rodrigo Malmierca, ministro do Comércio Exterior cubano, esteve no Brasil para convencer empresas brasileiras a se instalarem na ilha. Malmierca prometeu isenção fiscal e o fim do confisco de metade do salário pago aos trabalhadores — um dos itens da legislação escravocrata implantada pêlos comunistas. Nenhuma empresa brasileira topou. Vai ver, Malmierca já acertou tudo em segredo com o governo brasileiro. 

Fila em toda parte. Loja de sapatos do Exército em Camaguey, Cuba
O monopólio dos militares
Em 2006, o total de empresas  registradas em Cuba era de 3 519. Em setembro passado, quando o Escritório Nacional de Estatísticas e Informação de Cuba divulgou o mais atual levantamento empresarial da ilha, apenas 2491 empreendimentos estavam com as portas  abertas. Uma redução de 29%. O  fracasso da indústria, do comércio e  do setor de serviços nada tem a ver com o embargo americano, até porque nada impede Cuba de fazer negócios com o restante do mundo. Trata-se, isso sim, do resultado da crescente concentração das atividades econômicas nas mãos de oficiais das Forças Armadas, um processo que começou em 1994, quando o país comunista "se abriu" a investimentos externos. Como as empresas estrangeiras não podiam ser 100% donas do negócio, associaram-se aos militares.

Em 2012, as empresas das quais eles eram sócios ou únicos donos - desde lojas de roupas e sapatarias até a Almacenes Universales S.A, que controla toda a importação e exportação de produtos - movimentaram 80% do PIB do país. A administração do Porto de Mariel será feita pela Almacenes, que também será a sócia compulsória de quem se aventurar a investir no parque industrial previsto para as proximidades. No Brasil, a filial da empresa foi aberta em 2010 por Fidel Castro Puebla, que vive no bairro dos Jardins, em São Paulo, e cujo nome é uma homenagem da mãe, a general Esther Puebla, ao ditador cubano e ex-companheiro de guerrilha. Sob o nome de Comercial Brasraf Importação e Exportação Ltda., a filial da Almacenes faz a intermediaçâo do comércio entre Brasil e Cuba.

Fonte: Veja, 08/01/2014, Leandro Coutinho

Mulher absurda


 Publicado originalmente em 10/01/2014

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Charges em homenagem aos cartunistas franceses mortos no ataque terrorista islâmico contra a Charlie Hebdo!

A Europa tem recebido imigrantes mulçumanos sem muitos critérios eletivos há décadas. Hoje há grande contingente populacional de gente que não se adapta ao mundo ocidental no velho continente. Na França, 10% da população já é muçulmana. Entre eles, 40% são jovens desempregados que não se sentem franceses e são facilmente recrutados por grupos extremistas. 

Os peritos dizem que esses ataques-relâmpago, perpetrados por poucos indivíduos, como o que vitimou os cartunistas da Charlie Hebdo, devem aumentar, pois os ataques terroristas de massa estão cada vez mais difíceis de executar. A solução será mais repressão policial e perda de liberdades civis para os franceses. Se tivessem criado um programa de aculturamento desses imigrantes e restringido a permanência dos mesmos no país à sua capacidade de adaptação aos costumes locais, toda essa situação trágica poderia ter sido evitada. Agora ficaram entre a cruz e a caldeirinha.

E o mundo das artes e do humor, de luto. 






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