8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

segunda-feira, 10 de março de 2014

SOS Venezuela e o vergonhoso apoio do governo Dilma à ditadura de Nicolás Maduro

SOS Venezuela: Não, vocês não estão sós!
Dois textos e um vídeo abaixo dão uma ideia do que se passa na Venezuela com a cumplicidade do governo brasileiro, o que tanto nos envergonha a nós brasileiros amantes da liberdade. Um dos textos é o editorial do Estadão desse domingo; o outro, A Solidão dos Estudantes Venezuelanos (clique aqui para o original em espanhol) é do colunista Enrique Krause, do periódico El País, em 26/02/2014. Todos descrevem o drama pelo qual passa o país vizinho, dilapidado pelo chavismo e a reboque dos interesses dos irmãos Castro, os escroques da ditadura comunista de Cuba. 

Descrevem também a tragédia de um continente ocupado pelos autoritários do clube do Foro de São Paulo, agremiação que reuniu as viúvas do Muro de Berlim, os herdeiros do comunismo, desde a década de noventa do século passado. Para quem ainda tinha dúvidas, a situação atual da Venezuela mostra claramente que o destino de nosso país e de outros da região, às voltas com a esquerda autoritária e populista do Foro de São Paulo, é a cubanização, caso não consigamos tirar o PT do poder. 

Por solidariedade aos venezuelanos, isolados por um novo muro da vergonha, construído pela esquerda autoritária, e por sentido de autopreservação, vamos divulgar esses textos e o vídeo abaixo de modo a conscientizar mais pessoas a tempo de escaparmos de destino tão vil.

Vergonhoso apoio a Maduro

Em vez de assumir suas responsabilidades e pressionar o governo da Venezuela a dialogar com a oposição para superar a violenta crise no país, o governo brasileiro prefere fazer de conta que nada está acontecendo. O assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, esteve recentemente na Venezuela e disse que há uma "valorização midiática" dos confrontos. "O país não parou, as coisas estão funcionando", afirmou Garcia. Não se trata de autismo, mas de uma estudada farsa, cujo objetivo é fazer crer que Nicolás Maduro tem a situação sob controle e que as manifestações só são consideradas importantes pelos "veículos de comunicação internacionais".

Desse modo, o governo petista continua a seguir a estratégia de desmerecer os protestos contra o chavismo, como se estes fossem mero alarido de quem foi derrotado nas urnas, e não uma legítima expressão de descontentamento com os rumos que o país tomou nos últimos anos. Essa política explica por que o Brasil aceitou subscrever a indecente nota do Mercosul que criminalizou os oposicionistas venezuelanos.

Enquanto Garcia finge que tudo não passa de invenção da imprensa - segundo ele, Maduro vai se encontrar com jornalistas estrangeiros para "aclarar os fatos" -, a situação na Venezuela se deteriora a cada dia. Um dos mais importantes sinais de que a desestabilização pode estar se espalhando inclusive entre os militares foi a destituição de três coronéis da Guarda Nacional Bolivariana. Eles são acusados de criticar a repressão aos manifestantes.

Além disso, em inegável tom de confronto, Maduro ordenou, durante um desfile militar, que as milícias chavistas dissolvessem barricadas erguidas por manifestantes. Esses grupos paramilitares, que agem impunemente à margem da lei, são justamente a vanguarda da repressão oficial aos manifestantes. O número de mortos em um mês de protestos já chega a 20, e há inúmeras denúncias de violações de direitos humanos por parte das forças governistas.

Foi diante desse quadro que um grupo de ex-presidentes latino-americanos, entre os quais Fernando Henrique Cardoso, decidiu publicar uma carta na qual critica a "repressão desmedida" contra "manifestações estudantis de protesto pacífico" e cita, com preocupação, os testemunhos de "tortura e tratamento desumano e degradante por parte de autoridades". A mensagem exorta Maduro a, "sem demora", criar condições para o diálogo com a oposição, pedindo o "fim imediato" da perseguição a estudantes e dirigentes oposicionistas, o fim da hostilidade à imprensa independente e a libertação dos detidos nos protestos, em especial do líder Leopoldo López - acusado pelo governo de ser o principal articulador dos protestos.

Era essa a mensagem que deveria constar das manifestações da diplomacia brasileira em relação à crise venezuelana, e não o cinismo de quem acha que nada está acontecendo. Mas o governo petista prefere endossar a beligerância de Maduro - que rompeu relações com o Panamá apenas porque esse país sugeriu uma reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA) para discutir a situação. A OEA, como se sabe, é para os chavistas o equivalente à encarnação do diabo, por ter os Estados Unidos como membro.

Conforme informou Marco Aurélio Garcia, a única instância aceitável de diálogo para Maduro é, claro, a União de Nações Sul-americanas (Unasul) - aquela que, em sua última reunião de cúpula, exaltou o "impulso visionário" do falecido caudilho Hugo Chávez para a criação da entidade e que é atualmente presidida pelo notório Dési Bouterse, ex-ditador e atual presidente do Suriname, procurado pela Interpol por narcotráfico.

Sem poder contar com os países vizinhos mais importantes para constranger Maduro a interromper a violência e negociar de fato, resta à oposição seguir a prudência de Henrique Capriles, seu principal líder. Para ele, embora os protestos sejam legítimos, a única solução para a crise é a "saída eleitoral", porque "a maioria do país apoia a Constituição e quer viver numa democracia".

Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2014


A solidão dos estudantes venezuelanos
Surpreende a quantidade de usuários do Twitter que assumem o libreto do Governo de Maduro. A relação de Dilma Rousseff com Havana e Caracas é cínica e paradigmática

A maioria dos estudantes da Venezuela não tem lembrança de outro regime que não seja o chavista, e não querem envelhecer com ele. Suas democráticas vozes são ouvidas de ponta a ponta na Venezuela. Marcham arriscando a vida. Em 2007, saíram às ruas para protestar contra o confisco da RCTV, a mais antiga estação de televisão independente no país. No final daquele ano, foram a principal força de oposição ao projeto chavista de confederar Cuba com a Venezuela. E conseguiram impedi-lo, ao menos em seu aspecto formal. Seus irmãos mais novos já decidiram receber o bastão.

Há na Venezuela 2,4 milhões de estudantes de nível médio e 400.000 do ensino superior. Embora os estudantes ativos em todo o país somem várias dezenas de milhares, a maioria simpatiza com o movimento opositor. Prova disso é que, há anos e até agora, a principal universidade pública – a Universidade Central da Venezuela – elege sistematicamente líderes opositores ao chavismo.

Eles não procuram reverter o atendimento social aos pobres. Criticam a inépcia econômica do regime e, sobretudo, a ocultação da gigantesca corrupção, que em algum momento virá à tona. Sabem que Hugo Chávez monopolizou um a um todos os poderes (Legislativo, Judiciário, Fiscalizador e Eleitoral) e mascarou, com o véu de seu discurso, o dispêndio sem precedentes de mais de 800 bilhões de dólares que durante seus mandatos entraram nas arcas da empresa estatal de petróleo PDVSA. Eles sabem que os níveis de inflação na Venezuela são os mais altos do continente e que a dívida pública se tornou tão intratável que há uma carestia crônica de mantimentos básicos, eletricidade, remédios, cimento e outros insumos primários (como resultado das maciças expropriações das empresas privadas e da queda brutal do investimento). E sabem muito bem que a criminalidade em seu país é também a mais alta do continente.

Os jovens levam em conta esses problemas, mas sua maior indignação é pelo sufocamento sistemático e crescente da liberdade de expressão, que impede que as pessoas tomem consciência e pesem por si mesmas as realidades do país. Chávez alardeava seus feitos (alguns reais, a maioria imaginários) a toda hora e em especial no seu interminável programa dominical Aló Presidente, mas seu sucessor Nicolás Maduro (primitivo, propenso a disparates e fantasias) recorreu à repressão direta das vozes dissidentes. A ideia é fazer com que possua a verdade única, a verdade oficial. Já desde 2012 o Governo chavista absorveu a Globovisión, a última rede independente de televisão aberta no país. Também desfalece a rádio independente. E a venda de papel-jornal foi a tal ponto limitada que a imprensa escrita tem os dias contados. A Venezuela, eis a dramática verdade, se encaminha para uma ditadura e, em vários sentidos, já é.

Os estudantes venezuelanos contam com o apoio de seus pais e professores e de pelo menos metade da população que em 2013 votou contra Maduro (e que, se não sai às ruas, é por uma natural precaução frente aos delatores nos bairros). Mas, no âmbito latino-americano, os jovens estão quase sós. É surpreendente a quantidade de usuários do Twitter (além do mais, jovens) que assumem na América Latina o libreto do Governo venezuelano e atribuem “os distúrbios” às forças “fascistas”, “reacionárias”, e “de direita” que, aliadas com o “Império”, em um obscuro “complô”, tramam um “golpe de Estado” para “derrubar o Governo”. Diante da avalanche de vídeos no YouTube que circulam mostrando o assassinato a sangue frio de estudantes por unidades móveis das tropas formadas na época de Chávez (como La Piedrita e Tupamaros), muitos usuários comentam que as imagens estão “manipuladas”. Paradoxalmente, Maduro condenou o uso do Twitter (“essas máquinas imbecis”, como definiu essa rede) e se declarou vítima de uma “guerra cibernética”.

No México, a imprensa de esquerda – com grande ascendência sobre os jovens – apoia Maduro sem restrições. Nesses setores, Leopoldo López aparece como o instigador da insurreição, e não como o que é: um líder desarmado e agora submetido a um julgamento ilegal sobre acusações falsas e fabricadas.

O poder da ideologia na Venezuela é explicável: em milhões de pessoas perdura o convencimento de que a obra social do Chávez foi tangível e de que, se ele não fez mais pelos humildes, foi porque a morte atravessou seu caminho. Outro fator é a dependência direta de milhões de venezuelanos do erário, consequência do progressivo enfraquecimento da atividade empresarial e do investimento privado. As simpatias dos países dependentes do petróleo venezuelano têm a mesma raiz. O clientelismo tem interesses criados em acreditar no chavismo. Mas como explicar a popularidade da ideologia chavista ou de suas variantes em países que não pertencem à sua órbita?

Embora a Revolução Cubana tenha perdido sua aura mítica, a democracia representativa e o liberalismo não puderam se arraigar de maneira definitiva na cultura política da América Latina. Por isso, a chantagem ideológica de Cuba e da Venezuela ainda funciona: ninguém quer parecer “de direita” em um continente apaixonado pela Revolução, onde os ídolos políticos não foram democratas como Rómulo Betancourt, e sim redentores como Eva Perón, Che Guevara, Fidel Castro e Hugo Chávez. Octavio Paz apontou a razão desse anacronismo: depois da queda do Muro de Berlim, amplos setores da esquerda latino-americana se negaram a praticar a crítica do totalitarismo cubano. E, se não o fizeram com Cuba, menos o fazem com essa versão derivada que é a Revolução Bolivariana.

Devido a essa falta de autocrítica, hoje no México vivemos um paradoxo. O movimento de 1968 foi uma façanha dos estudantes e das correntes políticas e intelectuais de esquerda. Os estudantes foram massacrados pelo Governo de Díaz Ordaz, e grandes líderes de esquerda foram encarcerados. Hoje, não poucos herdeiros dessa esquerda defendem as ações repressoras do Governo venezuelano, que são equiparáveis às de Díaz Ordaz. Hoje, muitos herdeiros dessa esquerda viraram as costas à democracia.

O apoio ao chavismo é, no fundo, uma decorrência do prestígio minguado, mas estranhamente vivo, da Revolução Cubana. Estar contra ela é estar com “o Império”. Que Cuba continue sendo uma meca da ideologia latino-americana é algo que foi comprovado quando, na recente Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), realizadas nos dias 28 e 29 de janeiro último em Havana, praticamente nenhum presidente faltou. E Fidel foi proclamado “guia político e moral da América”. Nessa cúpula, aliás, todos os participantes (incluída Cuba) assinaram o compromisso de respeitar os direitos humanos. Sua assinatura vale o papel em que está escrita.

Mas mais importante que a ideologia são os frios interesses materiais. Nesse sentido, a postura do Brasil é tão paradigmática como cínica: as oportunidades econômicas (turísticas e energéticas, sobretudo) que se abrem em Cuba depois da eventual morte dos irmãos Castro são muito importantes para que se assumam posturas idealistas e se arrisque a estabilidade da ilha. E essa estabilidade implica manter intacta a aliança entre a Venezuela e Cuba. Só assim se explica que Dilma Rousseff, que em sua juventude foi uma estudante torturada pelos militares, agora apoie um Governo cujas forças policiais reprimem estudantes em emboscadas.

Essa lógica é alheia aos estudantes venezuelanos. Eles aquilatam o valor da liberdade porque – diferentemente de seus coetâneos de outros países da região – a veem seriamente ameaçada. Sabem que a democracia prevalece e avança no mundo. Não pensaram em emigrar do país. Mas a América Latina – seus Governos, suas instituições, seus Congressos, seus intelectuais e até seus estudantes – é ingrata com a Venezuela. O país que em grande medida a libertou, há 200 anos, hoje só luta por sua liberdade.

Enrique Krauze é escritor e diretor da revista ‘Letras Libres’.

sábado, 8 de março de 2014

8 de Março: A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Testemunha ocular de como movimentos sociais, altamente ideologizados, são capazes de forjar datas de celebração e eventos “históricos”, fiquei obviamente com dois pés atrás no que se refere a todas as datas de comemoração, entre outros, do movimento feminista ou de mulheres. Quem me garante que outras datas não foram também fabricadas como uma que eu vi “nascer”?

Nessas, resolvi revisitar o dia 8 de março, o bem conhecido Dia Internacional da Mulher, data que já foi de luta e hoje se parece mais com o dia das mães, quando as mulheres recebem flores e presentes, por supostas características intrínsecas a todas as mulheres, e descontos em muitos produtos.

E, como desconfiava, fui logo encontrando outra história mal-contada. Essa pelo menos parece ter sido fabricada mais pela simples imaginação, embora não falte igualmente a conotação ideológica, do que por má-fé deliberada como outras. Não esquecendo, contudo, que seu resgate atual já não anda também cheirando muito bem.

A história que sempre me contaram e que inclusive repassei como verídica, nos meus tempos de Jardim do Éden, para a origem do 8 de março, era aquela das operárias que haviam sido queimadas vivas, quando resolveram fazer greve por melhores condições de trabalho, na fábrica onde ralavam, porque seus patrões, burgueses malvados, as trancaram no local e botaram fogo em tudo. Esse trágico evento teria acontecido, em Nova Iorque, no dia 8 de março de 1857. Posteriormente, na II Conferência Internacional das Mulheres Trabalhadoras (ou II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas), em Copenhague, em 1910, a social-democrata Clara Zetkin, em homenagem às pobres costureiras mortas no incêndio, decidiu definir a data da tragédia como Dia Internacional da Mulher. E daí por diante o dia teria tomado o imaginário popular.

Entretanto, tal história não corresponde aos fatos. Na década de 60, durante a chamada segunda onda do feminismo, quando as mulheres lograram produzir um grande movimento de reivindicações várias pela igualdade das mulheres, diferentes correntes do movimento feminista e de mulheres decidiram trazer de volta a ideia antiga, do início do século passado, de um dia internacional das mulheres. Parece que ninguém se deu ao trabalho, porém, de fazer uma pesquisa mais séria sobre as origens do dia referido, e o resultado foi uma espécie de “samba da crioula doida feminista” que misturou datas e eventos desconexos no tempo para produzir a história que ganhou às ruas e acabou até institucionalizada.

Corpos das mulheres que se atiraram do prédio em chamas em 25/03/1911
Recentemente, algumas pesquisadoras andaram se debruçando sobre a história, aquela com H maiúsculo geralmente tão vilipendiada, e descobriram, primeiro, que não houve um incêndio, em 8 de março de 1857, em um protesto de mulheres contra os donos da fábrica que reagiram de forma criminosa. O incêndio de fato ocorreu em 25 de março de 1911, numa fábrica de vestuário, em Nova Iorque, chamada Triangle Shirtwaist Factory (Companhia de Blusas Triângulo), em razão das péssimas condições de segurança do local. Nele morreram 146 pessoas (125 mulheres e 21 homens), a maioria das moças, imigrantes judias e italianas, que trabalhavam horas a fio em troca de salários de fome. Após a tragédia, que chocou a cidade, houve passeatas de protesto, velórios emocionados, etc. e tal, mas não foi esse o fato que levou ao surgimento da idéia de um dia das mulheres.

Greve de trabalhadoras têxteis que durou de novembro de 1909 a fevereiro de 1910. 20.000 aderiram à greve, que também teve muitas passeatas de protesto, formadas por uma maioria de mulheres judias.
Essa ideia já havia surgido antes, quando trabalhadoras tomaram às ruas de Nova Iorque, em 1908, 1909 e 1910, para exigir jornadas mais curtas de trabalho, melhores salários e direito ao voto. Em razão dessas manifestações, as norte-americanas estabeleceram o dia 28 de fevereiro de 1909, nos EUA, como Dia Nacional das Mulheres (alguns autores dizem que essa data já foi chamada de Dia Internacional das Mulheres). E foram também as norte-americanas que levaram à II Conferência Internacional das Mulheres Trabalhadoras, em Copenhague, Dinamarca, em 1910, a idéia de se estabelecer o último domingo do mês de fevereiro como  um dia internacional de luta das mulheres. Clara Zetkin, de fato, apenas encaminhou a proposta das americanas, que foi aprovada pela conferência, mas sem uma data unificada de celebração.

Nos anos subsequentes, em diferentes países, como os EUA, a Alemanha, a Áustria, a Suécia e a Rússia, houve manifestações do dia internacional da mulher, variando a data do fim de fevereiro a meados de março, incluindo aí um 23 de fevereiro de 1917 (pelo calendário russo), quando tecelãs fizeram uma greve de protesto, em São Petersburgo, na Rússia, que alguns autores e autoras consideram o estopim do levante que derrubou o Czar do poder.  Em 1921, durante uma Conferência de Mulheres Comunistas, as mesmas também definiram o 23 de fevereiro (que corresponde ao 8 de março de nosso calendário), em referência à greve das tecelãs, como Dia Internacional Comunista das Mulheres, data que passou a ser comemorada localmente.

Depois desses primeiros anos do século XX, com a implantação dos regimes totalitários comunistas nos países do Leste Europeu, com o surgimento também do totalitarismo nazifascista e de todos os conflitos que levaram à Segunda Guerra Mundial, as comemorações de um dia internacional das mulheres desapareceram quase por completo. Somente em meados da década de 50, volta-se a falar em um dia internacional da mulher, em âmbito mundial, aí já misturando as datas e eventos citados acima e acabando por gerar o mito da origem do atual dia internacional a partir da “história” da homenagem às costureiras mortas, no incêndio da fábrica de vestuário (Triangle Factory), “ocorrido” em 8 de março de 1857.

Como citei anteriormente, foi, contudo, apenas na década de 60, novamente nos EUA, com o surgimento da segunda onda do movimento feminista, que o mito da origem do dia internacional da mulher se consagra naquela base da mentira que repetida mil vezes ganha foro de verdade.  Com o crescimento do movimento feminista e a inclusão das reivindicações das mulheres na pauta das sociedades em geral, na década de 70, o mito da origem do dia 8 de março foi inclusive progressivamente se institucionalizando, sendo encampado pelas Nações Unidas, em 1975, e pela UNESCO em 1977. De qualquer forma, apesar dos verdadeiros fatos virem sendo divulgados só recentemente, permanece, como referência do Dia Internacional da Mulher, para algumas, a conferência de 1910, quando o dia foi proposto e, para outras, o dia 19 de março de 1911, quando ocorreu efetivamente a primeira celebração do dia na Alemanha. Ou quem sabe não fosse mais correto tomar, como referência, o dia 28 de fevereiro de 1909 nos EUA?

Forçoso dizer que, para um levantamento mais consistente das datas e eventos que levaram a formulação do mito da origem do dia internacional das mulheres, faz-se necessário um número maior de pesquisas realizadas por pesquisadores idôneos e mais imparciais do ponto de vista ideológico. Hoje, no Brasil, como estamos vivendo uma recidiva de idéias “socialistas”, com as correntes do feminismo na ativa praticamente restritas às vertentes socialistas e radicais (estas também de base marxista), as socialistas deram para dizer que a origem do 8 de março vem das mulheres socialistas, esquecendo das outras contribuidoras. Estão se arrogando esse direito, claro, pelo simples fato de se identificarem como socialistas e estarem puxando a brasa para sua sardinha, como se diz popularmente. Esse sectarismo, aliás, parece ser de raiz, pois, seguindo os ditames da conferência de Copenhague, segundo pesquisei, as socialistas decidiram formar grupos, para a organização do dia internacional das mulheres, só entre si mesmas, sem aliança com as feministas, consideradas burguesas, que, na época, eram representadas pelas sufragistas.

Sufragistas fazem manifestação pelo voto feminino
De fato, embora não se possa deixar de reconhecer a importante participação das mulheres trabalhadoras, nos distintos eventos que acabaram configurando o mito de origem do 8 de março, cumpre salientar que o Dia Internacional da Mulher, que se consagrou internacionalmente, não partiu estritamente da conferência de 1910 nem do evento ocorrido no dia 23 de fevereiro de 1917 (pelo calendário Juliano e 8 de março pelo gregoriano),  na Rússia, durante o levante que derrubou a monarquia e acabaria culminando na revolução bolchevique, mas sim da fabricação de um ”8 de março de 1857” referente a um trágico acidente, supostamente ocorrido em Nova Iorque, que vitimou um centenar de pobres costureiras.  E essa fabricação, que conquistou corações e mentes, é fruto sobretudo dos movimentos feministas oriundos das democracias liberais norte-americanas e europeias, principalmente a norte-americana, a partir da década de sessenta, onde havia liberdade  (e há) para as mulheres não só reivindicarem direitos mas também criar ideologias e mitos feministas (para o bem ou para mal). O 8 de março que se comemora hoje é fruto de um movimento multiclassista, multi-étnico, de diferentes orientações sexuais e multi-ideológico  e não pode ser reduzido a apenas uma de suas facetas. É forçar a barra demais - agora que tantas mulheres de visões ideologicamente distintas já contribuíram para compor o recheio da historinha do “8 de março” - querer separar o joio do trigo e fabricar uma nova “verdadeira” origem da data.

Como praticamente todos os demais movimentos sociais, no Brasil, o movimento feminista ou de mulheres se esqueceu completamente das lutas pela autonomia do movimento e das reivindicações específicas das mulheres, frente às organizações da esquerda autoritária e seu ideário, que consideravam as lutas da mulher uma causa menor, burguesa, nas décadas de 70 e 80, deixando-se hoje cooptar e aparelhar por partidos e ideologias que, como sobejamente provado pela história da humanidade no século XX, somente produziram ruína econômica e ditaduras sangrentas, com milhões de mortos, nos países onde se estabeleceram. A tão propalada justiça social a que levariam nunca aconteceu.

Por isso, embora as comemorações do Dia Internacional da Mulher sejam de todas as mulheres e não de algumas mulheres de uma seita ideológica particular, os 8 de março dos últimos anos tem vindo também com um travo amargo por se ver um movimento que sempre precisou tanto da liberdade, para existir e se fazer valer, estar aí flertando com o sinistro charme das ditaduras.

Que as mulheres do início do século XX se deixassem encantar pelas promessas falsamente igualitárias do “socialismo-comunismo” é perfeitamente compreensível, pois elas não sabiam o resultado dessas ideologias na prática. Que mulheres do século XXI, com a experiência de todos os regimes totalitários que o comunismo estabeleceu, em todos os lugares onde se instalou, continuem acreditando nessa perigosa quimera – ainda que reeditada com nova roupagem - é realmente incompreensível. Nem preciso dizer que este movimento nem representa a mim, que tenho décadas de luta pelos direitos das mulheres, nem a maioria das mulheres brasileiras que seguramente já se acostumou com os confortos da independência e da democracia e nunca teria como representantes – se pudesse elegê-las – promotoras de projetos autoritários cinicamente chamados de de “direitos humanos”. Aliás, o cinismo parece ser mesmo um apanágio dos totalitários: no dístico do pórtico de entrada do campo de concentração de Auschwitz, preservado em memória das vítimas do nazismo, lê-se, até hoje, “O trabalho liberta.”

Então, neste Dia Internacional da Mulher, precisamos brindar principalmente a nós, mulheres realmente democráticas, que, tantas vezes, lutamos sob a bandeira de nossa maior líder, a Liberdade! Das lutas, na tempestade. Dá que (sempre) ouçamos tua voz!

1.Kandel, Liliane e Picq, Françoise. Le mythe des origines, à propos de la journée internationale des femmes. La Revue d’En face, n° 12, automne 1982

2.A primeira onda feminista se caracteriza sobretudo pela reivindicação do direito ao voto feminino, embora não se resuma a ela, e foi uma luta de fins do século XIX até o pós-guerra (II Guerra Mundial). A segunda onda, a grosso modo, se inicia na década de 60 e vai até a década de 80, caracterizando-se sobretudo pelas demandas por igualdade, em todos os níveis, e a politização das relações pessoais entre homens e mulheres.

3.Mulheres que lutaram pelo voto feminino nos séculos XIX e XX.

Publicado originalmente no site Um Outro Olhar em 8 de março de 2010

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Desacreditar a polícia é uma maneira de fortalecer a criminalidade: violência crescente no Brasil, fruto de indignação sem rumo, é muito perigosa

Viviane Mosé
‘Ser manifestante não dá isenção’, afirma a psicanalista Viviane Mosé

Em entrevista ao GLOBO, ela analisa a violência dos recentes protestos que tomam as ruas do país

RIO - Logo que começaram as manifestações, em junho de 2013, a psicanalista e filósofa Viviane Mosé falou sobre o risco de violência e disse que a polícia não podia ser tratada como inimiga pública número 1. E alerta: hoje, declarar-se manifestante equivale a dizer “sou do bem”.

Por que tanta violência nos protestos?

Vivemos um momento extremamente violento, a violência é gratuita, desde o menino que entra na escola mata 13 alunos e se mata, como ocorreu em Realengo, até as manifestações que estão acontecendo na Ucrânia e que aconteceram no Egito e no Brasil. Existe uma crise de valores, então todo mundo está violento. Isso é um fato, mas a questão é o que fazemos com a violência. Nossas manifestações foram violentas desde o princípio. Vimos polícia violenta, vimos manifestante violento. A violência da polícia a gente botou no jornal, criticou, mas ninguém nunca teve direito de criticar a manifestação, e esta era violenta. Provocava a polícia, jogava pedra, quebrava patrimônio público, mas ninguém podia falar nada. Então hoje estamos vendo uma violência crescente no Brasil, vinda de uma indignação sem direção, o que é muito perigoso. A gente tem de se relacionar com ela como adulto. Como sociedade, não se pode deixar a violência como está.

Por acontecer durante as manifestações, essa violência ganhou imunidade?

No Brasil, parece que dizer “sou manifestante” é dizer “sou do bem”. Então uma pessoa que nunca fez política, nunca participou de qualquer movimento social, um dia vai a uma manifestação e grita contra qualquer coisa, saindo dali como representante do bem. Ele abraça qualquer uma dessas verdades prontas que aparecem na internet, defendendo aquilo de maneira rasa. Ser manifestante não dá a ninguém isenção. Ele pode estar ali se manifestando, mas também pode ser um bandido. Ser manifestante não é sinônimo de nada além de alguém que está se manifestando. Quando soltamos manifestante só porque era manifestante, soltamos também alguns bandidos que estavam ali no meio, e hoje temos noção disso.

Na morte de Santiago Andrade, houve quem dissesse que a intenção não era atingir a imprensa, mas a polícia. Essa rejeição à polícia não seria fruto de anos de corrupção e violência policial?

Não somente de corrupção e violência policial, mas de um regime militar recente que se utilizou da polícia como ferramenta de repressão. A situação é tão grave que se fosse um policial que tivesse morrido, eles diriam que a culpa era dele. Morreu uma policial militar de 22 anos da UPP e não houve uma única manifestação por ela. Só o silêncio. Grupos de direitos humanos raramente defendem policiais. E essa violência contra a polícia recrudesce em um momento em que ela está tentando se transformar, no momento de implementação da pacificação das comunidades. Acho uma pena enfraquecer as UPPS.

A senhora acredita que essas manifestações sejam orquestradas?

As manifestações são orquestradas, mas por várias forças. É complicado. Elas são orquestradas por black blocs e pelos coletivos, como eles se chamam agora. São vários coletivos surgindo, que querem fazer justiça com as próprias mãos, como ocorreu no Flamengo. É como se estivéssemos vendo uma orquestração de alguns grupos que acreditam que a violência é válida como forma de manifesto. Também vemos alguns partidos políticos se organizando, pagando pessoas para estar lá, se utilizando daquela manifestação contra ou a favor de determinado partido. Mas também há grupos que ficaram de fora da venda de drogas nos morros, que foram prejudicados com as UPPs. Para esses grupos interessa a manifestação, porque ela vai contra a polícia, e desacreditar a polícia é uma maneira de fortalecer a criminalidade. Mas ali tem, inclusive, jovens engajados politicamente, com disposição para transformar a sociedade. Esse é o perigo das manifestações, ali tem de tudo. Atuar ali envolve a compreensão cirúrgica do problema. E não apenas botar o carimbo “é do bem” ou “é do mal”.

Qual a ideologia por trás dos black blocs?

Eles defendem o fim do capitalismo e quebram fachadas de bancos, como se isso fosse afetar os banqueiros. Eles atacam a imprensa como se esta fosse o mal, a única responsável pela alienação da sociedade. É um discurso velho e raso, quase ingênuo. Na verdade é uma indignação que não tem por trás nenhum discurso. Falta leitura ou é preguiça de desenvolver a argumentação, que fica sempre no meio do caminho. Este aliás foi o mal do século XX, a leitura foi desestimulada por comunistas e por capitalistas. O que sobrou foi essa falta de conceitos, então quando alguém diz alguma coisa na internet e um milhão concorda, vira verdade absoluta, e se você falar diferente, você é do mal. Isso é muito fascista. O domínio de uma maioria que se impõe pelo número.

As manifestações no Brasil sempre fizeram parte de momentos históricos. O que caracteriza as de hoje?

É delicado falar disso. “O gigante acordou.” É, o gigante acordou de uma hora para outra, sem nenhuma tradição de atuação ou participação política, as manifestações não nasceram de um engajamento com movimentos sociais, não houve continuidade com nada que existia até então de luta política e social. Do nada, as pessoas foram para a rua, levando a sua indignação. Mas levaram uma indignação sem conceito, sem sofisticação intelectual nenhuma, abraçados a meia dúzia de verdades rasas, quase ingênuas. Aquele grande bloco na rua contra o quê? Contra a passagem? O serviço público? Depois que toda essa energia está canalizada, o que a gente faz com isto, se não quer atingir nada? Necessariamente esse movimento acaba em violência. Para mim a violência foi o gozo das manifestações que não estavam indo para lugar nenhum. E esse gozo está justificado por intelectuais e comentadores. E é perigoso, está solto pela rua. Você vê isso o tempo inteiro, quando alguma coisa dá errado no Brasil, então você queima ônibus, queima lixo, depreda, e isso é primitivo demais.

Qual é a sua expectativa sobre o futuro dessas manifestações?

No primeiro levante do gigante adormecido sobrou indignação, mas faltou educação, faltou leitura. Mas a boa nova é que o Ensino Básico vem melhorando, e acredito que em poucos anos, em até cinco anos, esse gigante das ruas vai despertar novamente, e dessa vez será outro. Não aquele movido pela campanha publicitária “Vem pra rua”, mas por uma indignação elaborada por meio de propostas, de rumos para a sociedade que queremos. E que o poder público se prepare para essa demanda, criando novas pontes de diálogo, de entendimento, de cooperação, o que já não é uma escolha, mas a única possibilidade de vida em sociedade.
Entrevista em vídeo

Fonte: O Globo, Elenilce Bottari, 27/04/2014

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Diferenças entre a esquerda e os liberais no aspecto social e econômico

Marcos Lisboa
A esquerda e os liberais  

O caso recente da energia é um exemplo da estratégia à esquerda. A realidade tem o mau hábito de decorrer de dificuldades técnicas

A discussão sobre as abordagens de política econômica frequentemente se escora em estereótipos: a direita seria autoritária na política e liberal na economia; a esquerda, democrática e desenvolvimentista. Este artigo propõe um contraponto.

A clivagem usual pode ter origem na ditadura militar, uma escolha trágica que, na retórica, tem sido utilizada para esconder a semelhança entre os principais projetos políticos à esquerda e à direita no período. Ambos compartilhavam o autoritarismo e o diagnóstico econômico que enfatizava a relevância da intervenção pública, o estímulo à produção doméstica, a proteção de setores estratégicos pouco competitivos e a normatização minuciosa das regras para as decisões privadas.

A divergência não ocorreu tanto sobre a estratégia econômica, mas mais sobre quem deveria liderá-la. A esquerda apoiava uma aliança política alternativa, porém compartilhava o projeto nacional-desenvolvimentista e a pouca ênfase em políticas sociais como educação. Por isso mesmo era apenas aparente o paradoxo do elogio ao 2º PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) do governo Geisel.

A abordagem liberal se diferencia de ambos os projetos pela ênfase nas regras e procedimentos para a análise e a deliberação das políticas públicas. Na economia, implica tratamento similar a grupos semelhantes e exposição à concorrência, tendo como resultado a desigualdade que decorre do mérito, e não do acesso privilegiado ao governo. Benefícios podem ser concedidos desde que transparentes, com metas de desempenho e avaliação independente.

O debate sobre política social no Brasil nos anos 2000 reflete a divergência entre liberais e a esquerda. Não se tratava de controvérsia sobre a sua relevância, mas de como melhor utilizar os recursos. De um lado, defendia-se a sua transferência para os grupos de menor renda, com incentivos à educação dos jovens. De outro, políticas sociais universais, paradoxalmente combinadas com o nacional-desenvolvimentismo, que escolhe os setores econômicos beneficiados. De um lado, o Bolsa Família; de outro, o Fome Zero.

Para a esquerda, os desafios econômicos devem ser enfrentados pela barganha e intervenções discricionárias. Para os liberais, a desigualdade de renda e os custos mais altos de produção são decorrentes de políticas sociais ineficazes, do excesso de distorções econômicas e da proteção a empresas ineficientes.

A diferença de diagnóstico decorre dos objetivos e regras de debate. À esquerda, a discussão é pautada pela visão de mundo, selecionando os resultados e conclusões por afinidade ideológica. Os liberais são céticos sobre verdades intrínsecas e restringem a discussão aos procedimentos da análise dos dados. De um lado, a leniência com práticas e compromissos, desde que garantido o rumo ideológico. De outro, a tolerância com crenças e políticas, desde que respeitados os processos e procedimentos. A dominância dos fins em contraposição à disciplina dos meios. Por isso, a abordagem liberal é compatível com políticas diferentes e mesmo confrontantes com o seu estereótipo, como políticas sociais focadas em grupos de menor renda e incentivos ao desenvolvimento tecnológico.

O caso recente da energia é um exemplo da estratégia à esquerda. Com discurso indignado pelas condições de mercado, adotou-se uma medida intervencionista com a promessa de queda dos preços. A realidade tem o mau hábito de decorrer de dificuldades técnicas, e não apenas da vontade ou da barganha política, e o resultado foi frustrante. Para manter a promessa, foram concedidos subsídios. A regulação equivocada afetou a expansão da oferta e o conjunto da obra é o preço recorde da energia, além da já aventada estimativa de gastos públicos de R$ 18 bilhões em 2014.

Para os liberais, o debate democrático deve ser resolvido por meio da transparência, para que a sociedade delibere sobre as políticas públicas e, à luz do sol, enfrente dilemas mais difíceis do que o proposto pela retórica da indignação.

Fonte: Folha de São Paulo, Marcos Lisboa, 14/02

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Jean Wyllys e Rachel Sheherazade - quem diria - têm mais em comum do que sonham as vãs filosofias


A liberdade seletiva de Sheherazade e Jean Wyllys

Por 
Pedro Menezes e Mano Ferreira

Nunca faltou quem defendesse uma liberdade relativa, adjetivada, dividida em parcelas ou restrita a setores específicos da sociedade. Poucos, no entanto, foram os que levaram a liberdade como princípio, como uma decorrência natural da existência humana. “Em todos os tempos sempre foram raros os verdadeiros amigos da liberdade.” Dizia Lord Acton na Inglaterra do século XIX. Agora, no Brasil de fevereiro de 2014, é assustador como a frase ainda ecoa com tanta força.

No Rio de Janeiro, um garoto de 15 anos foi amarrado sem roupas a um poste em via pública e torturado por cerca de 30 homens, tendo a orelha cortada por seus agressores. Após ter sido levado a um hospital e medicado, o garoto fugiu. Comentando a notícia, a colunista Rachel Sheherazade, do SBT, se referiu ao garoto como “marginalzinho”, dando a entender que a fuga do hospital se deu em função do medo de ser encontrado pela polícia e preso por conta de sua ficha criminal “mais suja que pau de galinheiro”.


As primeiras informações ainda não identificavam a ficha criminal do garoto e é curioso que Sheherazade tenha feito afirmações tão contundentes sobre isso, num momento em que provavelmente desconhecia o próprio nome do rapaz. De fato, a imprensa identificou alguns bandidos, réus confessos e detidos em flagrante: foram justamente os torturadores cujos atos criminosos Rachel julga “compreensíveis” e “legítimos”.

As insinuações dela quanto ao motivo da fuga do garoto também pareceram não resistir a uma mínima apuração jornalística. Segundo as reportagens, o rapaz fugiu assustado e foi imediatamente ao encontro da diretora de um abrigo municipal, onde permaneceu teve sua localização imediatamente revelada à polícia.

Como eu considero que fichas criminais não justificam sessões de tortura coletiva, concedo a Rachel o gozo livre da fala estúpida. Sei que o adolescente tinha passagens pela polícia. Talvez ele até tenha cometido um crime tão grave quanto aquele do qual foi vítima – ponto sobre o qual não há indícios. Recuso-me, porém, a classificar como jornalista alguém que justifica e incentiva a mutilação de um garoto de 15 anos sem sequer se dar ao trabalho de esclarecer as informações que utiliza como desculpa para a barbárie.

Recuso-me, também, a chamar de “justiceiros” os torturadores, ou dizer que eles fizeram “justiça com as próprias mãos”. As duas expressões, usadas por toda a sorte de palpiteiros sobre o caso, dão à palavra justiça uma definição bastante controvertida. Afinal, o que há de justo em trinta homens adultos utilizando facas e armas de fogo para aterrorizar um menino solitário amarrado pelo pescoço?

Logo após a veiculação das imagens, Sheherazade foi fortemente criticada pelo PSOL, que promete processá-la por conta das suas opiniões. Não creio que a estupidez da comentarista possa ser considerada um ato criminoso. Se for, sugiro que o PSOL também corte na própria carne.

No mesmo dia em que Rachel apareceu no jornal, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) revoltou-se com o pedido de asilo político da cubana Ramona Matos Rodriguez, chamando-a de desertora e ironizando o emprego do termo “escravo”, comumente utilizado para se referir aos médicos cubanos que trabalham em solo brasileiro.

Jean, que foi vencedor do reality show Big Brother Brasil e é homossexual assumido, ganhou projeção nacional como deputado por questões relacionadas ao público LGBT. Ele acredita que todo ser humano deve ser livre para amar e se relacionar com quem bem queira – desde que não seja uma relação de trabalho. Jean acha que Ramona não deve ser livre para escolher onde trabalhar, nem para fugir de um regime autoritário que perseguiu e assassinou homossexuais.

O PSOL agrega os termos “socialismo” e “liberdade”. Mostra agora, mais uma vez, que quando precisa escolher entre dois valores quase sempre incompatíveis elege como prioridade o seu projeto político. Se em um momento ou outro o PSOL defende a liberdade, não o faz porque goste, mas porque precise.

Ao comentar a tortura em via pública de um garoto de quinze anos, Sheherazade se apegou a detalhes irrelevantes, como a fuga do hospital, para justificar o autoritarismo. Ao comentar o pedido de asilo de uma mulher farta de viver sob os desmandos de um genocida, Jean Wyllys ironizou o acontecimento, apegando-se a detalhes irrelevantes, como a participação do DEM no caso.

Para justificarem as suas opiniões bizarras, Jean e Rachel usurpam palavras em um dicionário um tanto particular, torturando a linguagem para defender absurdos que atentam contra os direitos humanos. No dicionário de Jean Wyllys, os médicos cubanos não podem ser chamados de escravos, ainda que escravidão seja a única palavra possível para classificar um regime de trabalho em que o trabalhador não pode se demitir, é vigiado por agentes de segurança e recebe um salário arbitrário definido unilateralmente. No dicionário de Rachel Sheherazade, a barbárie ganha o curioso nome de “legítima defesa coletiva”e torturadores viram justiceiros.

Jean Wyllys e Rachel Sheherazade são duas faces de uma mesma moeda. Em nome de seus preconceitos, projetos políticos e valores discutíveis, Jean e Rachel redefinem o significado das palavras que lhes interessam e destilam seu ranço autoritário da forma mais nojenta possível. Rachel o faz em nome da ordem, Jean em nome da ideologia. A essência, porém, é a mesma. E a liberdade, aquela liberdade da qual falou Lorde Acton, continua tendo pouquíssimos amigos sinceros.

Fonte: Estudantes pela Liberdade, 06/02/2014

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Mais Médicos: a vergonha escravagista que o governo Dilma firmou com a ditadura cubana

Tendo que tirar, dos míseros R$400,00, dinheiro para se manter
Médicos cubanos moram em república, vivem de cesta básica e pagam ônibus
Profissionais do Mais Médicos trazidos por meio de convênio com o governo de Cuba reclamam da falta de repasse das prefeituras para despesas básicas

Cubanos do programa federal Mais Médicos, responsáveis pelo atendimento em unidades básicas de saúde nas periferias de grandes cidades e no interior do País, têm trabalhado sem receber o dinheiro da ajuda de custo prometido pelas prefeituras. Para driblar o atraso, eles improvisam repúblicas, vivem de cestas básicas, recebem "vale-coxinha" e pagam, do próprio bolso, a passagem de ônibus para fazer visitas do Programa Saúde da Família (PSF).

Embora o Ministério da Saúde pague as bolsas, cabe às prefeituras arcar com os custos de moradia, alimentação e transporte. A cláusula é uma exigência do governo federal para a participação no programa.
Em Cuba, disseram que teríamos facilidades que não estamos encontrando aqui. Prometeram, por exemplo, que haveria um carro nas unidades para levar para as visitas domiciliares, mas isso não existe. Temos de pegar ônibus e pagamos a passagem", diz uma médica cubana que atende em uma UBS da capital paulista.
Os médicos têm despesa extra de pelo menos R$ 24 com as tarifas. "Parece pouco, mas faz diferença porque recebemos só US$ 400, e o custo de vida aqui é alto", afirma. A bolsa em torno de R$ 900, ante a de R$ 10 mil paga a profissionais de outras nacionalidades, foi um dos motivos apresentados por Ramona Matos Rodríguez, de 51 anos, para abandonar o programa, no Pará, na semana passada.

Os médicos reclamam também do vale-refeição. "São R$ 180 por mês, dá R$ 8 por dia de trabalho. Onde você almoça em São Paulo com esse dinheiro?", pergunta um médico trazido por meio do convênio entre a Organização Pan-americana de Saúde (Opas), o governo federal e o governo cubano, que fica com a maior parte da bolsa.

Nenhum cubano ouvido na capital quis ter seu nome divulgado com medo de represálias. Eles receberam um comunicado oficial da Secretaria Municipal da Saúde que os proíbe de conceder entrevista sem autorização.

Em Osasco, o maior problema é o atraso no pagamento dos auxílios para moradia e alimentação referentes ao mês de janeiro. "Eles não têm dinheiro para nada", conta um médico sobre a condição dos profissionais trazidos em dezembro. Os cubanos não comentam abertamente os contratos, mas, diante dos atrasos, admitem dificuldades.

Gestores da saúde da cidade da Grande São Paulo relatam que médicos que não recebem a ajuda de custo são transportados em carro do serviço público para as UBSs, de "casa" para o trabalho e do trabalho para "casa". Eles moram ainda em hotéis. "Essa é uma surpresa desagradável do trabalho", disse um médico do programa.

Cubatão também tem situação difícil. No município da Baixada Santista, quatro médicas cubanas foram alojadas em uma casa, em uma espécie de república, na qual vivem com cestas básicas da prefeitura em substituição ao dinheiro da alimentação, que ainda não veio. São Paulo, Osasco e Cubatão são governados pelo PT.

Os atrasos se repetem em Francisco Morato, município dirigido pelo PV. Com nove cubanos, um uruguaio e um brasileiro formado na Argentina, a cidade deveria gastar com cada médico R$ 500 de ajuda de custo e R$ 2,5 mil no aluguel, segundo o convênio com o Ministério da Saúde. Mas, até a semana passada, o pagamento era somente uma promessa.

Notificações. O descumprimento de regras não é exclusividade dos municípios paulistas. Em todo o País, 37 prefeituras já foram notificadas pelo governo federal após serem acusadas de irregularidades. A maioria das notificações foi causada pela falta de pagamento dos auxílios.

De acordo com a pasta, 27 dos casos já foram encerrados, a maioria deles com a regularização. No entanto, a prefeitura de Ceará-Mirim, no Rio Grande do Norte, foi descredenciada. A decisão foi tomada no dia 24 do mês passado, após o ministério tentar, por dois meses, fazer com que o município pagasse os auxílios a três estrangeiros.

Missão. Apesar de tantos problemas, há cubanos que encaram a atuação no Brasil como uma missão humanitária. Yaima Gonzalez, de 29 anos, é um exemplo. Ao lado de dez compatriotas, ela não reclama do atraso nos auxílios em Osasco nem do porcentual recebido de Havana. "O governo de Cuba fez um contrato e estamos aqui para ajudar", diz Yaima, que atuou na Venezuela.

Para matar a saudade da família, os contatos com as duas filhas são diários. "Conversamos por e-mail", conta, lembrando que o contrato vai durar três anos. Quando não está na UBS, a cubana descansa no hotel e passeia pela capital. "Já fui à Rua 25 de Março", diz a médica, com um sorriso no rosto.

Para o cubano Raidel Sanchez Rojas, de 43 anos, que trabalha na UBS Nova Osasco, o estilo de vida dos brasileiros é sua maior preocupação. "Encontramos aqui hipertensão, diabetes, gastrites, obesidade. São doenças que revelam um estilo de vida", diz o médico, em bom português. "Trabalhamos pela prevenção", afirma. Ele também é vítima do atraso dos repasses, mas está otimista. Na semana passada, acreditava que logo alugaria uma casa em Osasco. Enfim, teria um lar.

Fonte: Estado de São Paulo, 08/02/2014

Para Cuba, com amor


Ramona Rodriguez. A cubana que fugiu do Mais Médicos de Pacajá, no Pará, criou um enrosco sem tamanho para o governo Dilma Rousseff. Reacendeu críticas ao extravagante contrato em que os irmãos Castro se apropriam do grosso dos salários dos médicos exportados e deu xeque-mate à legalidade do programa, carro-chefe da campanha do ex-ministro Alexandre Padilha ao governo do Estado de São Paulo.

Contas publicadas pelo jornal O Globo revelam que o Mais Médicos reforçará os cofres da ilha em R$ 713 milhões ao ano, 77% do valor destinado ao programa junto a Cuba. Só 23% ficam com os profissionais importados.

Criou ainda uma encrenca jurídica.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, apressou-se em dizer que Ramona poderá perder o visto de permanência no país e a licença para atuar como médica no Brasil. A tese é frágil. Ancora-se na medida provisória que sustenta o programa, que pouco vale se confrontada à Constituição. Aliás, se o Brasil conferir a Ramona um improvável asilo, ela pode passar no Revalida e exercer a profissão como qualquer médico estrangeiro.

Para o governo, ficar com Ramona é um problema. Incitaria novas dissidências. Embarcá-la de volta pode ser ainda pior. Até porque, sabe-se, a ditadura cubana não a pouparia de retaliações, que acabariam reveladas pela mídia. Não à toa, ela teme por seus familiares, em especial pela filha, também médica.

É tão verdade que mesmo no Brasil Ramona já é vítima de detratores. Ela foi acusada de bêbada e devassa pelo deputado José Geraldo (PT-PA), que inscreveu nos anais da Câmara trechos indizíveis da carta repugnante do presidente do Conselho Municipal de Saúde de Pacajá, Valdir Pereira da Silva. De nível tão baixo que o PT deveria se envergonhar e pedir solenes desculpas.

Para completar, blogs engajados divulgaram a versão de que Ramona só queria mesmo encontrar o namorado, em Miami, e que tudo não passou de uma farsa instruída pelo líder dos Democratas, Ronaldo Caiado (GO).

A previsão é de que o Brasil receba mais de sete mil médicos cubanos. Hoje, 5.378 já estão operando a um custo de R$ 925,86 milhões por ano, isso sem computar transporte e moradia. Repita-se: mais de três quartos disso fica com o governo de Cuba.

Embora o governo Dilma afirme que só decidiu importar cubanos porque não conseguiu preencher as vagas do Mais Médicos com brasileiros e outros estrangeiros, Ramona foi treinada há dois anos para vir para o Brasil. Fez parte de uma farsa.

E faz parte de uma massa que sustenta, com o seu trabalho, a ditadura que ela já demonstrou que não quer. Mas que o governo do PT apoia. Com unhas, dentes e dinheiro. Muito dinheiro.

Fonte: Blog do Noblat, Mary Zaidan, 09/02/2014 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Nouveau Parfum: uma crítica às mulheres feitas à base de Photoshop


A cantora húngara Csemer Boglárka – ou simplesmente Boggie lançou um clipe, chamado Nouveau Parfum (Novo Perfume), onde aparece sendo transformada numa mulher glamourosa por meio daquela mágica que só o Photoshop sabe fazer. 

Com o objetivo de contestar as belezas cada vez mais artificiais das indústrias da moda e da beleza, a cantora já  ultrapassou os dois milhões de acessos no youtube. Na letra, a mensagem bem clara: "Eu não sou seu produto... Eles não podem me mudar.  Sem comparação, inigualável, a nova fragrância, sou eu mesma, o novo perfume."

Confira a letra traduzida e a original bem como o clipe ao fim da postagem.
Novo Perfume
Seja Prada, Hugo Boss, Chanel, Giorgio Armani, Cartier, Azarro, Sisley, Escada, Gucci Naf Naf, Nina Ricci, Lancôme, Kenzo e ainda em plus/encore, outra vez

Seja Bruno Banani, La Bastidane, Estée Lauder, Guerlain, Burberry e Thierry Mugler, Bourjois, Chloé, Jean-Paul Gautier, Valentino e eu nem sei mais

O que eu escolho?
Por que eu escolho?
Quem quer que eu escolha?
Eu não sou seu produto

De beleza, de preciosidade
Eles não podem me mudar
Sem comparação, inigualável,
A nova fragrância, sou eu mesma, o novo perfume

Seja Roberto Cavalli, Bulgari, Givengi, Dolce & Gabana, Paco Rabana ou Lacoste Tommy Hilfiger, Yves Saint Laurent e eu nem sei mais

O que eu escolho?
Por que eu escolho?
Quem quer que eu escolha?
Eu não sou seu produto

De beleza, preciosidade
Eles não podem me mudar
sem comparação, inigualável,
A nova fragrância, sou eu mesma, o novo perfume.

Nouveau Parfum
Soit Prada, Hugo Boss, Chanel, Giorgio Armani, Cartier, Azarro, Sisley, Escada, Gucci Naf Naf, Nina Ricci, Lancôme, Kenzo et encore en plus/encore, encore

Soit Bruno Banani, La Bastidane, Estée Lauder, Guerlain, Burberry et Thierry Mugler, Bourjois, Chloé, Jean-Paul Gautier, Valentino et je n'en sais plus

Lequel je choisis?
Pourquoi je choisis?
Qui veut que je choisisse?
Je ne suis pas leur produit

De beauté, d'préciosité
Ils ne peuvent pas me changer
Sans pareille, nonpareille,
Le nouveau parfum, c'est moi-même, nouveau parfum

Soit Roberto Cavalli, Bulgari, Givengi, Dolce & Gabana, Paco rabana, soit Lacoste Tommy Hilfiger, Yves Saint Laurent et je n'en sais plus

Lequel je choisis?
Pourquoi je choisis?
Qui veut que je choisisse?
Je ne suis pas leur produit

De beauté, d'préciosité
Ils ne peuvent pas me changer
Sans pareille, nonpareille,

Le nouveau parfum, c'est moi-même, nouveau parfumne peuvent pas me changer Sans pareille, nonpareille, Le nouveau parfum, c'est moi-même, nouveau parfum

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Debates libertários: qual o mínimo comum liberal?

Dois autores liberais chilenos discutem o que deve ser o mínimo denominador comum entre as diferentes correntes liberais. O segundo texto - a que se refere o primeiro - está no original em espanhol mas é bem acessível. Negritei os pontos que me pareceram mais interessantes. Um bom debate!

Mínimo comum liberal: a liberdade


Muitos liberais contemporâneos atuam em favor da igualdade, esquecendo que muitas assimetrias e desigualdades não tem origem no exercício da igualdade.

Jorge Gómez/El Mostrador - Chile

Em um artigo interessante (El Mínimo comum Liberal), Cristóbal Bellolio coloca uma série de respostas para esclarecer as dúvidas em torno daquilo que seria um projeto liberal no Chile e seu minimalismo teórico e programático. 

Gostaria de fazer algumas observações para contribuir com o debate. 

O liberalismo é metodologicamente individualista, ou seja, rechaça concepções orgânicas e coletivistas da sociedade. Isso – ao contrário daquilo em que erroneamente se acredita – não significa conceber indivíduos ilhados e sem laços com os outros, mas sujeitos que exercem sua vontade de modo autônomo e com respeito aos demais. 

Desta maneira, as pessoas são capazes de escolher, com base no exercício da vontade, onde se situa o valor da liberdade individual, segundo o qual cada pessoa é um fim em si mesma, e não um meio para os outros. Disso surge o direito de cada um a levar adiante seus projetos de vida sem interferência do Estado ou dos governantes; a sua liberdade de consciência (quer dizer, acreditar no que quiser); de associação; de movimento e de dispor de bens obtidos de maneira justa no exercício de sua vontade, mediante livres trocas com os demais. 

Como cada pessoa é dona de sua própria vontade e de seu corpo e, portanto, um fim em si mesma, ninguém, nem um rei, nem um líder supremo, nem um grupo de pessoas, nem sequer uma maioria, nem sequer em nome do Estado ou deus, ou o que for – pode submetê-la à obrigação de agir ou de pensar de determinada maneira. 

Nesse sentido, ao contrário do que Cristóbal Bellolio coloca, a liberdade individual deve prevalecer sempre, salvo quando um sujeito agride física ou psicologicamente o outro, transgredindo sua dignidade inerente. E justificar essa violação com base em questões duvidosas, como necessidades de coordenação ou demandas de justiça social, poderia abrir espaço para outra violação, a da liberdade pessoal de maneira ampla. Nem sequer “salvar a democracia” justificaria a ambiguidade de “restrições instrumentais da liberdade”. 

Foi isso o que aconteceu nos Estados Unidos anos atrás durante a chamada “guerra ao terror”, quando foram outorgados amplos poderes às polícias para invadir casas sem maiores justificativas; e no Chile, onde certas restrições para “salvar a democracia” terminaram com violência indiscriminada contra algumas pessoas. Isso seria transformar a democracia em uma religião do Estado.

O liberalismo como doutrina emergida em contraposição ao exercício arbitrário do monopólio da força sobre as pessoas e, portanto, desconfiada do poder concentrado, exige que este – que não é outro senão o poder político – atue sob altas restrições a fim de resguardar a integridade pessoal de cada um. 

A partir desse fundamento, deriva-se não apenas a necessidade de separar poderes para evitar sua concentração viciosa, mas também o princípio de que o Estado não deve impor um modo de vida ou uma crença sobre as pessoas, mas sim resguardar sua liberdade – que é a liberdade civil – para que possa exercer todo seu potencial. Essa limitação do poder estatal quanto a não impor um modo de vida também implica que, inclusive o Estado liberal, em seu afã progressista, não pode tentar impor uma moral secular e laica, varrendo tudo o que é considerado tradicional na sociedade. 

Como o absolutismo e seu regime econômico (o mercantilismo) violavam sistematicamente a liberdade de comércio e de propriedade de camponeses e artesãos (empobrecidos com os altos impostos para a guerra, confiscos e trabalho forçado), o liberalismo aumenta a defesa irrestrita do livre intercambio comercial como princípio ético e como instrumento para a paz entre os Estados, rejeitando o nacionalismo e o protecionismo com suas derivações coletivistas ou corporativistas, mas também as pretensões estadistas de planejamento econômico fascista e comunista.

Atualmente, muitos liberais contemporâneos atuam em pró da igualdade, esquecendo que muitas posições assimétricas e muitas desigualdades não têm origem no exercício da liberdade, mas sim no privilégio criado em torno do poder político, muitas vezes camuflado de regulações estatais nos mercados. 

O mercantilismo econômico moderno, vigente em nível mundial, é um exemplo claro disso, e sem dúvidas culmina em formas injustas de desigualdade ao inibir a livre competição quando o poder político favorece determinados grupos corporativos ou de interesse mediante leis, barreiras de entrada, concessões ou transferências judicialmente duvidosas. 

No cenário político chileno também existe uma série de barreiras de entrada que inibe a livre competição democrática e propicia estruturas oligárquicas, elitistas e de castas em todo o espectro político-partidário, que todo liberal deveria questionar. 

Em ambos os casos, o que temos é uma concentração de poder em contraposição à liberdade, que sempre é o primeiro problema que os liberais enfrentam. Essa é o primeiro fato que os que valorizam a liberdade devem encarar e, a partir daí, começar a erguer um projeto político que reúna forças, tendo consciência de que o principal inimigo da liberdade é sempre a concentração de poder político –inclusive se este se diz liberal–, e que a liberdade tem como base o respeito à dignidade das pessoas, donas de sua vontade e, por consequência, capazes de escolher.

* Não encontrei registro do(a) tradutor(a) no site da Carta Maior de onde retirei o artigo.

Fonte: El Mostrador, 05/04/2014

El Mínimo Comum Liberal

La renuncia de Lily Pérez –y otros parlamentarios– a Renovación Nacional, aduciendo que ese partido había girado hacia el conservadurismo, abre la discusión sobre qué significa el proyecto liberal en los tiempos que corren.

Fuerza Pública, Red Liberal, el Partido Liberal, Amplitud, Evópoli. Comienzan a proliferar los movimientos políticos que de una u otra manera se definen como “liberales”. Sin embargo, la etiqueta es controvertida. El ex presidenciable Andrés Velasco sostuvo recientemente que los liberales de derecha no eran propiamente liberales y que se “vestían con ropajes ajenos” al apropiarse del concepto. Reafirmó así la identidad centroizquierdista de su proyecto. El diputado electo Felipe Kast recogió el guante respondiendo que “las ideas de libertad son propias de la derecha”, añadiendo que es Velasco quien equivoca el camino al insistir en la convivencia con la Nueva Mayoría. Poco se puede construir sobre este tipo de intercambios, porque no despejan la pregunta de fondo: en qué consiste básicamente el proyecto liberal chileno y cuáles son los mínimos teóricos y programáticos que debieran acordarse antes de iniciar acercamientos estratégicos o incluso electorales. Este artículo intenta colaborar en la respuesta de esa pregunta.

La presunción a favor de la libertad

El corazón de la doctrina liberal es el individualismo normativo. Las personas tienen derecho a llevar adelante sus proyectos de vida de acuerdo a sus propias evaluaciones morales. Por tanto, el poder político debe justificar cada una de sus intervenciones. Los liberales operan mentalmente con una especie de presunción permanente a favor de la libertad. Esto no significa que la libertad individual prevalezca en todos los escenarios; significa que el Estado debe esgrimir buenas razones para restringirla o limitarla. El daño a terceras personas es el ejemplo prototípico. Pero bien puede haber otras buenas justificaciones –necesidades de coordinación, aseguramiento de bienes públicos, atender las demandas de la justicia social, etcétera. Piense, por ejemplo, en el fresco debate sobre la voluntariedad u obligatoriedad del voto. En principio, un liberal debiera estar a favor de un sistema que por defecto respete la decisión libre y soberana de las personas. Sin embargo, si la democracia está en riesgo podría perfectamente acceder a ciertas restricciones instrumentales de la libertad.
En el fondo, el liberalismo se abstiene de usar el espacio político para pontificar a los ciudadanos respecto de lo que es bueno para sus vidas. Eso lo hace esencialmente antipaternalista y antiautoritario. Cualquier entendimiento liberal chileno debiera ser desconfiado de la siempre ambiciosa pretensión punitiva de sus gobernantes. En consecuencia, los liberales debieran estar en contra de las concentraciones excesivas de poder en cualquier ámbito. Por lo anterior, también se ha dicho que los liberales defienden la idea de un Estado neutral, imparcial y respetuoso de los distintos proyectos de vida que asuman los ciudadanos en una sociedad cada vez más plural.

Mercado y desigualdad

El liberalismo contemporáneo –a diferencia del clásico– se toma muy en serio el problema de la desigualdad. La libertad formal o el derecho a elegir, se ha dicho, pierde parte importante de su valor cuando las alternativas están severamente restringidas por la condición social de la persona que aspira a ejercerla. Al respecto hay dos consideraciones relevantes que debieran estar en el piso básico de un diálogo liberal en Chile.

La primera es la diferenciación que básicamente hacen todas las teorías de justicia liberales entre desigualdades justas e injustas. Las primeras serían aceptables en tanto son producto de una competencia en la cual los individuos participan en relativa igualdad de condiciones. Las segundas, en cambio, serían gravemente problemáticas: no puede ser justo un resultado que viene determinado por posiciones de partida brutalmente asimétricas. Los esfuerzos de las instituciones del Estado deben, por tanto, estar volcados a atenuar esas diferencias que no tienen nada que ver con el mérito o el esfuerzo. Por eso, sería extraño que un liberal prefiriera destinar recursos a financiar la educación universitaria antes que hacerse cargo agresivamente de la educación primaria y preescolar.
Lo segundo es que los liberales siguen siendo entusiastas del libre mercado y no debiesen caer en la demonización generalizada del lucro cuando actúa como legítimo incentivo fuera del ámbito público. Hay suficiente evidencia empírica de que las economías descentralizadas en base a la competencia, el emprendimiento y la innovación son claves para generar crecimiento y mejorar los estándares generales de calidad de vida. Además, los liberales prefieren el mercado porque funciona mejor que sus alternativas como mecanismo de traspaso de información y conocimiento. Y, finalmente, porque las personas tienen derecho a disponer de sus bienes como estimen conveniente. La debida y exigente regulación de los mercados es totalmente consistente con los objetivos descritos.

Dios y la patria

Cualquier proyecto que se precie de liberal va acompañado de un cierto espíritu progresista. El concepto da para mucho, pero su aplicación en este punto es específica: el camino al desarrollo se pavimenta en el ensayo y en el error, a través de la deliberación pública y el cuestionamiento racional de las estructuras tradicionales. Poner en juego esta herencia ilustrada en un subcontinente como el nuestro no es fácil. Pero es inmensamente necesario. Aquí hay tres ideas que considero dignas de subrayar.

Primero, los grupos que quieran participar de esta conversación entre liberales tienen que comprender a cabalidad las exigencias de una auténtica separación de esferas entre la política y la religión. Lo menciono explícitamente dado que el Presidente Piñera ha sido negligente al respecto y algunos de estos movimientos pueden verlo como líder natural. Segundo, es imperativa una apertura al mundo –y a la región– que conecte con la mejor versión de la aspiración cosmopolita liberal. Valorar lo nuestro no puede significar nacionalismo trasnochado ni chauvinismo proteccionista. Tercero, desde la vereda del soñar no cuesta nada, labrar un ethos identitario que nos caracterice por participar en política evaluando rigurosamente la evidencia y cambiando de opinión si así lo exige la fuerza de los argumentos y la honestidad intelectual. No es sano legislar en base a mitos y dogmas.

Es imposible abarcar en una columna todos los elementos ideológicos y muchos menos las agendas concretas que podrían encarnar estos mínimos comunes. El objetivo es abrir un diálogo que dé suficiente espacio a las clarificaciones doctrinarias antes de pensar en el nombre y el timbre del eventual paraguas compartido. Esta discusión no despejará los obstáculos principales –la persistencia de dos culturas separadas entre liberales de izquierda y liberales de derecha, y la existencia de un sistema electoral poco amigable a terceras fuerzas que irrumpan por el centro– pero es ineludible para el éxito de largo plazo.

Fonte: Capital Online, 21/01/2014

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Romeu Tuma bomba no Roda Viva

Romeu Tuma bomba no Roda Viva
O Roda Viva desta última segunda (dia 3), com o ex-secretário de Justiça do governo Lula Romeu Tuma Junior, obteve o maior índice de audiência do programa em quase 14 anos. Alcançou a maior audiência desde a entrevista realizada com a então recém-eleita prefeita de São Paulo Marta Suplicy (PT), a 30 de outubro de 2000.

Tendo em vista o sucesso, segue o texto do site da Cultura sobre o programa e o vídeo do mesmo. Recomendo também o texto O “sincericídio” de Romeu Tuma Junior Confesso que não me animei ainda a ler o livro de Tuma, tendo visto opiniões pouco estimulantes sobre ele. Mas vamos à entrevista ao menos que parece ter sido interessante.

“Eu fiz uma peça de defesa e não de acusação”
Ex-secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, comenta as repercussões em torno do seu livro Assassinato de Reputações

O ex-secretário nacional de Justiça Romeu Tuma Júnior foi o entrevistado do Roda Viva de segunda-feira (3). Ele chefiou a secretaria entre os anos de 2007 e 2010, até que foi afastado por uma suposta ligação com integrantes de uma organização criminosa. Recentemente, Tuma lançou o Livro "Assassinato de Reputações - Um crime de Estado", no qual não só rebate as acusações de que foi alvo, como também faz graves acusações ao ex-presidente Lula e a autoridades federais - uma delas a de usar órgãos de segurança para conquistar objetivos políticos.

Entre os assuntos abordados, o livro trata do uso de dossiês forjados para prejudicar adversários, do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, das tentativas de transformar a Polícia Federal em instrumento político e das investigações que envolvem o empresário Daniel Dantas. Hoje, Tuma já contabiliza mais de 60 mil exemplares vendidos.

Assim que o livro começou a ser vendido, o ex-secretário recebeu algumas ameaças de processos judiciais por parte das pessoas citadas na publicação. Porém, Tuma afirma até o momento não foi notificado oficialmente de que alguém o teria processado. Ele justifica: “É difícil você ser processado quando fala a verdade”.

Tuma revela que chegaram até ele algumas ameaças, que já estão sendo investigadas, e um e-mail enviado pela assessoria do banqueiro Daniel Dantas, solicitando alguns esclarecimentos.

No entanto, Tuma Júnior declara estar preparado para caso seja acionado na justiça. “Eu tenho várias provas no livro. Eu fui secretário nacional da Justiça, eu não seria nenhum louco, irresponsável, de acusar alguém injustamente por assassinato de reputação, no qual fui vítima. Eu fiz uma peça de defesa e não de acusação”.

O ex-secretário explica ainda que não foi omisso quanto aos supostos crimes dos quais revela no livro, e afirma que tentou por diversas vezes falar, mas não foi ouvido. “Eu fiquei três anos tentando me defender na justiça das falsas acusações que me foram imputadas, e não tinha esse espaço. Ninguém quis me ouvir, então fui obrigado a escrever. Tudo o que eu presenciei eu denunciei, mas eu tinha superiores. Eu jamais prevariquei”.

Filho do político Romeu Tuma (1931-2010), Romeu Tuma Júnior começou a carreira policial aos 18 anos como investigador. Foi delegado da Polícia Civil de São Paulo e deputado estadual paulista. Ocupou, entre 2007 e 2010, o cargo de Secretário Nacional de Justiça durante o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. À época, presidiu o Conselho Nacional de Combate à Pirataria.

Participaram da bancada do programa Ricardo Setti, colunista do site da revista Veja; Mario Cesar Carvalho, repórter especial da Folha de S. Paulo; Eugênio Bucci, professor e colunista do jornal O Estado de S. Paulo e da revista Época; Cristine Prestes, repórter da área jurídica; e Fernando Gallo, repórter do jornal O Estado de S. Paulo. O Roda Viva ainda teve a participação do cartunista Paulo Caruso.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O conservadorismo é antagônico ao liberalismo

Não creio que seja necessário ler muita coisa sobre liberalismo (veja uma abordagem sucinta aqui) e conservadorismo para perceber que - de fato - eles são até antagônicos, mesmo quando se trata do tal conservadorismo liberal (um paradoxo de fato). 

Conservadores liberais são aqueles caras que incorporaram alguns princípios do liberalismo econômico e político, tais como o livre mercado, a defesa da propriedade privada e do Estado de Direito, mas que nem querem ouvir falar em liberdades individuais. Ou então são muito liberais no que diz respeito a seus próprios direitos mas bem conservadores no que diz respeito aos direitos alheios.

Sobretudo, o liberalismo e o conservadorismo são distintos em espírito, e a aliança, entre os dois, com vistas a vencer o inimigo comum (o socialismo), é um equívoco, pois os conservadores se apropriam das teorias econômicas e de governo que não tem e, em troca, dão ao liberalismo apenas a sombra de sua tacanhice e seu desamor pela liberdade. No texto abaixo, o economista Carlos Góes, que escreve para o site Mercado Popular, explora os antagonismos entre essas duas visões de mundo de fato bem diferentes.

Não se engane: o conservadorismo é antagônico ao liberalismo

Carlos Goés

No senso comum brasileiro é normal confundir liberais com conservadores. Nada poderia ser mais distante da realidade. Em termos de política objetiva, liberais e conservadores discordam radicalmente. Enquanto conservas vão falar contra as drogas e o casamento gay, liberais vão ter propostas radicais como a legalização de todas as drogas e a desestatização do casamento. Mas liberais e conservadores se antagonizam em algo mais profundo: em seus princípios.

O foco fundamental dos conservadores é na tradição, nos costumes e na continuidade. Eles partem da ideia de que as gerações passadas, presente e futuras se ligam através de um contínuo histórico de uma “ordem moral”. Por isso, esse elo intrageracional deteria uma superioridade moral que deveria ser preservada. Eles dizem que não são teorias metafísicas que justificariam suas escolhas – mas a “experiência”. As mudanças, embora necessárias “para a nossa sobrevivência”, são vistas como um mal inevitável. A ode é ao status quo.

Antes de mais nada, é importante lembrar que o liberalismo surgiu em oposição àqueles que queriam conservar a velha ordem. O bom e velho Adam Smith falava em favor do livre comércio e pela abolição das leis protecionistas do trigo e milho numa Inglaterra em que tanto o mercantilismo quanto essas leis eram a tradição e estavam lá desde sempre.

Um estranho vício dos conservadores é não perceber o quanto a economia de mercado foi e é revolucionária – e quanto ela abalou as estruturas da sociedade tradicional. A economia de mercado acabou com as posições tradicionais – a ideia de que você sempre seguiria a profissão de seus pais – e libertou as classes mais desfavorecidas para experimentar e tentar buscar uma vida melhor.

As desigualdades objetivas e de status (embora não as desigualdades de renda) foram significativamente reduzidas com a economia de mercado. Até um Rei passou a estar debaixo da lei. Como dizia Mises, a diferença entre um pobre e um rico numa sociedade pré-economia de mercado era a diferença entre possuir ou não possuir sapatos. A diferença entre um pobre e um rico na sociedade de mercado é entre ter um carrão e ter um fusca.

Isso vai contra toda a tradição. Isso vai contra tudo o que sempre esteve aí. A economia de mercado é uma revolta contra o estado natural da humanidade. É uma boa revolta, porque o estado natural da humanidade sempre foi a pobreza.

Embora os conservadores achem que não se justificam baseados em “fórmula mágica feita por um estudioso”, de fato não percebem que a derivação de legitimidade dos costumes é em si uma teoria racionalizada. Os costumes, por si só, não justificam nada. É preciso um corpo teórico para derivar legitimidade moral dos costumes.

Os costumes podem ser bons ou ruins. Racionais ou irracionais. Os costumes já impuseram a dominação e propriedade masculina sobre as mulheres; a escravidão de negros por brancos; a divisão de pessoas em classes imóveis de aprendizes e profissões; a impossibilidade de se ter mobilidade religiosa; e a ainda persistente lealdade irracional a um desenho em um mapa e uma bandeira – e tantas outras arbitrariedades. Para um liberal, um costume que infringe a justiça e a liberdade deve ser mudado.

Outro erro da maioria dos conservadores é não perceber que as instituições sociais estão em permanente revolução, em um processo evolutivo e dinâmico. Elas mudam o tempo todo rumo aos novos desígnios que a sociedade lhes dá. Eles acham que o simples fato delas existirem (o status quo) é que o lhes garante legitimidade, quando a legitimidade deriva precisamente da utilidade social delas. É a sociedade que escolhe o que é útil e o que não é útil através de suas trocas e do encontro de suas preferências subjetivas.

Quando algo deixa de ser útil, a ordem é contestada e alternativas são providas. A contestação da ordem faz parte do processo de mudança social necessária a uma sociedade inovadora. A mudança derivada da contestação da ordem não vem por definição “acompanhada de prudência”. A mudança é uma luta constante contra o status quo.

Contestação, também, faz parte essencial da preservação da liberdade individual. Como conservadores abraçam uma visão comunitarista de mundo, eles acabam ignorando o valor intrínseco do indivíduo, relegando-o a mera engrenagem na máquina da tradição. Para o liberal, o importante é a preservação da capacidade de expressão das individualidades – inclusive quando, para isso, se torna essencial subverter a ordem vigente. Em diversas situações, o que um conservador chamaria de “prudência” em favor das tradições prevalentes um liberal chamaria de “tirania da maioria“.

São nas tentativas de mudar o status quo que se molda o futuro. A gente não sabe qual vai ser o futuro, nem a velocidade das mudanças. Ele é fruto da livre experimentação social e da competição do mercado de ideias. Ao conservador, isso dá calafrios; ao liberal, regozijo. Para o liberal quem deve moldar o futuro são as pessoas – e não as elites presunçosas, seja de direita ou esquerda. Quem acredita em mudança derivada de ordem espontânea, sem direcionamento nem gurus, são os liberais.

O liberal vê a evolução social não como fruto de superioridade moral de costumes, mas como fruto da livre experimentação e competição de ideias. Ele não se foca na estática do passado, mas na dinâmica do presente e nas potencialidades do futuro. Como escreveu brilhantemente Hayek: “antes de mais nada, os liberais devem perguntar não a que velocidade estamos avançando, nem até onde iremos, mas para onde iremos.”

Um liberal olha para o futuro e almeja o progresso. A bem da verdade, não há nada menos conservador do que um liberal.

Carlos Góes é analista econômico é co-fundador da rede Estudantes pela Liberdade no Brasil e da Aliança pela Liberdade.

Fonte: Mercado Popular, 28/01/2014

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