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quarta-feira, 2 de abril de 2014

Esquerda autoritária tem dupla moral: quer punição para militares de uma ditadura extinta há 30 anos, mas apoia a ditadura comunista de Cuba e a tirania chavista na Venezuela


Nesses últimos dias, por ocasião dos 50 anos da deposição de Jango Goulart da Presidência da República, em 31/03/1964, oficializada em 02/04/1964, assistimos a um verdadeiro show de hipocrisia e vigarice intelectual da atual autodenominada esquerda socialista bolivariana. Está  bem claro, para quem não é analfabeto político, que essa esquerda não está apenas em busca da memória, da justiça e muito menos da verdade. Sua busca é por vendetta e sua intenção reescrever a História na base dos filmes de faroeste onde ela, esquerda, seria o mocinho e os militares os bandidos simplesmente. E essa visão distorcida e maniqueísta desse conturbado período de nossa história tem sido multiplicada pela imprensa, em geral, com raras exceções. Uma dessas exceções fica por conta dos textos do historiador Marco Antonio Villa que recentemente lançou o livro 
Ditadura à Brasileira. 1964-1985. A Democracia Golpeada à esquerda e à direita’. Villa aborda o período militar e as condições que o engendraram de uma forma mais objetiva e imparcial do que a vista nas páginas dos jornais nos últimos dias.

Na entrevista e texto abaixo, o historiador fala do regime militar e se dedica a apontar a hipocrisia dessa esquerda que tanto demoniza os militares e sua ditadura embora quisesse impor a sua ao país. Vale lembrar também que até hoje essas viúvas do Muro de Berlim continuam tendo como Meca a relíquia comunista dos Castro de Cuba. E que defendem a tirania de Nicolás Maduro, na Venezuela, embora esta em tudo se assemelhe à ditadura dos tempos dos generais. Um peso e duas medidas sempre.

“A ditadura foi do AI-5 até 31 de dezembro de 1978″, afirma Marco Antonio Villa
Em entrevista exclusiva ao Portal Vox, historiador comenta o livro “Ditadura à Brasileira”, o legado do positivismo e a Comissão da Verdade.

Portal Vox – “Ditadura à Brasileira” defende a tese de que o regime militar brasileiro não durou 21 anos, mas sim o período compreendido pelo Ato Institucional 5. Algumas resenhas sobre a publicação questionaram essa afirmação porque ela desqualifica a tortura praticada nos períodos entre 1964 e 1968 e 1979 a 1985. Você concorda com essa crítica?
Marco Villa – Digo que a ditadura foi do AI-5 (13 de dezembro de 1968) até 31 de dezembro de 1978. Com a entrada em vigência da Emenda Constitucional nº 11 a 1 de janeiro de 1979, que restabeleceu as imunidades parlamentares, não é possível falar em ditadura. Explicando melhor: de 1964 a 68 temos a realização, em 1965, de eleição em 11 estados para os governos estaduais. Eleições diretas, livres e com o antigo quadro partidário (UDN, PSD, PTB etc). Tivemos a enorme explosão musical (os célebres festivais), do teatro, literatura, inúmeras publicações editoriais no campo da política, especialmente. Além de eleições em novembro de 1966 e 1968 (aí já em outro quadro partidário). Deve ser lembrada a passeata dos cem mil (junho de 68), impensável em uma ditadura. De 1968 a 1978, obviamente, foi ditadura. Já de 1979 para frente, não. Tivemos a anistia de 1979 (que ditadura fez isso?), a eleição de 1982 (com a vitória oposicionista em estados chaves, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, a campanha das diretas). Tudo isso é possível em uma ditadura? Com relação ás torturas, estas, infelizmente, sempre existiram no Brasil. Teve vários casos entre 1964 e 1968, mas em quantidade infinitamente menor. E hoje as torturas continuam aí, só que em relação aos “presos comuns”.

Portal Vox -O Brasil de 1964 era politicamente repartido e estava estagnado social e economicamente. Esse cenário não foi uma exclusividade dos anos 1960. Mesmo após a redemocratização, o país viveu períodos semelhantes. Por que só em 1964 um golpe de Estado foi desencadeado?
Marco Villa – É que as contradições e a tensão política tinham atingido um nível nunca alcançado na história republicana. 

Portal Vox - Em geral, João Goulart é apresentado nas salas de aula como um político competente, vítima do destino e da direita. Como você avalia essa visão e a abordagem aplicada pelos professores do Ensino Médio quando abordam a ditadura brasileira?
Marco Villa – Puro panfleto, sem qualquer base histórica. Reconheço que sou dos poucos que tentam remar contra a corrente e apresentar o Jango histórico e não aquele construído pelos hagiógrafos.

Portal Vox -Tanto a direita pré-Vargas como o Partido Comunista Brasileiro demonstravam antipatia pela estrutura democrática. O positivismo é a resposta para essa divisão? Há resquícios do positivismo na política brasileira moderna?

Marco Villa – O positivismo é o fantasma que rondou o século XX brasileiro. A direita brasileira – da qual o getulismo é parte integrante – teve no positivismo o principal instrumento ideológico. E a esquerda brasileira também “bebeu” nesta fonte. Lembre-se que uma grande leva de militares nos anos 20, 30 e 40, de forma positivista, como Prestes, aderiram ao PCB.

Portal Vox - João Goulart bancou um ministro de Guerra que aceitou entregar uma carta de demissão assinada – algo pouco usual. Logo depois, aproveitou as insinuações de golpe militar de Carlos Lacerda para decretar o estado de sítio. O Brasil de 1964, na prática, conviveu com tentativas de golpe da esquerda, da direita e do presidente em exercício?

Marco Villa – Sim. A direita tinha vários golpes em preparação e a esquerda também. Demonstro isso no meu “Ditadura à Brasileira”, logo no primeiro capítulo.

Portal Vox - Quando Goulart saiu de cena, Castelo Branco foi submetido a uma eleição de via única. Tancredo Neves não aceitou votar. Juscelino Kubitschek, celebrado como um ícone da democracia, seguiu caminho diferente, concedendo apoio ao militar. O que explica essa controversa decisão?

Marco Villa – JK pensava garantir a eleição de outubro de 1965. Imaginava que venceria. Para ele, Castelo seria uma espécie de Lott. Em 1955, Lott garantiu a posse de JK com um golpe de estado (em novembro). Mas 1964 não repetiu 1955, como sabemos. Ou seja, a leitura da conjuntura foi absolutamente errada.

Portal Vox - O livro cita a concessão da liberdade cultural e o financiamento de projetos de arte como meios de aproximação entre a ditadura e a elite intelectual. O elo com a classe média era mantido apenas com o milagre econômico?

Marco Villa – O crescimento econômico garantiu apoio da classe média. Enquanto a economia cresceu, o regime teve apoio popular. A partir de 1979 houve a somatória da crise econômica e do enorme desgaste político do regime. O trágico governo Figueiredo representou muito bem este momento. 

Portal Vox - A ditadura sofreu uma tentativa de golpe arquitetada por Sylvio Frota, ministro do Exército entre 1974 e 1977. Outras ditaduras da América do Sul sofreram com “revoluções internas”?

Marco Villa – A derrota de Frota foi fundamental para que o Brasil não virasse a Argentina. O 12 de outubro de 1977 acabou sendo uma data essencial para o processo de distensão de Geisel. Se Frota tivesse vencido, a repressão anterior – que já tinha sido violenta – iria parecer brincadeira de criança.

Portal Vox - Em 2009, comentando as escaladas de Chávez e Fujimori, a Folha foi muito criticada ao classificar a ditadura brasileira como uma “ditabranda”. Na comparação com as ditaduras da América do Sul promovidas nos últimos 50 anos, a instituída no Brasil foi a mais moderada? Em que os regimes dos demais países diferiam do nosso?

Marco Villa – Ditabranda é uma expressão infeliz. É necessário entender – e o meu “Ditadura á Brasileira” desenvolve extensamente esta questão – que a ditadura no Brasil teve características distintas daquelas dos países do Cone Sul. Uma delas, por exemplo, foi sobre a presença do Estado na economia. No Brasil, o regime estatizou amplos setores da economia, na Argentina ocorreu o processo inverso. Isto deve ser explicado pela formação ideológica distinta dos exércitos brasileiro e argentino. E aqui voltamos à questão do positivismo e sua forte influência no Brasil. 

Portal Vox - Em 17 de abril de 1980, o governo Figueiredo enquadrava Lula e mais dez dirigentes sindicais por desordem. Lançado em dezembro de 2013, “Assassinato de Reputações”, livro de Romeu Tuma Junior, cita o ex-presidente como informante da ditadura. Você acredita nessa informação?

Marco Villa – Não li o livro do Tuma. Mas é inegável que Lula recebeu um tratamento VIP quando foi detido por 4 semanas no DOPS. Ele mesmo conta isso em várias entrevistas que deu sobre o tema. 

Portal Vox - Na redemocratização, o país ficou dividido entre o PMDB e a Arena. É possível afirmar que a inabilidade política de Paulo Maluf, que tentou de todas as maneiras ser candidato a presidente, cooperou para a derrota da Arena tanto quanto o trabalho de Tancredo Neves?

Marco Villa – A candidatura Maluf acabou caindo como uma luva. Uniu a oposição, especialmente após a derrota da emenda Dante de Oliveira. Ele representava o que havia de pior no regime. Neste caso, por vias transversas, Maluf colaborou para a redemocratização do Brasil.

Portal Vox - No dia 22 de março, em São Paulo, centenas de pessoas se reuniram para reproduzir a “Marcha da Família com Deus”. Isso não acaba fortalecendo a esquerda?

Marco Villa – As marchas, hoje, não têm qualquer significado. Participaram uns gatos pingados. Fato, portanto, sem qualquer significação política. No Rio tentaram repetir o comício da Central: foram 150 pessoas ao ato! O Brasil vive um momento radicalmente distinto, ainda bem.

Portal Vox - Os partidos brasileiros costumam evitar o rótulo da direita. Isso é uma herança da ditadura ou imaturidade ideológica?

Marco Villa – É difícil saber porque a direita não quer saber de ser chamada de direita. Faria muito bem para o país um verdadeiro partido Liberal, por exemplo. Mas no Brasil a ideologia morreu – e faz tempo. Todo mundo quer um naco do poder. E só. Programa político, de direita ou de esquerda, ninguém quer saber.

Portal Vox - Em uma das reuniões da Comissão Nacional da Verdade, a “Internacional Socialista” foi executada. A esquerda criou uma visão excessivamente romântica a respeito de 1964?
Marco Villa –A Comissão da Verdade não deve chegar a nenhum resultado. Escrevi sobre quando ela foi criada. Sempre dou como exemplo positivo o que ocorreu na África do Sul. Nelson Mandela criou a Comissão da Verdade e Reconciliação. O objetivo não era vingança – e não faltam motivos para isso. Era que todos conhecessem o passado. E assim foi feito. Viu-se os dois lados e a população pode chegar - cada um – a sua interpretação do que tinha ocorrido. Mas no Brasil não tivemos um Mandela, tivemos Dilma.

Fonte: Portal Vox, 31/03/2014

Esquerda tinha ditaduras como modelo

Marco Antonio Villa

Durante a ditadura, a oposição de esquerda transformou a experiência dos países socialistas em referência de democracia. A ditadura do proletariado foi exaltada como o ápice da liberdade humana e serviu como contraponto ao regime militar. A falácia tinha uma longa história. Desde os anos 1930 brasileiros escreveram libelos em defesa do sistema que libertava o homem da opressão capitalista.

Tudo começou com URSS, Um Novo Mundo, de Caio Prado Júnior, publicado em 1934, resultado de uma viagem de dois meses do autor pela União Soviética. Resolveu escrevê-lo, segundo informa na apresentação, devido ao sucesso das palestras que teria feito em São Paulo descrevendo a viagem. À época já se sabia do massacre de milhões de camponeses (a coletivização forçada do campo, 1929-1933) e a repressão a todas os não bolcheviques.

Prado Júnior justificou a violência, que segundo ele “está nas mãos das classes mais democráticas, a começar pelo proletariado, que delas precisam para destruir a sociedade burguesa e construir a sociedade socialista”. A feroz ditadura foi assim retratada: “O regime soviético representa a mais perfeita comunhão de governados e governantes”. O autor regressou à União Soviética 27 anos depois. Publicou seu relato com o título O Mundo do Socialismo. Logo de início escreveu que estava “convencido dessa transformação (socialista), e que a humanidade toda marcha para ela”.

Em 1960, Caio Prado não poderia ignorar a repressão soviética. A invasão da Hungria e os campos de concentração stalinistas estavam na memória. Mas o historiador exaltava “o que ocorre no terreno da liberdade de expressão do pensamento, oral e escrito”, acrescentando: “Nada há nos países capitalistas que mesmo de longe se compare com o que a respeito ocorre na União Soviética”. E continua escamoteando a ditadura: “Os aparelhos especiais de repressão interna desapareceram por completo. Tem-se neles a mais total liberdade de movimentos, e não há sinais de restrições além das ordinárias e normais que se encontram em qualquer outro lugar.”

Seguindo pelo mesmo caminho está Jorge Amado, Prêmio Stalin da Paz de 1951. Isso mesmo: o tirano que ordenou o massacre de milhões de soviéticos dava seu nome a um prêmio “da paz”. Antes de visitar a União Soviética e publicar um livro relatando as maravilhas do socialismo – o que ocorreu em 1951 -, Amado escreveu uma laudatória biografia de Luís Carlos Prestes. A União Soviética foi retratada da seguinte forma: “Pátria dos trabalhadores do mundo, pátria da ciência, da arte, da cultura, da beleza e da liberdade. Pátria da justiça humana, sonho dos poetas que os operários e os camponeses fizeram realidade magnífica”.

A partir dos anos 1970, o foco foi saindo da União Soviética e se dirigindo a outros países socialistas. Em parte devido aos diversos rachas na esquerda brasileira. Cada agrupamento foi escolhendo a sua “referência”, o país-modelo. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) optou pela Albânia. O país mais atrasado da Europa virou a meca dos antigos maoistas, como pode ser visto no livro O Socialismo na Albânia, de Jaime Sautchuk. O jornalista visitou o país e não viu nenhuma repressão. Apresentou um retrato róseo. Ao visitar um apartamento escolhido pelo governo, notou que não havia gás de cozinha. O fogão funcionava graças à lenha ou ao carvão. Isso foi registrado como algo absolutamente natural.

O culto da personalidade de Enver Hoxha, o tirano albanês, segundo Sautchuk, não era incentivado pelo governo. Era de forma natural que a divinização do líder começava nos jardins de infância onde era chamado de “titio Enver”. As condenações à morte de dirigentes que se opuseram ao ditador foram justificadas por razões de Estado. Assim como a censura à imprensa.

Com o desgaste dos modelos soviético, chinês e albanês, Cuba passou a ocupar o lugar. Teve papel central neste processo o livro A Ilha, do jornalista Fernando Morais, que visitou o país em 1977. Quando perguntado sobre os presos políticos, o ditador Fidel Castro respondeu que “deve haver uns 2 mil ou 3 mil”. Tudo isso foi dito naturalmente – e aceito pelo entrevistador.

Um dos piores momentos do livro é quando Morais perguntou para um jornalista se em Cuba existia liberdade de imprensa. A resposta foi uma gargalhada: “Claro que não. Liberdade de imprensa é apenas um eufemismo burguês”. Outro jornalista completou: “Liberdade de imprensa para atacar um governo voltado para o proletariado? Isso nós não temos. E nos orgulhamos muito de não ter”. O silêncio de Morais, para o leitor, é sinal de concordância. O pior é que vivíamos sob o tacão da censura.

O mais estranho é que essa literatura era consumida como um instrumento de combate do regime militar. Causa perplexidade como os valores democráticos resistiram aos golpes do poder (a direita) e de seus opositores (a esquerda).

Fonte: Blog do autor e Estadão, 28 de março de 2014 | 17h 18 

segunda-feira, 31 de março de 2014

FHC analisa o regime militar e afirma que ainda não acreditamos na democracia


‘Ainda não temos crença na democracia’

Lamenta o intelectual que se escondeu da polícia, até ser pego pela política

Laura Greenhalgh

Era jovem, mas já prestigiado como acadêmico. Equilibrava-se entre ser socialista nos modos e marxista nas ideias. E fazia a cabeça da estudantada da Faculdade de Filosofia da USP. Daí o golpe se consumou e o professor Fernando Henrique teve que sumir. Vazou, como se diz hoje. "Quando os policiais chegaram na Maria Antonia (nome da rua onde ficava a faculdade, em São Paulo) para me prender quase levaram o (filósofo) Bento Prado, achando que era eu", comenta o ex-presidente ao lembrar de um tempo em que precisou pular de casa em casa, de cidade em cidade, às escondidas, até se fixar no Chile, para onde seguiram a mulher, Ruth Cardoso, e os filhos pequenos.

Na entrevista que se segue, o trigésimo-quarto mandatário brasileiro reflete sobre a ditadura e conclui que ela não chegou a desmontar o Estado regulador. "Falam tanto em neoliberalismo, mas nunca tivemos isso no País. Já liberalismo político, esse eu até gostaria que houvesse mais". A 50 anos do golpe que o levou para o exílio e aos 82 de idade,

Fernando Henrique, deixa passar uma nota de amargura: "Não estamos em condição de ensinar democracia a ninguém, porque há muito a aprender. Faltam-nos, sobretudo, crença na democracia e grandeza na vida política."



Onde estava quando tudo aconteceu, 50 anos atrás? 
Semanas antes do golpe, quando houve aquele comício da Central do Brasil, eu estava no Rio, onde vivia meu pai. Passei pelo comício e embarquei lá mesmo, rumo a São Paulo. Era 13 março. No trem estavam o (hoje ex-ministro) José Gregori, o (hoje ex-deputado federal) Plínio de Arruda Sampaio, com quem eu acabaria me reencontrando no exílio, e um rapaz chamado Marco Antonio Mastrobuono, que depois viria a casar com a Tutu, filha do Jânio Quadros. Viemos conversando ao longo da viagem sobre a situação. Ali ninguém era entusiasta do Jango, eu também não era. Embora meu pai fosse um militar nacionalista, que inclusive havia sido deputado pelo PTB.

Seu pai era um nacionalista. E o senhor?

Um socialista. Tivera contato com o comunismo nos anos 1950, mas àquela altura, depois do stalinismo, não sobravam ilusões. Também não tinha ilusão de que o Jango seria algo extraordinário ao País, porque ele era um populista e eu, um acadêmico. E, na universidade, tínhamos a convicção de que as mudanças viriam da luta de classes, não do populismo. Pois bem, chegando a São Paulo, encontrei um clima de grande agitação. Nessa época o Darcy (Ribeiro) já havia sido nomeado chefe da Casa Civil do Jango. E era muito amigo da minha família. Nós nos falamos algumas vezes por telefone naqueles dias e isso terminou me trazendo uma dor de cabeça tremenda, pois o aparelho do Darcy estava grampeado e fui grampeado, também.

O que aconteceu exatamente?
O Darcy um dia me disse que viria a São Paulo e eu comentei "vem com cuidado aí com o Grupo dos Onze" (grupo de resistência radical concebido em 1963 pelo então governador gaúcho Leonel Brizola). Disse aquilo por dizer, sem qualquer intenção, porque havia acontecido uma violência contra o ministro da Reforma Agrária do Jango, em São Paulo, algo assim. Esse comentário grampeado iria me complicar no futuro, quando fui processado na Justiça Militar. Mas, na noite do golpe, lá na Maria Antonia, havia mesmo muita confusão. Eu exercia certa influência sobre alunos e professores mais jovens, embora fosse jovem também - tinha só 33 anos, mas já fazia parte do Conselho Universitário. Muitos dos meus colegas achavam que o golpe era do Jango e dos generais leais a ele, o Amaury Kruel, o Osvino Ferreira Alves. A confusão era tanta que eu telefonei para o Luiz Hildebrando da Silva, que era da Medicina da USP e ligado ao Partidão, dizendo para ele vir até a Maria Antonia, pois estavam preparando um manifesto contra um golpe do presidente. E não um manifesto contra o golpe no presidente! Veja como estávamos perdidos na USP, isolados da vida política, mergulhados num marxismo teórico. Vou contar uma passagem estapafúrdia: naqueles dias soubemos que haveria uma resistência armada no Sul e então o Bento Prado, o (cientista social) Leôncio Martins Rodrigues, o Paulo Alves Pinto, que era sobrinho do general Osvino, e eu cogitamos tomar um aviãozinho no Campo de Marte para lutar no Sul. Ainda bem que não houve luta alguma (ri). Então, assim foi a minha última noite andando pela rua Maria Antonia. No dia seguinte, a polícia apareceu por lá para me prender. Quase levaram o Bento Prado, pensando que fosse eu.

Como escapou de ser preso na Maria Antonia?
Alunos meus ficaram nas esquinas, à espreita, para me avisar que a polícia estava lá, assim que eu me aproximasse. Acabei não indo à faculdade e naquela noite dormi na casa de um amigo, o cineasta Bráulio Muniz. Continuei me escondendo, daí fui para o Guarujá na casa do (fotógrafo) Thomas Farkas, com o Leôncio. E a Ruth (Cardoso), minha mulher, ficou aqui, tentando entender o que se passava. Ruth procurou o Honório Monteiro, que fora ministro do presidente Dutra e era meu colega no Conselho Universitário. O Honório tentou interferir a meu favor junto ao Miguel Reale, então secretário de Segurança. Mas o Reale respondeu que no meu caso não havia o que fazer, porque "esse professor Cardoso não é só teórico, mas prático também". Outro amigo, o (economista, museólogo e autor teatral) Maurício Segall, que já se ocupava de organizar fugas, achou que eu tinha que cair fora, não havia condições de ficar no País. Saí por Viracopos e fui para Argentina, para a casa de um ex-colega meu na França, que mais tarde viria a ser ministro do Kirchner, o José Nun. Tive convite para lecionar na Universidade de Buenos Aires, mas também convite para trabalhar na Cepal, no Chile. Preferi ir para o Chile. Meses depois Ruth veio ao meu encontro, com as crianças, e lá ficamos anos.

Voltou ao Brasil nesse período?
Duas vezes. Eu me encontrei em Paris com Antonio Candido, que dava aulas por lá, e ele me ajudou a voltar ao Rio para ver meu pai. Era 1965. Quando meu pai morreu, eu estava no Chile, mas já com passaporte validado, portanto voltei para o enterro. Houve uma missa com muitos oficiais e um deles chegou perto do meu irmão para dizer, referindo-se a mim: "Ou ele vai embora ou vai ser preso". Vim para a casa do empresário e editor) Fernando Gasparian, em São Paulo, dormi outra noite na casa do (sociólogo) Pedro Paulo Popovic, e regressei ao Chile. Acabei não sendo preso. Houve o processo contra mim na Justiça Militar, com acusações ridículas, entre as quais aquela envolvendo o telefonema grampeado do Darcy, e outras histórias vindas da universidade, de colegas que naquele momento dedo-duraram bastante, mas depois virariam ultra-esquerdistas. O general Peri Bevilacqua, neto do Benjamin Constant e homem ligado à minha família, foi quem me deu um habeas corpus anos depois. Mais tarde ele seria cassado, também. Pude devolver as medalhas do general para a família dele, quando estava na Presidência.

O que o senhor pesquisava na época do golpe?
O empresariado brasileiro. Foi minha tese de livre-docência, defendi em 1963 e publiquei-a no ano seguinte. Contestava a visão da esquerda de que havia uma aliança dos latifundiários com os imperialistas, contra a burguesia nacional e o povo. Isso era bobagem. Os empresários tinham ligação com o campo e não eram antiimperialistas, com exceção de dois ou três. A esquerda apostava no papel progressista da burguesia nacional e eu tinha uma visão crítica em relação a isso.

Disse que não se entusiasmava por João Goulart. Como o definiria?
Jango não era de assustar ninguém e hoje seria um político muito mais tranquilo do que qualquer um desses governantes populistas da América Latina. Mas, no contexto da Guerra Fria, e pelos contatos que tinha com os comunistas, representava o horror naquele momento. Vi isso acontecer de novo no Chile. Allende era um reformista e virou o belzebu. Enfim, Jango era um político brasileiro tradicional, populista, um latifundiário que nunca quis fazer revolução alguma. Levantava a bandeira das reformas de base e ninguém sabia exatamente o que eram. Olhando sociologicamente: tínhamos o mundo contingenciado pela Guerra Fria, porém o Brasil começava a se encaixar no eixo dos investimentos estrangeiros, desde o Juscelino. Havia crescimento industrial, forte migração campo-cidade e um Estado incompetente para atender às demandas de uma sociedade que crescia. Então, a população começou a se movimentar e ir para as ruas. Nós, acadêmicos, estávamos tão entretidos com os debates teóricos, que quando nos demos conta as ruas tinham entrado na universidade!

Qual era o projeto dos militares em 1964? Submeter o País a uma modernização imposta de cima para baixo?
Acho que nem tinham projeto. Setores pensavam de forma diferente e foram variando de posição até o final. O general Amaury Kruel (foi ministro da Guerra de Jango), por exemplo, foi um que variou até o momento do golpe. Mesmo o general Mourão, de Minas, não tinha noção do que deveria ser feito. Quem tinha? Os oficiais da Escola Superior de Guerra, o grupo do Castelo Branco. Esses sabiam que seria importante empreender no País a modernização conservadora. Mas, veja só, entregaram a economia ao (Otávio Gouveia de) Bulhões e ao (Roberto) Campos, que por sua vez saíram atrás da modernização capitalista - arrocho fiscal, arrocho salarial, tudo feito a machadinhas, o povo pagando um preço alto. Implantaram um programa austero, que deu na explosão econômica dos anos 70. Ora, quem fez isso não foram os militares, mas o Bulhões e o Campos. Havia necessidade de modernizar o capitalismo brasileiro. E, consequentemente, frear o avanço do setor estatal. Até porque o Juscelino já tinha feito o enganche do País com o setor produtivo global e os militares sabiam disso.

O senhor acha que o regime, no seu primeiro momento, tratou de sepultar o legado varguista?
O Castelo, talvez. A verdade é que os militares já estavam claramente divididos, e isso era visível no Clube Militar: havia o setor ultranacionalista e o setor democrático-liberal. Este se aproximava dos Estados Unidos. E o ultranacionalista, embora não engolindo os russos, achava que eles funcionavam como contra-peso ao poderio americano. Isso, evidentemente, tem a ver com as posturas "ser Getúlio" ou "ser anti-Getúlio", levando-se em conta que o Getúlio simbólico foi sempre o nacionalista-estatizante. É interessante notar como era o contexto da época: os militares nacionalistas-estatizantes, que nunca confiaram nas forças do mercado, eram chamados de esquerda, o que era exagero. E os democráticos-liberais eram vistos como direita, outro exagero.

Daí o regime foi se radicalizando.
Exato, foi radicalizando a tendência autoritária. Isso não foi pretendido no começo, mas foi se formando. E virou um monstro que, não fosse o (general Ernesto) Geisel ter-se oposto, justo ele, um nacionalista-estatizante, correríamos o risco de cair numa direita fascista. Uma direita que se justificaria pelo apego à ordem, e não pelo desenvolvimento capitalista. Cabe ainda muita pesquisa sobre o período, para analisar com objetividade e entender como tudo aconteceu ao largo de um intenso processo de industrialização e urbanização. São Paulo, em meados da década de 70, crescia 5% ao ano. Havia mais de cinco milhões de pessoas vivendo aqui. Tivemos um crescimento econômico que não correspondeu ao social. Isso começa a ser corrigido com a redemocratização e vem até agora. Penso que hoje, de novo, vivemos algo parecido. Não se tem mais a mobilidade rural-urbana do passado, mas uma intensa mobilidade social. As pessoas querem mais e o Estado não tem como dar. Instalados no poder, os militares trataram de providenciar uma fachada de legalidade ao regime. Chegaram a falar em "democracia relativa".De fato, eles nunca aceitaram que o regime não fosse visto como democrático.

Rejeitavam a ideia de fechar o Congresso. E mesmo impondo suas regras, queriam eleger o presidente. Isso faz diferença quando se compara ao que houve na Argentina e no Chile. Militares brasileiros disseram que o regime seria provisório, até que se purificassem as forças políticas, enfim, tinham essas ideias amalucadas. Os oficiais da linha dura, claro, não pensavam assim, eles de fato preocupavam-se com a ordem, a estabilidade do regime... Mas esse não era o pensamento da média do oficialato. Além disso, a ditadura foi perdendo apoios, tanto dos nacionalistas quando de setores democráticos. Nos anos 70, na Universidade de Yale, ouvi de Juan Linz, grande especialista em franquismo, uma frase que me marcou: "No Brasil, vocês não têm um regime autoritário. Têm uma situação autoritária". Por mais que buscássemos semelhanças entre os militares daqui com os chilenos e argentinos - e havia semelhanças, afinal, todos torturavam, o que é inexcusável - não havia o mesmo apego nem a mesma pretensão de uma nova ordem, algo também pregado pelo franquismo e o salazarismo. Estes acreditavam que para bem governar não era preciso ter o povo. Aqui se pensava que era preciso melhorar o povo para bem governar.

Mesmo com o avanço da visão monetarista na economia, inclusive nos anos Delfim Netto, até que ponto o regime terá mudado o perfil regulador do Estado brasileiro?
Nunca mudou completamente. O que se chamou de regime neoliberal nunca houve no Brasil. O Roberto Campos foi fundador do BNDES. O Delfim foi intervencionista em vários momentos. Celso Furtado nem se fala. Eu próprio sempre achei que o Estado deveria regular muita coisa. Aqui nunca houve um pensamento econômico liberal, de fato. Pensamento político-liberal eu até gostaria que tivesse mais, mas econômico-liberal nunca teve. O Estado sempre desempenhou um papel forte. O que é razoável, desde que o Estado não extrapole, como frequentemente tende a fazer. O que nos falta é liberalismo político.

Como se traduz isso?
Crença na democracia. O que se tem hoje? Pensamento corporativista. Os grupos se organizam e defendem seus interesses. Não aceitam regras de competição. E tem que ter, porque não há competição sem regra. Aqui, quando o Estado intervém, é justamente para evitar a competição.

Em novo livro, o pesquisador Daniel Aarão Reis levanta a seguinte questão: quando de fato terá terminado o regime militar? Em 1979, quando são revogados os atos institucionais, ou em 1985, quando o poder volta para as mãos dos civis? Enfim, quando a ditadura termina?

Só a partir de 1985. Nossa transição seguiu a opinião vencedora, diga-se de passagem, do Geisel, de que o País deveria viver uma abertura lenta, gradual e segura. Na época houve muita discussão a respeito e eu dizia o seguinte: o regime autoritário resiste como uma fortaleza. Nós, a oposição, estamos cercando a fortaleza. Esse negócio só vai ruir quando houver uma ruptura interna que se some à externa. Porque daí tem a infiltração. Esse momento aconteceu, a meu ver, pela primeira vez, quando o general Euler (Bentes Monteiro) aceitou ser candidato à presidência da República, pelo MDB, em 1978. Era uma facção deles que se descolava. Ulysses Guimarães fora inicialmente resistente a apoiar a candidatura do Euler. Queria o Magalhães Pinto, tendo o Severo Gomes (ex-ministro e mais tarde senador) como vice. Mas até o Severo preferia o Euler! Severo e eu ouvimos do Euler, pela primeira vez, que ele poderia aceitar ser candidato, quando então fomos falar com o Ulysses.

E qual foi a reação dele?
Ulysses me ouviu direitinho, embora Severo estivesse inquieto. Depois me chamou no canto: "O que o senhor acha mesmo deste general, professor?" Respondi "olha, dr. Ulysses, nós já deveríamos tê-lo apoiado há muito tempo". Ele fechou a cara: "Mas o senhor não sabe que São Paulo é civilista?". Disse que sabia, mas que não poderíamos perder o primeiro racha dos militares. Entendi que se não houvesse um racha naquela couraça, a situação não principiaria a mudar. E tudo foi um pouco assim. A Anistia acabou passando, mas não da maneira que queríamos, a liberdade de imprensa foi voltando, veio o Movimento das Diretas Já, mas fomos derrotados no Colégio Eleitoral, o Tancredo foi eleito pelo voto indireto, daí veio o Sarney, que era um elemento da transição, no entanto soube entender o momento histórico, enfim, tudo veio de forma lenta e gradual. Eu mesmo fui eleito senador pela oposição no tempo do Figueiredo, em plena ditadura. A ruptura final só vai se dar na eleição do Collor, quando o presidente passa a ser eleito pelo voto direto. Aí, sim, é outro momento.

Ou seja, a recomposição democrática foi se valendo das fraturas do regime.
Sim. E muita gente foi mudando, também. Severo Gomes e Teotônio Villela, por exemplo. Foram homens do regime e se transformaram em ícones da oposição. O próprio Ulysses votou a favor do Castelo Branco.

Anos antes, em 1973, Ulysses já havia procurado o grupo de intelectuais fundadores do Cebrap, entre eles, o senhor, para buscar apoio à sua anti-candidatura presidencial. Como foi esse momento?
Eu havia publicado um artigo no jornal Opinião, dizendo que era chegada a hora de intervir no processo. Que os intelectuais não podiam mais ficar pensando na guerrilha, trancados em casa. Que seria melhor fazer a luta possível, nas ruas. Daí o Ulysses foi ao Cebrap, ainda na rua Bahia, em Higienópolis, achando que éramos um grupo político, quando éramos apenas um grupo de pesquisadores, com posições críticas ao governo. Ele nos convidou para escrever o que seria um programa de governo do MDB. Expliquei que teria que consultar os colegas, e alguns toparam: Chico de Oliveira, Maria Ermínia, Bolívar Lamounier, Paul Singer, Francisco Weffort, eu....fizemos um livrinho de capa vermelha, um projeto social-democrata que foi a mãe de todos os programas que viriam a aparecer depois.

Como era esse programa de oposição, elaborado em plena ditadura?
Dizia coisas óbvias. Não ficava só no campo político, tratava de economia, de dívida externa, e daí entrava na questão da mulher, do negro, do índio, dos sindicatos. Foi um momento que marcou a minha aproximação com o MDB. Eu me lembro que Weffort e eu fomos a Brasília nos encontrar com aquelas "raposas", Amaral Peixoto, Nelson Carneiro, o próprio Tancredo, e nós, assustadíssimos, achando que eles não iriam aceitar o documento. E eles não estavam nem aí, só queriam um programa. Toparam na hora.

Foi difícil para o senhor entrar de vez na política?
Eu tinha um viés muito acadêmico, como já disse, mesmo contanto com o background político da minha família. Aos 37 anos, eu era um catedrático da USP, aposentado pelo AI 5. E fiz o quê, então? Escrevia nos jornais alternativos da época, o Opinião e o Movimento. Só entrei no MDB em 1977, porque o Ulysses pediu expressamente para eu ser candidato ao senado. Queria que eu disputasse para ampliar a base, porque indiscutivelmente seria eleito o Franco Montoro. E só quando Montoro virou governador de São Paulo é que eu assumi a vaga de suplente no Senado. Até aí minha relação no mundo política era com o Ulysses, com o João Pacheco Chaves, com o Pedro Simon, que tinha um grupo de estudos bem ativo no Sul.

Aceitar um jogo político engessado no bipartidarismo foi uma questão intrincada para os opositores do regime?
Sim, isso nos dividiu. Muitos diziam que não era possível participar, pois se tratava de uma oposição consentida. Eu estava convencido de que deveríamos usar as armas disponíveis. Até porque a situação muda. O MDB mudou e acabou funcionando como oposição verdadeira.

Nossa capenga estrutura partidária vem dessa época?
Quer que eu diga uma coisa? Não sei se vem só lá de trás. Acho que o problema é mais profundo. Falta uma visão consistente do que seja o jogo democrático entre nós. Aqui, o que conta é o governo, o Estado. E democracia é organização do povo. Do jeito que vamos, com 30 partidos e 39 ministérios, ficou inviável. O custo é a paralisação da máquina pública, como bem disse a ex-ministra Gleisi Hoffmann, numa entrevista recente. Passamos do presidencialismo de coalizão para o presidencialismo de cooptação, essa é a verdade. Eu mesmo fiz coalizões. Mas o limite dos acordos era votar reformas. Agora, não. O que temos é uma amálgama para dividir o poder e o butim do Estado. Isso não dá governabilidade.

Por quê?
Como o nosso sistema tem sempre esse elemento autoritário, que é a medida provisória, o governo se mantém e o Congresso fica cada vez mais achatado. Ora, a população que o sistema político vem perdendo legitimidade a olhos vistos. Enquanto a economia foi bem, essa crise não foi percebida. Agora, quando a economia não vai bem e tudo balança, ela aparece. Quando a presidente propõe um plebiscito, por exemplo, a ideia não se segura um mês porque não foi costurada, nem discutida e nem está atrelada a uma agenda política verdadeira. Estamos nos aproximando de uma situação delicada. Uma coisa são as flutuações econômicas, outra coisa é a paralisação da administração e do sistema político. Isso gera a separação entre sociedade e governo.

O senhor diria que estamos indo nessa direção?
Sim, e corremos riscos. Um deles é a perda da capacidade de olhar o futuro e tomar decisões. Outro é o de provocar uma irritação popular incontrolável - e daí, como resolver? As demandas estão crescendo, o Estado não toma decisões, não entende que boa parte do que faz pode ser passado para o setor privado, e faltam lideranças. Eu diria que, hoje, não temos o que ensinar sobre democracia. Temos é que aprender. Por exemplo, como é que a democracia convive com as redes sociais? Isso não está claro. Falta ouvir mais, estudar mais e dar espaço para a criatividade. Não podemos dizer que um partido, o PT, seja o culpado por tudo o que estamos vivendo. Até porque tudo é mais grave do que isso.

Em que pese a animosidade atual entre o seu partido e o PT, lá trás o senhor determinou que se fizesse uma transição transparente do seu governo para o do presidente Lula, em 2002.
Lula reconheceu isso de público recentemente, falando a empresários em Ribeirão Preto. Decerto imaginou que eram favoráveis a mim... Lula sabe o que fiz. Sempre tive preocupação institucional, daí o cuidado em transferir o poder, fincando bons fundamentos. Uma coisa que sempre me irritou na vida foi me chamarem de "neoliberal", esse qualificativo que não vale nada. Meu governo foi o oposto ao neoliberalismo. Fizemos ajuste fiscal, estabelecemos regras para a economia, aumentamos o salário mínimo, tocamos a reforma agrária, os programas sociais, demos prioridade à educação....e, diante do que foi feito, os governos posteriores ao nosso puderam avançar. Mas hoje não se preocupam em dar sustentabilidade ao que se construiu. Na vida política brasileira falta pensamento, falta interconexão e, no fundo, no fundo, falta grandeza. Você não vê ninguém dizendo vamos juntar forças e melhorar o País. Você só vê gente dizendo vamos juntar forças para ganhar eleição. Muito bem, ganha e faz o que depois? Como é que vai ser governar em 2015? Eu não sei.

Fonte: O Estado de São Paulo, 28/03/2014

quinta-feira, 27 de março de 2014

Esperanças: Dilma cai nas pesquisas e oposição emplaca CPI da Petrobrás no Senado

Avaliação positiva do governo Dilma cai para 36%, indica CNI/Ibope

Entre dezembro do ano passado e março, a aprovação da maneira de governar da presidente também caiu de 56% para 51%

Brasília - A avaliação positiva do governo da presidente Dilma Rousseff caiu de 43% para 36% em relação a dezembro, segundo pesquisa CNI/Ibope divulgada nesta quinta-feira, 27. No mesmo período, o porcentual de entrevistados que consideram o governo regular registrou oscilação dentro da margem de erro de 35% para 36% dos e os que o avaliam o governo como ruim ou péssimo subiu de 20% para 27%.

Em meados de fevereiro, levantamento realizado pelo Ibope já indicava queda na taxa de aprovação do governo de 43% para 39%, na comparação com dezembro. Assim, a avaliação positiva do governo voltava aos níveis observados entre agosto e novembro, quando oscilou entre 37% e 39%.

Na semana passada, o mesmo Ibope divulgou pesquisa sobre a corrida presidencial, segundo a qual Dilma tem 43% das intenções de voto, o mesmo índice registrado em novembro de 2013, data do levantamento anterior. Com esse índice, a petista mantém a expectativa de vencer no 1º turno na eleição em outubro. O levantamento anterior foi realizado entre 13 e 17 de março.

Maneira de governar. De acordo com o levantamento da CNI/Ibope, divulgado nesta quinta, o porcentual dos entrevistados que aprovam a maneira da presidente Dilma Rousseff de governar caiu de 56% para 51%. Ao mesmo tempo, aqueles que desaprovam a maneira da atual presidente de governar subiu de 36% para 43%.

Assim como a avaliação positiva, a aprovação da maneira de governar de Dilma inverteu a trajetória favorável. Em julho, 49% reprovavam a maneira de governar, superando, na ocasião, aqueles que a aprovavam, que eram 45%. Isso ocorreu logo após o início dos protestos de rua País afora. Foi a única vez que ela registrou uma reprovação superior à aprovação da maneira de governar desde que assumiu a presidência, em 2011.

A confiança na presidente Dilma diminuiu de 52% para 48%. O porcentual dos que não confiam nela subiu no mesmo período de 41% para 47%. Na prática, os indicadores de confiança e desconfiança estão tecnicamente empatados. O índice dos que não souberam ou não quiseram responder a essa pergunta também oscilou de 7% para 5%, dentro da margem de erro. Nos dois primeiros anos de governo, 75% confiavam na presidente.

A primeira pesquisa CNI/Ibope de 2014 foi realizada entre os dias 14 e 17 deste mês com 2.002 pessoas em 141 municípios. O levantamento tem margem de erro de dois pontos porcentuais e foi registrado na Justiça Eleitoral sob o número BR-00053-2014. A sondagem foi feita, portanto, antes da revelação de que a presidente Dilma Rousseff, quando presidia o Conselho de Administração da Petrobrás, votou a favor da compra de parte da refinaria de Pasadena com base em um resumo juridicamente "falho".

Em 2012, a estatal concluiu a compra da refinaria e pagou ao todo US$ 1,18 bilhão por Pasadena, que, sete anos antes, havia sido negociada por US$ 42,5 milhões à ex-sócia belga. A oposição protocolou nesta quinta o pedido para a abertura de uma CPI no Senado para investigar o caso.

Fonte: Estado de São Paulo, Ricardo Brito e Bernardo Caram, 27/03/2014

Oposição protocola pedido de criação da CPI da Petrobrás no Senado

Com 28 assinaturas, uma a mais que o mínimo necessário, senadores entregam requerimento de investigação da compra da refinaria de Pasadena e de outras suspeitas irregularidades envolvendo a estatal; instalação da comissão ainda não tem prazo para ocorrer

Brasília - Com 28 assinaturas, uma a mais que o mínimo necessário, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) protocolou na manhã desta quinta-feira, 27, no Senado Federal o pedido de abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, pela Petrobrás.

O texto do requerimento tem como objetivo investigar supostas irregularidades cometidas entre 2005 e 2014 em quatro pontos: compra da refinaria de Pasadena; indícios de pagamento de propina a funcionários da estatal pela companhia holandesa SMB Offshore para obtenção de contratos com a Petrobrás; denúncia de que plataformas estariam sendo lançadas ao mar sem equipamentos de segurança necessários; e indícios de superfaturamento na construção de refinarias.

Com o protocolo a CPI não está automaticamente instalada. Ainda há um caminho sem prazos para percorrer. O primeiro passo começa na secretaria da Casa, que fará a conferência dessas 28 assinaturas. Depois, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), precisa ler o requerimento em plenário - o que não tem data para ocorrer. Até a meia noite da data da leitura, parlamentares podem retirar suas rubricas e, se o número total for menor que 27, a investigação não pode ser instalada. Se for maior, aí, sim, está instalada a CPI.

Paralelamente ao pedido de apuração no Senado, a oposição trabalha para coletar assinaturas também na Câmara. Se os partidos conseguirem alcançar 171 adesões de deputados, os parlamentares cancelarão o procedimento no Senado para priorizar a instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), reunindo congressistas das duas Casas e, acreditam, minimizando a influência do governo Dilma Rousseff na condução das investigações.

PSB. Na noite dessa quarta, 26, o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) anunciou que seu partido iria aderir integralmente ao pedido de CPI, o que foi fundamental para completar o número de adesões necessárias.

Fonte: Estado de SP, Débora Bergamasco, 27/03/2014

quarta-feira, 19 de março de 2014

Enquanto Rui Falcão, presidente do PT, solidariza-se com o governo ditatorial de Nicolás Maduro, até Elio Gaspari reconhece que o governo Dilma tem fé infinita na empulhação

“Tenham a certeza da solidariedade do Partido dos Trabalhadores e DO POVO BRASILEIRO para defender a revolução bolivariana na Venezuela” – Rui Falcão, em visita a Caracas (Foto: Reprodução)
Seguem abaixo dois textos dos colunistas da Veja e da Folha, respectivamente Ricardo Setti e Elio Gaspari, dando conta de dois aspectos do governo Dilma: a faceta autoritária e a incompetência administrativa somada à má-fé. 

A faceta autoritária pode ser observada no vídeo do discurso de Rui Falcão durante as homenagens pela passagem de um ano da morte de Chávez na Venezuela. A má-fé e a incompetência são bem descritas por Elio Gaspari, que já muito apoiou o petismo, mas que parece ter se tornado mais realista sobre a gestão da presidanta do país. Diz o colunista:
Quando a doutora Dilma assumiu a Presidência, uma ação da Petrobras valia R$ 29. Hoje ela vale R$ 12,60. Somando-se a perda de valor de mercado da Petrobras à da Eletrobras, chega-se a cerca de US$ 100 bilhões. Isso significa que a gestão da doutora comeu um ervanário equivalente à fortuna do homem mais rico do mundo (Bill Gates, com US$ 76 bilhões), mais a do homem mais rico do Brasil (Jorge Paulo Lemann, com US$ 19,7 bilhões). Noutra conta, a perda do valor de mercado das duas empresas de energia equivale à fortuna dos dez maiores bilionários brasileiros.
E conclui:
O que há no governo é mais do que má gerencia. É uma fé infinita na empulhação, ofendendo a inteligência alheia.
Em discurso na Venezuela, Rui Falcão elogia os regimes bolivarianos e diz falar em nome do povo brasileiro

O deputado estadual e presidente do PT, ex-jornalista Rui Falcão, que já demonstrou apoio à repressão chavista às manifestações de protesto contra o governo Nicolás Maduro na Venezuela, esteve em Caracas para participar de solenidades referentes ao aniversário de um ano da morte do caudilho Hugo Chávez.

Em um discurso em um quartel, que começou com meia dúzia de palavras em portunhol, Falcão comparou a “ameaça do império” que julga existir contra a Venezuela à “ameaça do império” que instalou a ditadura no Brasil há 50 anos.

Falando “em nome de dois milhões de militantes do partido dos trabalhadores”, Falcão lançou diatribes contra “a elite”, contra as “ameaças do império”, contra a “imprensa manipuladora” e, supostamente “em nome do povo brasileiro”, declarou “trazer solidariedade ao povo venezuelano, ao governo constitucional e legítimo do presidente Nicolás Maduro, que enfrenta com coragem as tentativas golpistas – não apenas do império, mas da elite local – que tem sido despida de privilégios históricos, que o comandante Chávez começou a tirar”.

Rui Falcão defendeu a “democracia bolivariana” para os países latino-americanos, ressaltando a eleição de Michelle Bachelet no Chile — certamente, para quem tem conhecimento dos fatos, alguém que não é farinha do mesmo saco — e de Salvador Sánchez Cerén, em El Salvador, além de ter expressado sua certeza na reeleição de Dilma no Brasil.

O discurso ocorreu no dia 14 passado, mas merece ser apreciado como exemplo do que pensa a elite dirigente do lulopetismo.

Fonte: Veja Online, Ricardo Setti, 19/03/2014



O comissariado destruidor
Quando a doutora Dilma assumiu a Presidência, uma ação da Petrobras valia R$ 29. Hoje ela vale R$ 12,60. Somando-se a perda de valor de mercado da Petrobras à da Eletrobras, chega-se a cerca de US$ 100 bilhões. Isso significa que a gestão da doutora comeu um ervanário equivalente à fortuna do homem mais rico do mundo (Bill Gates, com US$ 76 bilhões), mais a do homem mais rico do Brasil (Jorge Paulo Lemann, com US$ 19,7 bilhões). Noutra conta, a perda do valor de mercado das duas empresas de energia equivale à fortuna dos dez maiores bilionários brasileiros.

Se o governo da doutora Dilma deve ser avaliado pela sua capacidade executiva, o comissariado petista contrapõe ao conceito de "destruição criadora" do capitalismo a novidade da destruição destruidora. No caso do preço dos combustíveis, de quebra, aleijou o mercado de produção de álcool.

Há empresas como a Polaroid, por exemplo, que vão à ruína porque vivem de uma tecnologia caduca. Outras cometem erros de concepção, como as aventuras amazônicas da Fordlândia e do Jari. É o jogo jogado. A perda de valor da Petrobras e da Eletrobras está fora dessas categorias. Acusar a doutora Graça Foster pelos maus números da Petrobras seria uma injustiça. A desgraça derivou de uma decisão de política econômica, mas responsabilizar o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pelo que acontece nessa área seria caso de atribuição indevida.

O que agrava o episódio é que tanto a Petrobras como a Eletrobras atolaram por causa de uma decisão politicamente oportunista e economicamente leviana. Tratava-se de vender energia a preços baixos para acomodar o índice do custo de vida, segurando a popularidade do governo. O truque é velho. Mesmo quando deu resultados políticos imediatos, sempre acabou em desastres para a economia.

Vem aí a campanha eleitoral e o governo irá à luta buscando a reeleição de Dilma Rousseff com duas plataformas: a da qualidade de sua gerência e os avanços sociais que dela derivaram. Numa área em que os governos petistas produziram o êxito do Prouni, o ministro da Educação Fernando Haddad criou o novo Enem em 2009. Prometia a realização de dois exames por ano. Nada, mas continuou prometendo. Em 2012 a doutora Dilma anunciou: "No ano que vem [serão] duas edições". Nada. Apesar de ela ter dito isso, o ministro Aloizio Mercadante e seu sucessor, José Henrique Paim, descartaram a segunda prova, que daria à garotada uma segunda chance de disputar a vaga na universidade. (Nos Estados Unidos, o equivalente ao Enem oferece sete datas a cada ano.) O novo presidente do Inep, organismo encarregado de aplicar o exame, dá a seguinte explicação: "É impossível se fazer dois 'Enens' por ano com esse Enem. O crescimento [de inscritos] foi de tal ordem que a logística se impôs".

É um caso simples de gerência. Quem disse que ia fazer dois exames foi o governo. As dificuldades logísticas não explicam coisa nenhuma, porque elas já estavam aí em 2009 e, desde então, o Brasil não incorporou ao seu território a península da Crimeia.

O que há no governo é mais do que má gerencia. É uma fé infinita na empulhação, ofendendo a inteligência alheia.

Fonte: Folha de São Paulo, Élio Gaspari, 19/03/2014

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