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Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

terça-feira, 23 de abril de 2013

Porque Dilma é o novo Geisel

Dilma, hoje, e Geisel, nos anos 1970. A receita econômica do PT
tem semelhanças com o que foi usada na época da ditadura

Ótimo texto do economista Samuel Pessoa, comparando as medidas liberalizantes e estatizantes de governantes da época militar e do atual período democrático. Nessa perspectiva, FHC corresponde a Castello Branco por ter tomado medidas liberalizantes que vitaminaram a economia e possibilitaram que Lula e Médici colhessem os frutos dessas medidas. Dilma, por outro lado, é comparada a Geisel, por sua política nacional desenvolvimentista, nacionalista e estatizante. O autor termina dizendo que não vê o Brasil abdicando do Estado de Bem-Estar Social, saído da Constituição de 88, mas aponta que, sem mudanças na política econômia do atual governo, pode crescer o apoio a projetos defendendo um modelo mais liberal na economia. 

Por Samuel Pessoa
No Brasil, nem a sociedade nem as elites que tomam as decisões têm convicção de que os mercados precisam de liberdade para funcionar bem. A adoção de políticas favoráveis a essa liberalização vem e vai em ciclos. Normalmente, um ciclo desses começa por causa de um cenário externo, que nos joga em direção à liberalização. No entanto, choques também externos que atinjam a economia servem de pretexto para que o penoso processo seja abandonado. A elite dirigente se volta, então, ao remédio de sempre: o Estado.

Que fique claro, não o Estado em sua função fundamental de tributar a sociedade e, em troca, oferecer serviços de seguro social, que protejam o cidadão das oscilações e riscos naturais de uma economia de mercado. Não o Estado que exerça seu saudável papel de reduzir as desigualdades herdadas do passado e as construídas pelo funcionamento do mercado. O Estado que se busca como remédio teria a capacidade de promover o desenvolvimento. Teria a capacidade de vislumbrar, por algum critério, quais setores produtivos são prioritários e dirigiria a eles os esforços públicos e privados.

Diferentemente do que se pensa, há conflito entre os dois Estados. O Estado de bem-estar social e o Estado desenvolvimentista disputam verbas do orçamento público. Não é por outro motivo que, dos anos 1950 aos 1970, no período do nacional-desenvolvimentismo, o Estado brasileiro investiu, em média, ridículo 1% do PIB em educação fundamental. Ao mesmo tempo, a taxa anual de crescimento da população beirou 3%. A consequência desse subinvesti-mento em educação foi a tragédia social dos anos 1980: favelização das grandes cidades, deterioração dos espaços públicos e explosão da criminalidade.

A falta de convicção da elite dirigente, à direita e à esquerda, nas instituições liberais de regulação econômica produz ciclos que se repetem com surpreendente semelhança. Não se requer do analista capacidade superior de observação para enxergar a repetição compulsiva, nem se trata de repetição burlesca de tragédias anteriores. Trata-se de repetição simples, como se a sociedade teimasse em não aprender. Nos últimos 50 anos, vivemos dois ciclos idênticos, em que um cenário externo leva à liberalização econômica  Depois, retomamos o crescimento, o cenário externo muda, recuamos nas reformas, estatizamos a economia e, no fim, reduzimos novamente nosso potencial de crescimento.

O primeiro desses ciclos iniciou-se no governo do presidente Humberto de Alencar Castello Branco (1964 a 1967), em seguida ao golpe que instituiu a ditadura militar. Os Estados Unidos e a Europa Ocidental cresciam vigorosamente. O Programa de Ação Econômica (Paeg) do novo governo brasileiro, entre outras medidas, promoveu uma reforma tributária, trabalhista, creditícia e monetária, além da redução das tarifas de importação, o que abriu a economia ao comércio exterior. Um conjunto enorme de leis e emendas constitucionais somente possíveis em períodos de exceção criou as bases para a retomada posterior do crescimento. A maturação das reformas institucionais do Paeg, em associação com um ciclo de crescimento da economia mundial, produziria as fortíssimas taxas de crescimento observadas no período do "milagre econômico", até os anos 1970.

Mas o primeiro choque externo do petróleo, em 1973, interrompeu o período do milagre. A resposta da política econômica  sob o presidente Ernesto Geisel (1974 a 1979), foi expandir o papel do setor público na função de promotor do desenvolvimento. Uma solução alternativa teria sido permitir a desaceleração ou até o encolhimento da economia, por certo período, para que os diversos setores absorvessem a perda de renda. Essa perda era real, já que o que o Brasil importava (petróleo) se tornara relativamente muito mais caro do que o que o país exportava. Mas admitir essa realidade estava fora de questão. Naquele momento, a sustentação política do regime de exceção dependia do crescimento.

O governo lançou um segundo Programa Nacional de Desenvolvimento (II PND). O plano exigia atrair capital externo, para compensar a falta de poupança doméstica e manter o ritmo dos investimentos. Houve forte endividamento de empresas privadas, com aval do Tesouro Nacional, para bancar projetos duvidosos. Futuramente, essa dívida seria estatizada. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) passou a atuar mais intensamente (leia mais na página 52). Ficaram famosos os empréstimos do banco com juros nominais prefixados, num período de inflação ascendente. Começou um descasamento no balanço do setor público: seu ativo — ou os créditos que acumulava com o setor privado - era expresso nominalmente, em moeda nacional. Seu passivo - ou a dívida com o setor privado doméstico e externo - era atrelado a algum índice de preços ou ao dólar. A origem do problema era clara: o governo e agências do governo tomavam dinheiro pagando juros mais altos e emprestavam dinheiro cobrando juros mais baixos.

Além da mão pesadíssima do Estado na direção do investimento e seu envolvimento financeiro direto, assumindo riscos monumentais, houve um processo de convivência com a inflação e diversas tentativas de controle direto de preços. Outro elemento importante do pacote foi a adoção, nos projetos incentivados pelo setor público, de objetivos ambiciosos e irrealistas de conteúdo nacional e de internalização praticamente de toda a indústria de bens de capital. A economia se fechou ao comércio internacional. O resto da história é conhecido e triste. Tornamo-nos, nos anos 1980, urna nação comparativamente mais pobre, desigual e atrasada.

Diversos estudos mostram que a aceleração do crescimento no período do milagre económico foi essencialmente um fenômeno de produtividade. Ou seja, com um mesmo nível de crescimento do uso do trabalho e do capital, a economia passou a ser capaz de crescer mais. A precedência temporal do Paeg e a natureza do crescimento no período posterior - resultante de forte avanço da produtividade - sugerem que o milagre econômico resultou da melhora institucional promovida pelo Paeg. Há toda uma literatura teórica e empírica recente que sugere que a produtividade resulta de melhoras institucionais.

Quem semou: FHC, na democracia, e Castello Branco, na ditadura,
 fizeram reformas que liberalizaram a economia. Foram exceções à regra
A mensagem
Para os historiadores
Políticas favoráveis à liberalização no Brasil vêm e vão em ciclos

Para os brasileiros
Isso ocorre porque nem as elites nem a sociedade têm convicção da importância das instituições para o crescimento econômico

Estamos agora no ponto ruim de um segundo ciclo, igual àquele encerrado nos anos 1970. Observamos a aceleração de crescimento na passagem do governo de Fernando Henrique Cardoso para o governo Luiz Inácio Lula da Silva. A aceleração, de pouco mais de 1,5 ponto percentual, foi integralmente fruto da aceleração da produtividade. Não houve aceleração nas taxas de crescimento das horas trabalhadas nem do estoque de capital. Não coincidentemente, a aceleração do crescimento foi precedida por um período de liberalização da economia, desta vez bem mais longo que o do governo Castello Branco. A reforma feita na democracia é mais custosa e lenta do que na ditadura, mas também mais sólida.

O longo período de reformas da economia que abriu o novo ciclo iniciou-se antes do governo FHC, com a abertura no governo Fernando Collor de Mello. Terminou nos primeiros três anos do governo Lula, quando, com António Palocci à frente do Ministério da Fazenda, muitas reformas elevaram a eficiência da intermediação financeira e permitiram o funcionamento de diversos mercados. A crise deflagrada pelas hipotecas de má qualidade nos Estados Unidos, em setembro de 2008, serviu de justificativa para que houvesse forte inflexão na política econômica  Isso nos jogou na fase final do ciclo. Entre outros elementos, a mudança na política econômica inclui:

• alteração no regime de câmbio flutuante para fortemente administrado. Nos últimos anos, vigora na prática o regime de câmbio fixo;
• tolerância com inflação maior. Há percepção generalizada de que o Banco Central trabalha com uma meta informal de 5,5% ao ano de inflação;
• controle de preços para tentar conter a inflação. Isso é visível nos combustíveis e na política de desoneração tributária;
• expansão do papel do BNDES na intermediação do investimento. Como nos anos 1970, as opções do banco são
altamente questionáveis. Não há literatura que sustente que a política de criar empresas campeãs nacionais alavanque o crescimento;
• tendência a fechar a economia ao comércio internacional;
• direcionamento da política de desoneração tributária a alguns setores ou bens, em vez de estendê-la de forma equitativa a todos os setores produtivos;
• aumento do papel do Estado e da Petrobras no setor de petróleo. Isso ocorreu com o novo marco regulatório para o pré-sal. Ele dificulta os novos leilões de áreas a explorar;
• aumento da dificuldade do governo federal para desenhar leiloes de concessão de serviços de utilidade pública.

Quem colheu: Lula e Medici recolheram os efeitos benéficos das reformas.
Em seus governos, o crescimento econômico do país se acelerou
Esse conjunto de medidas de política econômica responde, em parte, pela redução do potencial do crescimento da economia a que temos assistido nos últimos anos. Desde a saída de Palocci do Ministério da Fazenda, completou-se a última etapa da repetição: a excessiva intervenção do Estado reduz a eficiência da economia e nos leva de volta a níveis baixos de crescimento.

Essa interpretação é de um pesquisador que se filia à visão institucionalista do desenvolvimento econômico  Um pesquisador formado na tradição do estruturalismo latino-americano considerará essencialmente correto o pacote de políticas adotado desde a inflexão na condução de política econômica de 2008. A convivência de diferentes visões de mundo ou ideologias é inerente à ciência social. A complexidade do fato social impede que haja experimento empírico capaz de dirimir divergências.

Do ponto de vista da economia política, não há, na sociedade brasileira, uma sólida base de apoio e consenso favorável ao )Estado desenvolvimentista. Há, sim, forte consenso favorável ao Estado de bem-estar social. Suas bases foram estabelecidas na Constituição de 1988 e, eleição após eleição, têm sido referendadas pelos eleitores. Não enxergo a possibilidade de qualquer grupo político ter como agenda a redução do Estado de bem-estar social. Mas, se persistir a dificuldade do novo desenvolvimentismo em produzir crescimento, é natural esperarmos uma ou mais candidaturas defendendo um modelo mais liberal na economia.

Samuel Pessoa é pesquisador associado do Ibre-FGV e sócio da consultoria de investimentos Reliance

Fonte: Revista Época, 8 de abril de 2013

segunda-feira, 22 de abril de 2013

A velha esquerda autoritária reescreve a história: documentário 1964 – Um Golpe Contra o Brasil


Com apoio da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, o Núcleo de Preservação da Memória Política e a Televisão dos Trabalhadores, lançou (dia 2 de março), no Memorial da Resistência de São Paulo, o documentário 1964 – Um Golpe Contra o Brasil, dirigido pelo jornalista, poeta e artista plástico, Alipio Freire.

O tal núcleo produziu 200 cópias em DVD do documentário que estão sendo disponibilizadas para organizações da sociedade civil interessadas em promover discussões sobre a participação de civis no golpe militar de 1964. A prioridade é para organizações que programem atividades que tenham o filme como parte da programação. O núcleo também autoriza quem tiver cópias do filme a fazer pelo menos outras 10 cópias e distribuir a outros interessados, e assim por diante. As cópias podem ser retiradas na sede do Núcleo: Av. Brigadeiro Luís Antônio, 2.344, conjunto 45, São Paulo (SP), tel. [11] 2306-4801, e-mail: contato@nucleomemoria.org.br.

Posto abaixo o vídeo completo do documentário, parcial, tendencioso, desonesto, repleto daqueles mofados jargões esquerdistas (grande capital, forças imperialistas, direita) que pinta a esquerda dos idos de 64 como a mocinha que lutava para melhorar o Brasil quando foi impedida pelos gorilas militares e as zelites, o blá-blá de sempre. 

Como se sabe, essa esquerda queria SIM implantar uma ditadura de moldes comunistas no país e foi detida pela reação civil-militar que depôs o presidente Jango Goulart. No poder, os militares, que deveriam ter devolvido o poder aos civis, não o fizeram e aproveitaram a oportunidade para dar mais uma de suas quarteladas. De qualquer forma, entre os brucutus de direita e de esquerda que se enfrentaram naquela época, tivemos sorte de terem vencido os de direita senão estaríamos como os cubanos ou coreanos amargando ditaduras ferozes, na penúria e na estagnação. 

O Brasil precisa realmente rever os anos de chumbo com a imparcialidade devida. Não será com documentários como esse que conseguirá tal intento. Fica aí à guisa de registro.

sábado, 20 de abril de 2013

Liberal de verdade, Mario Vargas Llosa defende direitos homossexuais

Llosa em São Paulo: “Governos democráticos não devem se
tornar 
cúmplices de governos autoritários”
 
(Foto: Ag. Na Lata/Ed. Globo)
Mario Vargas Llosa: "Dilma não deveria apoiar uma fraude eleitoral"                                                                O escritor peruano diz que a eleição de Nicolás Maduro foi roubada, defende o casamento gay e acha que a Argentina merecia alguém melhor que Cristina Kirchner

João Gabriel de Lima e Luís Antônio Giron

O escritor peruano Mario Vargas Llosa, de 77 anos, ganhador do prêmio Nobel de Literatura de 2010, voltou ao Brasil, depois de três anos, para dar uma palestra no ciclo Fronteiras do Pensamento, em São Paulo. Defensor dos princípios liberais e democráticos, Llosa é hoje um dos raros intelectuais públicos militantes. “Estou esperançoso com o destino da América Latina”, diz. “Pela primeira vez, o continente conta com uma esquerda não autoritária e uma direita genuinamente interessada em democracia.” Uma exceção, segundo ele, é o chavismo na Venezuela – tão absurdo que, em sua opinião, daria um romance.

Como o livro se chamaria? O autor de A festa do bode, ficção sobre o ditador dominicano Rafael Trujillo, responde, bem-humorado: A festa do passarinho. O presidente venezuelano,Nicolás Maduro, durante a campanha eleitoral, disse em discursos que ouvia a voz de Hugo Chávez no canto dos pássaros. Abrindo várias vezes o sorriso largo que se tornou sua marca, Llosa deu a seguinte entrevista a ÉPOCA.

ÉPOCA – Como o senhor analisa a eleição na Venezuela, vencida por Nicolás Maduro por uma diferença de pouco mais de 1 ponto percentual?

Mario Vargas LlosaHenrique Capriles ganhou as eleições. O uso da máquina do Estado e de seus meios de comunicação foi tão desproporcional que Nicolás Maduro deveria ter vencido o pleito de forma avassaladora. Não foi assim. Houve praticamente um empate. Isso significa claramente que há uma grande reação do povo venezuelano contra o chavismo, contra o que representa Maduro. Por isso, a possibilidade de fraude é grande. Também por isso, me parece justo fazer a recontagem rigorosa dos votos. Os presidentes da América Latina não deveriam legitimar uma possível fraude eleitoral, indo assistir à entronização de Maduro. Seria um ato de cumplicidade contra o povo venezuelano, que claramente pede a democratização, a abertura, a mudança de política. É um momento importante, talvez fundamental, na história da América Latina.




ÉPOCA
 – A presidente Dilma Rousseffenviou cumprimentos a Maduro pela vitória, logo que saíram os primeiros resultados das eleições. Isso é uma forma de apoio?
Llosa – É um ato de cumplicidade com o que está ocorrendo na Venezuela. É lamentável isso partir de um governo democrático. Dilma não deveria apoiar uma fraude eleitoral. Ela não é o único caso. Todos os que fazem isso me parecem igualmente lamentáveis. Deveria haver maior coerência entre a política internacional e a política nacional por parte dos governos democráticos. Os governos que praticam a política chavista, que querem o socialismo autoritário, entendo que se solidarizem com Maduro. Mas governos que praticam internamente a democracia agem de forma absurda quando se tornam cúmplices de governos autoritários, mesmo que seja para aplacar internamente seus radicais. Felizmente, alguns mostram independência. É positiva a atitude da OEA (Organização dos Estados Americanos), ao pedir a recontagem de votos. E devo felicitar governos como o da Espanha, que não enviarão ninguém para representar o país na posse de Maduro, enquanto não se esclarecer o que aconteceu de fato nessas eleições.

"Os países chavistas representam o atraso na América Latina. Os países que progridem são os comprometidos com a democracia"

ÉPOCA – O socialismo fascinou muitos escritores na América Latina. O caso mais conhecido é o colombiano Gabriel García Márquez, que apoiou o regime cubano. No caso da Venezuela de Chávez, não apareceram muitos escritores para apoiar o regime. O que mudou?
Llosa – Mudou algo muito importante. É a primeira vez que um governo populista e autoritário conta com a oposição de praticamente toda a classe intelectual. As universidades, que costumavam ser radicais na Venezuela, são praticamente todas antichavistas, estão na vanguarda na luta pela democratização. Não conheço um escritor venezuelano importante que não esteja combatendo em favor da democratização. A única exceção é o romancista Luís Britto Garcia. É um sintoma alentador, porque, no passado, a intelectualidade latino-americana cometeu a insensatez de apoiar regimes como Cuba, a ditatura mais longa que o continente já teve em toda a sua história.

Chávez (1954-2013), exceção no continente
(Foto: Lynsey Addario/VII Network/Corbis)
ÉPOCA – O senhor foi um desses intelectuais, não? Quais as razões para esse fascínio por Cuba e Fidel Castro?

Llosa– Sim, também faço minha autocrítica. Reconheço que, quando jovem, senti um entusiasmo acrítico com o que acontecia. No fim dos anos 1950, quando a América Latina era um continente de regimes militares e os Estados Unidos apareciam como aliados dos ditadores, Cuba parecia representar a alternativa, o progresso, a democracia, a liberdade. Por outro lado, parecia uma revolução que não tinha sido feita pelo stalinismo e o Partido Comunista, e sim por jovens idealistas, socialistas libertários. Estávamos enganados sobre a Revolução Cubana no início. Havia um contexto que explicava esse entusiasmo. É difícil manter a ilusão 54 anos depois. Cuba é uma ditadura que destruiu o espírito crítico, empobreceu selvagemente o país. O país depende hoje da caridade venezuelana. Ao lado da Coreia do Norte, Cuba representa o maior anacronismo de nosso tempo. Esses regimes não são modelos para ninguém. Vivem o final de seus ciclos, como aconteceu com todos os regimes socialistas autoritários do mundo.

ÉPOCA – Há, hoje, vários intelectuais latino-americanos comprometidos com a causa democrática, inclusive em Cuba.

Llosa – Sim, claro. Recentemente conheci duas mulheres extraordinárias. Uma delas é a cubanaYoani Sánchez, uma mulher inteligente, que converteu seu blog num instrumento de protesto e crítica, sob condições dificílimas. A outra é María Corina Machado, uma deputada de oposição venezuelana, mulher de personalidade extraordinária e grande convicção democrática. Ela fez uma palestra na Argentina sobre o que ocorre na Venezuela. Conclama os democratas de todo o continente a se solidarizarem com o povo venezuelano nesta luta tão heroica – que, ademais, é uma luta por todos nós. Se o chavismo continuar a fazer estragos na Venezuela, todos estamos ameaçados na América Latina.


ÉPOCA – O senhor escreveu no romance Conversa na catedral que as toxinas do autoritarismo demoram a sair do corpo de uma nação. Essas toxinas estão finalmente começando a sair do continente, a América Latina?
Llosa – Acredito que sim. Se você compara a situação hoje com a de 15, 20 anos atrás, há um progresso considerável. Temos muito mais governos democráticos que autoritários. Acontece agora um fenômeno: a existência de uma esquerda democrática, pela primeira vez, na América Latina. Antigamente, a esquerda era autoritária, acreditava em governos firmes, em políticas intervencionistas, no Estado empresário e lidava mal com a diversidade. Isso está desaparecendo pouco a pouco. A esquerda está se tornando civilizada. Da mesma forma, a direita também ficou democrática, bem diferente da direita golpista, militarista do passado. A nova esquerda e a nova direita estão dando à América Latina um dinamismo, um progresso que justifica o otimismo. Os países que seguem o chavismo são poucos e representam um atraso em relação ao restante dos países latino-americanos. São os países democráticos que progridem, não só em termos econômicos, como também políticos.

ÉPOCA – No Brasil, os quatro pré-candidatos à Presidência são de partidos que se definem como “esquerda”. Por que a direita desapareceu por aqui?
Llosa – É um fenômeno bem latino-americano: ninguém quer ser de direita. No máximo, aceita-se ser de centro-esquerda. Mas não importa tanto as etiquetas que os partidos põem, e sim o que fazem. E o que fazem hoje está mais para centro-direita do que para esquerda.

"Vivi na Inglaterra nos anos de Thatcher. Com ela, o país voltou a ter um protagonismo e uma presença internacional extraordinários"

ÉPOCA – Qual sua impressão sobre o legado da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, cuja morte recente tem rendido homenagens, mas também protestos?
Llosa – Vivi na Inglaterra nos anos de Thatcher. Conheço as obras mais positivas dela. Quando ela subiu ao poder, no fim dos anos 1970, a Inglaterra era um país apagado, mergulhado na mediocridade do socialismo. As empresas eram estatizadas. O Estado crescia de uma maneira cancerosa, perdera o nervo criativo e o dinamismo. O país empobrecia e se mediocrizava. A palavra “decadência” exprimia fielmente a realidade inglesa. A transformação promovida por Thatcher foi extraordinária, com as privatizações realizadas com um critério eminentemente social. As empresas foram obrigadas a competir. Acabaram-se os subsídios, o clientelismo, os privilégios. A economia de mercado obviamente trouxe alguns sacrifícios, mas, ao mesmo tempo, gerou um progresso formidável da economia inglesa. Pela primeira vez em muitos anos, a renda per capita da Inglaterra superou a França. A Inglaterra voltou a ter um protagonismo e uma presença internacional extraordinários.

Thatcher (1925-2013), balanço positivo. (Foto:
Terry O’Neill/Hulton Archive/Getty Images)
ÉPOCA – Não há nada a criticar em Thatcher? E o apoio ao ditador chileno Augusto Pinochet?
Llosa – O apoio a Pinochet foi lamentável. Ela fez isso para agradecer os serviços que a ditadura chilena prestou à Inglaterra durante a Guerra das Malvinas. Também foram lamentáveis os últimos anos do governo de Thatcher, com os ataques à Europa, numa atitude nacionalista exacerbada. Mas, quando fazemos um balanço dos anos Thatcher, o lado positivo é muito maior.

ÉPOCA – O senhor conheceu Thatcher pessoalmente?
Llosa – Encontrei com ela quatro vezes. A primeira foi num jantar promovido por Hugh Thomas, então ministro dela. Durante a conversa, a submetemos a um verdadeiro exame, educado mas severo. No final, quando ela foi embora, um dos presentes, o professor Isaiah Berlin, disse uma frase que resumiu a impressão geral: “Nothing to be ashamed of”. Nada do que possamos nos envergonhar. A segunda vez encontrei-a em seu gabinete em Downing Street. Eu era candidato à Presidência do Peru e lhe perguntei: “Primeira-ministra, se ganhar a eleição, qual seria a decisão mais importante que eu deveria tomar?”. Nunca esqueci a resposta: “Cerque-se de um grupo leal e corajoso. Porque, se você fizer as reformas liberais, a reação será tão feroz que as piores traições virão de seus amigos, não de seus adversários”. E Thatcher sairia do poder não porque a oposição ganhou, e sim por uma traição interna do Partido Conservador, encabeçada por Geoffrey Howe (chefe de gabinete de Thatcher).

ÉPOCA – E os outros dois encontros?
Llosa – A terceira vez que a vi foi no México. Ela desmaiara durante uma conferência, estava abatida. Lembro-me do marido dela, Dennis Thatcher, que contraíra uma espécie de horror da América Latina depois daquela excursão. Chamava a todos nós de “mexicanos”. Da última vez que a vi, ela estava já fora do poder. Fui a sua casa acompanhado de cubanos exilados, que queriam convidá-la para fazer uma conferência em Miami. Ela se mostrou simpática e divertida, tomou três uísques. Falou muito, contou piadas. No final, acompanhou a gente até a porta e, como uma menina revolucionária, levantou o braço e disse: “Temos de derrotar Castro!”.

"Os gays sofreram terrivelmente ao longo da história, sobretudo em países machistas como os latinos. A união homossexual é bem-vinda"

ÉPOCA – O que o senhor pensa do governo argentino?
Llosa – A Argentina não merece o governo da senhora Kirchner. É um país que já foi Primeiro Mundo, quando três quartos da Europa pertenciam ao Terceiro Mundo. Foi um país industrial, que teve um sistema educacional fora de série. Foi o primeiro país que acabou com o analfabetismo no mundo – ninguém mais se lembra disso. Como a Argentina pode ter retrocedido dessa maneira? Foi por razões puramente políticas, e isso tem um nome: peronismo. Minha esperança é que venha uma reação das bases. Não há sentido algum a Argentina fazer parte do pelotão dos regimes atrasados, encabeçado por Raúl Castro e Nicolás Maduro. É um anacronismo flagrante, que não faz jus ao país.

Cristina Kirchner, permanência
do peronismo
(Foto: AFP) 
ÉPOCA – A união civil entre homossexuais tem sido um tema bastante discutido na América Latina. Ela foi aprovada no Uruguai, na Argentina... 

Llosa – ...e espero que seja aprovada em todos os países da América Latina. É um ato de justiça contra uma minoria perseguida, que sofreu terrivelmente ao longo da história, sobretudo em países machistas como os nossos. Já era hora de haver uma reação positiva para combater esse preconceito absurdo de que são vítimas os homossexuais. Os direitos humanos precisam ser compreendidos na América Latina em toda a sua extensão. O casamento gay é a reparação de uma injustiça. E é bom que figure na agenda política.

ÉPOCA – O senhor acredita que o papa Francisco, argentino, colaborará com o progresso dos direitos humanos e com as liberdades individuais?
Llosa – As primeiras iniciativas do papa têm sido boas. Ele está se aproximando das pessoas e dando mostras de simplicidade e modéstia. Dá a impressão de ser um homem bem-intencionado, consciente de que a Igreja Católica precisa realizar uma política de abertura e modernização. A Igreja tem se tornado anacrônica e assim continuará, se ele não abordar com coragem as reformas necessárias.

ÉPOCA – O que teria de mudar na Igreja Católica?
Llosa– Duas reformas seriam importantes. A Igreja teria de abolir o celibato clerical, em parte responsável pelos escândalos de pedofilia que tanto dano trouxeram. E teria de dar acesso à mulher a cargos e responsabilidades eclesiásticos. A Igreja mantém uma discriminação antimoderna.

ÉPOCA – Até que ponto ganhar o Prêmio Nobel foi importante para sua vida? Alguns escritores sentiram-se paralisados criativamente com o Nobel, como o irlandês Samuel Beckett. Isso acontece ao senhor, que criticara o prêmio no passado?
Llosa – Ganhar o Nobel foi uma grande surpresa. Estava absolutamente seguro de que nunca me dariam o Nobel. Eu tinha feito todo o necessário para não ganhá-lo, com tudo o que defendo e critico. Olha, o Nobel é uma semana de sonho. A gente vai a Estocolmo para receber o prêmio – e vive uma espécie de realidade divertida, belíssima, simpática. Em seguida, essa semana de sonho dá lugar a um ano de pesadelo. Porque a responsabilidade, as obrigações, as indicações, o assédio dos jornalistas, tudo isso é algo enlouquecedor. É preciso lutar para conseguir algum tempo para poder escrever. É terrível. Estou contente, claro, mas ganhar o Nobel envolve realmente uma pressão terrível. Ganhei, estou feliz, como feliz de ter ganhado outros prêmios ao longo de minha vida, mas já estou velho para ficar vaidoso com um prêmio a menos ou a mais. Continuo a fazer meu trabalho, embora com mais dificuldade, porque a pressão é maior. É importante manter as ilusões e os projetos até o último momento. Lutar contra o tempo. Isso mantém o homem vivo, e isso tenho de sobra.

ÉPOCA – No livro A anatomia de um instante, o escritor espanhol Javier Cercas esmiúça um único acontecimento histórico num livro, o golpe militar contra o presidente Adolfo Suárez em 1981. Existe um tema da história atual que, a seu ver, daria um livro?
Llosa – Eu escolheria esta transição à democracia que acontece na Venezuela. A rejeição do populismo autoritário terá um enorme significado, não apenas para a Venezuela e os países semivassalos da Venezuela – casos de Nicarágua, Bolívia e Equador –, mas também para toda a América Latina. Isso dará um grande impulso à democracia. É um momento nevrálgico, que merece uma reportagem a respeito, como a de Cercas sobre o golpe na Espanha.

ÉPOCA – Não poderia ser um romance, como A festa do bode, que o senhor escreveu sobre a República Dominicana?
Llosa – Poderia, só que o título seria A festa do passarinho.

Fonte: Época, 19/04/2013

sexta-feira, 19 de abril de 2013

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Fenomenologia do Espírito de Hegel - Web Site - Richard Dien Winfield, da Universidade da Geórgia

Ciência da Lógica de Hegel - Web Site - Richard Dien Winfield, da Universidade da Geórgia

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Hobbes: Leviatã e De Cive (1964) - Web Site - Leo Strauss, U Chicago.

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Introdução à Teoria - Vídeo iTunes - Professores Múltiplos, Wesleyan

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Kant - Web Site - Leo Strauss, U Chicago

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Nietzsche, Para Além do Bem e do Mal - Web Site - Leo Strauss, U Chicago

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Filosofia e valores humanos - Web Site - Rick Roderick, duque

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Fonte: Canal do Ensino

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Ótimo texto: A maldição do esquerdo-direitismo

Quem me dera ter nascido por lá!
Excelente texto do Denis Russo Burgierman, na Superinteressante (15/04/2013), contra o flaflu dos bregas de esquerda versus os jecas de direita que domina as discussões de hoje no Brasil. É um pouco exagerado comparar Thatcher com Chávez, mas entende-se por serem simbolicamente ícones da direita e da esquerda. 

O interessante no texto é o convite à superação dessa divisão maniqueísta, a superstição do esquerdo-direitismo dos tempos da Guerra Fria, ressuscitada pela esquerda bolivariana mas agora também alimentada pela reacionária conservadora. Burgierman relata que a tradicional revista liberal britânica The Economist aponta agora os países nórdicos como exemplo da superação dessa divisão. Veja as razões. Vamos ao menos refletir sobre elas?

A maldição do esquerdo-direitismo
O esquerdo-direitismo é uma crença semi-religiosa que se tornou a ideologia dominante do mundo no último século. Esquerdo-direitistas são pessoas que acreditam que todo o bem que existe no mundo provém de apenas uma fonte. Há dois tipos de esquerdo-direitistas – aqueles que acham que a fonte de todo o bem é o mercado e aqueles que acham que é o estado. A estes chamamos esquerdistas, aqueles são os direitistas.

No fundo, esquerdistas e direitistas são dois lados de uma mesma coisa. Ambos vêm o mundo em apenas duas dimensões, sem profundidade, dividido entre bons e maus. Não admira que esquerdistas transformem-se em direitistas e vice-versa com tanta facilidade – alguns dos analistas mais ferrenhos da direita passaram a juventude militando nas facções mais radicais da esquerda.

Nos últimos dois meses, dois dos maiores ícones desse jeito simplista de ver o mundo morreram: Hugo Chávez (esquerda) e Margareth Thatcher (direita). Difícil imaginar dois personagens tão representativos desse modo oitocentista de ver o mundo. Todos os esquerdo-direitistas concordam que, entre os mortos, havia um santo e um demônio. Eles discordam apenas em relação a qual é qual.

A realidade é que nem Chávez nem Thatcher merecem a canonização. Ambos tiveram seus inegáveis méritos como líderes carismáticos, mas as duas biografias estão cheias de erros crassos. É que, ao contrário do que eles acreditavam, o esquerdo-direitismo está errado. A crença compartilhada por esquerdistas e direitistas de que o mundo está dividido ao meio, entre virtuosos e cretinos simplesmente não tem lastro na realidade. Há virtudes e cretinices em cada um de nós e o mundo é muito mais cheio de sutilezas do que imaginavam nossos manuais ideológicos publicados nos séculos 18 e 19.

Prova disso está numa reportagem de capa recente publicada pela tradicional revista The Economist, a Bíblia liberal inglesa, que já foi um ícone esquerdo-direitista na época que essas coisas faziam sentido. A matéria de Economist declara que o novo modelo para o planeta são os países nórdicos. “Se você tivesse que renascer em algum lugar do mundo com talentos e renda médios, você ia querer ser um viking”, diz a revista.

Os países escandinavos, que nas décadas de 1970 e 1980 eram estados inchados, com impostos altíssimos, baixa competitividade e serviços públicos de estado socialista, quem diria, viraram exemplo para a revista que os liberais sempre adoraram. Isso porque, nos últimos anos, Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia fizeram várias reformas e se tornaram países incríveis para se viver.

Para começar, o estado racionalizou seus gastos e criou as mais fantásticas políticas de transparência do mundo, permitindo à população fiscalizar seus governantes e reduzir a gastança. Na Suécia, políticos de alto escalão moram em quitinetes, lavam a própria louça e usam transporte público ou bicicleta. Além disso, a burocracia caiu quase a zero e esses países viraram paraísos do empreendedorismo, de fazer inveja ao Vale do Silício com suas histórias de sucesso (Skype, Angry Birds, Spotify).

Mas isso foi feito sem sucatear o estado nem prejudicar a população. As reformas do estado foram feitas com um objetivo claro: manter a qualidade do serviço público, ou, se possível, aumentá-la. Essa lógica ajuda a entender o que aconteceu com a saúde e a educação pública nesses países. O governo continua atuando, provendo serviços de qualidade, mas empresas privadas também podem entrar na competição. Os cidadãos recebem do governo vouchers de saúde e educação e podem decidir usá-los em escolas e hospitais públicos ou privados. Na Escandinávia, o estado continua grande, mas uma coisa fundamental mudou: ele agora funciona.

O sucesso nórdico expõe a grande falácia do esquerdo-direitismo: a crença de que só há um caminho certo. Para os esquerdistas, criar mais empresas estatais e ter impostos altos é sempre bom. Para os direitistas, é sempre ruim. A verdade, como costuma ser o caso, está no meio: é possível, ao mesmo tempo, melhorar os serviços e aumentar a eficiência. Basta para isso focar no cidadão, que é muito mais importante do que empresas e estado.

Essa é a mágica que os países nórdicos operaram nos últimos anos. Enquanto isso, o Brasil faz o contrário: por aqui conseguimos combinar impostos altos com serviços ruins. E, em vez de focar em reduzir uns e melhorar outros, continuamos desperdiçando tempo com Thatcher e Chávez.

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