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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A encruzilhada de Serra ou os Conservadores precisam de um partido para chamar de seu

A encruzilhada de Serra
Segue o texto na versão escrita e, estreando no blog, também a versão em áudio. 

Aproveito para apontar duas correções no áudio, quando digo, já no finzinho, "sem um partido de centro, democrático, moderno, inclusive, para nos representar", de fato é inclusivo. Também há um "homossexual" a mais após "população" em "De fato, o projeto foi feito por alguns militantes petistas e afins e simplesmente apresentado para a população,..."



Nas grandes democracias ocidentais, o pensamento conservador se expressa em uma ou mais representações partidárias com as quais busca participar do jogo democrático. No Brasil, contudo, ele não tem representação ideológica de peso, à altura do expressivo eleitorado que se identifica com essa visão de mundo, e em condições de ganhar um pleito. O que existem são pequenos partidos de verniz conservador e parlamentares dessa linha espalhados por diversas siglas, sobretudo os conhecidos parlamentares da chamada bancada evangélica que, de qualquer forma, não representam o perfil conservador em geral. Para exemplificar o que digo, basta lembrar que muitos desses evangélicos têm relações para lá de íntimas com o petismo, uma miscelânea de tendências da esquerda autoritária (ainda que pose de social-democrata). Na prática, hoje de fato o PT age como neofascista, com sua política de fusão do Estado com empresas, mas isso não é assunto para este texto.

Retomando, na ausência de um partido que os represente, os conservadores têm pegado carona nas candidaturas do tucano José Serra nos dois últimos pleitos em que ele concorreu: para a presidência, em 2010, e agora para prefeito de São Paulo. Em 2010, conseguiram colocar a pauta do aborto como vedete da eleição. Nesta querem porque querem emplacar contra o candidato petista Haddad a pecha de autor do apelidado kit gay (de fato Escola sem Homofobia), fundamentalmente alguns vídeos sobre a questão homossexual que provocaram a ira conservadora. 

Por razões que só conservadores entendem (não há cenas de sexo nem sequer de carícias nas fitas), os vídeos chinfrins foram considerados chocantes e arma de proselitismo homossexual junto às crianças indefesas. De fato, o projeto foi feito por alguns militantes petistas e afins e simplesmente apresentado para a população, ou vazado para a população em geral, incluindo aí a própria população homossexual, pelo deputado Jair Bolsonaro (boçalnaro para os íntimos). Juntando alhos com bugalhos, o assunto virou mais uma daquelas polêmicas que alimentam as páginas de sites, blogs e redes sociais e, no meio do zum-zum-zum, e por pressão da bancada evangélica, Dilma Roussef acabou vetando o material (segundo Haddad, com sua colaboração).

Histórico de ações de Serra em prol da população LGBT

Mas voltando a Serra e seus caronistas conservadores, acontece que ele nunca foi conservador, embora de formação católica. Ele é social-democrata, de centro-esquerda, inclusive com vários projetos aprovados em prol dos direitos LGBT tanto no Estado quanto na cidade de São Paulo. Fora outras pautas ditas progressistas que apoia (não gosto desse termo progressista, mas assim são definidas certas pautas). Como exemplo, cito texto do núcleo LGBT do PSDB  (Diversidade Tucana) sobre os projetos que Serra aprovou em prol da comunidade homossexual:

- instituiu, em 2005, o primeiro órgão de administração pública brasileira voltado à diversidade sexual na cidade de São Paulo, a Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual;
- instituiu, também em 2005, o Conselho Municipal em Atenção à Diversidade Sexual bem como o Centro de Referência e Combate à Homofobia;
-  criou a Coordenação de Políticas Públicas para a Diversidade Sexual no âmbito da Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo;
-  instituiu o Comitê Intersecretarial de Defesa da Diversidade Sexual e o Conselho Estadual de Defesa da Diversidade Sexual ;
-  realizou a I Conferencia Estadual LGBT de São Paulo;
-  regulamentou a Lei 10.948 (que pune a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero) e publicou decreto acerca do uso do nome social de transgêneros na administração pública;
- criou, para travestis e transexuais,  o Ambulatório de Saúde Integral;
- na reforma do Sistema Previdenciário do Estado de São Paulo, em 2007, instituiu o direito de pensão aos parceiros homossexuais e fundou o Núcleo de Combate à Discriminação, Racismo e Preconceito no âmbito de Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

Enfim, um conservador não aprovaria nada disso, como se sabe, pelo menos não no Brasil, já que, na Inglaterra, o partido conservador de David Cameron encampa abertamente até o casamento homossexual. O conservadorismo brasileiro é contra todas as demandas da modernidade, as quais julga uma ameaça à família tradicional, à cristandade e ao pleno funcionamento da via láctea. Tende para o obscurantismo mesmo.

A Sindrome de Estocolmo eleitoral de Serra e seus sequestradores conservadores

Apesar de seu histórico de homem liberal, Serra temerariamente começou a trilhar os passos do PT (um dos grandes responsáveis pela ascenção dos evangélicos no país, vide suas relações com Edir Macedo, Garotinho, Bispa Sônia, entre outros),  fazendo média com conservadores, além do democraticamente aceitável, para tentar ganhar a eleição.  Parece estar sofrendo de síndrome de Estocolmo eleitoral,  tentando conquistar  a simpatia dos conservadores que  tentam sequestrar sua trajetória política.  Esses conservadores sabem que Serra não é conservador mas estão barganhando voto para que o tucano inclusive contrarie sua natureza política  supostamente como única forma de vencer Haddad. Nas palavras de um conhecido representante dessa vertente, Nivaldo Cordeiro, no vídeo O Desafio de Serra:

 “O espectro esquerdista tem o monopólio do PT. Se José Serra quiser tirar a diferença (positiva em relação a Haddad, no momento) vai ter que imitar o Mitt Romney dos EUA. Vai ter que fazer um discurso conservador, uma mensagem clara , direta, sem subterfúgios. ... É uma coisa muito irônica porque Serra é um homem genuinamente esquerdista, abraçou a causa de esquerda na juventude e nunca largou. E agora se defronta com a situação de que só poderá ser eleito e manter o projeto do PSDB, e defender a sociedade aberta e cumprir uma missão histórica muito importante que está reservada a ele, se fizer um discurso provavelmente contrário a sua crença mais íntima. Mas terá que fazê-lo porque a questão agora é uma única: como ganhar a eleição. E não se ganha eleição  com certos pruridos e excesso de coerência não. José Serra terá que empolgar o eleitorado conservador porque essa gente está doida por um candidato que apele a seu voto. Esses conservadores vão se transformar em cabos eleitorais gratuitos, automáticos, entusiastas. Buscarão voto na rua para elegê-lo. Mas só o farão se ele tiver um discurso para essa gente. Até agora ele não teve. Terá que abraçar bandeiras que ele não gosta pessoalmente provavelmente, mas terá que fazê-lo porque isso é do profissionalismo político: terá que ser contra o aborto, terá que ser contra o gayzismo, terá que denunciar fortemente a tramoia do mensalão , botar isso em evidência, levar para a população mais simples. A classe média está bem informada sobre o mensalão mas a periferia nem sabe o que é... Tem que associar o Haddad àquela proposta maldita do kit gay. Tem que fazer a agenda conservadora, fazer o discurso conservador ... ou faz isso e se diferencia e ganha a eleição... ou não faz e perde a eleição. Essa é a encruzilhada.“

Sério que essa é uma das falas mais inacreditáveis que já ouvi na vida. Seu autor, arauto do conservadorismo, esse mesmo conservadorismo que tanto condena a desonestidade, a falta de ética do PT, quer que o candidato José Serra faça um discurso contrário às suas crenças mais íntimas, que jogue fora sua trajetória política, ou seja, que seja completamente desonesto, para vencer o PT. Além do que a argumentação do tal Nivaldo é uma falácia cabeluda. Vários fatores podem levar Serra a perder as eleições, mas com certeza não será por não encampar a agenda conservadora que isso ocorrerá. Aliás, se o PT ganhar, pode-se atribuir a vitória, entre outras coisas, a incompetência desses conservadores que não conseguem concretizar um partido próprio e parasitariamente tentam desfigurar um candidato de outra corrente política para defender suas bandeiras. Eles de fato estão mais preocupados com suas bandeiras do que com a vitória de Serra. 

E como disse antes, Serra parece estar sofrendo de Síndrome de Estocolmo, querendo agradar seus potenciais sequestradores. Sábado, deu entrevista ao Estadão onde afirma que o apelidado kit gay não foi feito para educar e sim para doutrinar. O tal suposto kit é mesmo bem ruinzinho, poderia se discutir sua abordagem, naturalmente, mas essa história de doutrinar é ridícula. A verdade é que as outras variantes da sexualidade humana, a homo e a bissexualidade, são apresentadas nos vídeos do kit como naturais, um conceito que bate de frente com a visão conservadora de que a heterossexualidade é a única forma normal, natural de relacionamento entre seres humanos. Seria o caso de perguntar porque, se é tão natural, a simples menção das outras variantes da sexualidade humana poderia destruí-la, não é mesmo? Será que atestar a existência dos cavalos ameaça a vida dos cachorros? 

Não há como combater a homofobia sem apresentar a homo e a bissexualidade como variantes naturais da sexualidade humana

O fato é que não há como combater a homofobia sem apresentar a homossexualidade ou a bissexualidade como variantes naturais da sexualidade humana. Pela perspectiva conservadora, contudo, qualquer projeto de educação sexual nas escolas que fale de maneira natural da homossexualidade corre o risco de ser vetado sob acusação de fazer proselitismo homossexual, como se fosse possível induzir alguém a ser o que não é (pode-se no máximo forçar alguém, através da repressão, a fingir ser o que não é). Independente de como se aborde a questão, o objetivo é combater o preconceito contra os alunos homossexuais e não arrebanhar criancinhas para o homossexualismo. Como Serra também afirma que é preciso combater a homofobia, resta saber qual solução apresentará para esse impasse, caso eleito.

Agora há um aspecto do discurso do citado conservador com o qual concordo: Serra está mesmo numa encruzilhada. Como também disse editorial da Folha de São Paulo, intitulado Kit Evangélico, fazendo média com conservadores, Serra pode conseguir votos dos mesmos, quem sabe até ganhar as eleições (por essa via torta eu duvido), “mas não há como comer do bolo conservador e, ao mesmo tempo, passar-se por liderança moderna, arejada.” Estaria Serra disposto a jogar fora toda uma trajetória política por uma eleição, mesmo considerando a importância desta atual em São Paulo? Sabe-se que, pelas deficiências da política eleitoral brasileira, as alianças mais insólitas acabam rolando no país (haja vista que gente do PSOL apoiou o ACM na Bahia), mas há barganhas que colocam em risco toda a credibilidade da pessoa. E Serra não tem mais idade para se recuperar de tamanho tombo.

O que é pior, essa situação coloca a todas nós, pessoas moderadas, não autoritárias, igualmente numa encruzilhada entre as viúvas do Muro de Berlim e a Santa Inquisição conservadora, sem um partido de centro, democrático, moderno, inclusivo, para nos representar, já que o PSDB também agora resolveu flertar com coisas do arco da velha.

Pior ainda, o PT, com seu proverbial cinismo, embora tenha inúmeras ligações com evangélicos, embora Haddad, sem qualquer histórico de apoio à comunidade LGBT, tenha inclusive vetado o tal kit gay com Dilma, igualmente com base na falácia da doutrinação, já está atacando Serra como homofóbico por conta de sua declação sobre o kit. Lembremos que a única coisa que petistas sabem fazer bem é mentir. Suas mentiras têm uma cola das mais aderentes. Assim, Serra, apesar de todo seu currículo de políticas contra o preconceito, pode ficar também rotulado como homofóbico por um sujeito que nada fez pelos LGBT. 

Tempos difíceis. Vamos torcer para que a Síndrome de Estocolmo de Serra fique restrita a essa declaração conceitualmente equivocada de que o kit faria doutrinação (?!) da homo e da bissexualidade. Se a síndrome avançar, pessoalmente, mesmo sabendo da importância de se votar contra o PT, vou repensar meu apoio ao tucano, salientando que, meu voto, depois dessa fala sobre doutrinação, já se encontra constrangido. Afinal, trocar 6 por meia dúzia não é escolha verdadeira.

O Fantasma da Ópera!

Minhas paixões musicais ou cinematográficas são assim: à primeira vista ou audição e à segunda ou terceira vista ou audição. No caso do filme O Fantasma da Ópera, de 2004, foi o segundo caso que me ocorreu. Gostei principalmente das músicas, na primeira vez que assisti o filme; na segunda, gostei mais ainda das músicas, mas também dos cenários, do figurino e dos personagens. Gosto de personagens intensos, meio dark, meio outsider, como o gótico fantasma da ópera e sua triste história, um dos maiores sucessos de bilheteria de todos os tempos seja em teatro ou cinema.

O filme é baseado na conhecida e bem-sucedida  peça musical de Andrew Llyod Webber que, por sua vez, foi baseada na obra homônima de Gaston Leroux (clique aqui para baixar). No filme, o gênio da música desfigurado, o Fantasma (Gerard Butler), que vive nas galerias do luxuoso Teatro de Paris, tutela, nas sombras, a jovem Christine Daaé (Emmy Rossum),  a fim de torná-la cantora de suas músicas. Quando a diva temperamental La Carlotta (Minnie Driver) abandona os ensaios do espetáculo da ópera em cartaz pouco antes da estreia, Christine é indicada para o papel principal por intermédio do Fantasma.

Na noite da estreia, enquanto o Fantasma assiste ao début de sua protegida em um dos camarotes, um amigo de infância de Christine, o Visconde Raoul de Chagny (Patrick Wilson), que se tornara financiador do teatro, também se encanta com o talento da moça e a reconhece dos tempos de criança. Inicia-se aí uma espécie de triângulo amoroso entre a jovem, o Visconde, moço bonito mas insosso, e o dramático e passional Fantasma da Ópera. Christine acaba descobrindo o rosto desfigurado de seu tutor, que chamava "Anjo da Música", e prefere o moço bonitinho, embora seu coração permaneça meio balançado  até o fim do filme. Enciumado e rejeitado, o Fantasma sequestra a amada, após fazer um dueto com ela, no palco do teatro, quando interpreta Don Juan, uma das cenas mais bonitas e sensuais da história, e literalmente bota fogo no circo. No fim, por amor, ele abdica da moça e a deixa seguir com o Visconde.

Posto abaixo, em vídeo, a cena citada,  de quando o Fantasma interpreta Don Juan num dueto com Christine, na música The Point of No Return, seguida da letra, uma verdadeira alegoria da sedução. E aqui um senão importante que vejo no filme. O Fantasma aparece com uma máscara completa nessa cena, cobrindo os dois lados do rosto, onde se observa, em ambos, uma costeleta bem definida e o cabelo escuro e penteado todo para trás por igual. Ao final do dueto, Christine retira a máscara do Fantasma e, de repente, a costeleta some, parte do cabelo também, devido à face desfigurada do personagem, e ele de bela estampa passa a péssima em alguns segundos. Reparem. Embora o Fantasma usasse uma espécie de aplique para cobrir a parte do couro cabeludo sumida pelo desfiguramento, a transformação não convence! Tanto cuidado com os figurinos e um erro desses. Mas dá para relevar porque a música e a cena são muito bonitas.

Vale a pena ver e rever o Fantasma da Ópera. Belo filme, lindas músicas!



The Point of No Return
Fantasma da Ópera
Composição : Andrew Lloyd Weber / Charles Hart
DON JUAN (PHANTOM )
Passarino - go away!
For the trap is set and waits for its prey . . .

You have come here
in pursuit of your deepest urge,
in pursuit of that wish, which till now
has been silent...
Silent...

I have brought you, that our passions
may fuse and merge - in your mind
you've already succumbed to me
dropped all defences
completely succumbed to me
now you are here with me:
no second thoughts, you've decided...
Decided ...

Past the point of no return -
no backward glances:
our games of make-believe are at an end...
Past all thought of "if" or "when" -
no use resisting:
abandon thought,
and let the dream descend ...

What raging fire shall flood the soul
What rich desire unlocks its door
What sweet seduction lies before us?

Past the point of no return
The final threshold
What warm unspoken secrets
Will we learn
beyond the point of no return?

You have brought me
To that moment when words run dry
To that moment when speech disappears
Into silence...
Silence...

I have come here,
Hardly knowing the reason why
In my mind I've already imagined
Our bodies entwining
Defenseless and silent,
Now I am here with you
No second thoughts
I've decided...
Decided...

Past the point of no return
No going back now
Our passion-play has now at last begun.

Past all thought of right or wrong
One final question
How long should we two wait before we're one?

When will the blood begin to race
The sleeping bud burst into bloom
When will the flames at last consume us?

Past the point of no return
The final threshold
The bridge is crossed
So stand and watch it burn
We've passed the point of no return.

O Fantasma da Ópera (2004)
Atores: Gerard Butler, Emmy Rossum, Patrick Wilson, Miranda Richardson, Minnie Driver, Simon Callow, Ciarán Hinds, Jennifer Ellison, James Fleet, Victor McGuire; Direção Joel Schumacher,  141 minutos, EUA

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Dia 9 histórico: petistas condenados no mensalão e Maluf condenado a devolver nosso dinheiro


Terça-feira foi um dia histórico para o Brasil: não só os mensaleiros petistas começaram a ser condenados como também o grande picareta Paulo Maluf foi condenado a devolver mais de R$ 21 milhões à Prefeitura de São Paulo até o final de outubro, por obra e graça da juíza Liliane Keyko Hioki, da 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, e ironicamente devido a representação apresentada pelo PT em 1996. 

Espero que, desta vez, Maluf efetivamente não saia impune de mais um de seus incontáveis delitos. De qualquer forma, Maluf é fichinha perto dos mensaleiros petralhas que devem tomar uma caninha ao menos ao fim do julgamento do mensalão. Como dizem por aí, corrupto de direita rouba individualmente; corrupto de esquerda, rouba coletiva e sistemicamente. 

E pior, os petralhas mensaleiros são bandidos como outros quaisquer, mas não aceitam esse estatuto. Para eles, o roubo deles é diferente dos demais porque seria pela causa social, pelos frascos e comprimidos. Acham-se acima da lei, acima de todos nós. Os juízes do STF, vários indicados por Lula e Dilma, decidiram em sua maioria ser apenas juízes e julgar os réus do mensalão com base nos autos do quilométrico processo. Com a mais inacreditável desfaçatez, contudo, os petralhas veem as condenações como perseguição ao partido pela mídia e as elites conservadoras contra a independência da classe trabalhadora brasileira. A velha lenga-lenga de sempre.

No entanto, muitos brasileiros, entre os quais me incluo, não acham que os petistas sejam melhores de quem quer que seja para não serem julgados como quaisquer outros nas mesmas circunstâncias. A igualdade perante a lei, a famosa isonomia, é um dos pilares da democracia. No caso das cotas raciais, o STF feriu esse preceito equivocadamente. No caso do mensalão, foi o contrário: agiu como a luz no fim do túnel que eu sonhava que o julgamento pudesse ser para a sociedade brasileira.

Acho que foi um turning point na história do Brasil, a hora da virada. Claro que os petistas continuarão aí lutando para subverter a ordem democrática, mas o golpe em sua empáfia foi grande. Ajudou também a amenizar a frustração pela vitória do tiranete Chávez na Venezuela e a passagem do petista Haddad para o segundo turno. Em outras palavras, ainda há juízes no Brasil!

E vejam abaixo o funk do Haddad.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Katyn, filme que demonstra como nazistas e comunistas tinham coisas em comum

Loja de Brasília vende camiseta com referência à invasão da Polônia
por nazistas e comunistas
Certas coincidências são realmente intrigantes. Estava para escrever sobre o filme Katyn, que posto abaixo com legendas em espanhol, mas acabei adiando o momento de fazê-lo até que esta semana dois episódios me impulsionaram a abordá-lo de vez.

O primeiro se refere a um texto intitulado Foi-se o Martelo, do Eurípedes Alcântara, sobre o historiador Eric Hobsbawm, recentemente falecido, e sua devoção ao comunismo. Neste texto, imperdível, o autor lembra da invasão da Polônia, em 1939, pelos nazistas e comunistas, e o Massacre da Floresta de Katyn, pelo exército soviético, a mando de Stálin, quando 20.000 oficiais poloneses foram mortos com tiros de pistola ou por estrangulamento. 

Detalhe da camiseta com o logo do Mal
O segundo é relativo a uma notícia sobre a venda de uma camiseta (vejam a foto inteira e no detalhe), numa loja de Shopping em Brasília, estampada com logo ostentando os símbolos nazista e comunista em referência à invasão da Polônia (Poland, 1939). A camiseta virou notícia por causa do símbolo nazista cuja exibição, por qualquer via, é considerada crime. Entretanto, na notícia, não há qualquer crítica ao maléfico símbolo do comunismo (a foice e o martelo), bem mais assassino do que seu irmão nazista. Pelo contrário, temos inclusive que aturá-lo em sigla de partido brasileiro, como se fosse coisa natural e não um insulto à humanidade. De qualquer forma, esse logo aparece na camiseta porque ela faz parte de uma Polo Collection World War (Coleção Polo Segunda Guerra Mundial), época em que a pobre Polônia foi invadida pelos dois monstros genocidas do século passado a um só tempo. Desgraça pouca é bobagem.

O fato é que Hitler e Stálin haviam assinado o infame tratado Molotov-Ribbentrop, em 23 de agosto de 1939, supostamente de não-agressão, mas de fato de cooperação entre os dois regimes totalitários com vistas a repartir a Europa, após a ocupação e destruição das democracias liberais. Em seguida, em setembro, primeiro os nazistas, depois os comunistas invadiram a Polônia e fizeram um monte de barbaridades no país, entre os quais se destaca o Massacre da Floresta de Katyn. Vale lembrar que o dia 23 de agosto foi recentemente reconhecido, na Europa,  como Dia da Memória das Vítimas de todos os regimes autoritários e totalitários. Vale também sempre rever a análise do cientista político francês Alain Besançon sobre as razões pelas quais as barbáries cometidas pelo comunismo são tão pouco conhecidas. 

Entre essas razões, ressalta-se o fato de que o nazismo perdeu a guerra enquanto a URSS posou inclusive de aliada, no fim das contas, para a derrota de Hitler. E como diz o velho ditado, a história é escrita pelo vencedor. Como Hitler pirou de vez e resolveu atacar inclusive seu até então amigo Stálin (em junho de 1941), não restou ao sanguinário comunista outra opção que não defender-se e se unir aos inimigos do seu inimigo. Depois, tratou de reescrever a história ao sabor de seus interesses, pondo a culpa de muitas de suas atrocidades nas costas dos ex-colegas nazistas.

O caso do Massacre da Floresta de Katyn foi um desses episódios em que os soviéticos culparam os nazistas por um crime que de fato eles próprios cometeram. Mas como tem gente que nunca esquece, em 2007, o diretor polonês Andrzej Wajda , trouxe à luz a verdade sobre esse evento trágico para seu povo e para sua própria família, já que perdeu o pai no massacre.

Para uma análise do filme Katyn propriamente dito, resgatei uma resenha da Isabela Boscov, para a Veja de 8 de abril de 2009. Depois é conferir o filme e divulgar esta postagem como um serviço de utilidade pública a todas as democracias, pois, como diz a Isabela, e vide a "reeleição" de Hugo Chávez, o filme fala de "uma calamidade que o presente está longe de erradicar – a dos regimes ditatoriais e como - eles desfiguram não uma liberdade abstrata e sim cada indivíduo, até seu âmago."  

Em Katyn, Andrzej Wajda reabre uma ferida que ainda hoje dói nos poloneses:
o massacre de 20.000 oficiais pelos soviéticos, em 1940.
Mas por que só um octogenário se interessou em tratar dela?

Sob a névoa da guerra

por Isabela Boscov

Na primeira cena de Katyn (Polônia, 2007), já em cartaz no Rio de Janeiro e com estreia prevista para esta sexta-feira também em São Paulo, dois grupos de refugiados encontram-se no meio de uma ponte, em algum lugar da Polônia. Parte deles vem do oeste, fugindo dos invasores nazistas, enquanto a outra parte vem do leste, tentando escapar dos invasores soviéticos. Ou seja: chegou-se ao ponto onde não há mais saída – e essa é a imagem ao mesmo tempo literal e metafórica da terrível má sorte que desabou sobre os poloneses em 1939.

Imprensada pela geografia entre os dois regimes totalitários mais cruéis do período, a Polônia virou um palco para as piores tensões da II Guerra. Sua invasão pelos nazistas foi, primeiro, o estopim do conflito. Depois, enquanto o farsesco pacto de não agressão entre Adolf Hitler e Josef Stalin vigorou, o país se viu repartido entre dois exércitos de nacionalidades e métodos diferentes, mas objetivos idênticos – quebrar a espinha do ocupado e ensaiar as práticas expansionistas que logo estenderiam pelo mundo. Finalmente, quando ficou claro que nenhum acordo poderia conter o choque entre as ambições de Hitler e Stalin, o país passou a ser sistematicamente eviscerado pelos dois adversários.

Um episódio central simboliza esse processo: em abril de 1940, os soviéticos fuzilaram cerca de12.000 oficiais poloneses na floresta de Katyn. Contando-se os fuzilamentos em outros campos de prisioneiros, o total de assassinados chegou a 20.000. Muitos destes eram reservistas e atuavam como engenheiros, técnicos ou cientistas. Sem eles, calculava Stalin, seria muito mais difícil à Polônia reerguer-se (Hitler, por sua vez, já se havia incumbido do extermínio dos intelectuais poloneses). Em 1943, quando as valas comuns foram descobertas, os nazistas aproveitaram-se ao máximo delas para propaganda antissoviética. Em menos de dois anos, porém, a Alemanha foi derrotada, e a Polônia caiu na órbita da União Soviética – a qual reescreveu a história, atribuindo o massacre de Katyn aos nazistas e alardeando-se de ser a verdadeira esperança dos poloneses. A Polônia inteira sabia tratar-se de uma mentira; mas quem o dissesse enfrentaria tortura, exílio ou morte. Eis, então, como uma nação foi refundada sobre uma farsa.

Essa é a história que o grande diretor polonês Andrzej Wajda conta, pela primeira vez na história do cinema de seu país, em Katyn. O pai de Wajda foi uma das vítimas do massacre, e durante anos sua mulher e filho aguardaram que ele voltasse. Quando souberam de sua morte, mal puderam cumprir o luto. Logo, como todos os outros parentes dos fuzilados, tiveram de assumir a falsidade. O massacre e sua subsequente dissimulação feriram a Polônia até a alma: como Wajda mostra em seu filme, numa brilhante recriação não apenas do episódio, mas da dimensão emocional que ele adquiriu, o ocorrido em Katyn pisoteou a identidade dos poloneses, violentou sua história e anulou, por décadas, sua esperança de um futuro livre. Se esse futuro não tivesse afinal se concretizado,Katyn não poderia existir, claro.

Mas é intrigante que só Wajda, que acaba de completar 83 anos, tenha se ocupado de reabrir essa ferida para começar a arejá-la. Intrigante, mas também sintomático: Wajda é um dos remanescentes de uma fraternidade de diretores que, iniciando a carreira entre o fim da II Guerra e a década de 70, imaginou o cinema não apenas como espetáculo – aspecto que a maioria deles nunca menosprezou –, mas também como um novo fórum, de alcance e apelo sem precedentes.

Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, Bernardo Bertolucci, Luchino Visconti, Ingmar Bergman, Akira Kurosawa, François Truffaut, Louis Malle, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e Stanley Kubrick, para ficar apenas nos nomes mais óbvios, foram alguns dos expoentes desse grupo que Wajda integra desde sua estreia, na década de 50, com a "Trilogia da Guerra", formada por Geração,Kanal e Cinzas e Diamantes.

Nem todos os diretores surgidos nesse período de transformação se dedicaram a temas políticos ou ideológicos, como Wajda quase sempre continuou a fazer. De sexo a relações humanas, de identidade cultural a filosofia, todas as grandes questões encontraram um espaço nesse fórum. A base comum para esses cineastas e os filmes que eles produziram, porém, é clara: o espírito inquisitivo e a aspiração de intervir em seu tempo. Esse é o espírito que abriu para eles um lugar não apenas na história do cinema, mas no cânone cultural contemporâneo. E esse é também o espírito que move Wajda a dissipar a névoa da guerra em Katyn. Se não se trabalhar para encontrar no passado seu sentido verdadeiro, argumenta o filme, tudo o que repousa sobre ele será também em alguma medida uma falsificação.

O mais triste em Katyn é quanto ele é solitário em sua ambição. Outros veteranos como Wajda continuam a fazer um cinema de busca e indagação, a exemplo de Clint Eastwood e Werner Herzog. Mas, nas fileiras de diretores que despontaram a partir da década de 80, os casos de inquietude intelectual são escassos – Pedro Almodóvar, na Espanha; Paul Thomas Anderson, de Sangue Negro, nos Estados Unidos; Cristian Mungiu, de 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, na Romênia; Florian Henckel von Donnersmarck, de A Vida dos Outros, na Alemanha. Wajda, que não é nenhum esnobe – uma de suas críticas ao cinema europeu é que ele em geral se recusa a aprender com o americano como conduzir a emoção da plateia –, tem uma teoria sobre o problema. "Certa vez, perguntei a Kurosawa como ele conseguira interpretar Macbeth, de Shakespeare, de maneira tão profunda e acurada em Trono Manchado de Sangue", contou o polonês em uma entrevista recente à revista Sight & Sound. "‘Senhor Wajda, tive uma educação clássica em Tóquio’, ele me respondeu. Bergman e Fellini também tinham esse tipo de formação – assim como muitos de seus espectadores. Hoje, as escolas não ensinam mais esses valores."

Se o diagnóstico de Wajda estiver correto, portanto, não são o cinema ou os cineastas que estão menores. É a própria cultura que está perdendo seu sentido de continuidade e acumulação e, assim, se apequenando. O cinema, afinal, não depende só de quem o faz para provocar impacto: depende igualmente de quem o vê. Katyn prova que essa contração não é necessária. O filme de Wajda tem uma experiência fundamental a transmitir sobre uma calamidade que o presente está longe de erradicar – a dos regimes ditatoriais e como - eles desfiguram não uma liberdade abstrata e sim cada indivíduo, até seu âmago. Mas ele a transmite com arte, e espetáculo, e emoção.

Fonte: Revista Veja, 8 de abril de 2009

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