segunda-feira, dezembro 15, 2008Míriam Martinho3 comments
O Fantástico do outro domingo (07/12/08) entrou na atual moda da Rede Globo de combater o preconceito contra lésbicas, quem sabe para se redimir dos tempos em que as sáficas iam pro espaço em seus folhetins do horário nobre.
A propósito da novela A Favorita, onde a personagem Catarina (Lilia Cabral) se torna amiga da lésbica Estela (Paula Burlamaqui) e sofre por tabela o preconceito e a discriminação direcionados à colega, o Fantástico elaborou um quadro para mostrar que a arte de fato imita a vida.
O quadro, chamado de Amiga Gay, entrevistou mulheres que, na vida real, são héteros mas têm amigas lésbicas e são discriminadas por isso. Mostra também o preconceito sofrido por duas atrizes que se fazem passar por namoradas num passeio pelos corredores de um shopping. O tom do programa é todo de condenação ao preconceito.
Pois, é! Mas não é que apareceu ativista lésbica dizendo que o Fantástico estava prestando um desserviço às lésbicas com o quadro em questão?!? E por quê? Porque em vez de chamar o quadro de Amiga Lésbica, o Fantástico o intitulou de Amiga Gay. Porque pinçaram uma frase da novela onde a filha da personagem Catarina diz para a mãe: “A senhora não é lésbica, não pode deixar que falem mal de você assim”. Porque as atrizes que se fizeram passar por namoradas, impressionadas com o que ouviram dos transeuntes no shopping, disseram que era melhor fingir não ser lésbica, não dar a cara à tapa. Houve ainda quem dissesse que o Fantástico perdeu a chance de defender o projeto de lei contra a homofobia que tramita no Senado em Brasília!
Gente confusa. A luta é contra o preconceito e não para afirmar identidades políticas. Isso sem falar que a turma das mulheres que se relacionam com mulheres tem um leque amplo de identidades que não se resume à palavra lésbica, à identidade lésbica. Há várias outras. À parte ainda que o Fantástico usou a palavra gay como adjetivo e, durante o quadro, também a palavra lésbica, portanto, dando visibilidade a ambas.
Por outro lado ainda de novo, programas de TV não são militantes, não tem que seguir a cartilha militante, fazer uma espécie de realismo socialista da questão lésbica. A abordagem é outra e só pode ser. A linguagem das novelas e dos programas de TV não pode ser panfletária. Talvez um Globo Repórter, tocando em várias facetas da questão, até incluísse falas mais militantes, mas também sem obrigação de fazê-lo.
O que importa é que a maior rede de televisão do Brasil vem exibindo, em horário nobre, um verdadeiro show contra o preconceito sofrido pelas mulheres que se relacionam com outras mulheres. As novelas da Globo conformam a opinião popular em um nível que a militância jamais conseguiu e duvido que consiga algum dia, entre outras coisas, porque não tem poder para isso.
Além do mais, por fim, identidades políticas só tem sentido se usadas de forma funcional, estratégica e não essencialista. Quando as pessoas começam a achar que é mais importante dar visibilidade à palavra lésbica do que lutar contra o preconceito, é o caso de consultar o oculista, pois estão todas com síndrome de Mister Magoo, aquele antigo e célebre personagem dos desenhos animados que arrumava as maiores trapalhadas por causa de sua visão prá lá de curta.
Postei uma das historinhas do Magoo para a gente lembrar os problemas que uma miopia acentuada pode causar...rsss
Esta foto dos pés negros assentados em sandálias improvisadas com garrafas de água e tiras de trapos de pano, faz jus ao velho ditado de que uma imagem vale mais do que mil palavras. É aparentada àquela foto, do fotógrafo Kevin Carter, da criança morrendo na África sob o olhar atento e ávido de um urubu.
A diferença entre ambas, embora falem dos extremos a que a miséria pode levar o ser humano, é que a foto de Carter reflete uma situação inexorável enquanto a outra aponta ainda para alguma esperança, apesar dos pesares.
A despeito de descrever uma situação de penúria que viola o direito de qualquer pessoa de ter condições de se prover com vestuário básico (uma sandália de verdade, um sapato) e manter condições de higiene necessárias à saúde, a imagem também apresenta a capacidade criativa do ser humano mesmo diante de grande adversidade. Não deixa de surpreender, à parte a tristeza que a imagem evoca, a engenhosidade do portador daqueles pés pretos de compor um “pisante” com o lixo não-reciclável de garrafas pet.
Desta engenhosidade se pode tirar a lição de que sempre existem alternativas possíveis para os problemas relativos à saúde, alimentação, educação, etc...já que, muitas vezes, dada à permanência desses problemas, somos inclinados a vê-los até como naturais. Pobreza, miséria, violência, corrupção são fatos tão corriqueiros, sobretudo no Brasil, que acabamos acreditando que sejam mesmo insolúveis, numa concepção perigosa que não confere com a realidade.
A bem da verdade, bastaria que se aplicassem simplesmente alguns dos artigos da Declaração dos Direitos Humanos ou mesmo da constituição do país para que essas imagens dantescas de fome, miséria e pobreza não mais viessem a nos assombrar, envergonhar. Um bom passo é sem dúvida o conhecimento dos direitos humanos, dos mecanismos já existentes para garanti-los e o que ainda se pode fazer para ampliá-los.
quarta-feira, novembro 26, 2008Míriam Martinho2 comments
Pra levantar a moral quando o inimigo interno ou externo parece grande demais, é bom lembrar que somos campeões do mundo, como dizia Fred Mercury, na antológica We are the champions.
Letra e vídeo abaixo.
I've paid my dues -
Time after time -
I've done my sentence
But committed no crime -
And bad mistakes
I've made a few
I've had my share of sand kicked in my face -
But I've come through
We are the champions - my friends
And we'll keep on fighting - till the end -
We are the champions -
We are the champions
No time for losers
'Cause we are the champions - of the world -
I've taken my bows
And my curtain calls -
You brought me fame and fortuen and everything that goes with it
-
I thank you all -
But it's been no bed of roses
No pleasure cruise -
I consider it a challenge before the whole human race -
And I ain't gonna lose -
We are the champions - my friends
And we'll keep on fighting - till the end -
We are the champions -
We are the champions
No time for losers
'Cause we are the champions - of the world -
quinta-feira, novembro 06, 2008Míriam Martinho1 comment
Embora não tenha acompanhado diretamente o seqüestro da menina Eloá, de 15 anos, mantida refém pelo ex-namorado, no próprio apartamento, durante 5 dias, mais ocupada que estava com a disputa eleitoral, não pude, por fim, deixar de me inteirar do assunto e lamentar o trágico desfecho.
Não se sabe ainda ao certo o que de fato ocorreu quando a polícia invadiu o apartamento (estão para fazer a reconstituição do crime) que redundou na morte de Eloá (com um tiro na virilha e outro na cabeça), no ferimento da amiga Nayara (levou um tiro no rosto) e na prisão do agressor Lindemberg Alves, 22.
Até agora, a tendência é apontar enorme incompetência da polícia numa ação que tirou do prédio o criminoso vivo e as duas reféns feridas, uma de morte. Isso sem falar nas desastradas declarações do comandante da ação policial que disse à imprensa não ter optado por atingir o agressor, antes da invasão, por ele ser um jovem apaixonado.
Análises sobre o crime pipocaram por todos os lados e, naturalmente, culpou-se o machismo do jovem e da própria sociedade brasileira que engendra este tipo de solução masculina para amores rejeitados. Seguiram nessa linha feministas, psicólogos e psiquiatras. Apenas em algumas opiniões se levantou também a questão da profunda perturbação emocional em que se encontrava o rapaz.
Como sigo a perspectiva de desafinar o coro dos contentes, queria fazer uma análise um pouco diferente do já dito. Primeiro que, claro, no caso de Eloá, considerando a diferença de idade entre os ex-namorados, responsabilizar a vítima adolescente pelo ocorrido, em qualquer nível, é inadequado, para dizer o mínimo.
Mas e se fosse uma mulher adulta em outro caso passional? Realmente seria possível tachar a agredida apenas como vítima, sem ao menos considerar a possibilidade de ela também ter sido inábil na administração da separação? Sem considerar o estado de perturbação emocional, por exemplo, de um homem que se descobre traído, lembrando inclusive o que ainda pensa a sociedade sobre os “cornos”? Seria sempre a mulher apenas a vítima indefesa nas mãos do sempre brutal algoz masculino?
Mulheres também são passionais e igualmente buscam vingar-se de seus/suas ex-parceiros/as (lésbicas sabem bem disso). A diferença é que, privadas em geral da possibilidade de expressar o ressentimento pela via da violência física, dadas às diferenças de poder existentes entre homens e mulheres, as mulheres em geral se utilizam de outros artifícios para reparar o ego ferido.
Se os homens ainda atacam de defesa da honra, como desculpa para seus tresloucados gestos, as mulheres atacam de síndrome de Medéia, a célebre personagem da mitologia grega que, abandonada por Jasão, mata os próprios filhos para vingar-se do esposo que a trocara por outra. Isso sem falar de outros expedientes não menos dramáticos de que se utilizou essa personagem nessa tragédia grega que expressa tão bem o lado sombrio do feminino.
Nos versos de Sêneca (Medéia):
Nenhuma força no mundo
nenhum incêndio, nenhum ciclone
Ou máquina de guerra
Possui a violência de uma mulher abandonada
Nem sua violência, nem seu ódio.
Ou nos versos de Chico Buarque: “dei para maldizer o nosso lar/ para sujar teu nome, te humilhar/ e me vingar a qualquer preço/ te adorando pelo avesso/só para mostrar que ainda sou tua/ até provar que ainda sou tua (Atrás da Porta)".
Casos de mulheres que buscam “matar” parceiras (os) atacando a imagem e a credibilidade dos ex até mesmo em nível de trabalho não são raros. Há as que passam uma vida inteira purgando o despeito, colocando-se inclusive na situação patética de buscar vingança contra um fantasma, já que as pessoas não ficam – como fotografias – estáticas no tempo. Algumas Medéias conseguem inclusive arruinar a vida de seus desafetos. E saem impunes de seus malfeitos.
Claro, não estou defendendo a impunidade para crimes passionais, que, na verdade, é o x desta questão. Apenas me desagrada, pelo maniqueísmo, a visão da mulher sempre como vítima e do homem sempre como algoz. Querer que Lindemberg Alves pague pelo crime que cometeu é uma coisa. Negar que ele possa ter feito o que fez tomado por profunda perturbação emocional, reduzindo-o a um machista sádico, é outra. Afinal também arruinou a própria vida.
O sentimento da separação é comparado por especialistas com o sentimento de luto, como uma espécie de experiência de morte. Dependendo de como se dá a separação pode ocorrer uma ferida narcísica que personalidades mais frágeis, como as masculinas em geral, tentam sarar com a morte daquela/daquele que cometeu o crime do abandono. Não se poderia então ir além da questão de machismo na abordagem desses temas?
E não, não estou me contradizendo, já que afirmei acima que o comandante da operação de resgate de Eloá deu a declaração desastrada de que não atingira Lindemberg porque tratava-se de um rapaz apaixonado. Se atingir Lindemberg fosse a única solução possível para pôr fim àquela situação – o que é bastante discutível do ponto de vista técnico – era a ação que deveria ter sido tomada, pois independente de estar “apaixonado“, ele estava armado e ameaçava a vida de duas meninas desarmadas. O indiscutível agressor era ele, e empatia com o coração partido do rapaz não cabia na situação. Aqui parece ter mesmo rolado sexismo, ainda que inconsciente.
Mas enfim, nestes assuntos de amores rejeitados e corações partidos, todo cuidado é pouco de modo que a sede de justiça não leve a análises simplistas e maniqueístas e não vire apenas sede de sangue da mesma forma que a perturbação emocional dos agressores, ainda que não deva ser desconsiderada, não se torne desculpa para a impunidade.
Foto: Nayara e Eloá
Música: Atrás da Porta, Chico Buarque de Holanda,
com Elis Regina