terça-feira, fevereiro 25, 2025Míriam MartinhoNo comments
Sir Malcom Murray, Vanessa Ives, Ethan Chandler (à frente), Dorian Gray, Dr. Frankenstein (atrás)
Decidi rever Penny Dreadful, oito anos após seu final em 19 de Junho de 2016, pois ela entrou no catálogo da Paramount + no ano passado e já fazia algum tempo que vinha programando reassisti-la. Embora o impacto tenha sido menor do que na primeira audiência, asseguro que ela continua uma das melhores séries de horror e fantasia que conheço. Inclusive entendi melhor o enredo agora do que da primeira vez, quando me pareceu um pouco confuso. Imperdível não só para os aficionados do gênero como também para quem aprecia simplesmente um trabalho bem-feito.
A série foi muito curta, apenas três temporadas, e me pareceu na época que poderia ter rendido mais uma temporada ao menos, sem risco de perder sua qualidade característica. A propósito, qualidades foram sua marca registrada: roteiro originalíssimo (costurando a história dos monstros da literatura gótica numa única história), atores incríveis, boa pesquisa de época, figurino, cenários, fotografia e efeitos especiais de primeira. A principal nota destoante de toda essa cascata de qualidades me pareceu exatamente o "the end", numa terceira temporada um pouco inferior às duas primeiras. Foi como se, na pressa de terminar a série, porque foi prevista para apenas três temporadas mesmo ou porque era muito cara e não estava compensando, a história tivesse que obrigatoriamente se encaixar nessa necessidade, culminando num final um tanto distante do brilhantismo da obra no geral e mesmo um pouco contraditório com a evolução da personagem principal.
Penny Dreadfuls originais
Mesmo assim, em apenas três temporadas, Penny Dreadful, que o diretor John Logan afirmou ter sido um soneto, fez e aconteceu, inspirada nos reais penny dreadfuls, livretos baratíssimos (centavos), que contavam histórias macabras, em circulação nas terras da rainha do século XIX (a partir de 1830). A série reuniu, num mesmo roteiro, tendo como cenário a Inglaterra vitoriana (em meio ao avanço científico e o processo de industrialização), personagens baseados em figuras icônicas do período, como exploradores da África, egiptólogos e prostitutas e em personagens clássicos da literatura de terror.
Assim desfilaram, na telinha, figuras como o desbravador ou explorador do novo mundo, Sir Malcom Murray (Timothy Dalton), seu mordomo africanoSembene (Danny Sapani), o egiptólogoFerdinand Lyle (Simon Russell Beale) e a prostitutaBrona Croft (Billie Piper). Ao lado deles, personagens clássicos do horror como o Dr. Victor Frankenstein (Harry Treadaway) e suascriaturasCalibã/John Clare e Lily (Rory Kinnear e Billie Piper novamente), Dorian Gray (Reeve Carney), o lobisomem americanoEthan Chandler (Josh Hartnett) e o lobisomem apacheKaetenay (Wes Studi), bruxas (inspiradas nas das peças Macbeth e A Tempestade de Shakespeare), com destaques para Madame Kali (Evelyn Poole) e Joan Clayton (Patti LuPone que também reaparece como a psicoterapeuta Florence Seward), vampiros, vários, incluindo obviamente Drácula (Christian Camargo), Dr Jekill/Mister Hide (Shazad Latif), além de, claro, o eixo de toda a história, a médium perseguida e atormentada pelo mal, Vanessa Ives (Eva Green dando showzaço). Todos se encaixando com a maior naturalidade numa história sombria, melancólica e passional.
Vanessa Ives (Eva Green)
Além da intertextualidade dos romances góticos do século XIX, Penny Dreadful faz também referências, em vários episódios, a poetas românticos como Percy Shelley, John Keats, William Wordsworth e John Clare, este último inclusive tendo o nome incorporado pela criatura do Dr. Frankenstein. Aliás, é principalmente pela voz da criatura de Frankestein, um aficcionado de poesia, que a série apresenta seus momentos mais tocantes. Um exemplo no vídeo abaixo de um encontro entre Vanessa Ives e John Clare (a criatura de Frankenstein) onde ambos declamam o poema "Eu Sou", do poeta John Clare, que os representa tão bem.
Na cena desse encontro, Vanessa pergunta à criatura de Frankenstein se ele sabia que tinha o mesmo nome de um poeta morto. Ele responde que sabia sim e pergunta a Vanessa se ela gostava de poesia, ao que ela responde que todas as pessoas tristes gostavam de poesias, as felizes, gostavam de canções. A criatura então diz que a história do poeta John Clare sempre o havia emocionado. Que ele só tinha 1,52, era bem baixinho, por isso considerado bizarro. Por causa disso, o poeta provavelmente sentia uma afinidade singular com os excluídos, os odiados. Os animais feios. As coisas quebradas. Em seguida, ele declama a parte inicial do poema Eu sou, e Vanessa a parte final. Coloquei a tradução do poema abaixo.
I Am!
John Clare
I am! yet
what I am who cares, or knows? My friends forsake me like a memory lost. I am the
self-consumer of my woes, They rise and vanish in oblivious host, Like
shadows in loves frenzied stifled throes And yet I
am—and live—like vapor tossed.
I long for
scenes where man has never trod, A place where woman never smiled or wept; There to
abide with my Creator, God, And sleep as I in childhood sweetly slept Untroubling
and untroubled where I lie The grass
below; above, the vaulted sky.
Eu sou — mas ninguém conhece ou se importa com o que sou Meus amigos me abandonam como uma memória perdida; Eu sou o autoconsumidor de minhas aflições; Elas surgem e desaparecem no exército do esquecimento, Como sombras nas agonias frenéticas e sufocadas do amor: E ainda assim eu sou, e vivo — como vapores que se dissipam.
Anseio por cenários onde o homem nunca pisou, Um lugar onde a mulher nunca sorriu ou chorou, Para ali habitar com meu Criador, Deus; E dormir como eu dormia docemente na infância, Tranquilo e imperturbável onde eu deito, A grama abaixo — acima, o céu abobadado.
De fato, destoando do terror tradicional, Penny Dreadful, embora não fuja totalmente ao estilo, se dedica mais a tematizar as agruras da existência humana, em particular as agruras daqueles à margem da sociedade bem estabelecida (apesar de alguns personagens serem imortais). Os conflitos entre o desejo de as pessoas viverem plenamente sua individualidade e as pressões da sociedade em contrário, em particular no caso das mulheres, os amores correspondidos e não correspondidos, possíveis e impossíveis, em suas múltiplas formas, as ambições, as culpas, o sexo, as perdas, a morte sempre à espreita e, sobretudo, a solidão.
Reeve Carney, perfeito como Dorian Gray
Do sempre rico, jovem e belo dândi Dorian Gray (e o ator Reeve Carney está perfeito no papel) à criatura meio desfigurada do dr. Victor Frankestein, todos os personagens sofrem de uma solidão profunda seja por suas singularidades "monstruosas" rejeitadas pela sociedade seja por seu destino inexorável. Mesmo Gray, que tem um ar blasé e vive na busca incessante de novas emoções para suportar o tédio de sua vida especial, revela por um momento que o preço da imortalidade era a eterna solidão, já que todos ao seu redor envelheciam, adoeciam e morriam e apenas ele permanecia sozinho e imutável como seus retratos na parede (temporada 3, ep. 9).
Outro tópico que a série tematiza, ao retratar a Inglaterra do séc. XIX, é o da passagem de uma sociedade rural, natural, religiosa, com a Bíblia como bússola, para uma sociedade urbana, fabril, de motores a vapor, iluminada por lampiões e lamparinas a óleo ou gás e já por alguma eletricidade, com a ciência desbancando a religião de seu lugar de mestra sobre a origem de tudo. Aparentemente, isso seria uma evolução, uma saída de uma era de superstições para a era da Razão que explicaria os fenômenos objetivamente.
Entretanto, Penny Dreadful nos leva a perguntar se, entre essas duas eras ainda parcialmente coexistentes, não haveria mais em comum do que sonham as vãs filosofias. Seriam as torturas que Vanessa Ives sofre das e dos mensageiros do diabo, que a quer como esposa, piores das que ela sofre da moderna psiquiatria que tenta normalizá-la apelando até para a trepanação (cirurgia no cérebro)? Não me parece coincidência também que a bruxa boa Joan Clayton que ajudara Vanessa a conhecer e a controlar seus poderes reapareça como a psicoterapeuta Florence Seward que igualmente busca ajudar Vanessa, mas não com tanto sucesso como sua parenta bruxa.
É também nos porões de um hospício, com os insanos presos por correntes às paredes, que os dois cientistas da série, ninguém menos que Dr. Frankenstein e Dr. Jekyll, usam os doentes como cobaias para novas drogas visando deixá-los menos doidos mas também mais dóceis, algo que Dr. Jekyll sonhava em fazer com sua criatura rebelada, Lily, por quem se apaixonara mas que o rejeitava. De fato, Penny Dreadful mantém o questionamento original, dos romances de onde esses dois personagens emergem, sobre a ambição dos cientistas em adulterar a ordem natural das coisas, das consequências da curiosidade científica sem considerar suas implicações éticas. Do século XX, com o nazista Dr. Mengele fazendo experimentos em crianças judias, ao século XXI, com a suposta medicina transgênero, impedindo o desenvolvimento natural de crianças e adolescentes, com bloqueadores de puberdade e cirurgiais mutiladoras e esterilizantes, essa discussão não poderia ser mais atual. Todo o século tem novos Frankensteins?
Por fim, Penny Dreadful aborda também a questão da sexualidade, seja a da homossexualidade seja a da sexualidade feminina, e a condição da mulher no século XIX. A homossexualidade aparece na figura do egiptólogo Ferdinand Lyle e na dos homens com quem o bissexual Dorian Gray se relaciona, a travesti Angelique e Ethan Chandler. Também num triângulo amoroso entre Dorian, Lily e Justine, garota prostituída que o casal Dorian-Lily salva da morte.
O Lupus Dei, Ethan Chandler, e Vanessa Ives
A abordagem da condição e da sexualidade femininas estão presentes principalmente na história da protagonista Vanessa Yves e na da prostituta tornada criatura do Dr. Frankenstein, Brona Croft/Lily. Vanessa cresce numa família da elite da época, mas desde pequena destoou do modelo de mulher vigente, sendo muito ousada e livre para a era vitoriana. Popularmente se diria que tinha parte com o diabo, mas a série acaba mostrando que ela tinha mesmo, sendo acossada pelo dito em diferentes formas e por diferentes vias. Uma dessas vias preferenciais era a luxúria, o grande pecado capital da moça e fonte de eterna culpa (culpa aguçada por ser católica). Foi por um ato de luxúria que perdeu sua amiga de infância Mina, pela luxúria os demônios a possuíram a ponto de ela ficar com receio até de se relacionar com o Lupus Dei, o Lobo de Deus, Ethan Chandler, por quem de fato se apaixonou. Quando conseguiu se relacionar com outro homem foi só para descobrir no fim que era o Drácula em pessoa. Desditosa Vanessa que, após superar tantos sofrimentos e se tornar guerreira, merecia escapar desse destino de tragédia grega incrementado por uma Inglaterra puritana.
Lily Frankenstein
A irlandesa Brona Croft, ao contrário de Vanessa, cresceu na pobreza e não viu outra solução para sobreviver senão se prostituir. Nós a encontramos já bem doente de tuberculose (uma doença fatal da época bem como a cólera) mas ainda na ativa, atendendo o cliente Dorian Gray, como modelo de fotos nuas, com quem também transa, e tendo um casete com Ethan Chandler, o lobisomem americano, em uma espelunca onde os dois párias se encontraram por acaso. Chandler se afeiçoa realmente por Brona e decide levá-la a uma apresentação de teatro (a peça era baseada em um Penny Dreadful) onde ele a apresenta a Vanessa Ives e a Dorian Gray que também estavam presentes. Dorian a reconhece e a constrange, e Vanessa a cumprimenta calorosamente.
Aqui, temos o início de uma falha dessa série tão detalhista. Depois desta cena do teatro, a saúde de Brona piora, e ela fica de cama. Por outro lado, na história do Dr. Frankenstein, a primeira criatura do doutor a quem este rejeitara desde o nascimento, John Clare, reaparece ameaçando o médico de matar todos seus conhecidos se ele não lhe produzisse uma companheira. Frankenstein estava com essa dívida quando é contatado por Chandler, que conhecera via Vanessa Ives, para atender Brona. Frankenstein vai atendê-la e usa de pretexto para ficar sozinho com a doente e abreviar-lhe o inevitável desfecho. Depois leva o corpo para seu laboratório a fim de realizar seu vudu científico e ressuscitá-la.
Brona ressuscita sem memória (temp. 2, episódio 1), e Frankenstein a rebatiza de Lily (a flor da ressurreição e renascimento), a educa e por ela se apaixona, consumando o relacionamento. Decide inclusive vesti-la como as damas de sua época e convida Vanessa Ives para ajudá-lo com a escolha das roupas. Em outra ocasião, convida Vanessa para conhecer Lily, apresentando-a como sua prima que viera do campo. Incompreensivelmente, Vanessa que já havia sido apresentada a Brona no episódio do teatro não a reconhece em Lily. E, claro, a ressuscitada só mudara a cor do cabelo para louro, em mais nada (temp. 2, episódio 5). Fora que Vanessa era bastante observadora. No episódio posterior (6), o casal Victor-Lily é convidado para um baile na casa de Dorian Gray que, ao ser apresentado a Lily, logo vê nela a Brona com quem transara. E esse encontro dos dois vai mudar o que Lily vinha sendo ou fingindo ser desde seu renascimento: uma moça tímida, totalmente dependente de Frankenstein, que fazia o tipo bela, recatada e do lar.
Ao estreitar seu relacionamento com Dorian, ela parece também se dar conta de sua nova realidade de criatura imortal e poderosa, deixa Frankenstein por Dorian e passa a recrutar prostitutas para formar um exército de mulheres sequiosas por vingança contra os homens que delas abusaram. Com o tempo, Dorian começa a se enfadar com tantas prostitutas em sua casa e com a crescente desatenção de Lily e resolve entregá-la de volta a Frankenstein para que ele usasse uma droga, de autoria do Dr. Jekyll, a fim de deixá-la dócil como quando a criara.
Mas Lily diz que preferiria morrer a viver como a esposa recatada de Frankenstein, que ela era a soma de uma mulher tão cheia de dor e indignação que se transformara na fera que ele desprezava. E que ele deveria deixá-la ser quem era. Que havia feridas que nunca saravam, cicatrizes que nos faziam ser quem somos e sem as quais não existimos. Então, ela conta como perdera a filha porque numa noite gelada teve que se prostituir e deixara a criança perto de uma lareira. O cliente que encontrara, porém, acabou espancando-a a ponto de desmair. Quando recobrou os sentidos e retornou à espelunca onde morava, a lareira havia apagado e a menina morrido de frio. A história comoveu de tal forma Frankenstein que ele desistiu de torná-la uma senhora respeitável e a libertou.
Lily segue então para a mansão de Dorian não se sabe se para confrontá-lo, rever seu exército de prostitutas, o fato é que lá chegando se depara com Justine morta e a ausência das outras mulheres. Lamentando a morte de Justine, teve de ouvir Dorian adverti-la sobre os perigos da paixão. "A paixão desfaz o melhor de nós e leva à tragédia. É sempre assim para aqueles entre nós que amam demais." E fala da solidão dos imortais - como citei anteriormente - que vê todos a seu redor envelhecerem, adoecerem, morrerem, menos eles próprios. De como com o tempo o imortal perde o interesse em se apaixonar, em se conectar, como um músculo que se atrofia por falta de uso. Lily rebate que uma vida sem paixão, sem afeição, não valia a pena ser vivida. Aproxima-se de Dorian, beija-o delicadamente na boca, o que agrada ao dândi, mas para surpresa dele, trata-se de um beijo de adeus. Lily lhe diz "adeus, Dorian. Espero que eles (os retratos na parede) cuidem de você" e sai. E Dorian retruca enquanto ela se afasta, "você voltará e eu estarei aqui, eu sempre estarei aqui."
Assim Lily deixa os homens da sua vida para trás (Frankenstein, Dorian), homens que, cada um a seu modo, tentaram criá-la e recriá-la de acordo com seus desejos. Deixa-os para seguir um caminho próprio onde a autodeterminação bem como a paixão deveriam estar presentes. Interessante observar que Brona/Lily são as únicas personagens que não tem uma ligação direta com Vanessa Ives, a protagonista da série ao redor da qual toda a história se desenrola. Cruzaram-se apenas nas duas vezes em que respectivamente o lobisomem Chandler e o dr. Frankenstein as apresentaram a Vanessa. Entretanto, Lily, uma criatura criada para ser companheira de outra criatura frankensteniana, se sai melhor do que a protagonista da história, pois supera a todos que tentaram domá-la levando suas cicatrizes que a faziam ser quem era e sem as quais não existia. Uma história a ser escrita por ela mesma, um caminho aberto.
Penny Dreadful pinta um panorama da Inglaterra vitoriana através da literatura da época, como os penny dreadfuls, da literatura gótica, dos poetas românticos, para falar, através dos médicos e monstros, dos problemas existenciais humanos, da solidão humana, em particular a dos marginalizados, excluídos, não-amados, dos animais feios, das coisas quebradas. Para quem está acostumado com o terror tradicional, com muita gosma, vísceras expostas, sangue em borbotões e sustos baratos, ela pode parecer até enfadonha.
Não que toda essas características do terror não apareçam na série, mas elas são secundárias na trama que não visa meramente assustar. Todos os monstros revelam seu lado humano. Mesmo, entre as bruxas más, encontra-se uma bruxa boa. A curiosa exceção são os vampiros que representam na série o puro mal, sendo em geral repulsivos, mais próximos da versão original do personagem como o Nosferatu (que, aliás, está nos streamings em sua versão 2024). Digo curiosa exceção porque dos personagens do horror, os vampiros têm sido os mais humanizados dos monstros góticos desde Drácula de Bram Stoker. Na infinidade de filmes e séries em que aparecem já há mais de um século, destaca-se mais o aspecto erótico e existencial da criatura, em luta com seus instintos, por não querer matar inclusive, do que o do predador insaciável. Vê-se isso principalmente no anódino Crepúsculo, True Blood, Diários do Vampiro, etc. onde alguns representantes da espécie querem até ser humanos de novo. Em compensação, a criatura de Frankeinstein, tão mais difícil de humanizar, é uma das personagens mais sensíveis de Penny Dreadful.
A série dark que virou cult foi escrita e produzida por John Logan (foto ao lado), cuja longa filmografia inclui filmes do 007, Gladiador, O Último Samurai entre outras obras (ver aqui)
Para ler ou reler a história original dos monstros góticos que Logan tão bem entrelaçou em sua Penny Dreadful, ver abaixo:
Frankenstein ou o Prometeu Moderno, Mary Shelley (1818, 1831) O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde/ O médico e o monstro) Robert Louis Stevenson (1886) O retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde (1890) Drácula, Bram Stoker (1897)
segunda-feira, junho 10, 2024Míriam MartinhoNo comments
Fido Nesti: Divulgação
No artigo 1984': livro de George Orwell é uma crítica 'contra a esquerda?, postado no site da BBC Brasil, o jornalista Edison Veiga lista algumas opiniões sobre a obra-prima do escritor inglês buscando provar que o romance criticou fundamentalmente os regimes totalitários e não a esquerda.
Difícil Orwell não ter pensado no nazifascismo quando escreveu o incrível "1984". Inclusive porque combateu o fascismo na Guerra Civil Espanhola. Entretanto, "1984" mirou mesmo foi a esquerda totalitária do período, tanto que o partido do mundo distópico do romance se chama Socing (abreviatura de Socialismo Inglês) e não Fascing (seria abreviatura de fascismo inglês).
Acho inclusive que sua obra visionária critica mais a esquerda de hoje do que a do passado. (Num aparte, embora ainda exista a esquerda democrática, ela parece respirar por aparelhos. Como enquanto há vida há esperança, esperemos que saia do coma.)
(Wikimedia Commons/Reprodução) Queda do Muro de Berlim, 9/11/1989
A esquerda de hoje, contudo, é majoritariamente uma cruza do capeta entre as viúvas do Muro de Berlim, eternamente carpindo o fim de seus regimes totalitários do coração e sonhando em ressuscitá-los de alguma forma, e a esquerda identitária, woke, uma degeneração dos muito justos movimentos civis do passado, por exemplo, de mulheres, negros, gays, degeneração promovida pelas teorias pós-modernas, a saber teoria queer, teoria crítica racial, teoria decolonial, multiculturalismos, etc.
Sara Milliken tem obesidade mórbida e não é nada bonita para ter sido eleita miss
O resultado dessa cruza infernal é uma esquerda contrailuminista, regressiva, antiocidental, antidemocrática, antissemita, antimulher, antihomossexual. Ninguém descreve melhor essa esquerda do que o "1984": o minuto de ódio está aí multiplicado por horas de marchas antissemitas pelo mundo afora e outras formas de rancor intenso. O duplipensar esta aí na afirmação de paradoxos, na quebra do pensamento lógico, na visceral hipocrisia esquerdista. A novilíngua esta aí na linguagem neutra dos múltiplos gêneros, na obscuridade da linguagem das teses das ciências humanas que viraram uma espécie de armazém de secos e molhados, onde se encontra de tudo, menos ciência. O Ministério da Verdade, estaí na permanente reescritura do passado e do presente tão típicas dos governos de esquerda e seus "jornalistas e pensadores".
Alguém pode argumentar que essas degenerações também são vistas na extrema-direita. Não posso discordar. Autoritários de qualquer coloração ideológica praticam ao menos algumas das variantes do menu orwelliano. Mas o fato é que quem está me obrigando a aceitar que "existem" mulheres do sexo masculino e homens do sexo feminino, que obesidade mórbida é algo belo a ponto de virar miss, que há index proibitório de palavras de etimologias supostamente racistas que não devo usar, que simplesmente constatar a verdade, por exemplo sobre o Islã, me torna uma fóbica qualquer, uma criminosa do pensamento, é a dita esquerda. E isso não há como negar.
terça-feira, janeiro 02, 2024Míriam MartinhoNo comments
Cantora Meyolia interpreta Hatikva
(uma das mais belas versões do hino de Israel)
A guerra Hamas-Israel, deflagrada pelo brutal ataque dos terroristas do Hamas contra civis israelenses, e a consequente paradoxal onda de antissemitismo no Ocidente, me obrigaram a aprofundar minhas pesquisas sobre os conflitos do Oriente Médio. Pra variar, me deparei com um festival de mentiras cabeludas promovidas pelos islâmicos com suas quintas-colunas ocidentais, a esquerda contrailuminista atual. Assunto pra outro momento porém.
Nessas também, me deparei com o hino nacional de Israel, Hatikva, A Esperança, letra de um poeta judeu, chamado Naftali Herz Imber, escrita em 1877, e música de Shmuel Cohen, composta entre 1887 e 1888, posteriormente adotada em 1948 pelo nascente estado de Israel. Imber nasceu na cidade de Zloczov, então parte do Império Austríaco, hoje Ucrânia. Quando da fundação do primeiro assentamento judaico chamado Petach Tikva (em hebraico, Portal da Esperança), na Palestina Otomana, Imber escreveu o poema Tikvatenu, Nossa esperança, cujos primeiros versos e refrão, adaptados posteriormente, se converteriam no hino Hatikva, musicado pelo romeno Shmuel Cohen, jovem imigrante em Rishon LeZion (perto de Telaviv), com base numa música popular cigana da Romênia.
O que mais me impressionou no hino foi o fato dele não parecer hino. Hinos costumam ser solenes, retumbantes, instigantes, grandiloquentes. Vamos pegar, como exemplo, quatro hinos conhecidos, o nosso, o da França, o dos EUA e do Reino Unido. Quatro hinos bonitos: o brasileiro ufanista pelas belezas do país e pronto a defendê-lo sem temer a própria morte; a Marselhesa, uma convocação às armas contra o jugo da tirania; o dos EUA sobre o triunfo do país contra os britânicos com a ajuda de deus; o dos britânicos, solene, pomposo, em saudação à rainha (agora ao rei) por quem se pede a derrota dos inimigos do Reino Unido. Anexo abaixo os quatro, com as letras em português, à guisa de comparação. Todos falam de lutas (mesmo que em hipótese como o brasileiro), guerras e a derrota dos adversários.
O hino de Israel, contudo, soa mais como uma canção que me pareceu, em seu início, uma mistura de cantiga de ninar e de roda que depois se eleva, como um cântico religioso, num voo de melancólica esperança. Nada de ufanismo, lutas renhidas, derrota de inimigos. Apenas o anseio de 2000 anos dos judeus de serem um povo livre em sua terra. Tudo simples, conciso e lindo. Deixo abaixo a versão mais bonita que ouvi, a mais minimalista. Acrescento também agora uma gravação do Hatikva, de 20 de abril de 1945, na voz de sobreviventes do campo de concentração de Bergen-Belsen, na Baixa Saxônia, Alemanha, recém liberado pelos britânicos (de arrepiar). Há também outras versões do hino, com orquestras e corais, que soam mais tradicionais. A letra é mais ou menos assim:
domingo, agosto 20, 2023Míriam MartinhoNo comments
A Espanha ganhou a Copa do Mundo Feminina 2023
Toda vez que o futebol feminino aparece o macho brasileiro enlouquece. Não é questão simplesmente de dizer não gosto. É uma necessidade de desqualificar as jogadoras que só Freud explica. Não só ele, eu também tenho uma explicaçãozinha para dar.
O futebol é para os homens um ritual de virilidade, a chance de poderem ser homoafetivos sem serem homossexuais. Muitas fotos de futebol masculino mostram jogadores se encoxando e até pegando nas respectivas malas. Não, não é exagero meu, eu vi várias dessas imagens.
Boa parte das jogadoras de futebol é lésbica, mas não se vê esse tipo de apalpação no futebol feminino
O fato é que, apesar dos xingamentos homofóbicos, talvez porque um jogador gay explicite o que a maioria esconde, o futebol masculino é o festival da broderagem, um poderoso viagra. Então, o futebol feminino vira um insulto a esse clube do bolinha, uma espécie de disfunção erétil.
Mas isso é particularmente ridículo quando a gente lembra que a ainda maior potência do mundo, os EUA, é o país do futebol...feminino. Lá o show de broderagem fica por conta do futebol americano, aquela pega pra capar pros caras levarem a bola para o final do campo adversário (sei lá!).
Esse futebol que o homem brasileiro considera patente dos machos, nos EUA, é coisa de mulher. Maioria das mulheres que joga futebol estão por lá. Desde menininhas começam a jogar e continuam jogando pelas high schools e universidades, muitas se profissionalizando.
O soccer masculino diz-se que só agora está tendo mais público por causa da grande presença hispânica no país, mas de forma nenhuma é uma tradição. Então, esportes não são inerentes a sexo x ou y, embora, claro, devam ser adaptados às diferenças físicas entre os sexos em algumas circunstâncias.
Aqui no Brasil o futebol feminino foi proibido até 1983 e seu desenvolvimento não pode ser comparado ao masculino que os homens praticam desde sempre e pelo qual são altamente remunerados. Particularmente não costumo acompanhar esportes a não ser em competições internacionais, embora tenha tido uma namorada fanática por futebol.
Eu mesma acho um esporte chatinho porque podem se passar 90 minutos sem se ver um ponto sendo feito e, pior, sem nem muitas tentativas a gol. Só quando os times estão muito motivados, geralmente em copas, por exemplo, a coisa se anima. Então, não sou expert no esporte e não consigo ver grandes diferenças entre o futebol feminino e masculino, fora as diferenças inerentes a cada sexo. Mas em discurso sexista sou perita e acho q os brothers deviam disfarçar um pouco o despeito porque tá feio demais.
Nota de último tempo: A Copa do Mundo Feminina 2023, na Austrália e Nova Zelândia, foi a maior de todas e levou a anfitriã Austrália à maior torcida já vista pelo futebol feminino. O país inteiro se uniu para torcer pelas Matildas a seleção local, que infelizmente não foram para a final. E a rainha da Espanha, país vencedor, foi pessoalmente cumprimentar as jogadoras vencedoras de seu país. Manés brasileiros, chupem. O futebol feminino venceu.
sábado, outubro 29, 2022Míriam MartinhoNo comments
Findo esse suplício de pseudodebates, concluo que essa eleição foi a maior marmelada da história recente, como se diz popularmente. Sempre disseram que Bolsonaro e seu séquito não se conformariam com um resultado negativo nas urnas e alegariam fraude de algum tipo. O que não se esperava é que a oposição fosse cooperar tanto com essa narrativa. Agora, eles podem gritar parcialidade com razão.
Como disse a jornalista Paula Schmitt, a campanha do Lula é “a materialização do maior conluio corporatocrata já visto numa campanha política. A coisa é tão surreal que parece comédia. A elite toda está com Lula, em todos os níveis do Consenso Inc –o cartel não-oficial mas extremamente síncrono entre empresas, mídia, acadêmicos, especialistas, artistas e influencers...”
Faltou falar dos piores integrantes desse cartel: os juízes das Supremas cortes, STF, TSE, que de suprema mesmo só têm a parcialidade que resolveram escancarar nessa eleição. Primeiro, como disse um ex deles, Marco Aurélio Mello, o STF resolveu ressuscitar o Lula com base em argumentos de fazer corar pedra, tipo a competência do foro do julgamento do petista que não deveria ter sido em Curitiba, mas sim em Brasília. Como então permitiram que fosse em Curitiba e autorizaram a prisão do cara? Depois, a parcialidade do juiz Sérgio Moro, como se Lula não tivesse sido julgado por outros 8 juízes também. Todos parciais? E, se não houve corrupção, nos casos julgados pela Lava Jato, de onde os integrantes da operação tiraram os 25 bilhões que devolveram aos cofres públicos? Do próprio bolso? Me poupem.
Livraram a cara do Lula com o objetivo de recolocá-lo na presidência da República. Havia sim condições de ter feito o impeachment do Bolsonaro em função, por exemplo, de suas ações desastrosas na pandemia que não o transformaram em genocida (como qualquer um que conheça o significado do termo sabe) mas o colocaram, por negligência e irresponsabilidade, na posição de culpado por mortes que poderiam ter sido evitadas. Se em 2020, em função da pandemia, não havia condições para tal, em 2021 já havia sim, mas não quiseram fazê-lo porque interessava deixar o Bolsonaro aí sangrando (assim pensavam) para ser sparring do Lula. Sem Lula na jogada, abria-se a possibilidade de renovação política com gente capaz de aglutinar votos suficientes para vencer Bolsonaro. Essa história de que só Lula poderia vencer Bolsonaro faz parte das lorotas do cartel.
Como se não bastasse, resolveram travestir um dos personagens mais autoritários da História brasileira, oriundo do grande partido mais autoritário surgido desde a redemocratização, como paladino da democracia contra o fascismo do Bolsonaro. Logo Lula que, antes e durante seus governos, fez um tour por tantas ditaduras mundo afora, com quem negociou obras para os parças da Odebrecht, que até o Muammar al Gaddafi, pervertido genocida ditador da Líbia, por 42 anos, consta como doador de sua primeira campanha na delação de Antonio Palocci.
Lula com Kadafi durante encontro em Abuja, Nigéria, em novembro de 2006 Foto: Ricardo Stuckert
Tanto os escândalos de corrupção dos governos Lula quanto seus amores e negociatas com tiranos pelo mundo foram amplamente divulgados pela imprensa. Não obstante, o TSE, em especial seu presidente, o liberticida Alexandre de Moraes, resolveu não só proibir a veiculação dessas informações, sob a desculpa de combate a fake news, como inclusive, no último capítulo dessa infâmia, resolveu obrigar emissora a veicular a fake news de que Lula é inocente. O PT ficou tanto tempo no poder que crianças ou adolescentes daquele período (2003-2016) podem estar votando pela primeira vez agora. Como então, esses novos eleitores não podem saber do passado de um dos candidatos?
A própria ministra Carmen Lúcia se saiu com uma história de que “não se podia permitir a volta de censura sob qualquer argumento no Brasil”, mas muito excepcionalmente, até o dia 31, endossava a censura prévia de um documentário sobre a facada que vitimou Bolsonaro na campanha anterior e a desmonetização de canais pró Bolsonaro. E, ainda por cima, afirmou que era para não comprometer a lisura, higidez e a segurança do processo eleitoral e dos direitos do eleitor.
Então, você vai a um jogo de futebol para ver seu time jogar, o juiz e os bandeirinhas aparecem com o emblema do time adversário e só apontam faltas para o seu time, sem falar em anulações de gols e expulsões de jogadores só do seu time e você acredita na lisura dessa arbitragem? Meu time já saiu do campeonato na primeira rodada, mas um dia pode estar na final. E se calha de seu Alexandre e dona Carmen ainda estarem por aí e decidirem vir com sua “lisura” para cima da minha turma?
Imprensa pode ser parcial. Em grandes democracias, a mídia inclusive assume que está apoiando candidato(a) X ou Y. Melhor do que fingir uma imparcialidade que não tem. E o leitor ou a leitora é que decidem se dão crédito a determinadas empresas de comunicação ou não. Em democracias, não existe essa história de querer obrigar uma emissora a defender teses que ela de fato não endossa. Sério que, desde os idos dos anos 70 do século passado, não ouvia mais falar em censura prévia e esse tipo de imposição a veículos de comunicação. Isso é muito grave. Se a imprensa pode demonstrar parcialidade, juiz não pode não.
E não me venham com historinha de que, como o Bozo é o pior dos mundos, vale tudo para tirá-lo da presidência. Das besteiras que Bozo diz, falar em regular a mídia eu nunca ouvi. Seu Lula, por outro lado, não tira isso da cabeça e da boca. Com a “lisura” dos integrantes da suprema, fica mais fácil obter esse tipo de objetivo – esse sim - inquestionavelmente fascistoide.
Ainda, nessa eleição, me impressionou também o quanto a esquerda em geral está datada. Na campanha do Lula tudo tão surrado: os slogans, as musiquinhas, aquele papinho cínico e furado de esperança e amor, gente abrindo livro para formar L num país de analfabetos e semianalfabetos. Da cruza infernal das eternas viúvas do muro de Berlim com a esquerda identitária (uma degeneração dos muito justos movimentos sociais do passado), surgiu uma esquerda mais preocupada com o sofrimento da turma do elu/delu via erros de pronomes do que com os reais interesses das classes trabalhadoras. Não por menos são as classes trabalhadoras que vêm, cada vez mais, apoiando a extrema-direita em todo o mundo.
Por último, não sou eu que vou dizer em que os outros devem votar. Reconheço que nos colocaram numa situação de se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Entretanto, acho importante que, nessa quase escolha de Sofia, as pessoas votem sem ilusões. Ninguém aí está defendendo democracia coisa nenhuma, nem mesmo os que teriam obrigação de defendê-la. No caso do Lula, todo esse conluio elitista de empresas, mídia, acadêmicos, especialistas, artistas, influencers, políticos, juízes, etc. estão defendendo seus interesses, vide Marina e Simone Tebet, por exemplo, de olho em cargos num possível governo petista. Quem quiser engolir essa marmelada, portanto, que o faça consciente. Lembrando que ainda existe a possibilidade de simplesmente não comê-la.