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terça-feira, 9 de maio de 2017

Nazismo se apresentava como uma "terceira via" entre o liberalismo e comunismo

Em meio a crise econômica e política na Alemanha, nazismo trazia ideia de "revolução social". mas só para os "arianos"
Artigo muito interessante sobre a definição política do nazismo, identificando-o como uma terceira via entre a esquerda e a direita, com uma perspectiva racista e ultranacionalista. De fato, tanto o nazismo e o fascismo quanto o comunismo tinham em comum um profundo antiliberalismo, embora empresários tenham contribuído com os dois primeiros, um apreço por regimes totalitários e a criação de bodes-expiatórios (como os judeus para os nazistas) e a burguesia (para os comunistas) a serem eliminados em campos de extermínio e nos paredões da vida. Tinham mais em comum do que sonham as vãs filosofias, daí também ser complicado rotulá-los de esquerda ou de direita simplesmente. Conhecer suas diferenças, como apresentadas pelo texto abaixo, ajuda a esclarecer o fenômeno nazista.

O nazismo era um movimento de esquerda ou de direita?

"Cara, cai na real! Ser de esquerda é ser a favor de milhares de mortes causadas pelo comunismo e nazismo no mundo. Reflita!", diz uma mensagem de janeiro no Twitter. "O socialismo/comunismo é uma ideologia de esquerda irmã do nazismo", diz outra do final de abril. Outro participante da rede social pergunta: "Quantas pessoas será que estão em grupos de libertários no Facebook discutindo se nazismo é esquerda ou direita neste exato momento?".

A discussão sobre se o movimento nazista alemão - cujo governo matou milhões de pessoas e levou à Segunda Guerra Mundial - teria as mesmas origens do marxismo ferve nas redes sociais há alguns meses, com a crescente polarização do debate político no Brasil.

Mas historiadores entrevistados pela BBC Brasil esclarecem o que dizem ser uma "confusão de conceitos" que alimenta a discussão - e explicam que, na verdade, o movimento se apresentava como uma "terceira via".

Tanto o nazismo alemão quanto o fascismo italiano surgem após a Primeira Guerra Mundial, contra o socialismo marxista - que tinha sido vitorioso na Rússia na revolução de outubro de 1917 -, mas também contra o capitalismo liberal que existia na época. É por isso que existe essa confusão", afirma Denise Rollemberg, professora de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Não era que o nazismo fosse à esquerda, mas tinha um ponto de vista crítico em relação ao capitalismo que era comum à crítica que o socialismo marxista fazia também. O que o nazismo falava é que eles queriam fazer um tipo de socialismo, mas que fosse nacionalista, para a Alemanha. Sem a perspectiva de unir revoluções no mundo inteiro, que o marxismo tinha."
O projeto do movimento nazista, segundo Rollemberg, previa uma "revolução social para os alemães", diferentemente do projeto dos partidos de direita da época, "que vinham de uma cultura política do século 19, de exclusão completa e falta de diálogo com as massas".

Mesmo assim, ela diz, seria complicado classificá-lo no espectro político atual. 

Eles rejeitavam o que era a direita tradicional da época e também a esquerda que estava se estabelecendo. Eles procuravam um terceiro caminho", afirma.

Nacionalismo

A ideia de uma "revolução social para a Alemanha" deu origem ao Partido Nacional-Socialista alemão, em 1919. O "socialista" no nome é um dos principais argumentos usados nos debates de internet que falam no nazismo como um movimento de esquerda.

Me parece que isso é uma grande ignorância da História e de como as coisas aconteceram", disse à BBC Brasil Izidoro Blikstein, professor de Linguística e Semiótica da USP e especialista em análise do discurso nazista e totalitário.
O que é fundamental aí é o termo 'nacional', não o termo 'socialista'. Essa é a linha de força fundamental do nazismo - a defesa daquilo que é nacional e 'próprio dos alemães'. Aí entra a chamada teoria do arianismo", explica.
De acordo com Blikstein, os teóricos do nazismo procuraram uma fundamentação teórica e filosófica para defender a ideia de que eles eram descendentes diretos dos "árias", que seriam uma espécie de tribo europeia original.
Estudiosos na Europa tinham o 'sonho da raça pura' nessa época. Quanto mais próximos da tribo ariana, mais pura seria a raça. E esses teóricos acreditavam que o grupo germânico era o mais próximo. Daí surgiu a tese de que, para serem felizes, tinham que defender a raça ariana, para ficar longe de subversões e decadência. (Alegavam que) a raça pura poderia salvar a humanidade."
A ideia de uma defesa do povo germânico ganhou popularidade em um momento de perda de territórios, profunda recessão e forte inflação após a Primeira Guerra Mundial - e tornou-se o centro do movimento nazista.
Era preciso recuperar a moral do pobre coitado, que não tinha dinheiro e era 'massacrado pelos capitalistas'", explica Blikstein. Nesse contexto, afirma, o nazismo vendia a ideia de "reeguer o orgulho da nação ariana. O pressuposto disso seria eliminar os não arianos. E essa teoria foi aplicada até as últimas consequências".
Segundo especialistas, judeus eram perseguidos por simbolizarem dois "inimigos" do nazismo: o capitalismo liberal e o socialismo marxista
'Marxistas e capitalistas'

Mesmo propagando a ideia de que o nazismo planejava uma revolução que garantiria justiça social na Alemanha - o que incluía, por exemplo, maior intervenção do Estado na economia -, o partido fazia questão de deixar clara sua oposição ao marxismo.

Os comícios hitleristas eram profundamente antimarxistas", disse à BBC Brasil a antropóloga Adriana Dias, da Unicamp, que é estudiosa de movimentos neonazistas.
O nazismo e o fascismo diziam que não existia a luta de classes - como defendia o socialismo - e, sim, uma luta a favor dos limites linguísticos e raciais. As escolas nacional-socialistas que se espalharam pela Alemanha ensinavam aos jovens que os judeus eram os criadores do marxismo e que, além de antimarxistas, deveriam ser antissemitas."
Os judeus, aliás, tornaram-se o ponto focal da perseguição nazista porque representavam tanto o socialismo como o capitalismo liberal, mesmo que isso possa parecer antagônico nos dias de hoje.
Havia uma simbologia do judeu como representante, por um lado, do socialismo revolucionário - porque Marx vinha de uma família judia convertida ao protestantismo, assim como muitos bolcheviques", diz a historiadora Denise Rollemberg.
Por outro lado, os judeus eram associados ao capitalismo financeiro porque os judeus assimilados (que assumiram as culturas de outros países, para além da nação religiosa) que viviam na Europa tinham uma tradição de empréstimos de dinheiro e de negócios."
'Precisão científica'

A "precisão científica" do extermínio de judeus na Alemanha nazista também dificulta as comparações com a perseguição política no regime socialista soviético, na opinião de Izidoro Blikstein.
Há muitos genocídios pelo mundo, mas nenhum igual ao nazismo, porque este era plenamente apoiado por falsa teoria científica e linguística e levada até as últimas consequências. A União Soviética também tinha campos de trabalhos forçados, mas não existia uma doutrina para justificar isso", afirma.
Mas há traços comuns entre o nazismo o regime (soviético) de Stálin. A propaganda, por exemplo, e o fato de que ambos eram regimes totalitários, que controlavam e legislavam sobre a vida pública e também privada do cidadão", admite.
Além dos judeus, o regime nazista também perseguiu democratas liberais, socialistas, ciganos, testemunhas de Jeová e homossexuais - algo que, nos dias de hoje, associa o movimento a partidos de extrema-direita que pregam contra a comunidade LGBT, contra imigrantes e contra muçulmanos, por exemplo.
Todo esse projeto de repressão, censura, campos de concentração e extermínio nazista era direcionado a quem estava fora do que eles chamavam de 'comunidade popular', o povo alemão. Mas alemães que eram democratas liberais e socialistas também eram excluídos por serem contrários ao projeto nazista e colocarem em risco a comunidade popular", explica Denise Rollemberg.
No entanto, para Blikstein, a ideia de raça é tão central ao nazismo que, assim como não se pode usar o projeto de revolução social para classificá-lo como "esquerda", também é difícil defini-lo como "direita".
Dizer apenas que Hitler era um político de direita é apequenar o nazismo. Foi mais do que direita ou esquerda. Foi uma doutrina arquitetada para defender uma raça, embora esse conceito seja discutível e pouco científico", diz.
'Crise de referências'

Uma recapitulação do projeto e do regime nazista, de acordo com os especialistas no assunto, aumenta a confusão: deveria haver igualdade social e distribuição de renda, mas imigrantes, judeus, opositores políticos e até filhos "não talentosos" de alemães seriam excluídos dela por serem "menos puros"; o Estado prometia interferir mais na economia para benefício dos cidadãos, mas empresas privadas tiveram os maiores lucros com a máquina de extermínio e de guerra nazista; o movimento dizia defender os trabalhadores, mas sindicatos trabalhistas foram extintos, assim como o direito de greve; o socialismo marxista era considerado ruim, mas o liberalismo também.

Como seria possível defender todas estas ideias ao mesmo tempo?
Quando o partido foi constituído, ele tinha uma vertente mais à esquerda e uma mais à direita. No início, tinha um discurso bastante antiburguês. Mas ao assumir o poder na Alemanha, o grupo à direita foi fazendo mais alianças com a burguesia e expulsando o grupo à esquerda", diz a historiadora da UFF.
Além disso, o nazismo nasce no meio de uma crise de referências muito grande após a Primeira Guerra. Muitos passaram de um lado para outro. Os valores muitas vezes vão se embaralhar, e esses conceitos de direita e esquerda atuais não resolvem bem o problema."
Entre historiadores, a tentativa de traçar paralelos entre o nazismo e o fascismo europeus e o regime stalinista na União Soviética também não é nova, segundo Rollemberg.
Todos eles eram regimes totalitários, mas o totalitarismo pode estar de qualquer lado. Hoje entendemos que há o totalitarismo mais à direita, como o nazismo e o fascismo, e o de esquerda, como o da União Soviética."
Fonte:  BBC Brasil, por Camilla Costa, 07/05/2017

segunda-feira, 8 de maio de 2017

As sufragistas: de como as mulheres tiveram que verter sangue, suor e lágrimas pelo simples direito de votar

Cena do filme 'As Sufragistas', que aborda a luta das mulheres
por igualdade de direitos no Reino Unido. Divulgação

Nenhuma conquista social foi obtida de mão beijada. Mulheres, negros, homossexuais e tantos outros segmentos marginalizados tiveram que verter muito sangue, suor e lágrimas para conseguir os direitos mais básicos (vale assistir também o filme Selma sobre a luta dos negros americanos para poder votar). Importante ressaltar isso atualmente. Hoje, vemos, com tristeza, mulheres, negros e gays reproduzindo o discurso cínico dos conservadores, muito interessados em jogar fora o bebê junto com a água suja da bacia, de que os movimentos sociais não são mais necessários porque instrumentalizados por partidos de extrema-esquerda e outras falácias do gênero. A instrumentalização dos movimentos sociais realmente precisa acabar, mas não os movimentos sociais porque ainda falta muito o que fazer.

'As Sufragistas': metade da humanidade (no mínimo)

'As Sufragistas' é um filme que cospe na nossa cara a vergonha com verdade, raiva e paixão

por Javier Ocaña


Que duas democracias supostamente gloriosas do mundo ocidental mais avançado como o Reino Unido e a França não deram o direito de voto às mulheres, nem que fossem eleitas, até 1928 e 1944, respectivamente, deveria nos enraivecer a tal ponto que o melhor resultado seria, sem dúvida, um verdadeiro exame de consciência. E não sobre o passado, mas sobre o presente. Metade da humanidade, pelo menos, ficava à margem das decisões, e As Sufragistas, filme britânico composto principalmente por mulheres, cospe na nossa cara essa vergonha. Com raiva, com delicadeza, com elegância, com justiça, com verdade, com paixão. Porque ainda resta muito a ser feito.

Sarah Gavron é a diretora, Abi Morgan, renomada dramaturga, a roteirista, enquanto um grupo de sensacionais intérpretes, liderada pela sempre perfeita Carey Mulligan, coloca rosto naquelas mulheres com coragem suficiente para enfrentar o pior vilão, e não de quadrinhos: o homem que se acredita superior.

Gavron e Morgan relatam o processo de conversão ideológica e política de uma mulher comum. Comum? Aparentemente comum, porque essas trabalhadoras do ativismo arriscaram tudo até as últimas consequências. Até o martírio, a morte, até perder seus filhos. A imprescindível mão de obra de uma revolução que tinha seus rostos brilhantes, e necessários, em mulheres que passaram para a história por seus discursos, e que claro que se arriscaram, mas precisavam das imprescindíveis ações das que estavam na base. 

Com excelente produção, música de Alexandre Desplat, fotografia de Eduard Grau de Barcelona, já instalado confortavelmente no cinema internacional, As Sufragistas é mais do que um filme: é a configuração de uma vitória esmagadora. A encenação sem fissuras, mas sem alardes, de Gavron, entre os tons amarelados, de névoa física e tempestade moral da fotografia de Grau, que pode parecer um pouco fria em alguns momentos, mas nunca chega a rachar pela emoção do tema e das situações. Quem não ficar gelado com as imagens documentais no final, é porque tem problemas.

AS SUFRAGISTAS
Direção: Sarah Gavron.
Elenco: Carey Mulligan, Ben Whishaw, Anne-Marie Duff, Meryl Streep, Helena Bonham Carter.
Gênero: drama. Reino Unido, 2015.
Duração: 106 minutos

Abaixo o filme em baixa definição. Para assistir numa imagem melhorada clique aqui, depois em auto para subir a definição para 360. Dá pra ver legalzinho.

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Bertha Lutz lutou 10 anos para instituir o voto feminino no Brasil

Bertha Lutz
Bertha Lutz seguiu carreira na política (foto US Library of Congress)

A bióloga e feminista Bertha Maria Júlia Lutz foi a responsável pela conquista da instituição do voto feminino no Brasil.

Nascida em 1894, em São Paulo, em uma família abastada, Bertha estudou Biologia na prestigiada Universidade Sorbonne, na França. Na Europa, conheceu o movimento sufragista das mulheres inglesas.

Em 1918, retornou ao Brasil e se tornou a segunda mulher a ingressar em concurso público no país, assumindo o cargo de bióloga no Museu Nacional. No ano seguinte, fundou, junto de outras mulheres, a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, iniciando as campanhas pelo direito ao voto feminino.

Bertha lutou mais de dez anos até que, em 1932, por decreto-lei do presidente Getúlio Vargas, as mulheres conquistaram o direito ao voto no Brasil. Ainda na década de 1930, organizou o primeiro congresso feminista e fundou a União Universitária Feminina, a Liga Eleitoral Independente, a União Profissional Feminina e a União das Funcionárias Públicas.

Em 1933, elegeu-se primeira suplente do deputado federal Cândido Pereira. Após a morte do deputado, assumiu a cadeira de deputada federal em 1936. Porém, a carreira política de Bertha se encerrou em 1937, quando Getúlio Vargas decretou o Estado Novo.

A passagem de Bertha pela Câmara Federal foi marcada pela luta por mudança na legislação referente ao trabalho da mulher e do menor, igualdade salarial, redução da jornada de trabalho - então de 13 horas diárias - e pela proposta de licença maternidade de três meses.

Com informações de As (outras) mulheres brasileiras sobre quem deveríamos aprender na escola, BBC Brasil, por Laís Modelli, 01/04/2017

terça-feira, 18 de abril de 2017

"Ensinem as meninas a serem corajosas, não perfeitas, e a aprender programação



"Ensinem as meninas a serem corajosas, não perfeitas", por Reshma Saujani 

 A advogada americana Reshma Saujani aponta como meninos são ensinados a ser corajosos, enquanto meninas são ensinadas a buscarem a perfeição. Fundadora do Girls Who Code (Garotas que programam), Saujani assumiu a tarefa de socializar jovens a assumir riscos e aprender a programar, duas habilidades que elas necessitam para fazer a sociedade avançar. Para inovar realmente, não podemos deixar metade da população para trás, ela afirma. 
Preciso que cada um de vocês diga para as jovens que se pode conviver com a imperfeição.
O vídeo está legendado, ao que tudo indica, em português de Portugal, daí umas palavras um pouco estranhas para nós, mas bem acessível. A chave para o fim da desigualdade entre os sexos está na educação. Boa audiência!

segunda-feira, 17 de abril de 2017

ONU classifica 'Escola sem Partido' como 'censura'

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Relatores da ONU classificam 'Escola sem Partido' como 'censura'

Em protesto enviado ao governo, peritos das Nações Unidas alertam para as violações que os projetos podem representar e os impactos negativos na educação; coordenador do movimento diz que críticas são 'absurdas'
GENEBRA – Em documento enviado nesta quinta-feira, 13, ao governo brasileiro, relatores da Organização das Nações Unidas (ONU) denunciam as iniciativas legislativas no País com base no Programa “Escola sem Partido” e alertam que, se aprovadas, as leis podem representar uma violação ao direito de expressão nas salas de aulas e uma “censura significativa”. A manifestação foi enviada ao governo de Michel Temer pelos relatores da ONU para Liberdade de Expressão, David Kaye, pela relatora para a Educação, Boly Barry, e pelo relator de liberdade religiosa, Ahmed Shaheed.

O centro do alerta são dois projetos de lei que estão no Congresso e que, se forem aprovados, os relatores da ONU consideram que representarão uma “restrição indevida ao direito de liberdade de expressão de alunos e professores no Brasil”, com um impacto no ensino no País em diversos temas.

A ONU já acompanhava o assunto há meses. Mas decidiu agir depois que o vereador de São Paulo Fernando Holiday (DEM) passou a visitar escolas para "inspecioná-las", temendo que a iniciativa ganhasse força e impulsionasse os projetos de lei. ONGs brasileiras alertaram para o caso e os relatores decidiram enviar a carta ao governo, pedindo medidas e esclarecimentos. Na prática, o poder da ONU se limita ao de constranger um país. Se não ficar satisfeita com a resposta, a relatoria da ONU pode levar o caso ao Conselho de Direitos Humanos para criticar o País em público.

Para os relatores, se aplicadas, as leis serão ainda consideradas como uma “censura significativa”. Na avaliação deles, os projetos vão “restringir o direito do aluno de receber informação” e abrem brechas “arbitrárias” para que autoridades e os pais interfiram nas escolas. Os relatores pedem que os projetos sejam revistos para que atendam aos padrões internacionais de direitos humanos.

Os representantes da ONU ainda deram um prazo de 60 dias para que o governo responda se existe algum tipo de evidência empírica que sugira a necessidade da aplicação da lei da “Escola sem Partido” no Brasil. O grupo também deixa claro que, se aplicado, o programa representará uma "violação" dos compromissos assumidos pelo País em educação e liberdades.

O princípio do projeto é o de incluir os fundamentos do “Escola sem Partido” nas diretrizes e bases da educação nacional. O intuito é que as leis sejam estabelecidas para impedir que professores promovam suas crenças políticas ou religiosas em sala de aula e mesmo que incitem estudantes a participarem de protestos.

Orientação sexual. Outro fato que chamou a atenção da ONU foi a retirada, no dia 6 de abril, do termo “orientação sexual” dos textos dos currículos escolares que foram entregues ao Conselho Nacional de Educação.

Para os relatores ONU, os projetos de lei “geram preocupações com relação à interferência no direito à liberdade de expressão de professores e educadores”. Na avaliação dos relatores, o projeto não traz definições sobre o que seria “neutralidade religiosa e política” e apenas apresenta conceitos, sem qualquer tipo de esclarecimento.

De acordo com os peritos, os textos, portanto, podem impedir qualquer tipo de discussão sobre gênero e diversidade sexual, o que é “fundamental para prevenir estereótipos de gênero e atitudes homofobias por estudantes”.

No campo religioso, alguns dos projetos abrem a possibilidade para que os pais possam determinar como outras religiões que não as suas sejam ensinadas. Cerca de nove estados brasileiros tinham projetos sendo debatidos em suas câmaras legislativas, além dos dois textos também no Congresso em Brasília.

Outro alvo de críticas é a falta de definição sobre o que seria “doutrinação ideológica”, que deixa margem para interpretação e permite que “virtualmente qualquer prática educacional de um professor possa ser classificada como doutrinação e fará a escola uma continuação do ambiente doméstico, e não uma instituição de educação”.

O documento ressalta que, sem definição, a lei permite que “virtualmente qualquer prática pode ser condenada” e pode “prevenir o desenvolvimento de um pensamento crítico entre estudantes e a habilidade de refletir, concordar ou discordar com o que é exposto em aulas”.

Procurado pelo Estado, o coordenador do movimento Escola sem Partido, o procurador Miguel Nagib diz que as críticas são "absurdas". "Convidamos a ONU para expor seus pontos de vista na comissão especial do Escola sem Partido, mas não foram e não mandaram ninguém no lugar. E agora, aparecem esses relatores, que dão opiniões absolutamente desinformadas sobre o projeto?", disse.


Nagib destacou que "não faz sentido" dizer que o projeto vai contra os direitos humanos, já que parte do texto foi inspirada na Convenção Interamericana de Direitos Humanos que diz, em um dos artigos, que "os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja em acordo com suas próprias convicções". "O projeto repete isto com praticamente as mesmas palavras. Como podem dizer que ele (o projeto) viola direitos humanos? Acho muito estranho uma coisa dessas". Ele disse ainda que o documento da ONU "desinforma" a opinião pública ao dizer que o projeto censura o professor. "O texto ainda está sendo debatido na comissão especial e sendo aprimorado. Na versão atual do nosso anteprojeto, a expressão doutrinação nem aparece mais, porque chegamos à conclusão de que era uma expressão ampla demais, para o bem da clareza e segurança jurídica. Tudo está sendo debatido ainda. Não é correto atacarem o parlamento dessa maneira sendo que tiveram a oportunidade de participar do debate".

No campo religioso, alguns dos projetos abrem a possibilidade para que os pais possam determinar como outras religiões que não as suas sejam ensinadas. Cerca de nove estados brasileiros tinham projetos sendo debatidos em suas câmaras legislativas, além dos dois textos também no Congresso em Brasília.

Os relatores também criticam os artigos que tratam de “propaganda política-partidária” e a responsabilidade dos professores. Segundo eles, sem uma definição, o texto poderia levar a uma “restrição aos direitos de liberdade de expressão dos professores”. “Um professor poderia estar violando a lei apenas por conta de consideração subjetiva de pais e autoridades sobre a prática de propaganda política”. Isso pode impedir, segundo a ONU, o debate de temas como diversidade e direito de minorias.

Os peritos denunciam ainda o fato de que o projeto de lei prevê punições, uma vez mais apontando para os riscos para liberdade de expressão. Ao não trazer definições sobre seus conceitos, os projetos de lei podem criar uma “arbitrariedade” em sua aplicação.

“Educadores podem ser punidos por ensinar assuntos que sejam controversos, incluindo política, ciência, história, religões e educação sexual”, alertou a carta dos relatores ao governo.

Os relatores defendem que crianças sejam de fato protegidas de uma indoutrinação. Mas as opções políticas sugeridas pelo projeto limitariam a informação a qual as crianças nas escolas estão expostas e, de fato, podem “restringir direito a liberdade de expressão”.

Na avaliação dos relatores, a aprovação da lei pode impedir que estudantes brasileiros tenham uma educação ampla e apontam que, numa sociedade livre, a educação precisa apresentar “diversos fatos e perspectivas”. Para eles, se aprovadas, portanto, as leis “violariam” as regras internacionais e “limitariam informação e ideias que educadores podem trazer aos estudantes sobre culturas, governos, políticas, religião, normas sociais, evolução e educação sexual”.

Reações. A carta da ONU ao governo foi comemorada por entidades que faziam oposição aos projetos de lei. "O Escola Sem Partido, ao limitar a liberdade de cátedra e ao tentar submeter a educação escolar à moral dos pais, ofende o princípio da liberdade de expressão, alimenta preconceitos e torna as aulas medíocres, pois os professores não se sentem tranquilos para ensinar sob verdadeiros tribunais pedagógicos”, disse Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

“Um tribunal pedagógico tentou ser estabelecido pelo vereador Fernando Holiday em São Paulo e o mesmo fez o MEC recuar ao tirar da Base Curricular as questões de gênero e orientação sexual. E corremos o risco desses tribunais pedagógicos dominarem a educação brasileira. Por isso, é essencial e oportuna a manifestação da ONU", disse.

Fernanda Lapa, coordenadora executiva do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH), ao discursar na ONU na semana passada apontou para o fato de que “problemas éticos e jurídicos do Programa Escola sem Partido já foram inclusive reconhecidos pelo Ministério da Educação dizendo que viola diversos artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, assim como pelo próprio Supremo Tribunal Federal do Brasil que afirmou a inconstitucionalidade da lei (inspirada no Escola sem Partido) aprovada em Alagoas”.

“O ministro Barroso afirmou que o direito humano à educação visa ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e à capacitação para a vida e cidadania, o que também está previsto em tratados internacionais que o Brasil é parte. Com isso fica evidente que esses projetos violam as nossas leis tanto no âmbito interno como no internacional”, disse Fernanda.

Maria Rehder, coordenadora de projetos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e vice-presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom), também destaca a importância do posicionamento dos relatores da ONU.

“Desde a emergência do projeto Escola sem Partido temos realizado as denúncias junto à ONU e OEA, mas os fatos anunciados na última sexta-feira no Brasil geraram grande repercussão em Genebra nas reuniões que realizei para a atualização de dados nesta semana junto às relatorias especiais da ONU e também diplomatas”, disse.

“O mais grave e impactante foi o anúncio da retirada pelo MEC das questões de gênero e orientação na base curricular, o que foi na contramão das recomendações feitas ao Brasil pela ONU por meio do Comitê sobre os Direitos da Criança - órgão máximo de monitoramento do direito da infância no mundo - que explicitamente recomenda ao Brasil decretar legislação para proibir a discriminação e a incitação de violência com base na orientação sexual e na identidade de gênero e dar sequência ao projeto “Escolas sem Homofobia”, justamente o oposto do Escola sem Partido”, afirmou.

Contatado pelo Estado, o MEC informou que tanto o ministro Mendonça Filho como a secretária executiva Maria Helena Guimarães já se manifestaram publicamente contrários o Escola Sem Partido. Sobre a retirada do termo orientação sexual, o MEC “lamenta que a ONU tenha confundido o documento da BNCC com textos dos currículos escolares”.

Ao Estado, o vereador Holiday rebateu as críticas, por meio de sua assessoria de imprensa. "'Tribunal pedagógico' é uma definição tola, mas muitos preferem falar antes de ouvir ou conhecer. Se o proposto não for o ideal, procuraremos aperfeiçoar o projeto, mesmo sabendo que a ONU não costuma valorizar a liberdade e a autoridade da família, ao contrário de mim".

Sobre suas ações em escolas paulistanas terem motivado o envio da carta, o vereador afirmou ainda que isso mostra que seu mandato "é influente e trabalha" e diz esperar, com isso, "chamar atenção da ONU para casos importantes, como o abuso de crianças e adolescentes".

Maioria de projetos baseados no ‘Escola sem Partido’ é de autoria de políticos ligados a igrejas

Escola Sem Partido: Macartismo renasce no Brasil

A doutrinação mais perigosa é a conservadora pois tenta se passar por algo natural

Fonte: O Estado de S.Paulo, por Jamil Chade e Luiz Fernando Toledo, 13/04/2017

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