8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Meritocracia sim e contra as desigualdades sociais


Vim de uma família pobre de migrantes nordestinos que saíram de suas terras natais para tentar melhorar de vida no sul maravilha. Conseguiram seu intento com muito esforço e determinação. Não foi se locupletando em algum órgão estatal, indicados por algum cumpañero de partido, que obtiveram sua ascensão social. Então, eu creio na meritocracia que, sendo verdadeira, não faz vista grossa às desigualdades sociais. Pelo contrário, busca promover a igualdade de oportunidades entre todos, proporcionando ao menos uma largada comum a cidadãs e cidadãos de uma determinada sociedade.

Não acho coincidência que o ataque à meritocracia se dê nesses tempos obscuros de governos do PT. Petistas e outros esquerdistas em geral se colocam abertamente contra a meritocracia. Pelo que temos visto do desempenho desse pessoal, o negócio é ascender socialmente na base do compadrismo e do comadrismo e não da avaliação por mérito. Não importa se o cumpañero/a tenha qualificação para determinado posto. O que interessa é fazer parte do clube dos amiguinhos e, na base da política do favor, do toma-lá-dá-cá, ir avançando na vida. Não interessa se a/o aluna/o estudou ou não. Tem que passar de ano de qualquer forma porque o que importa não é o mérito e sim o "diproma".

Convivi com petistas durante anos em diferentes movimentos sociais, e suas relações são sempre de compadrio. Aliás, parece que, quanto mais medíocres e desonestos forem seus quadros e todos que os cercam, melhor. De fato, são contra a meritocracia porque defendem a mediocracia. Portanto, se queremos um futuro para o Brasil, precisamos defender sim a meritocracia contra a mediocracia de petistas e assemelhados.

Por isso, reproduzo o texto do Guy Franco sobre o tema meritocracia. Não concordo com tudo que diz. Acho que faltou explorar melhor algumas frases, mas, no conjunto, abordou bem o tema. Destaco:
A competência está fora de moda. 
Defender a meritocracia não quer dizer que não se reconheça os níveis desiguais de onde cada pessoa começa a vida (a classe social, cor da pele, sexo, etc), mas apenas o reconhecimento de que é um meio possível e justo (não o único, nem o mais fácil) de ascender socialmente. 
Defender a meritocracia e combater a desigualdade não são coisas excludentes. 
...Ricardo Paes de Barros, formado pela escola de Chicago, e que foi líder de um grupo de economistas liberais responsável pela concepção técnica do Bolsa Família. As ideias liberais, no entanto, foram malhadas pela esquerda. Quem se lembra da resistência do PT na época? A proposta de focalização de combate à pobreza era tida como uma ameaça “neoliberal” e foi bastante hostilizada pelo partido. Hoje, o PT tenta apagar o passado liberal, as raízes chicaguistas por trás do projeto. Ao tentar apagar o nome das mentes responsáveis por trás do Bolsa Família (inclusive tirando o nome de Ricardo Paes de Barros, o pai do projeto, de sites do governo), fica fácil afirmar o que quiser e desdenhar de liberais.

 A quem interessa desdenhar da meritocracia?


Nunca vi a sociedade tão mobilizada para tripudiar da meritocracia. Hoje, não só os membros de movimentos sindicais levantam cartazes na rua contra o sistema, qualquer jovem barbudo com um canal no youtube faz o mesmo - e em plena luz do dia. Dão chiliques, relincham, fazem cara de tuberculose quando ouvem a palavra meritocracia. Pega bem desdenhar da besta. A competência está fora de moda.

Os opositores, me parece, reagem sem ver as gradações da questão. Não é possível que não concordem que recompensar uma pessoa pela eficiência seja um incentivo para o bom trabalho. Também nunca ouvi falar de alguém que recusou um aumento de salário porque considerava injusto receber mais pelos próprios méritos.

Reconhecer e promover os melhores profissionais é fundamental. Que se discuta os critérios de avaliação, mas o mérito é importante. Nada mais natural do que recompensá-lo. Não há vergonha nenhuma em defender isso.

Os opositores falam de exclusão, de “darwinismo social”. Há um fator ausente aí: ainda que a meritocracia seja excludente, impugnando a mediocridade, a sociedade como um todo não se beneficiaria de hospitais e escolas cujos médicos e professores fossem os mais capacitados? Por que seria diferente com as outras profissões?

Defender a meritocracia não quer dizer que não se reconheça os níveis desiguais de onde cada pessoa começa a vida (a classe social, cor da pele, sexo, etc), mas apenas o reconhecimento de que é um meio possível e justo (não o único, nem o mais fácil) de ascender socialmente.

Defender a meritocracia e combater a desigualdade não são coisas excludentes. E ainda que a meritocracia perpetue uma desigualdade, esta será um efeito colateral positivo, pois será baseada no mérito e não na arbitrariedade.

E aqui vou usar uma frase de Eduardo Giannetti: “A questão crucial é: a desigualdade observada reflete essencialmente os talentos, esforços e valores diferenciados dos indivíduos ou, ao contrário, ela resulta de um jogo viciado na origem, de uma profunda falta de equidade nas condições iniciais de vida, da privação de direitos elementares e/ou discriminação racial, sexual ou religiosa?”

O vizinho de blog Flávio Moura comentou sobre o silêncio dos liberais em relação a um artigo da The Economist que mostra como os mais ricos costumam ser os mais beneficiados pela meritocracia. Na verdade, essa é uma questão que tem ocupado os liberais há muito tempo. Queria reabilitar aqui um trecho de Hayek:
“…se uma invenção acidental se torna extremamente útil para os demais, o fato de que tenha pouco mérito não a torna menos valiosa do que se tivesse resultado de grande sacrifício pessoal.”
Há muito tempo que os liberais reconhecem que o mérito não é apenas resultado de grande esforço. E há muito tempo que estudam soluções de política pública para consertar eventuais desigualdades e diminuir a pobreza. Basta ler Milton Friedman - o liberal dos liberais - que encontrará nele as raízes do Bolsa Família e do Prouni, por exemplo.

“Meritocracia para quem, cara-pálida? 
Nossos liberais mereciam estudar um pouco mais.”

Os nossos liberais estudaram. Um deles é Ricardo Paes de Barros, formado pela escola de Chicago, e que foi líder de um grupo de economistas liberais responsável pela concepção técnica do Bolsa Família. As ideias liberais, no entanto, foram malhadas pela esquerda. Quem se lembra da resistência do PT na época? A proposta de focalização de combate à pobreza era tida como uma ameaça “neoliberal” e foi bastante hostilizada pelo partido. Hoje, o PT tenta apagar o passado liberal, as raízes chicaguistas por trás do projeto. Ao tentar apagar o nome das mentes responsáveis por trás do Bolsa Família (inclusive tirando o nome de Ricardo Paes de Barros, o pai do projeto, de sites do governo), fica fácil afirmar o que quiser e desdenhar de liberais.

A nossa esquerda merecia estudar um pouco mais os liberais.

Fonte: Yahoo Notícias, Blog do Guy Franco, 14/02/2015

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Brasil em risco de confronto popular como a Venezuela?

Juan Arias
O Brasil corre o risco de sofrer um confronto popular?
Analistas começam a se preocupar com a possibilidade de que o país entre num círculo de conflito que o deixe parecido com a Argentina ou Venezuela

O Brasil, em vez de se dividir, sempre se uniu no passado para defender as grandes batalhas democráticas. Foi assim nas manifestações de massa das “Diretas Já”, para pedir a volta do direito ao voto popular, e quando, juntos, os brasileiros saíram às ruas, vestidos de preto, para exigir o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. O país nunca teve comichão pelo confronto popular.

O Carnaval deste ano está sendo outra prova desse gosto dos brasileiros pela aglomeração na rua, tanto nos momentos de dor quanto nos de alegria e prazer. Milhões de pessoas de todas as classes sociais, de Norte a Sul do país, desfilaram pacificamente em milhares de blocos de todas as idades e ideias políticas para se divertir em paz.

Mas pela primeira vez os analistas começam a se preocupar com a possibilidade de que o país entre, por motivos políticos e para reagir à corrupção e à crise econômica e de desencanto com a política, num círculo de confronto popular que pode deixá-lo mais parecido com a Argentina ou com a Venezuela que com sua própria história.

No Brasil começam a ressoar dois gritos preocupantes: o de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, recém-eleita nas urnas, e o de uma possível guerra civil, não sangrenta, mas de consequências difíceis de medir, em que os cidadãos poderiam acabar se enfrentando nas ruas, pela primeira vez não unidos em defesa de uma causa comum, mas com ruídos de “guerra”.

Já foi explicado pelos especialistas em direito que o pedido de impeachment não é nenhum golpe contra a democracia, já que está previsto na Constituição e pode ser solicitado por qualquer cidadão que acredite que haja motivos para isso.

Difícil saber o eco popular que poderão ter as manifestações convocadas em caráter nacional para 15 de março, para pedir a saída do Governo da presidenta Dilma Rousseff. O que é indiscutível é que, diante da corrupção e da crise econômica, cresce o descontentamento popular, até nas pessoas menos favorecidas, as da classe C, que até ontem eram o fiel baluarte do governo do PT e hoje começam a se distanciar dele, como se depreende da última pesquisa do Datafolha.

Depor de seu cargo um presidente, ainda que isso carregue sempre um certo drama, supõe passar pelos procedimentos jurídicos previstos na Constituição, com severo controle pelo Congresso: o impeachment precisa ter dois terços dos votos na Câmara e no Senado.

Tal pedido, inclusive bradado nas ruas pelos brasileiros descontentes com o governo, como um dia fez o PT ao pedir, na oposição, a saída do então presidente Fernando Henrique Cardoso, não deveria ser motivo de preocupação em termos democráticos.

O que hoje começa a dar medo é que algumas forças políticas, tentadas pelo demônio da perpetuação no poder a qualquer preço, em vez de buscar meios de sair da crise, possam acabar dividindo o país, como já acontece na Argentina e na Venezuela, com impulsos, como naqueles países, de amordaçar a informação livre.

Um pedido de impeachment pressupõe um exercício democrático, no qual os eleitores acreditem que o governante vitorioso e democraticamente eleito nas urnas tenha se tornado indigno de continuar no poder. Nada mais.

Ao contrário, um confronto que dividisse o país em dois grupos irreconciliáveis, já sem distinguir quem fosse governo ou oposição, poderia criar a tentação à violência, que não se sabe ao que poderia levar.

Esse tipo de confronto civil, que torna irreconciliáveis as duas partes em conflito e acaba dividindo salomonicamente um país, dificulta desde seu nascimento qualquer solução democrática, porque em vez de diálogo e racionalidade, reina a paixão, cultivada mais com o fígado que com o cérebro.

Nada pior neste momento, por exemplo, que uma parte do partido do Governo querer empurrar as ruas usando seus sindicatos e movimento sociais contra as medidas de austeridades defendidas por seu próprio Governo para tirar o país da crise.

A reação do Governo frente a um pedido de impeachment da presidenta Rousseff deve ser apresentar fatos que mostrem que não há motivo para isso. Tudo, é claro, à luz do Sol, aceitando os resultados das legítimas investigações, sem tentar domesticá-las nem manipulá-las.

Sempre se disse que é a verdade que nos torna livres. E são os fatos, revelados por meio das instituições livres do Estado, nesse caso das forças policiais e dos tribunais de Justiça, os melhores defensores da legalidade.

Todo o resto, como os fatos “tenebrosos” insinuados pelo juiz Sergio Moro na operação Lava Jato, praticados com a expectativa de impunidade nas sombras dos esgotos do submundo do poder, são o melhor caldo de cultura para que se forme no país um clima de dissimulada violência e divisão dos cidadãos.

Seria o pior dos remédios para que o Brasil saísse da crise econômica e política que vive.

A força do Brasil, invejada em vários continentes pelos países que sofrem com a tentação de rasgos nacionalistas ou ideológicos, sempre foi sua unidade nacional, apesar de suas imensas diferenças geográficas e culturais.

Querer hoje ignorar os novos ventos da busca por formas mais participativas do poder para perpetuar a velha política patrimonialista poderia acabar esgarçando um país que sempre se orgulhou de sua união.

Melhor, em caso extremo, um impeachment, se necessário e constitucional, que qualquer outra tentação antidemocrática, mesmo que possa ser disfarçada como defesa dos direitos dos mais pobres.

A verdadeira democracia exige que até aos mais necessitados e indefesos seja dada a liberdade de escolher como e por quem querem ser defendidos, porque a História ensina o quão perigosa é a força desses excluídos quando descobrem que estão sendo enganados ou manipulados pelos malabarismos do poder.

Fonte: El País, por Juan Arias, 17/02/2015

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Precisamos conversar sobre o aborto: grávida apoia descriminação do aborto em solidariedade às mulheres que abortam


Grávida apoia descriminalização do aborto em rede social e gera debate sobre o tema

‘Estou ao lado dos direitos reprodutivos das mulheres. Jamais vou usar minha gestação contra mulheres que abortam’

RIO - Uma grávida que se manifestou a favor da descriminalização do aborto numa rede social está provocando um enorme debate sobre o tema na web. Gaabriela Moura, que está grávida pela segunda vez, escreveu, nesta terça-feira, um texto de apoio às mulheres que optam por terminar a gravidez. Seu manifesto - parte de uma campanha que tem mobilizado gestantes em torno do assunto nos últimos dias - tem quase 22 mil “curtidas” e cinco mil compartilhamentos.
Estou ao lado dos direitos reprodutivos das mulheres. Eu sou totalmente favorável à descriminalização do aborto, ao respeito às mulheres e suas escolhas e seus corpos. Sou inteiramente solidária às minhas irmãs que são massacradas, estupradas, culpabilizadas por suas gestações, culpabilizadas pela interrupção destas gestações. (...) Mulheres casadas abortam, cristãs abortam, prostitutas abortam, mulheres de mais de 40 anos, mulheres de menos idade abortam, e eu jamais vou usar a minha gestação contra elas”, escreveu a jovem na rede social.
Enquanto uma parte dos internautas aplaude a iniciativa, muitas pessoas com uma visão oposta à dela estão atacando Gaabriela em sua página pessoal, deixando claro o poder de polarização do assunto. Os comentários ofensivos estão sendo devidamente apagados pela dona do perfil, mas a futura mãe de segunda viagem tem mantido os comentários contrários à sua visão que não ferem sua dignidade ou de outras mulheres. A publicação, por isso, acabou virando um espaço para debate para a questão do aborto. Já são mais de 800 comentários em seu post.

Confira, abaixo, o texto completo de Gaabriela:
Eu passei pela experiência de engravidar duas vezes. A primeira não foi planejada, a segunda, sim. Ambas foram muitíssimo desejadas e apoiadas, parceiro, familiar, financeiro, todas as nossas questões nos satisfaziam, estávamos (e estamos, afinal, estou gestando ainda) muitíssimo felizes, empenhados e preparados física e, sobretudo, emocionalmente. 
As minhas gestações são as minhas gestações, jamais poderia embasar decisões de mulheres, essas que suas histórias não conheço, essas que seus desejos não conheço, essas que suas dores e delícias não conheço, por minhas experiências felizes na gestação e maternidade. 
Estou ao lado dos direitos reprodutivos das mulheres. Eu sou TOTALMENTE favorável à descriminalização do aborto, ao respeito às mulheres e suas escolhas e seus corpos. Sou inteiramente solidária às minhas irmãs que são massacradas, estupradas, culpabilizadas por suas gestações, culpabilizadas pela interrupção destas gestações, caso tenham esses filhos, sofram violência obstétrica, sejam culpabilizadas por péssimas condições físicas e emocionais, rechaçadas no trabalho, crucificadas nos meios conservadores e, muitas vezes, sobretudo se forem negras e pobres, mortas sangrando na mão de um sistema cruel, ao coro de comemorações, em um Estado que tem por dever ser LAICO, ou seja, não deve embasar suas políticas públicas em aspectos religiosos. 
Mulheres casadas abortam, cristãs abortam, prostitutas abortam, mulheres de mais de 40 anos, mulheres de menos idade abortam e eu jamais vou usar a minha gestação contra elas. 
Solidariedade às minhas irmãs mulheres”.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

As falácias do falo, exemplo de texto escrito por homem sobre mulheres sem ser mimizento

As falácias do falo
A exemplo do que disse em meu texto de segunda, Misandria: uma grande zoeira e o sempre renovado ataque à autonomia das mulheres, há homens que tentam desconstruir em si mesmos os condicionamentos machistas que receberam em vez de querer dizer a feministas o que o feminismo é ou não.

Idade não é documento, mas talvez a geração mais jovem de homens também esteja, como a das mulheres, mais propensa a questionar a (des)educação que recebeu desde o berço. O jovem que escreveu o texto abaixo, pelo menos nele, demonstra mais consciência do machismo do que muitas mulheres que conheço. Prova de que há esperanças para a humanidade.

Destaco algumas frases do artigo que vão ao encontro do que comentei sobre homens antipatriarcais. 
Ao decidir escrever esse texto, concluí que precisava ter uma dose razoável de humildade e outra de honestidade intelectual. Eu desejo que esse texto seja lido como o mais feminista possível para algo elaborado por um homem...
Essa minha preocupação também guiou a estrutura do texto: em vez de dizer "o feminismo é isso ou aquilo", vou focar meus esforços em desconstruir aquilo que podemos chamar de falácias do falo, ou seja, argumentos machistas que muitas vezes são naturalizados por nós e não são percebidos como a opressão que realmente são.
É comum dizerem que uma mulher reagiu "histericamente" em relação a alguma cantada de rua. Por outro lado, é raro chamarem um marido abusivo, violento, de irracional. Isso ilustra bem como as palavras podem ser usadas de forma a discriminar.
Por outro lado, as mulheres sempre foram ensinadas a competirem entre si para atraírem a atenção de algum pretendente. A falácia ignora que existiram numerosas instituições ou agremiações exclusivamente femininas, marcadas por fortes laços de solidariedade, no decorrer da história. A mulher não é dissimulada ou traiçoeira. Ela foi forçada, socialmente, a agir assim em relação às suas iguais.

As falácias do falo

por Daniel Murata

Estava faz tempo decidindo se escreveria ou não esse texto. Escrever sobre a luta das mulheres contra a opressão do machismo não é tarefa fácil. Em especial, se você é um homem tentando escrever sobre isso, pode incorrer em - no mínimo - uma grave miopia em relação às diversas formas de opressão que existem na sociedade.

Ao decidir escrever esse texto, concluí que precisava ter uma dose razoável de humildade e outra de honestidade intelectual. Eu desejo que esse texto seja lido como o mais feminista possível para algo elaborado por um homem, uma vez que há sempre a dúvida se é possível ao homem compreender de fato a extensão da opressão contra a mulher.

Essa minha preocupação também guiou a estrutura do texto: em vez de dizer "o feminismo é isso ou aquilo", vou focar meus esforços em desconstruir aquilo que podemos chamar de falácias do falo, ou seja, argumentos machistas que muitas vezes são naturalizados por nós e não são percebidos como a opressão que realmente são. Vamos então ver algumas dessas falácias.

Falácia nº1: "A mulher deve se dar ao respeito". Essa falácia é de longe uma das mais famosas. Esse argumento simplesmente não especifica o que é "se dar ao respeito" e nem por que motivo só mulheres devem fazer isso. No fundo, trata-se de mera discriminação disfarçada. Por que uma mulher ir à balada e ficar com quem ela bem entender é "não se dar ao respeito", enquanto para os homens isso é motivo de orgulho? Por acaso os homens tem mais direitos sexuais que as mulheres apenas porque são homens? Por que mulheres deveriam se vestir com recato, enquanto homens andam sem camisa e sem problemas?

Rebater essa primeira falácia nos leva a uma pergunta central: qual é - efetivamente - o mérito em ser homem ou mulher? Nascer com um sexo ou outro é tão somente uma questão de probabilidade. Se assim o é, não há mérito em ser de um sexo específico. Não há forma de se defender direitos de um gênero e não de outro sem ser injusto e arbitrário. Ser homem não é mérito algum, o mero fato de sê-lo não fundamenta direitos adicionais. Isso significa dizer, trocando em míudos, que não é a mulher que deve se dar ao respeito, mas o homem que deve respeitar a vontade da mulher, que pode tanto quanto ele.

"Pequena" ressalva: a mulher - por causa da biologia reprodutiva - acaba se valendo de direitos que não fazem sentido ao homem, ao menos não ao homem cisgênero. Direito à gestação e parto de qualidade e dignos e direito à amamentação são dois exemplos. Esses direitos fazem sentido para as mulheres porque integram sua dignidade enquanto seres humanos de igual valor a todos e cada um de nós. Expulsar uma mulher de um restaurante por ela ter amamentado em público é tão absurdo quanto expulsar um homem por ele ter um pênis.

Falácia nº2: "A mulher é naturalmente mais irracional que o homem". Essa costuma fazer dobradinha, em discussões, com frases do tipo "você está exagerando" ou "você é louca". Esse argumento tem dois pontos falhos. Primeiramente, a ideia de alguém ser "naturalmente" mais que outra pessoa. Isso é dar de barato que mulheres tem uma menor capacidade cognitiva que homens, algo que está longe de ser realidade.

O segundo ponto falho é a própria ideia de irracionalidade. Definir algo como racional é algo complexo, e usualmente usado como forma de discriminar entre entes superiores ou inferiores. A ideia de racionalidade é maleável, e no caso dessa falácia, é utilizada para dizer que determinadas formas de reação a xingamentos ou agressões são irracionais e outras não. É comum dizerem que uma mulher reagiu "histericamente" em relação a alguma cantada de rua. Por outro lado, é raro chamarem um marido abusivo, violento, de irracional. Isso ilustra bem como as palavras podem ser usadas de forma a discriminar.

Falácia nº3: "a mulher é dissimulada e traiçoeira, o homem é mais íntegro". O erro dessa falácia é parecido com o da anterior. Aqui, ocorre a naturalização de uma situação contingente. O que isso significa: historicamente, nossa sociedade sempre induziu homens a serem fraternais entre si. A ideia de "irmãos de armas" até hoje exerce fascínio sobre as pessoas. Por outro lado, as mulheres sempre foram ensinadas a competirem entre si para atraírem a atenção de algum pretendente. A falácia ignora que existiram numerosas instituições ou agremiações exclusivamente femininas, marcadas por fortes laços de solidariedade, no decorrer da história. A mulher não é dissimulada ou traiçoeira. Ela foi forçada, socialmente, a agir assim em relação às suas iguais.

Falácia nº4: "mulher que não se depila é anti-higiênica ou porca". Qual foi a última vez que você, leitor homem, depilou suas axilas ou seus genitais?
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PS: Agradeço minha colega e amiga, Bárbara Simão, pela leitura do texto e comentários valiosos. É sempre difícil para alguém com vocação para abstrações, como eu, escrever um texto sobre problemas muito reais enfrentados por pessoas no dia-a-dia.

Fonte: Brasil Post, 05/02/2015

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Desconstruindo mitos sobre a Sabesp e a falta d'água em São Paulo


Três mitos sobre a Sabesp e a seca em São Paulo

Muitas falhas podem ser atribuídas à Sabesp, a estatal de saneamento de São Paulo. Mas entre acusações justas há equívocos que exalam pura ignorância econômica. Vejo muita gente dizer, por exemplo, que a seca em São Paulo se agravou porque a Sabesp, ao vender parte de suas ações na Bolsa, “passou a seguir a lógica do mercado”, “maximizando lucros e reduzindo investimentos”, para “privilegiar acionistas em detrimento do interesse público”. Há nesse raciocínio pelo menos três equívocos graúdos.
Mito 1: “Seguindo a lógica do mercado, a Sabesp reduziu investimentos”
Se a lógica do mercado levasse empresas a reduzir investimentos e privilegiar o lucro dos acionistas, o mundo viveria uma escassez generalizada. Enfrentaríamos falta de Coca-Cola, pois a empresa teria transferido dividendos a acionistas em vez de construir novas fábricas. Supermercados seriam lugares tristes repletos de prateleiras vazias, porque a Nestlé, a Ambev, Unilever e os produtores de frutas e verduras embolsariam lucros em vez de investir o necessário para atender o aumento da demanda.
É verdade que investir em novas tubulações para evitar vazamentos não é tão rentável quanto uma nova fábrica de refrigerantes. No entanto, pela lógica da “maximização de lucros” no longo prazo, a pior coisa que pode acontecer a uma empresa é não ter o que oferecer aos consumidores, como é o caso da Sabesp hoje em dia. A melhor é crescer e conquistar mercados. Por isso previsões de demanda, aquisições, estudos de ampliação e análises do “capex” (o capital destinado a investimentos) são parte do dia a dia de empresas que buscam lucro.
Quem acompanha o mercado financeiro sabe que toda a semana o preço de ações cai porque empresas anunciam projetos e aquisições. Como investimentos geralmente significam menos lucros ou dividendos nos meses seguintes, acionistas interessados no gráfico de curto prazo se livram dos papéis. Isso aconteceu recentemente com ações do Facebook, da Intel, da Microsoft, da Vale, da Lenovo, da Tim, entre muitas outras. O preço da ação costuma se reerguer depois de algumas semanas. Os acionistas mais ligados ao longo prazo entendem que, se a empresa está investindo, terá melhores fundamentos no futuro.
Mito 2: “A Sabesp enriqueceu os acionistas”
Só existe um motivo para uma empresa evitar investimentos e privilegiar os acionistas: se o principal acionista for o próprio governo. No caso de empresas estatais, uma distribuição maior de dividendos resulta em caixa mais gordo aos políticos no poder. E o que político gosta de fazer é gastar dinheiro o mais rápido possível. Diferente de donos de empresas, políticos têm um objetivo de curto prazo: a próxima eleição. Poucos resistem à tentação de sacrificar o futuro de estatais ou das contas públicas para gastar em obras ou propaganda.
Foi esse o caso da Sabesp? Se a empresa não sofreu da lógica do mercado, teria sido vítima da lógica da política? Difícil dizer. Segundo esta reportagem da Exame, a Sabesp é uma das empresas de saneamento que mais pagam dividendos no mundo. O governo de São Paulo, dono de 50,3% das ações, é o maior beneficiário desses repasses. No entanto, entre 2008 e 2013, de acordo com a consultoria Economática, a Sabesp ficou em 28º lugar entre as 30 maiores pagadoras de dividendos do Brasil. O retorno médio aos acionistas foi de 4,9%. É uma boa média, mas bem inferior à Eletropaulo (23%) ou estatais administradas pelo governo federal, como o Banco do Brasil (6,9%). Sem contar o rendimento das ações, que depende da sorte, os acionistas da Sabesp ganharam de dividendos menos do que se tivessem investido na poupança. “A Sabesp é uma boa pagadora de dividendos, mas não é um caso excepcional”, me disse Gianmarcelo Germani, da MoneyMark. “Outras estatais, como a Copel ou a Cemig, pagam dividendos muito superiores.”
Mito 3: “Distribuir dividendos vai contra o interesse público”
Se você tem uma empresa e precisa de dinheiro para ampliar o negócio, é geralmente mais barato lançar ações na Bolsa que emprestar no banco. De um dia para o outro, investidores jogam milhões de reais na sua mão. Em troca, esperam uma remuneração anual que, segundo a lei, precisa ser no mínimo 25% dos lucros que você conseguir. As empresas costumam pagar um pouco mais do que manda a lei, para ficar em paz com os acionistas e poder captar mais dinheiro da próxima vez que precisarem.
Se o governo paulista quisesse manter a Sabesp 100% estatal e se recusasse a vender ações, teria que emprestar do BNDES ou de bancos internacionais, ou bancar do próprio bolso investimentos para a ampliação de represas e da rede de abastecimento. Isso significa tirar dinheiro de hospitais e escolas para colocar numa empresa que poderia andar com as próprias pernas. Diversas estatais de saneamento dão prejuízo no Brasil: o rombo que elas causam acaba sendo pago com o imposto dos cidadãos.
É tentador imaginar um acionista milionário nadando no dinheiro enquanto o povo morre de sede, mas isso não passa de ficção marxista. Se a empresa é bem administrada, a participação de investidores provoca melhoria e ampliação de serviços. 
Repito: não acho a Sabesp um exemplo de empresa. Na verdade considero uma tremenda loucura legar a uma estatal algo tão importante quanto o abastecimento de água. Acredito que água potável só será abundante quando arranjarmos um jeito de haver concorrência nesse setor, pois monopólios legais (públicos ou privados) sempre vão decepcionar. O que me faz defender a Sabesp neste texto é somente a falta de noção de algumas acusações.
Fonte: Veja, por Leandro Narloch, Caçador de Mitos, 27/01/2015

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