A maioria dos parlamentares que propuseram projetos baseados no Escola sem Partido em legislativos estaduais, na Câmara dos Deputados e no Senado é ligada a alguma religião. Dos 14 projetos em tramitação, somente três foram apresentados por deputados não identificados como evangélicos ou católicos. A constatação reforça a preocupação sobre a ingerência de igrejas no espaço escolar, relatada por professores, estudantes e especialistas em educação críticos à proposta.
O professor Luiz Antônio Cunha, doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, já havia alertado que a proposta é parte do avanço da regulação do ensino religioso em escolas públicas. “Esse projeto pretende calar professores, mas não só isso. É uma perna de um projeto mais amplo. Não basta calar, é preciso colocar algo no lugar. Quem mais que está agindo para educar dentro da escola pública, nessa perspectiva que evite a crítica de fato? São aqueles grupos que pretendem desenvolver o ensino religioso”, afirmou o professor.
O Escola sem Partido alega combater a “doutrinação ideológica dos estudantes” e defende o veto a qualquer aula, conteúdo ou atividade que afronte as convicções religiosas ou morais dos pais e dos alunos. O projeto foi idealizado em 2004, pelo procurador paulista Miguel Nagib, após um professor de sua filha comparar o revolucionário argentino Che Guevara com o santo católico São Francisco de Assis, em virtude de ambos abandonarem a riqueza pela causa em que acreditavam.
Na Câmara, há três projetos tramitando baseados na proposta Escola sem Partido. O Projeto de Lei (PL)7180/2014, do deputado Erivelton Santana (PSC/BA), o PL 867/2015, do Izalci Lucas (PSDB-DF) e o PL 1411/2015, de Rogério Marinho (PSDB/RN), este sendo o único não ligado a alguma igreja. No Senado, o pastor evangélico Magno Malta (PR-ES) é autor de texto semelhante, apresentado como PLS 193/2016.
O Senado abriu uma consulta pública sobre o projeto de Malta, que às 8h55 desta quarta (20) contava com 106.068 votos favoráveis e 127.811 contrários. A consulta não tem poder decisório, mas serve de argumento sobre a avaliação da população sobre o tema.
Nos legislativos estaduais já são 12 propostas apresentadas. Uma já foi aprovada – em Alagoas – e uma arquivada – no Espírito Santo. A primeira foi apresentada pelo deputado Ricardo Nezinho (PMDB), ligado à igreja Batista. O projeto foi vetado pelo governador Renan Filho, mas o veto foi derrubado na Assembleia Legislativa. O outro, registrado como PL 121/2016, foi proposto pelo médico Hudson Leal (PTN).
Em São Paulo, há dois projetos tramitando na Assembleia Legislativa. Um do empresário Luiz Fernando Machado (PSDB), que recebeu o número de PL 1301/2015. E o PL 960/2014, de autoria do evangélico José Bittencourt (PSD). As propostas tramitam em conjunto e já foram aprovadas pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Os demais projetos com seus respectivos autores seguem listados a seguir
UF | Proponente | Confissão |
SP | Luiz Fernando Machado (PSDB) PL 1301/2015 | — |
José Bittencourt (PSD) PL 960/2014 | Evangélico | |
RS | Marcel van Hattem (PP) PL 190/2015 | Cristão Luterano |
PR | Gilson de Souza (PSC) e outros 11 PL 748/2015 | Evangélico |
AL | Ricardo Nezinho (PMDB) projeto aprovado | Batista |
RJ | Flávio Bolsonaro (PSC) PL 2974/2014 | Evangélico |
DF | Sandra Faraj (SD) PL 1/2015 | Evangélica |
Rodrigo Delmasso (PTN) PL 53/2015 Projeto de Emenda à Lei Orgânica (Pelo) 38/2016 | Evangélico | |
ES | Hudson Leal (PTN) PL 121/2016 (Arquivado) | — |
GO | Luiz Carlos do Carmo (PMDB) PL 2.861/14 | Evangélico |
AM | Platiny Soares (DEM) PL 102/2016 | — |
CE | Dra. Silvana (PMDB) PL 273/2015 | Evangélica |
PE | Pastor Cleiton Collins (PP) PL 823/2016 | Evangélico |
MT | Dilmar Dal Bosco (DEM) PL 403/2015 | Católico |
O fato de tantos projetos sobre o tema terem sido apresentados por parlamentares ligados a alguma igreja cristã reforça o temor de que o Escola sem Partido seja uma “Lei da Mordaça”.
É um retrocesso absoluto. Não se pode tratar de questões de gênero ou da evolução humana, por exemplo. Na prática, não se pode debater assunto nenhum. Porque tudo vai contrariar crenças. O projeto determina que você deve respeitar os valores de cada aluno. Isso é obrigação da escola, mas ela precisa promover o debate de forma a que nossas crianças cresçam respeitando as diferenças e diversidade que temos no mundo”, avaliou a diretora do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF) Rosilene Corrêa.
A escola não tem incumbência de doutrinar a pessoa nem de respeitar a doutrinação religiosa da família. A escola educa. E para educar ela tem de transmitir conhecimento que tem base científica”, afirmou.
O ensino religioso está previsto na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases (LDB). O Decreto Federal 7.107, de 2010, determina o ensino religioso “católico e de outras confissões religiosas” como”disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”. E o Projeto de Lei 309, de 2011, do deputado Marco Feliciano (PSC-SP), eleva a matéria a “disciplina obrigatória nos currículos escolares do ensino fundamental” e regulamenta o exercício da docência deste conteúdo. A proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) o propõe como conteúdo dos nove anos do ensino fundamental.
Na semana passada foi lançada uma Frente Nacional contra o Projeto Escola sem Partido, com o objetivo de esclarecer a população sobre o tema, participar de audiências e debates sobre a proposta e pressionar por seu arquivamento em todas as casas legislativas onde estiver em tramitação. No Facebook, a página Professores contra o Escola sem Partido divulga debates e denuncia o surgimento ou aprovação de propostas relacionadas com o projeto.
Fonte: Sul21, por Rodrigo Gomes, 20/07/2016