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quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Geneticista molecular contesta a ideia surreal de mulher como um mero sentimento dos dias atuais

Peter Boghossian entrevista geneticista molecular

Em espécie de debate, promovido pelo filósofo e pedagogo Peter Boghossian em Berkeley, Universidade da Califórnia, em 19/04/2022, uma geneticista molecular respondeu porque discorda veementemente que transfemininas sejam consideradas legalmente mulheres.

Peter Boghossian: Por que você discorda de que trans sejam tratadas legalmente como mulheres? 

Entrevistada: porque eu sou uma geneticista molecular. Ser do sexo feminino ou masculino é um processo de desenvolvimento, não há como retroceder nele. Você não pode mudar de sexo. Não pode fazer isso.

A verdade é que atualmente, nas prisões da Califórnia e em prisões de outras partes do país, mulheres estão sendo engravidadas por outras "mulheres". E não tem jeito, isso é contra a Organização das Nações Unidas... Depois da II Guerra Mundial, se não me engano a Corte de Haia (órgão judiciário da Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu que prisioneiras não podem ser alocadas com prisioneiros porque elas são estupradas. E isso está acontecendo hoje.

Meu coração acelera quando vou ao vestiário da academia e encontro um cara lá colocando maquiagem e brincos de argola, algo que mulheres não fazem quando vão malhar. Nem mulheres batem umas nas outras até a morte. Homens fazem isso.

É tão triste que as mulheres tenham internalizado a misoginia a tal ponto que o conforto dos homens tenha precedência sobre a segurança das mulheres. Há uma razão para mulheres não estarem numa prisão masculina: porque homens batem uns nos outros até a morte. Mulheres não fazem isso.

Peter BoghossianHaveria alguma coisa que lhe faria mudar seu ponto de vista? Alguma coisa que escutou dos outros entrevistados a faria mudar alguma coisa em sua oposição à ideia de trans serem consideradas legalmente mulheres? Tudo bem dizer que não. Só estou tentando entender.

Entrevistada: Ah, eu refleti bem sobre isso.

Peter Boghossian: Tem certeza?

Entrevistada: Tanta quanto sobre essa mão aqui em frente ao meu rosto ser minha e não sua. Absolutamente. 

quinta-feira, 31 de março de 2022

Câmara retira exigência medieval de autorização do marido para que mulher faça laqueadura

Laqueadura obstrui as trompas e evita o encontro entre óvulos e espermatozoides (Foto: Editoria de Arte/O Globo) - Fonte: Revista Cenarium

Esposas também não precisarão dar aval para vasectomia. Proposta permite também que o  procedimento seja feito durante a cirurgia do parto. Texto segue para o Senado.

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (8), Dia das Mulheres, um projeto de lei que retira da legislação a exigência de consentimento do cônjuge para a esterilização voluntária. No caso de uma mulher casada, a legislação atual exige a autorização do marido para a realização de laqueadura tubária. O texto segue para o Senado.

Atualmente, a legislação determina que, se forem casados, tanto o homem quanto a mulher precisam do consentimento expresso do cônjuge para a esterilização. A proposta retira essa exigência, inclusive no caso do homem que quiser fazer vasectomia.

Outra mudança prevista no texto é a possibilidade de que a cirurgia de laqueadura seja feita durante o período do parto. Neste caso, a mulher deve fazer o pedido com pelo menos seis meses de antecedência em relação ao parto e devem ser observadas as "devidas condições médicas".

A legislação atual veda esse tipo de procedimento durante os períodos de parto ou aborto, "exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores".

A proposta também reduz de 25 para 21 anos a idade mínima para a realização de esterilização voluntária, tanto para homens quanto para mulheres.

Atualmente, a legislação prevê o procedimento para homens e mulheres maiores de 25 anos ou, pelo menos, com dois filhos vivos. Contudo, segundo a relatora, "são frequentemente manifestadas também as dificuldades de pessoas maiores de 21 anos que já têm três filhos".

Prazo para método contraceptivo

A proposta também estabelece um prazo máximo para a disponibilização de qualquer método e técnica de contracepção.

Ao justificar a inclusão da proposta, a relatora da matéria, deputada Soraya Santos (PL-RJ), cita como exemplo a inserção do Dispositivo Intrauterino (DIU), cuja "dificuldade para o procedimento é marcante".
Assim, sinalizamos aos serviços de saúde que o prazo máximo para que sejam disponibilizados deve ser de trinta dias. Temos a certeza de que é possível a organização nesse sentido", escreveu.
Planejamento familiar

Os senadores aprovaram também nesta terça-feira (8) uma proposta que altera a lei do planejamento familiar e proíbe a recusa injustificada da oferta dos métodos e técnicas contraceptivos por parte dos serviços de saúde e das empresas de plano de saúde.

Pela proposta, que vai à Câmara, será punido com multa quem impedir ou dificultar, sem a devida justificativa, o acesso aos métodos de planejamento familiar.

O texto também exclui da lei do planejamento familiar trecho que prevê que, no casamento, o processo de esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges.

Clipping Câmara retira exigência de autorização do marido para que mulher faça laqueadura, por Elisa Clavery, G1, 08/03/2022

terça-feira, 22 de março de 2022

Os longos 90 anos do sufrágio feminino no Brasil e algumas de suas protagonistas

I Congresso Internacional Feminista no Rio de Janeiro: evento contou com presença da sufragista americana Carrie Chapman Catt (ao centro, ao lado de Bertha Lutz) Arquivo Nacional
Estudar, trabalhar, votar, divorciar-se. As brasileiras do começo do século 19 não tinham nenhum desses direitos.

Até 1830, pra se ter ideia, a lei permitia que os maridos castigassem fisicamente as esposas, uma herança das Ordenações Filipinas, um conjunto de leis de origem espanhola adotada por Portugal e implantada no Brasil colônia.

Até 1962, as mulheres casadas precisavam de autorização formal dos maridos para trabalhar - o Código Civil de 1916 via a mulher como incapaz para realizar certas atividades.

Nas escolas, até 1854 as meninas aprendiam corte, costura e outras "prendas domésticas", enquanto aos meninos se ensinava ciências, geometria e operações mais avançadas de matemática. Depois que o currículo foi unificado no ensino básico, ainda foram necessárias várias décadas até que as mulheres tivessem acesso mais amplo às universidades, algo que só ocorreu depois de 1930.

O direito de votar veio em 1932 - com a promulgação do decreto nº 21.076 no dia 24 de fevereiro, há exatos 90 anos -, como mais um capítulo de uma história longa, que vai muito além do acesso às urnas.

Participantes do II Congresso Internacional Feminista no Recreio dos Bandeirantes (RJ): conquista do foto teve muitas protagonistas
Conheça, a seguir, 4 mulheres protagonistas desse processo.

Nísia Floresta, uma das precursoras dos movimentos de lutas por direitos das mulheres
Nísia Floresta: o acesso à educação

Uma das precursoras dos movimentos pela conquista dos direitos das mulheres no Brasil viveu um século antes da promulgação do voto feminino.

Dionísia de Faria Rocha, que se tornaria conhecida pelo pseudônimo Nísia Floresta Brasileira Augusta, nasceu em Papari, no interior do Rio Grande do Norte, em 1810.

Numa época em que a vida das mulheres estava circunscrita basicamente à esfera doméstica, como esposas e mães, Nísia foi um ponto fora da curva. Foi do Rio Grande do Norte para Pernambuco, para o Rio Grande do Sul, para o Rio de Janeiro.

Amantine Lupin (George Sand)
Viveu anos na Europa, onde transitava por círculos de intelectuais com nomes como Almeida Garret, Alexandre Herculano, Alexandre Dumas, Victor Hugo e Amandine Dupin - que se apresentava como George Sand, pseudônimo masculino que usava para assinar seus livros, algo que não era incomum naquela época.

Teve 15 livros publicados e escreveu uma tradução livre da obra Vindication of the Rights of Woman, da escritora inglesa Mary Wollstonecraft, intitulada Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens.

Vanguardista, Wollstonecraft chegou a publicar um livro em resposta aos escritos do filósofo Jean Jacques Rousseau, que afirmava, em Émile, ou da Educação, que a mulher, por ser intelectualmente inferior ao homem, deveria receber uma educação superficial, com ênfase maior na educação moral.

Ainda que não repetisse o discurso de rompimento da intelectual inglesa, Nísia defendia que as mulheres tivessem acesso à mesma educação que os homens.

Foi professora e fundou, em 1838, no Rio de Janeiro, um colégio para meninas com um currículo que ia bem além das aulas de corte, costura e boas maneiras previstas na lei. O programa do Colégio Augusto incluía latim, francês, italiano e inglês - tanto gramática quanto literatura -, geografia e história.

Apesar de não ter eliminado as aulas de "prendas femininas", o fato de dar às meninas instrução bem mais ampla que o comum da época fez da escola alvo de duras críticas dos jornais cariocas durante os 18 anos em que esteve em funcionamento.

Na edição de 2 de janeiro de 1847 do jornal O Mercantil, um comentário sobre os exames finais em que várias alunas haviam sido premiadas com distinção alfinetava: "trabalhos de língua não faltaram; os de agulha ficaram no escuro. Os maridos precisam de mulher que trabalhe mais e fale menos". O trecho foi destacado pela pesquisadora Constância Lima Duarte, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em sua tese de doutorado (Nísia Floresta: Vida e Obra).

As escolas praticamente não existiam no Brasil colônia, muito menos o ensino obrigatório - a educação estava nas mãos da igreja Católica, que em seus conventos e seminários lecionava a poucos alunos.

Com a vinda da Corte para o Brasil, em 1808, o ensino começa a se difundir no país, especialmente entre as famílias ricas, que costumavam contratar professoras estrangeiras (francesas e portuguesas, principalmente) para que ensinassem aos filhos dentro de casa.

A primeira grande legislação sobre educação só é promulgada depois da independência, em 1827, durante o período do Primeiro Império. É ele que estabelece que o ensino para meninos e meninas deveria ser diferenciado.

Em matemática, por exemplo, os cursos para meninas só deveriam cobrir as quatro operações básicas - somar, subtrair, multiplicar e dividir -; enquanto aqueles para meninos incluíam geometria, frações, proporções, números decimais. A lei só unificaria os currículos quase 30 anos depois, em 1854.

A pesquisadora Mônica Karawejczyk, que há 15 anos estuda a questão do voto feminino no Brasil, pontua que Nísia não chegou a defender o voto feminino.
Ela pedia outras coisas porque aquela era uma época em que a mulher não tinha direito a quase nada. Só em 1827 tiveram direito ao ensino primário, e mesmo assim não era igual [ao currículo masculino]."
A educação, entretanto, é um grande catalisador das transformações que aconteceriam nas décadas seguintes - e, por isso, o ativismo de Nísia e de outras mulheres nesse sentido é considerado fundamental para os avanços que vieram depois.
No momento em que a mulher tem acesso à educação, quando começa a ler, se instruir, começa a querer outras coisas: 'Por que ele tem direito e eu não tenho?', 'Por que ele pode fazer Medicina e eu não?' A partir daí, começa a haver uma maior conscientização sobre essas questões", ressalta a pesquisadora, autora do livro Mulher Deve Votar?: o Código Eleitoral de 1932 e a Conquista do Sufrágio Feminino Através das Páginas dos Jornais Correio da Manhã e A Noite.

Leolinda de Figueiredo Daltro
Leolinda de Figueiredo Daltro: o primeiro partido feminino

Uma mulher que fez muitas dessas perguntas foi a baiana Leolinda de Figueiredo Daltro, que nasceu cerca de 50 anos depois de Nísia, em 1859.

Também professora, seu principal foco no âmbito do magistério eram os indígenas. Leolinda defendia que eles fossem incorporados à sociedade brasileira por meio do ensino laico, desligado da igreja - em uma época em que praticamente todas as iniciativas nesse sentido eram dominadas por agremiações católicas, como os jesuítas.

Após a proclamação da República, nos anos 1890, chegou a percorrer o interior do país por alguns anos alfabetizando comunidades indígenas.

Já separada do segundo marido e com 5 filhos - os quais sustentava com seu salário -, a própria forma como levava a vida afrontava os costumes da época. E foi experimentando as barreiras que se colocavam às mulheres pelo simples fato de serem mulheres que Leolinda se voltou para as questões de gênero.

Em setembro de 1909, foi impedida de apresentar um trabalho no primeiro Congresso Brasileiro de Geografia por ser mulher, relata a historiadora Eliane Rocha em sua tese de doutorado (Entre a Pena e a Espada - A Trajetória de Leolinda Daltro: 1859-1934). Por essa mesma razão, nunca foi nomeada oficialmente como "catequista leiga ou diretora de índios", cargos aos quais sempre almejou.
Ela percebeu que precisaria mudar as leis para poder se inserir no espaço público", destaca Karawejczyk, que também escreveu sobre Leolinda em sua tese de doutorado (As Filhas de Eva Querem Votar: dos Primórdios da Questão à Conquista do Sufrágio Feminino no Brasil).
Assim, morando no Rio de Janeiro, em 1910 ela funda o Partido Republicano Feminino (PRF), o primeiro com esse perfil montado no Brasil - e não formalmente reconhecido como partido, já que nem direito a voto as mulheres tinham ainda (uma das demandas, claro, do PRF).

Leolinda Daltro (segunda, da esq. para dir.) em evento do PRF, em foto publicada no jornal O Malho
Ela e todas aquelas mulheres começaram a frequentar as sessões parlamentares, vaiavam, aplaudiam. Elas tiveram muita coragem de se colocar e exigir esses direitos políticos", diz a pesquisadora.
Por causa do estilo confrontativo, Leolinda era constantemente chamada pelos desafetos - e por boa parte da imprensa - de "Pankhurst brasileira", uma referência a Emmeline Pankhurst, uma das fundadoras do movimento sufragista na Inglaterra.

Emmeline Pankhurst T
  • he Women's Library 
  • LSE Library
  • Líder do Women's Social and Political Union (União Social e Política das Mulheres, WSPU), a britânica é um dos nomes mais célebres do que ficou conhecido como suffragettes, grupo que tinha um estilo de atuação mais combativo.

    Para pressionar os políticos e chamar atenção da opinião pública, as suffragettes faziam ações que iam desde interromper discursos de autoridades até acorrentar-se a portões de prédios públicos e atear fogo nas caixas de correio.
    Evento da WSPU com lema da entidade ao fundo: 'ações, não palavras' ('deeds not words')

    No Brasil, as sufragistas do PRF eram constantemente alvo de campanhas difamatórias e ridicularizadas nos jornais, ligadas pela opinião pública ao que Karawejczyk chama de "mau feminismo" - em oposição ao "bom feminismo" que caracterizaria o grupo da geração posterior à de Leolinda, como Bertha Lutz (leia mais abaixo).

    Leolinda "invadia espaços exclusivamente masculinos e expunha-se pessoalmente às críticas, sempre buscando chamar atenção para as desigualdades e injustiças", escreveu a historiadora Teresa Cristina de Novaes Marques, que há mais de 20 anos se dedica a pesquisar a história das mulheres, em um artigo na revista Gênero em 2012.

    Entre os exemplos, a pesquisadora cita o episódio do Congresso Pan-Americano realizado no Rio de Janeiro em 1906, em que a ativista levou consigo um grupo de sete indígenas para assistir ao evento.

    Nos anos 1920, Leolinda começa a se afastar aos poucos da vida pública. Isso não impediu, entretanto, que ela não apenas votasse nas eleições de 1933, como também se candidatasse a deputada federal - sem conseguir, contudo, se eleger.

    Bertha Lutz era filha do médico Adolfo Lutz
    Bertha Lutz: o primeiro congresso feminista

    A bióloga Bertha Maria Júlia Lutz tinha o estilo oposto do de Leolinda. Avessa ao conflito direto, preferia os pronunciamentos públicos, cartas à imprensa e a busca de apoio de lideranças masculinas - e fazia questão de deixar clara essa distância.

    A professora da Universidade de Brasília (UnB) Teresa Cristina de Novaes Marques conta que se surpreendeu quando começou a pesquisar no Arquivo Nacional os documentos da Federação Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF) - fundada por Bertha - e não localizou uma menção a Leolinda, a não ser um pequeno obituário.
    Para mim era tão natural, eu achava que iria encontrar uma homenagem a dona Leolinda como sendo a precursora", comenta a historiadora, autora do livro Bertha Lutz.

    Mas ela [Leolinda] era uma pessoa tóxica para os propósitos da Bertha, porque atraía uma imprensa jocosa."
    Essas e outras nuances têm vindo à tona nas últimas décadas, à medida que mais pesquisadores se dedicam a reconstruir a história dos movimentos de luta pelos direitos das mulheres no Brasil e lá fora.

    Nascida em 1894, Bertha entra em cena em um momento em que o movimento feminista da América Latina vinha se internacionalizando e já estava integrado às redes europeias.

    Ela mesma tinha vivido em Paris, na França. Formou-se na prestigiosa Universidade Sorbonne e, em 1918, volta ao Brasil. No Rio de Janeiro, começa a trabalhar como assistente do pai, o célebre médico de ascendência suíça Adolfo Lutz, na seção de zoologia do Instituto Oswaldo Cruz.

    Em um período em que a Ciência é monopolizada por homens, ela teve dificuldade para se estabelecer como cientista - um dos fatores, inclusive, que a impele para a atividade política.
    A Bertha é uma pessoa estudada, mas não é uma pessoa de dinheiro - essa ressalva é importante. Então ela precisava trabalhar. Por que ela entra no feminismo? Porque quer ter uma oportunidade de trabalho digna para sua formação", destaca Marques.
    Em 1919, funda então a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher (LEIM), que tinha, entre seus objetivos, articular a aprovação do sufrágio feminino.

    Em 1922, participa de uma grande conferência feminista em Baltimore, nos Estados Unidos, a Conferência Pan-Americana de Mulheres - onde se encontra com a sufragista americana Carrie Chapman Catt, com quem se correspondia por cartas e que elegeria como uma espécie de mentora.

    Naquele mesmo ano, a LEIM vira a Federação Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF) e organiza o Primeiro Congresso Internacional Feminista do Brasil, no Rio de Janeiro.

    A ideia era marcar as celebrações do centenário da independência, para que elas e o evento tivessem uma projeção na imprensa", conta Marques.

    Àquela altura, a demanda pelo voto feminino estava longe de ser um assunto novo para os políticos brasileiros. Há décadas aparecia nas discussões do Legislativo, inclusive durante a Assembleia Constituinte que redigiu a primeira Constituição da República de 1891, quando prevaleceu a posição daqueles que eram contrários ao direito do sufrágio às mulheres.

    Ante as tentativas mal-sucedidas, a pressão foi crescendo com os anos. A partir da década de 1920, mulheres em diferentes regiões do país chegaram a entrar na Justiça para reivindicar o alistamento eleitoral - isso porque a legislação brasileira era ambígua, não afirmava expressamente que o voto era proibido às mulheres.

    Entre elas estiveram Diva Nolf Nazário e Adalzira Bittencourt em São Paulo e Celina Guimarães e Júlia Barbosa no Rio Grande do Norte, como relata Marques no livro O Voto Feminino no Brasil, disponível para download gratuito e com mais de 100 mil acessos desde que foi publicado.

    Em 1930, o Brasil assiste ao golpe de Estado que coloca Getúlio Vargas no poder. No ano seguinte, as representantes da federação conseguem uma audiência com o presidente e, finalmente, em 1932, o voto feminino aparece no decreto do novo Código Eleitoral, publicado em 24 de fevereiro.

    Naquele momento ainda não houve, contudo, popularização do voto. Tanto para mulheres quanto para homens, ele era restrito aos cidadãos alfabetizados, regra que, na prática, excluía boa parte da população pobre.

    Almerinda Gama Foto: CPDOC – FGV

    Almerinda Gama: feminismo sindicalista

    A datilógrafa e escritora Almerinda Farias Gama foi uma das filiadas da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF). Sua trajetória, contudo, foi bastante diferente da de Bertha.

    Ela veio de uma família com muitas mulheres. E mulheres que arrimam [eram o sustento da casa]. A tia era uma médica influente em Belém - então ela tinha exemplos de mulheres fortes", diz Marques, que orientou o mestrado da pesquisadora Patrícia Cibele da Silva Tenório sobre a ativista.

    Almerinda faz treinamento para ser datilógrafa e se aborrece quando começa a procurar emprego e percebe que repetidamente lhe oferecem salários inferiores aos pagos aos homens.

    Em busca de melhores condições, deixa o Pará e parte para o Rio de Janeiro, onde morava seu irmão. Lá, conhece o movimento feminista e se aproxima da FBPF, atraída por pautas como a de igualdade salarial defendidas pelas associadas.

    Entre as muitas funções que desempenhou na federação, era o "elemento de ligação" entre a entidade e a imprensa carioca, conta a pesquisadora.
    Ela era uma pessoa dinâmica. Não só datilografava, escrevia também - já escrevia na imprensa paraense. Então ela conhecia o pessoal da imprensa."
    Almerinda entrava nas redações e conversava com os jornalistas na esperança de convencê-los a publicar "notinhas" sobre a federação.
    E aquela simpatia que dona Almerinda era…as pessoas cediam", diz a historiadora.
    Em paralelo, teve uma trajetória importante como sindicalista. Ajudou a fundar e foi a primeira dirigente do Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos do Distrito Federal. Como líder sindical, foi a única mulher a votar como delegada eleitora na Assembleia Nacional Constituinte de 1933.

    Em 1934, afasta-se da federação, entre outras razões, por achar que ela vinha perdendo seu caráter mais combativo, como relata Tenório em sua dissertação (A Vida na Ponta dos Dedos: A trajetória de Vida de Almerinda Farias Gama (1899-1999) - feminismo, sindicalismo e identidade política).

    A partir daí, segue trabalhando como datilógrafa e passa a atuar cada vez mais próximo dos sindicatos e de um núcleo do movimento negro em Madureira, no subúrbio do Rio.

    Perto dos 50 anos, Almerinda consegue finalmente erguer sua casa própria, no bairro do Méier, também no subúrbio do Rio - um espaço que acabou usando para acolher muitos migrantes e quem precisasse de "pouso" no Rio de Janeiro.
    Muita gente passou pela casa da dona Almerinda, que era uma casa de portas abertas", destaca Marques.
    A Bertha era uma pessoa que fazia política pelos canais tradicionais - escrevia, se manifestava, pedia audiência. A dona Almerinda fazia política com suas escolhas pessoais."
    Clipping 90 anos do sufrágio feminino no Brasil: 4 ícones da longa luta das mulheres pelo direito ao voto, por  Camilla Veras Mota, BBC News Brasil, 24/02/2022 

    terça-feira, 3 de março de 2020

    O século 21 deve ser o século da igualdade entre mulheres e homens, segundo secretário-geral da ONU

    O secretário-geral da ONU, António Guterres, explica seu compromisso com a igualdade de gênero na The New School, em Nova Iorque. Foto: ONU/Mark Garten
    O secretário-geral da ONU, António Guterres, explica seu compromisso com a igualdade de gênero na The New School, em Nova Iorque. Foto: ONU/Mark Garten
    O século 21 deve ser o século da igualdade entre mulheres e homens, disse na quinta-feira (27) o secretário-geral da ONU, António Guterres, em um apelo para transformar o mundo, garantindo a participação igualitária para todos.

    Falando a professores e alunos da The New School, uma universidade na cidade de Nova Iorque, o chefe da ONU declarou-se feminista orgulhoso e pediu aos homens em todos os lugares apoio aos direitos das mulheres.
    Assim como a escravidão e o colonialismo eram uma mancha nos séculos anteriores, a desigualdade das mulheres deveria nos envergonhar no século 21. Porque não é apenas inaceitável; é estúpido”, disse.
    Para o chefe da ONU, a desigualdade de gênero e a discriminação contra mulheres e meninas continuam sendo uma injustiça em todo o mundo.
    Desde a ridicularização das mulheres como histéricas ou hormonais, até o julgamento rotineiro das mulheres com base em sua aparência; dos mitos e tabus que cercam as funções corporais naturais das mulheres, ao ‘mansplaining’ e à culpabilização da vítima — a misoginia está em toda parte”, disse ele.
    No cerne da questão está o poder, pois as estruturas de poder dominadas por homens sustentam tudo, desde economias nacionais, sistemas políticos, mundo corporativo e além. Mas ele ressaltou que o patriarcado também tem impacto sobre homens e meninos, prendendo-os em rígidos estereótipos de gênero, enquanto uma mudança sistêmica está muito atrasada.
    É hora de parar de tentar mudar as mulheres e começar a mudar os sistemas que as impedem de alcançar seu potencial. Nossas estruturas de poder evoluíram gradualmente ao longo de milhares de anos. Uma evolução adicional está atrasada. O século 21 deve ser o século da igualdade para as mulheres”, afirmou.
    Problemas criados pelo homem, ‘soluções lideradas por humanos’

    O desmantelamento da desigualdade de gênero transformará o mundo, afirmou o chefe da ONU, e é fundamental para resolver desafios globais como conflitos e violência, assim como a crise climática.

    Também ajudará a diminuir a desigualdade digital, levar a uma globalização mais justa e aumentar a representação política.
    A oportunidade dos problemas criados pelo homem — e eu escolho essas palavras deliberadamente — é que eles têm soluções conduzidas por humanos”, disse ele.
    Enquanto as Nações Unidas completam 75 anos este ano, o organismo global está adotando amplas medidas para apoiar os direitos das mulheres, continuou ele.

    O mês passado marcou o início de uma Década de Ação para alcançar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), destinados a construir sociedades pacíficas, prósperas e inclusivas, além de proteger o planeta.

    A Década de Ação visa transformar instituições e estruturas, ampliar a inclusão e impulsionar a sustentabilidade.
    Revogar leis que discriminam mulheres e meninas; aumentar a proteção contra a violência; diminuir a desigualdade na educação e no acesso às tecnologias digitais das meninas; garantir acesso total aos serviços e direitos de saúde sexual e reprodutiva e acabar com as disparidades salariais entre homens e mulheres são apenas algumas das áreas que estamos mirando”, disse ele.
    No nível pessoal, o secretário-geral da ONU se comprometeu a aprofundar seu compromisso de destacar e apoiar a igualdade entre mulheres e homens durante o restante de seu mandato.

    Ele tomará medidas em nível global, como exigir mudanças de governos que têm leis discriminatórias, e dentro da ONU, fortalecendo o trabalho sobre os vínculos entre a violência contra as mulheres e a paz e a segurança internacionais.
    A igualdade entre mulheres e homens é uma questão de poder; poder que tem sido zelosamente guardado pelos homens por milênios. Trata-se de um abuso de poder que está prejudicando nossas comunidades, nossas economias, nosso meio ambiente, nossos relacionamentos e nossa saúde”, disse Guterres.
    Clipping  ‘O século 21 deve ser o século da igualdade para as mulheres’, diz chefe da ONU

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