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sexta-feira, 18 de abril de 2025

As garotas atropeladas, a imprensa irresponsável e os apologistas da imprudência

O artigo 254 do Código de Trânsito Brasileiro afirma que
é proibido ao pedestre VI – desobedecer à sinalização de trânsito específica
A imprensa brasileira anda de mal a pior. Quando não é chapa-branca, é desinformativa. Há mais de 2 anos, vivemos com o factoide da tentativa de golpe bolsonarista que não aconteceu. A cúpula bolsonarista até cogitou, planejou uma quebra institucional, em dezembro de 22, mas nada foi executado por falta de apoio. E se nada foi executado, por óbvio não houve sequer tentativa. A baderna da turba bolsonarista do dia 8/1/23 foi vandalismo, alguma pichação e micagens em frente de quartel, mas nada disso é capaz de produzir um golpe de estado. Acusam os bolsonaristas de um crime impossível, com a ajuda da imprensa sucursal de governo e de juízes politiqueiros.

Casamento de imprudências

Agora, duas jovens, Isabelli Helena de Lima Costa e Isabela Priel Regis, de 18 anos, foram atropeladas, em 9 de abril de 2025, na Avenida Goiás de São Caetano do Sul, cidade do ABCD paulista com um dos maiores índices de desenvolvimento humano do país. A tragédia decorreu da imprudência das moças, que atravessaram a faixa de pedestres com o sinal fechado para elas, e da irresponsabilidade de um celerado, Breno dos Santos Sampaio, de 26 anos, dirigindo a altíssima velocidade dentro de perímetro urbano (mais de 100 por hora). A culpa do sujeito é inequívoca. Quanto maior a velocidade, maior o risco de se produzir acidentes fatais.

Se bem que, num aparte, já presenciei uma mulher ser atropelada na Av. Paulista (em frente à Faculdade Cásper Líbero), em meio a um congestionamento, porque ela decidiu cruzar a avenida entre os carros e não na faixa de pedestres. Na primeira andada a mais que os carros deram, ela foi atingida, embora a velocidade máxima fosse de uns 40 por hora.

Imprensa irresponsável negligenciando imprudência de pedestre

Então, no caso das garotas de São Caetano, não vi ninguém questionar a culpa do motorista. Problema é que a imprensa resolveu passar pano total para a imprudência das garotas. As manchetes se tornaram exclusivamente do tipo “duas jovens foram mortas na faixa de pedestres por motorista que dirigia em alta velocidade em São Caetano do Sul.” O “detalhe”, nada irrelevante para entender a tragédia, de que elas atravessaram a avenida de três faixas com o sinal vermelho ou desapareceu ou ficou perdido no meio de textos mais preocupados em dizer que o pedestre tem preferência na faixa de pedestres mesmo com o sinal vermelho para ele. Em outras palavras, a culpa do desastre teria sido exclusivamente do motorista por estar correndo demais, embora o sinal estivesse verde para ele.

A história de que o pedestre tem preferência absoluta na faixa de pedestres está mal contada e induz as pessoas a erro. Quando há semáforo em ruas e avenidas, tanto motoristas quanto pedestres TÊM QUE RESPEITAR O SINAL correspondente. Os carros só podem seguir com o semáforo verde, os pedestres só podem atravessar com o sinal verde para eles. Apenas no caso de o pedestre ter atravessado direitinho no sinal verde para ele, mas no final de sua travessia o sinal mudar para o vermelho, os carros devem esperar até que termine sua passagem, mesmo que o semáforo esteja verde para os veículos. Obviamente, trata-se da situação em que os carros estão esperando no semáforo sua hora de passar, atrás da faixa de pedestres.

No caso das garotas, contudo, elas começaram a travessia com o sinal vermelho para elas - um primeiro carro já passou em boa velocidade em sua frente nessa trajetória - e foram atropeladas quando o sinal continuava vermelho. Mesmo depois da colisão, o sinal levou ainda alguns segundos para ficar verde para os pedestres. Isso significa que o sinal estava verde para o motorista (como ele afirma), ou mudando para o amarelo (como afirma a polícia) no momento da colisão. Como disse, a culpa do motorista é inequívoca, por estar trafegando em alta velocidade em via urbana, o que facilitou a tragédia, mas não é possível nem responsável ignorar a imprudência das garotas. Imprudência seguramente derivada do hábito que pedestres têm no Brasil de atravessar ruas e avenidas com sinal vermelho para eles.

Os surreais apologistas da imprudência

Entretanto, seja por esse mau hábito de não respeitar sinal vermelho e/ou por causa da história mal contada de que o pedestre sempre tem razão mesmo quando tenta se jogar embaixo de um carro, um bocado de gente parece ter se identificado com o comportamento imprudente das garotas e decidiu transformar o sem noção do motorista no único vilão da história. Algo que, objetivamente falando, só teria sentido se o motorista tivesse perdido o controle do carro, por estar em altíssima velocidade, invadido a calçada onde estavam as moças, que estariam responsavelmente esperando o sinal abrir para elas, e as atropelado ali mesmo. Casos assim já aconteceram de fato e não são, infelizmente, incomuns, acrescidos muitas vezes do agravante do motorista estar bêbado.

Não foi o que aconteceu, claro, no caso em pauta, mas, no clima histérico e maniqueísta que transforma qualquer assunto em briga de torcida nas redes sociais, as gurias viraram as inocentes mártires do trânsito insano do país, o motorista, um monstro digno de linchamento e qualquer pessoa apontando que essa dicotomia não se sustenta virou passadora de pano para o criminoso assassino de donzelas. A situação foi tomando ares cada vez mais surreais com gente afirmando que identificar a participação das gurias no próprio infortúnio era a demonstração de que o Brasil é um país bárbaro, desumano que jamais atingirá a civilização. É para acabar.

Lembrei do choque civilizatório que sofri quando estive em Genebra, na Suíça, a terra dos relógios, chocolates e bancos. Foram vários os choques, entre eles, para não sair muito do tema dessa postagem, o comportamento dos suíços em frente a uma faixa de pedestres. Fiquei parada com eles e uma amiga brasileira na calçada de uma dessas faixas esperando o sinal ficar verde para atravessar uma rua de duas mãos relativamente larga. Não vinha viva alma de carro em nenhuma das direções da rua, e eu já querendo atravessar, mas nenhum nativo moveu um músculo nesse sentido, e, por constrangimento, nem eu. Só quando o sinal abriu mesmo, o pessoal atravessou a faixa diante de um ou dois carros que enfim haviam aparecido.

Isso foi há muito tempo e não sei se, hoje, com a política de imigração em massa criando sérios problemas culturais e sociais na Europa, continua havendo essa demonstração de civilidade em Genebra. Você pode até achar exagerado pedestre não atravessar rua mesmo não havendo carro algum à vista, mas isso sim é exercício de civilidade, mesmo porque a gente não fica horas parada na calçada, ao contrário do que os apologistas da imprudência andaram dizendo em torno da tragédia envolvendo as garotas.


Nota: Por coincidência, entrando hoje, dia 21/04/2025, no X, me deparei com esse vídeo do perfil Rafael Zattar impressionado com o fato dos europeus, no caso espanhóis, não cruzarem a faixa mesmo não avistando carro por perto. Então, parece que os europeus permanecem civilizados. 

Como já disse anteriormente, esse pessoal identificado com a imprudência das gurias, certamente pelo costume de também atravessar ruas com o sinal fechado, saiu dizendo que qualquer pessoa teria atravessado a faixa porque ninguém iria ficar plantado numa esquina tarde da noite sem ver carro à vista. Que era hipócrita e idiota (sic) quem argumentava que elas deveriam pelo menos ter olhado melhor antes de atravessar porque as gurias não poderiam calcular que numa via com limite de 50 a 60 por hora iriam se deparar com um motorista a mil por hora e não tinham como avistá-lo(sic).

Sério que há tempos não lia tal cascata de bobagens falaciosas e, ainda por cima, vinda de gente resmungando que o Brasil está condenado à barbárie enquanto, ao mesmo tempo, referenda, paradoxalmente, comportamentos irresponsáveis no trânsito. Para começar, ninguém fica plantado na calçada em frente de faixa de pedestres em qualquer horário. O tempo médio de espera para atravessar, segundo o Estatuto do Pedestre, deve ser de um minuto e meio, mas a ONG  Instituto Corrida Amiga encontrou um tempo de espera de abertura de dois minutos e 11 segundos, em uma pesquisa com 167 semáforos analisados em 21 cidades de seis Estados. A partir dessa pesquisa, a ONG também relatou que o sinal verde para os pedestres atravessarem leva uma média entre 7 a 10 segundos aberto, tempo ínfimo considerando a diversidade etária e de mobilidade física dos pedestres. Não por menos, quando na travessia em semáforo, como comentei anteriormente, os motoristas devem esperar o pedestre concluir a passagem mesmo que o sinal já esteja verde para os carros. De qualquer forma, desde quando 2 minutos de espera para atravessar uma avenida pode ser encarado como ficar plantado numa esquina, principalmente considerando que disso pode depender sua vida? E, no caso das jovens, elas estavam numa avenida bem iluminada com bastante gente circulando ainda, apesar de ser cerca de 23:00. Não havia qualquer pressão extra para que arriscassem a vida cruzando a faixa de pedestres no vermelho.

Quanto a chamar de idiota e hipócrita a sensata ponderação de que as garotas ao menos deveriam ter olhado melhor antes de atravessar porque supostamente elas não teriam como identificar o perigo do motorista a mil por hora, vale lembrar que, primeiro, exatamente porque não há como saber  que tipo de motorista está trafegando e em que velocidade, não se deve atravessar faixa de pedestres no vermelho. Aliás, qual o sentido de ir para uma faixa de pedestres para passar no vermelho? Em termos de segurança, são duas atitudes que se anulam. Depois, que, no caso das das jovens de São Caetano, elas só olharam uma vez na direção de onde vinham os carros antes de iniciar a travessia. Nenhuma outra vez, embora a recomendação das autoridades de trânsito aos pedestres é de sempre atravessar em sua faixa respectiva, respeitar a sinalização de trânsito, olhar para ambos os lados antes de atravessar e não correr.

Isabelli e Isabela morreram atropeladas em São Caetano do
  Sul ao atravessarem a faixa de pedestres com o sinal vermelho

 Os vídeos sinceros e as responsabilidades devidas

Observando dois vídeos que registraram mais do que a travessia propriamente dita das jovens rumo ao atropelamento, percebe-se em um (abaixo) que elas vêm caminhando pela calçada enquanto alguns carros e uma moto, que estavam parados no semáforo, iniciavam a partida porque o sinal de pedestres já estava no vermelho. Quando elas chegaram na faixa de pedestres, o sinal continuava vermelho para elas, mas elas apenas deram uma olhada na direção de onde vinham os carros e iniciaram a travessia. Aí temos o primeiro carro que passa em boa velocidade na frente delas, e o próximo que as atropela. Apenas um segundo antes da colisão, a garota de blusa preta olha na direção da trajetória dos carros quando parece se dar conta do veículo que ia atropelá-la (de arrepiar). A outra nem isso. Então, procede a ponderação de que, ao menos, deveriam ter olhado melhor ao travessar. Quem sabe não teriam tido tempo de evitar a colisão quando ainda estavam na segunda faixa, sendo que o atropelamento foi na terceira?

No segundo vídeo, seguindo a marcação de tempo das imagens, elas foram atropeladas aos 7 segundos da travessia, e, 5 segundos depois, o sinal passa para o verde e permanece verde durante os 17 segundos restantes da gravação. Não dá para saber por quanto tempo o sinal fica verde ao todo porque o vídeo não vai até a nova mudança para o vermelho. No entanto, pode-se concluir que se elas tivessem esperados 12 segundos para atravessar no verde, elas não teriam cruzado com o celerado a mais de 100 p/hora. Elas somente teriam visto o carro passar voando, mas não teriam sido suas vítimas.

Portanto, mais uma vez, a tragédia que se abateu sobre as jovens começou, em primeiro lugar, com sua decisão imprudente de cruzar a avenida no vermelho e terminou com a irresponsabilidade do motorista trafegando a mais de 100 por hora em via urbana. Elas foram as protagonistas da tragédia, ele, o coadjuvante. Como elas morreram na flor da vida, o cara sobreviveu (o acidente poderia ter sido  fatal para ele também) e, em relação ao carro, o ser humano sempre é a parte mais frágil da situação, foi fácil transformar o motorista no boneco de Judas da história e o sair malhando a torto e a direito sem ver mais nada. Além disso, pelo histórico que se levantou dele, já vinha acumulando multas por excesso de velocidade e carma suficiente para produzir uma fatalidade, o que ampliou seu linchamento virtual. No entanto, com mais distanciamento emocional, repito, constata-se de forma irrefutável, pela marcação do tempo do vídeo, como já citado, que elas teriam sobrevivido a ele se tivessem esperado 12 segundos pelo sinal verde porque ele passou aos 7. O que custa esperar 12 segundos para garantir até possíveis 2.524.608.000 segundos de vida (80 anos)?

Como disse no início do texto, a imprensa foi muito irresponsável por espalhar a visão enviesada de que o pedestre tem a preferência em qualquer circunstância, mesmo atravessando no vermelho numa faixa de pedestres. Fiquei de cara ao ver um vídeo da Globo onde inclusive o repórter reconhecia que as garotas tinham atravessado no vermelho, mas como se fosse algo naturalíssimo e não tivesse a ver com a tragédia, embora haja sido o cerne dela. A imprensa perdeu a grande chance de enfatizar junto à população, com toda a delicadeza necessária pela dor das famílias das moças, que pedestres também precisam respeitar o sinal por uma questão de sobrevivência inclusive.

Parece que a péssima apuração dos fatos para a criação das reportagens, o espírito lacrador e a mentalidade maniqueísta, dicotômica e histérica vigentes em redes sociais, fora a malfadada sinalização de virtude,  ajudaram a produzir um clima nada propício, ao contrário do que andaram dizendo, a amenizar a barbárie do trânsito brasileiro com a qual motoristas e pedestres contribuem.  Só para citar um exemplo que questiona o mantra do “pedestre sempre tem preferência (duh!)” como desculpa para tudo, o artigo 254 do Código de Trânsito Brasileiro afirma que, entre outras coisas, é proibido ao pedestre V – andar fora da faixa própria, passarela, passagem aérea ou subterrânea; VI – desobedecer à sinalização de trânsito específica podendo até arcar com multa (que não creio que seja cobrada, mas deveria). Pedestre sempre tem preferência? Depende de onde ele está circulando (A legislação brasileira rege as normas que devem ser seguidas nas estradas, e os pedestres têm deveres assim como os automóveis).

Por fim, ainda houve os que levantaram uma suposta falta de empatia na indicação da participação das jovens na própria tragédia. Mas não é possível ter empatia com os mortos, só com os vivos. Pelos mortos, a gente tem respeito, quando se dão ao respeito, ou luto compassivo quando se vão, por exemplo, tão jovens por um ridículo descuido. O verdadeiro respeito que devemos ter por Isabelli Helena de Lima Costa e Isabela Priel Regis é no sentido de alertar a todas as pessoas, como deveria ter feito a imprensa, para que não cometam o mesmo erro que elas cometeram a fim de salvar suas vidas. Perder a vida por não esperar 12 segundos por uma mudança de sinal é de partir o coração em muitos pedaços. Quanto ao motorista, Breno dos Santos Sampaio, por sua participação nesse drama, espera-se que, no mínimo, perca a carta de habilitação mas também pague por homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar, de acordo com o Código Penal, no Art. 121). 

Código de Trânsito Brasileiro:

Art.70 Capítulo IV – DOS PEDESTRES E CONDUTORES DE VEÍCULOS NÃO MOTORIZADOS


Os pedestres que estiverem atravessando a via sobre as faixas delimitadas para esse fim terão prioridade de passagem, exceto nos locais com sinalização semafórica, onde deverão ser respeitadas as disposições deste Código.

Parágrafo único. Nos locais em que houver sinalização semafórica de controle de passagem será dada preferência aos pedestres que não tenham concluído a travessia, mesmo em caso de mudança do semáforo liberando a passagem dos veículos.

Portanto, faz-se necessário ressaltar que nos locais em que há sinalização semafórica, tanto o condutor como o pedestre, devem corresponder com as respectivas luzes.

Ou seja, se a luz do semáforo estiver vermelha para os condutores, significa que está no momento do pedestre atravessar; enquanto que quando a luz do semáforo estiver verde para os condutores, significa que os pedestres precisam esperar para alterar a sinalização. 

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