segunda-feira, 19 de junho de 2017

As Amazonas, além do mito

Meiramgul, aos 9 anos (1995), descendente das amazonas
Fui assistir a Mulher Maravilha e me encantar com a beleza da atriz Gal Gadot que interpreta a heroína. Como toda história de heróis tirados de HQ, o filme tem seus altos e baixos, mas algumas cenas realmente memoráveis como a luta das amazonas contra os soldados alemães que invadem Temiscira, a fala da mãe de Diana de que a humanidade não a merecia, e a cena em que a heroína sai da trincheira para atacar os inimigos e abrir caminho para seus amigos aliados. Uau! Gal Gadot só precisaria adquirir um pouco de músculos para ficar uma amazona perfeita. No mais, veio pra ficar.


E vendo as amazonas da ficção, lembrei deste texto, sobre as amazonas de carne e osso, que escrevi há oito anos, e resolvi repostá-lo. Trata-se da saga da arqueóloga Jeaninne Davis-Kimball que resolveu rastrear a trajetória das Amazonas, descritas no relato História de Heródoto, até encontrar uma de suas descendentes, Meiramgul, então uma menina de 9 anos, nos rincões da Mongólia.

Pintura de amazona, em antigo vaso grego,
trajando armadura hoplita.
As Amazonas, além do mito

Registros de mulheres guerreiras na história da humanidade não são incomuns, mas sempre estiveram envoltos em muita conjectura. Para boa parte dos estudiosos, as Amazonas nunca passaram de lenda, excesso de imaginação, figuras da mitologia grega, como os centauros, os sátiros, a Medusa, a despeito de sua presença em vasos de cerâmica, esculturas, pinturas e outros artefatos. Entretanto, descobertas recentes de tumbas (em 1995), com restos mortais de mulheres acompanhados de armas, mudaram um pouco essa visão.

Atualmente arqueólogos e historiadores passaram a ver os relatos dos escritores e historiadores gregos Homero e Heródoto com um outro olhar, buscando resgatar das mitológicas filhas do deus Marte e da ninfa Harmonia, as guerreiras de carne e osso. Nessa nova perspectiva, as Amazonas aparecem como originárias da grande cordilheira do Cáucaso, próxima ao Mar Negro, região hoje ocupada pela Armênia, Azerbaijão, Geórgia e Rússia, onde viveram por volta de 5500 anos atrás. Seriam alouradas, de pele clara, altas, fortes e musculosas, subsistindo da caça e da pesca e se relacionando com homens de outros agrupamentos da mesma região apenas para fins reprodutivos.

Em 3500 a. C, teriam migrado para o Mar Mediterrâneo, povoando a ilha de Creta e formando a base da sociedade minóica, de características matriarcais, e estabelecido também outros reinos na Trácia (Grécia), na ilha de Lemnos (no Mar Egeu), no Cáucaso (junto ao Mar Negro), e em Temiscira, banhada pelo rio Termodonte (hoje rio Terme Çayi, na atual Turquia). Durante a idade do bronze (3000 a 700 a.C.) do mundo mediterrâneo, o amazonato também teria se espalhado pelo Egito, Líbia e Itália (na ilha da Sicília) e por outras regiões da Europa, África e Ásia. Vale lembrar que, igualmente no Brasil, o nome de nosso maior rio se deve ao fato de o conquistador espanhol Francisco Orellana ter avistado na região um bando de índias tapuias que identificou como amazonas.

Jeaninne Davis-Kimball
Entretanto, o que deu mais consistência a tese das Amazonas, como mais do que mito, foi o trabalho da arqueóloga Jeaninne Davis-Kimball que resolveu rastrear a trajetória das Amazonas, descritas no relato de Heródoto, em sua fuga após a derrota para uma expedição grega na cidade de Temiscira (atual Ünye, na região da Capadócia), junto à foz do rio Termodonte (atual Terme Çayi). Em seu clássico História, Heródoto afirma que os gregos venceram as amazonas, em data não definida, e levaram várias, como cativas, em barcos. Em alto-mar, contudo, as prisioneiras se rebelaram, mataram todos os gregos e, como não sabiam navegar, acabaram chegando meio à deriva na Cítia, na costa do Mar de Azov, atual Rússia. Os citas e as amazonas teriam se unido e emigrado para as estepes russas entre os rios Don e Volga, dando origem ao povo sauromata que, por sua vez, em 400 a. C. foi colonizado pelos sármatas, povo indo-europeu vindo da Ásia Central. Seguindo nesses processos de conquista e assimilação, os sármatas foram vencidos por góticos, hunos e por fim mongóis, com quem se miscigenaram.

Percorrendo a trajetória dos sármatas, a arqueóloga Jeannine Davis-Kimball encontrou na cidade de Pokrovka, fronteira da Rússia com o Cazaquistão, cerca de 150 túmulos desse povo, datados de 2500 anos atrás, dentre os quais 15% das covas eram de mulheres altas, muitas com pernas arqueadas, ferimentos de batalhas, e que estavam enterradas com flechas de bronze, espadas e adagas. Davis-Kimball e sua equipe procederam a uma análise do DNA dos ossos encontrados para identificar o sexo dos esqueletos, confirmando tratar-se de mulheres.

Amazons: The Quest for Warrior Women Trailer from Story House Productions on Vimeo.

Em seguida, a arqueóloga, consciente de que o último processo de miscigenação dos sármatas havia sido com mongóis, embrenhou-se pela Mongólia, indo de acampamento nômade em acampamento nômade, em busca de alguém que lembrasse a velha herança genética das mulheres guerreiras. Por fim, em uma das aldeias nômades, encontrou uma estranha menina de traços mongóis mas loura. Colheu amostra da saliva da garota e enviou-a ao laboratório para comparação com o DNA colhido dos ossos das guerreiras de Pokrovka. O resultado revelou que o DNA mitocondrial da menina, chamada Meiramgul, de 9 anos na época (1995), era o mesmo contido nos esqueletos datados de mais de 2 mil anos atrás.

Ficou provado assim que as Amazonas eram bem mais de carne e osso do que se supunha, tendo deixado descendência que chegou milagrosamente até os tempos atuais. Não se duvida que novas descobertas possam trazer outras provas da existência dessas guerreiras, ainda que não como as da mitologia, mas importantes por confirmar a realidade de mulheres que viveram fundamentalmente com mulheres ou construíram sociedades onde as mulheres não eram submissas aos homens. Mulheres que eram capazes de lutar e derrotar seus inimigos, que as temiam e as admiravam.

Por isso, as amazonas não podem deixar de constar de uma cronologia da história lésbica, sendo o amazonato o primeiro controle de natalidade que se conhece e que as lésbicas empregam até hoje. Não por menos também, a machadinha de dupla face, utilizada pelas amazonas, conhecida como labrys (imagem ao lado), é um dos símbolos da organização lésbica em todo o mundo atual. E numa hora de necessidade vale invocar os nomes de algumas rainhas amazonas para ganhar coragem: Myrine, Antíope, Pentesiléia, Hipólita, Maroula, Califia, Hipólita... As fotos são da menina Meiramgul, da Jeannine Davis-Kimball e novamente da menina. O desenho é de um labrys estilizado.

A saga de Jeaninne David-Kimball foi registrada no DVD The Secret of the Dead: Amazon Warrior Women (O Segredo dos Mortos: Amazonas, Mulheres Guerreiras) que pode ser adquirido pela loja da National Geographic ou pela Amazon.com. Também, na Amazon, acha-se o livro da arqueóloga  Jeaninne Davis-Kimball. O documentário já passou igualmente no canal da National Geographic legendado, valendo a pena uma pesquisa. 

Publicado originalmente em 16/06/2009

6 comentários:

Uau! Tenho um fetiche pelas amazonas e esse seu texto está muito, muito bacana. Vou assistir o vídeo com calma e carinho.
Adorei.

Bjs

Muito boa informação.Muito interessante.

Nossa, eu sempre fui viciada em mitologia, jamais deixei de acreditar nas amazonas, e agora, elas oficialmente existiram, to até emocionada..

Garotas, faz tempo estava zapeando a tv quando me deparei com o documentário sobre o trabalho da Jeaninne. Quando saquei do que se tratava, fiquei super-antenada, e tudo é muito legal: as escavações, a busca pela descendente das amazonas pelas tribos nômades... Mas nada é igual ao momento em que ela encontra a menina, compara os DNA e confirma que são pares. E no fim aparece a menina toda sorridente cavalgando como uma exímia amazona...rsss Emocionante. Até lacrimejei. Beijoca.

Eu sempre achei que elas existiram, e a cada nova descoberta me animo mais! A primeira vez que ouvi falar da Jeannine Davis-Kimball foi numa matéria da Super Interessante e fiquei fascinada com a história toda. Agora estou louca para comprar o DVD.

O patriarcado nunca vai querer admitir q as mulheres no passado podiam não ser doceis, meiguinhas e passivas, querem mais é q esse passado seja desacreditado por todos, mas esta ai a mulher pode ser guerreira tb, queria ver o q elas faziam com homens machistas.

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