sexta-feira, 4 de abril de 2014

Encerrando o resgate sobre o regime militar em 3 partes: queda de Jango; período ditatorial; abertura, anistia e redemocratização

Presidentes Militares
Em meio a avaliações muito ideologizadas do período militar, a Jovem Pan trouxe um resgate mais equilibrado e bem didático desta página de nossa História que precisamos conhecer com a devida imparcialidade. Ninguém pode negar que os militares instituíram um regime autoritário que, no período do AI-5 (1968-1978), tornou-se francamente ditatorial, promovendo a censura aos meios de comunicação e à cultura em geral, prendendo, torturando e matando até gente que nada tinha a ver com lutas armadas ou congêneres. Em texto e áudio (mas o áudio é imperdível). Muito bom.

Conjuntura que levou à queda de Jango




Pré-Golpe


 O golpe militar começou a ser desenhado bem antes de 1º de abril de 1964, curiosamente o "dia da mentira". Em 25 de agosto de 1961, o então presidente Jânio Quadros renunciava ao posto mais alto da República, com menos de 7 meses à frente da Presidência, fomentando uma grave crise política. Quadros esperava que o Congresso não aceitasse sua renúncia por causa do vice, João Goulart, que era de esquerda, mas a legalidade foi cumprida e Jânio caiu.

Os militares até tentaram já em 1961 impedir que Jango assumisse. Mas o parlamentarismo foi uma das saídas encontradas na época para acalmar os ânimos. O sistema de governo durou pouco mais de um ano, até 24 de janeiro de 1963, quando o povo decidiu nas urnas que queria a volta do presidencialismo.

Um ano depois, com os poderes restaurados e praticamente isolado politicamente, Jango convocou um grande comício em 13 de março de 1964, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, “pela emancipação econômica, pela justiça econômica e ao lado do povo, pelo progresso do Brasil”. João Goulart defendia as reformas de base, mas tinha cada vez menos força política. Ele era acusado de tentar instaurar o comunismo no País com um golpe. Em 19 de março, veio a resposta conservadora ao comício, com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que levou milhares à Praça da Sé, em São Paulo.

O Golpe

“Atenção, Brasil! Atenção, Minas Gerais! As tropas do segundo exército já sitiaram o estado da Guanabara”, anunciava o locutor num tom urgente. Entre 31 de março e 1º de abril de 1964, as tropas do General Olímpio Mourão Filho deixavam Juiz de Fora em direção ao Rio de Janeiro. Acuado, João Goulart foi para o Rio Grande do Sul.

O presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarou então, aos berros a vaga aberta de Jango. "Numa hora gravíssima da vida brasileira, (João Goulart) abandonou o governo, e esta comunicação faço ao Congresso Nacional. Assim sendo declaro vaga a Presidência da República”, delara Auro, como pode ser ouvido no áudio original acima, para delírio dos presentes.

Professor emérito da UFRJ, José Murilo de Carvalho classifica o golpe de civil-militar. “Ninguém previu a natureza do golpe”, argumenta. Boris Fausto, historiador da USP, concorda: "Houve toda uma corrente que jamais imaginou que o episódio de 1964 fosse dar no que deu", diz.

Erguendo o regime

O Congresso Nacional elegeu, então, o general Humberto de Alencar Castello Branco como presidente. Ele prometia entregar o cargo em janeiro de 1966, como é possível ouvir no áudio original da época.

Logo estabeleceu os dois primeiros Atos Institucionais, que legitimaram o arbítrio, as cassações e a eleição indireta para presidente. Vários partidos foram extintos, permanecendo apenas o ARENA, representante governista e o MDB, de oposição. Castelo cassou o mandato de Juscelino Kubitschek, ex-presidente e senador pelo PSD, um nome forte para a esperada - e prometida - sucessão em 1965. Juscelino era acusado de corrupção e até de ser comunista, algo que nunca desmonstrara em seu governo de 1956 a 1961.

O biógrafo do político mineiro, Ronaldo Costa, diz que Castello Branco cometeu uma traição, pois tomou posse dizendo que passaria o poder para quem fosse eleito nas eleições diretas programadas para outubro de 1965, mas não cumpriu a palavra.

Outro forte concorrente ao Palácio do Planalto era Carlos Lacerda, da UDN, que apoiou o golpe, mas, deixado de lado, tornou-se um dos mais ferrenhos críticos do governo de Castelo, que prorrogou o próprio mandato por mais um ano. “Se em 1964, o perigo era o comunismo, nesse momento o perigo é entregar o Brasil a grupos econômicos americanos, como entregou o Governo Castelo Branco”, diz ainda Lacerda.

Mesmo com as cassações, para o historiador Marco Antonio Villa, o Brasil ainda não vivia uma Ditadura propriamente. "Uma falácia que diz que tem 21 anos. A Ditadura Militar, entre 1964 a 1968, foi um regime autoritário, mas não ditatorial. E por quê? Nós tivemos ainda um período de relativa liberdade de imprensa, uma grande explosão cultural, os festivais de música, o teatro, o cinema", argumenta. Para Villa, o período autoritário estava prestes a começar e duraria apenas 10 anos, de 1968 a 1978.

Próximo capítulo

Em 1967, tomava a conta o segundo presidente militar, Artur da Costa e Silva. “Prometo manter, defender e cumprir a constituição”, dizia também ao tomar posse. Os militares denominavam o Golpe de Revolução de 31 de março. “Nossa revolução foi justamente o coroamento de uma aspiração popular irreversível e impossível de deixar de atender”, proclamava Costa e Silva.

A Ditadura parecia, de fato, irreversível. E tornar-se-ia ainda mais em dezembro de 1968, sem nenhuma aspiração popular, com a promulgação do Ato Institucional nº 5, como veremos no próximo capítulo da série de 50 anos da Ditadura Militar.

AI 5, tortura e Milagre Econômico




O período militar brasileiro até 1968, mesmo sendo um regime imposto pela força, ainda contava com um certo grau de liberdade, especialmente no campo da liberdade de expressão. No entanto, após protestos estudantis, rebeliões em setores das forças armadas e ataques ao governo, o jogo se inverteu e a repressão a opositores se enrijeceu como nunca fora visto.

"O presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores por ato complementar em estado de sítio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo presidente da República", anunciava a rádio da época, como é possível ouvir acima, com todos os áudios aqui descritos resgatados do período.

O quinto AI

O AI 5, editado em 13 de dezembro de 68 pelo governo Costa e Silva, representou o "golpe dentro do golpe" e inaugurava os "anos de chumbo" do Regime Militar. Entre os pretextos para o ato, estava o discurso do deputado Márcio Moreira Alves, que chamou o exército de "valhacouto de torturadores". Os militares queriam que o Congresso Nacional punisse o parlamentar.

Da tribuna da Câmara, ele rebatia: "Não se julga aqui um deputado. Julga-se uma prerrogativa essencial do poder legislativo, livre como o ar, livre como o pensamento a que dá guarida deve ser a tribuna do povo". Moreira Alves não foi punido, mas o país sim. Com o AI-5, o Congresso ficou fechado por 10 meses.

O ex-ministro Delfim Neto não demonstra constrangimento por ter participado da assinatura do ato institucional. "Se as condições fossem as mesmas e o futuro não fosse opaco, eu repetiria", disse durante sessão da Comissão da Verdade de São Paulo em 2013. "Eu não só assinei o Ato 5, como assinei a Constituição de 1988", tenta justificar-se Delfim.

"Baixaram as trevas sobre o País", decreta o jornalista Zuenir Ventura. Era o fim de direitos essenciais como o habeas corpus, a liberdade de expressão, a liberdade de reunião. "(O AI 5) acabou com tudo", diz Ventura. O país das ilusões deu lugar ao país do arbítrio, da censura aos meios de comunicação e da tortura.

O historiador da USP, Boris Fausto, diz que "foi um golpe dentro do golpe" e também lamenta o período de tortura e violência que prosseguiu ao Ato: "Foi um dos períodos mais tristes da história brasileira", avalia.

Junta militar

Em agosto de 1969, o presidente Costa e Silva sofreu um derrame cerebral. O incidente foi um divisor de águas dentro do regime. A linha dura não deixou que o vice-presidente, o civil Pedro Aleixo, tomasse posse. Uma junta militar ficou no poder por dois meses, período em que movimentos revolucionários sequestraram o embaixador americano Charles Elbrick.

Elbrick ficou detido por dois dias e foi liberto após os governantes cumprirem o pedido dos sequestradores, de libertar 15 presos políticos do Regime.

Médici

Ainda em 1969, o Congresso Nacional elegia o novo presidente, o terceiro do Regime Militar. "Mais um grande momento histórico com a posse do novo presidente da República Federativa do Brasil, General Emílio Garrastazu Médici e do vice-presidente, almirante Augusto Rademaker", anunciavam as ondas do rádio.

Médici gostava de evocar a palavra paz, que não combinava com os tempos vividos pelo Brasil. "Seja esse primeiro momento um momento de fé e confiança (...) para o bem estar de nossos povos e confiança comum na causa da justiça, do progresso e da paz", disse Emílio em discurso no primeiro encontro com o Presidente Richard Nixon, dos Estados Unidos da América, em 7 de dezembro de 1971.

"Milagre Econômico"

Neste encontro com Nixon, o Brasil já era tricampeão mundial de futebol, título alcançado pela seleção canarinho um ano antes, no México. Os feitos de Pelé e Cia. foram amplamente utilizados na esfera política para, junto com o grande crescimento econômico que o País vivia, validar o governo regente.

"O presidente Médici inaugurou oficialmente o trabalho de construção da rodovia Transamazônica e uma das obras essenciais do Programa de Integração Nacional elaborado pelo atual Governo", dizia a rádio. Os militares afirmavam que o "Brasil Grande" tinha três obras: a Transamazônica (que nunca foi concluída), a Ponte Rio-Niterói e o tricampeonato mundial de futebol.

O ufanismo fabricado tomou conta do Brasil: a economia crescia a passos largos. Em 1973 foi registrada uma expansão do PIB de 14%: um "milagre".

Tortura

Já nos porões dos orgãos de repressão como DOPS e Doi-Codi, os opositores, os considerados subversivos e a luta armada sofriam com a tortura. O irritado tenente-coronel Brilhante Ustra comtemporizava: "Ninguém foi morto lá dentro do Doi. Todos foram mortos em combate", esbraveja em depoimento à Comissão da Verdade, que apura os crimes da época, em Brasília. "Não faço acareação com ex-terrorista, não faço!", disse ainda em maio do ano passado em referência a Gilberto Natalini.

Já o ex-ministro Jarbas Passarinho, que apoiou o AI-5, não tinha como negar: "Reale júnior me faz a pergunta: 'o sr. acha que teve ou não tortura no Brasil'. Eu digo: 'eu acho'", depôs Jarbas.

O autor da biografia de Carlos Marighella, o jornalista Mário Magalhães, lembra que o regime transformou os gerrilheiros em inimigos públicos: "O então ministro da justiça (Luiz Antonio) Gama e Silva declarou Carlos Marighella, um dos líderes da luta armada do Brasil, inimigo público número um".

Carlos Marighella foi morto em uma emboscada feita pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, na Alameda Casa Branca, em São Paulo.

A luta pela anistia - próximo capítulo

Em 1974, tomava posse Ernesto Geisel, o quarto presidente militar. "Prometo manter, defender e cumprir a constituição", disse Geisel, de maneira protocolar, em sua posse.

Ainda sob a égide do AI-5, a oposição com o MDB ganhava força e o presidente Geisel prometia a distenção gradual e segura, mas lenta, muito lenta. No terceiro e último capítulo da série "O passado que não passa", veremos a lei da anistia, a abertura do regime e os avanços do Brasil durante os 21 anos de ditadura.

A redemocratização e os legados cultural e econômico





Esta é a terceira parte do especial Jovem Pan de resgate à memória sonora do Regime Militar, cujo golpe que o instaurou completa 50 anos no dia primeiro de abril. Depois das deposições políticas que deram início ao governo autoritário e da violenta repressão imposta pelo AI-5, era chegado finalmente o momento da reabertura política e da transição democrática. O presidente Ernesto Geisel prometia, sim, a abertura do regime, de forma "gradual e segura", mas lenta, muito lenta.

"Sem violência"

O milagre econômico já não era mais tão milagroso assim - a crise do petróleo pressionava a inflação e exigia habilidade do chefe militar. Geisel pronunciava que "o Brasil soube amadurecer suficientemente para em horas que exigem decisão e objetividade (...) superar situações transitórias", como é possível ouvir no áudio acima, assim como todos os áudios abaixo descritos.

Aos poucos, a oposição do MDB foi ganhando espaço, o que provocou divisões dentro do exército, que não sabia conviver com a política. A morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, é até hoje simbólica, e aumentou as cobranças pela abertura, como defendia Dom Frei Paulo Evaristo Arns. "Não queremos nunca mais uma revolução semelhante àquela" pregava o religioso. "Gostaríamos de que a transição fosse discutida com o povo, mas sem violência", pedia o então arcebispo de São Paulo.

O debate sobre a abertura política passou longe da população, mas os tempos eram outros: Ernesto Geisel revogou o AI5 e os demais atos, em outubro de 1978.

Anistia

O novo presidente, general João Batista Figueiredo, assumiu o cargo no ano seguinte.

Pela primeira vez um presidente militar falava abertamente em redemocratização: "Por um regime político em que há liberdade de todos", dizia o líder. "Espero ver os anistiados reintegrados na vida nacional", proclamou Figueiredo.

João Batista Figueiredo assinou a lei da anistia, nem tão ampla e irrestrita como queria o senador Paulo Brossard, congressista do MDB. "Votado hoje o projeto da anistia restrita", bradava Brossard, "o da anistia mesquinha, da anistia calúnia, o da anistia paralítica!".

O ano de 1979 foi marcado pela anistia, pelo início da formação de novos partidos e a maior participação popular com as greves no ABC paulista. "Existe um trabalho a ser feito nos bairros e, o que é mais importante, ninguém ir até a porta da fábrica", dizia um certo Luiz Inácio Lula da Silva, para o brado do povo que o escutava.

A inflação subia e faltava gasolina. A extrema direita, contrária a abertura, promovia atentados, como o cometido contra a sede da OAB carioca. Em 1981, a quase tragédia no Rio Centro ampliou ainda mais o abismo entre os próprios os militares.

Legado

Os 21 anos do regime deixaram legados para ou bem ou para o mal. O Brasil virou um país urbano. O historiador Marco Antônio Vila cita a evolução econômica: "No ano de 1973, o Brasil cresceu 14%, portanto nós tivemos um processo de industrialização intenso (...) e uma revolução na infraestrutura", avalia.

O jornalista Etevaldo Siqueira, especialista em telecomunicações, destaca que o Brasil foi interligado. "O país não tinha telecomunicações", diz. "O fato de ligarem o Brasil ao mundo via satélite e via cabos submarinos foi realmente um grande avanço", confirma Etevaldo.

Apesar do arbítrio e da violência, o escritor e jornalista Zuenir Ventura ressalta a intensa produção cultural do período, justamente em contraposição ao regime instaurado. "Teve uma vitalidade muito grande no sentido de resistir à Ditadura. É aquela coisa de 'apesar de você'", diz Ventura, lembrando a música de Chico Buarque que tentava trazer esperança de dias melhores em meio à perseguição política.

O passado que não passa e o futuro que se vislumbra

"Nunca em nossa história que vemos tanta gente nas ruas para reclamar a recuperação dos direitos de cidadania e manifestar seu apoio aos candidatos", bradava Tancredo Neves em 1985, durante a campanha pelas Diretas. Votos diretos que o elegeriam.

E o primeiro baque pós-Regime Militar veio logo em seguida, com o doloroso anúncio da morte do presidente eleito: "Lamento informar que o excelentíssimo senhor Presidente da República Tancredo de Almeida Neves faleceu nesta noite", dizia o secretário de imprensa da Presidência da República, o jornalista Antônio Britto, na sala de imprensa do Instituto do Coração. Sarney assumiu, prometendo "manter, defender, cumprir a Constituição".

E a nova Constituição, que fechava de vez com o ciclo autoritário legal, foi proclamada com muita comemoração pelo presidente da Assembleia Nacional Constituinte, em 1988, o deputado Ulysses Guimarães: "Declaro promulgada (fortes aplausos) o documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil". Apesar de ainda conviver com um passado sombrio e que custa a passar, o país já aprendeu a olhar para o futuro. "Que Deus nos ajude e que isso se cumpra", finaliza Ulysses.

Fonte: Jovem Pan, 27/03/2013

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