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quarta-feira, 26 de abril de 2017

Bertha Lutz lutou 10 anos para instituir o voto feminino no Brasil

Bertha Lutz
Bertha Lutz seguiu carreira na política (foto US Library of Congress)

A bióloga e feminista Bertha Maria Júlia Lutz foi a responsável pela conquista da instituição do voto feminino no Brasil.

Nascida em 1894, em São Paulo, em uma família abastada, Bertha estudou Biologia na prestigiada Universidade Sorbonne, na França. Na Europa, conheceu o movimento sufragista das mulheres inglesas.

Em 1918, retornou ao Brasil e se tornou a segunda mulher a ingressar em concurso público no país, assumindo o cargo de bióloga no Museu Nacional. No ano seguinte, fundou, junto de outras mulheres, a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, iniciando as campanhas pelo direito ao voto feminino.

Bertha lutou mais de dez anos até que, em 1932, por decreto-lei do presidente Getúlio Vargas, as mulheres conquistaram o direito ao voto no Brasil. Ainda na década de 1930, organizou o primeiro congresso feminista e fundou a União Universitária Feminina, a Liga Eleitoral Independente, a União Profissional Feminina e a União das Funcionárias Públicas.

Em 1933, elegeu-se primeira suplente do deputado federal Cândido Pereira. Após a morte do deputado, assumiu a cadeira de deputada federal em 1936. Porém, a carreira política de Bertha se encerrou em 1937, quando Getúlio Vargas decretou o Estado Novo.

A passagem de Bertha pela Câmara Federal foi marcada pela luta por mudança na legislação referente ao trabalho da mulher e do menor, igualdade salarial, redução da jornada de trabalho - então de 13 horas diárias - e pela proposta de licença maternidade de três meses.

Com informações de As (outras) mulheres brasileiras sobre quem deveríamos aprender na escola, BBC Brasil, por Laís Modelli, 01/04/2017

terça-feira, 18 de abril de 2017

"Ensinem as meninas a serem corajosas, não perfeitas, e a aprender programação



"Ensinem as meninas a serem corajosas, não perfeitas", por Reshma Saujani 

 A advogada americana Reshma Saujani aponta como meninos são ensinados a ser corajosos, enquanto meninas são ensinadas a buscarem a perfeição. Fundadora do Girls Who Code (Garotas que programam), Saujani assumiu a tarefa de socializar jovens a assumir riscos e aprender a programar, duas habilidades que elas necessitam para fazer a sociedade avançar. Para inovar realmente, não podemos deixar metade da população para trás, ela afirma. 
Preciso que cada um de vocês diga para as jovens que se pode conviver com a imperfeição.
O vídeo está legendado, ao que tudo indica, em português de Portugal, daí umas palavras um pouco estranhas para nós, mas bem acessível. A chave para o fim da desigualdade entre os sexos está na educação. Boa audiência!

segunda-feira, 17 de abril de 2017

ONU classifica 'Escola sem Partido' como 'censura'

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Relatores da ONU classificam 'Escola sem Partido' como 'censura'

Em protesto enviado ao governo, peritos das Nações Unidas alertam para as violações que os projetos podem representar e os impactos negativos na educação; coordenador do movimento diz que críticas são 'absurdas'
GENEBRA – Em documento enviado nesta quinta-feira, 13, ao governo brasileiro, relatores da Organização das Nações Unidas (ONU) denunciam as iniciativas legislativas no País com base no Programa “Escola sem Partido” e alertam que, se aprovadas, as leis podem representar uma violação ao direito de expressão nas salas de aulas e uma “censura significativa”. A manifestação foi enviada ao governo de Michel Temer pelos relatores da ONU para Liberdade de Expressão, David Kaye, pela relatora para a Educação, Boly Barry, e pelo relator de liberdade religiosa, Ahmed Shaheed.

O centro do alerta são dois projetos de lei que estão no Congresso e que, se forem aprovados, os relatores da ONU consideram que representarão uma “restrição indevida ao direito de liberdade de expressão de alunos e professores no Brasil”, com um impacto no ensino no País em diversos temas.

A ONU já acompanhava o assunto há meses. Mas decidiu agir depois que o vereador de São Paulo Fernando Holiday (DEM) passou a visitar escolas para "inspecioná-las", temendo que a iniciativa ganhasse força e impulsionasse os projetos de lei. ONGs brasileiras alertaram para o caso e os relatores decidiram enviar a carta ao governo, pedindo medidas e esclarecimentos. Na prática, o poder da ONU se limita ao de constranger um país. Se não ficar satisfeita com a resposta, a relatoria da ONU pode levar o caso ao Conselho de Direitos Humanos para criticar o País em público.

Para os relatores, se aplicadas, as leis serão ainda consideradas como uma “censura significativa”. Na avaliação deles, os projetos vão “restringir o direito do aluno de receber informação” e abrem brechas “arbitrárias” para que autoridades e os pais interfiram nas escolas. Os relatores pedem que os projetos sejam revistos para que atendam aos padrões internacionais de direitos humanos.

Os representantes da ONU ainda deram um prazo de 60 dias para que o governo responda se existe algum tipo de evidência empírica que sugira a necessidade da aplicação da lei da “Escola sem Partido” no Brasil. O grupo também deixa claro que, se aplicado, o programa representará uma "violação" dos compromissos assumidos pelo País em educação e liberdades.

O princípio do projeto é o de incluir os fundamentos do “Escola sem Partido” nas diretrizes e bases da educação nacional. O intuito é que as leis sejam estabelecidas para impedir que professores promovam suas crenças políticas ou religiosas em sala de aula e mesmo que incitem estudantes a participarem de protestos.

Orientação sexual. Outro fato que chamou a atenção da ONU foi a retirada, no dia 6 de abril, do termo “orientação sexual” dos textos dos currículos escolares que foram entregues ao Conselho Nacional de Educação.

Para os relatores ONU, os projetos de lei “geram preocupações com relação à interferência no direito à liberdade de expressão de professores e educadores”. Na avaliação dos relatores, o projeto não traz definições sobre o que seria “neutralidade religiosa e política” e apenas apresenta conceitos, sem qualquer tipo de esclarecimento.

De acordo com os peritos, os textos, portanto, podem impedir qualquer tipo de discussão sobre gênero e diversidade sexual, o que é “fundamental para prevenir estereótipos de gênero e atitudes homofobias por estudantes”.

No campo religioso, alguns dos projetos abrem a possibilidade para que os pais possam determinar como outras religiões que não as suas sejam ensinadas. Cerca de nove estados brasileiros tinham projetos sendo debatidos em suas câmaras legislativas, além dos dois textos também no Congresso em Brasília.

Outro alvo de críticas é a falta de definição sobre o que seria “doutrinação ideológica”, que deixa margem para interpretação e permite que “virtualmente qualquer prática educacional de um professor possa ser classificada como doutrinação e fará a escola uma continuação do ambiente doméstico, e não uma instituição de educação”.

O documento ressalta que, sem definição, a lei permite que “virtualmente qualquer prática pode ser condenada” e pode “prevenir o desenvolvimento de um pensamento crítico entre estudantes e a habilidade de refletir, concordar ou discordar com o que é exposto em aulas”.

Procurado pelo Estado, o coordenador do movimento Escola sem Partido, o procurador Miguel Nagib diz que as críticas são "absurdas". "Convidamos a ONU para expor seus pontos de vista na comissão especial do Escola sem Partido, mas não foram e não mandaram ninguém no lugar. E agora, aparecem esses relatores, que dão opiniões absolutamente desinformadas sobre o projeto?", disse.


Nagib destacou que "não faz sentido" dizer que o projeto vai contra os direitos humanos, já que parte do texto foi inspirada na Convenção Interamericana de Direitos Humanos que diz, em um dos artigos, que "os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja em acordo com suas próprias convicções". "O projeto repete isto com praticamente as mesmas palavras. Como podem dizer que ele (o projeto) viola direitos humanos? Acho muito estranho uma coisa dessas". Ele disse ainda que o documento da ONU "desinforma" a opinião pública ao dizer que o projeto censura o professor. "O texto ainda está sendo debatido na comissão especial e sendo aprimorado. Na versão atual do nosso anteprojeto, a expressão doutrinação nem aparece mais, porque chegamos à conclusão de que era uma expressão ampla demais, para o bem da clareza e segurança jurídica. Tudo está sendo debatido ainda. Não é correto atacarem o parlamento dessa maneira sendo que tiveram a oportunidade de participar do debate".

No campo religioso, alguns dos projetos abrem a possibilidade para que os pais possam determinar como outras religiões que não as suas sejam ensinadas. Cerca de nove estados brasileiros tinham projetos sendo debatidos em suas câmaras legislativas, além dos dois textos também no Congresso em Brasília.

Os relatores também criticam os artigos que tratam de “propaganda política-partidária” e a responsabilidade dos professores. Segundo eles, sem uma definição, o texto poderia levar a uma “restrição aos direitos de liberdade de expressão dos professores”. “Um professor poderia estar violando a lei apenas por conta de consideração subjetiva de pais e autoridades sobre a prática de propaganda política”. Isso pode impedir, segundo a ONU, o debate de temas como diversidade e direito de minorias.

Os peritos denunciam ainda o fato de que o projeto de lei prevê punições, uma vez mais apontando para os riscos para liberdade de expressão. Ao não trazer definições sobre seus conceitos, os projetos de lei podem criar uma “arbitrariedade” em sua aplicação.

“Educadores podem ser punidos por ensinar assuntos que sejam controversos, incluindo política, ciência, história, religões e educação sexual”, alertou a carta dos relatores ao governo.

Os relatores defendem que crianças sejam de fato protegidas de uma indoutrinação. Mas as opções políticas sugeridas pelo projeto limitariam a informação a qual as crianças nas escolas estão expostas e, de fato, podem “restringir direito a liberdade de expressão”.

Na avaliação dos relatores, a aprovação da lei pode impedir que estudantes brasileiros tenham uma educação ampla e apontam que, numa sociedade livre, a educação precisa apresentar “diversos fatos e perspectivas”. Para eles, se aprovadas, portanto, as leis “violariam” as regras internacionais e “limitariam informação e ideias que educadores podem trazer aos estudantes sobre culturas, governos, políticas, religião, normas sociais, evolução e educação sexual”.

Reações. A carta da ONU ao governo foi comemorada por entidades que faziam oposição aos projetos de lei. "O Escola Sem Partido, ao limitar a liberdade de cátedra e ao tentar submeter a educação escolar à moral dos pais, ofende o princípio da liberdade de expressão, alimenta preconceitos e torna as aulas medíocres, pois os professores não se sentem tranquilos para ensinar sob verdadeiros tribunais pedagógicos”, disse Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

“Um tribunal pedagógico tentou ser estabelecido pelo vereador Fernando Holiday em São Paulo e o mesmo fez o MEC recuar ao tirar da Base Curricular as questões de gênero e orientação sexual. E corremos o risco desses tribunais pedagógicos dominarem a educação brasileira. Por isso, é essencial e oportuna a manifestação da ONU", disse.

Fernanda Lapa, coordenadora executiva do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH), ao discursar na ONU na semana passada apontou para o fato de que “problemas éticos e jurídicos do Programa Escola sem Partido já foram inclusive reconhecidos pelo Ministério da Educação dizendo que viola diversos artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, assim como pelo próprio Supremo Tribunal Federal do Brasil que afirmou a inconstitucionalidade da lei (inspirada no Escola sem Partido) aprovada em Alagoas”.

“O ministro Barroso afirmou que o direito humano à educação visa ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e à capacitação para a vida e cidadania, o que também está previsto em tratados internacionais que o Brasil é parte. Com isso fica evidente que esses projetos violam as nossas leis tanto no âmbito interno como no internacional”, disse Fernanda.

Maria Rehder, coordenadora de projetos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e vice-presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom), também destaca a importância do posicionamento dos relatores da ONU.

“Desde a emergência do projeto Escola sem Partido temos realizado as denúncias junto à ONU e OEA, mas os fatos anunciados na última sexta-feira no Brasil geraram grande repercussão em Genebra nas reuniões que realizei para a atualização de dados nesta semana junto às relatorias especiais da ONU e também diplomatas”, disse.

“O mais grave e impactante foi o anúncio da retirada pelo MEC das questões de gênero e orientação na base curricular, o que foi na contramão das recomendações feitas ao Brasil pela ONU por meio do Comitê sobre os Direitos da Criança - órgão máximo de monitoramento do direito da infância no mundo - que explicitamente recomenda ao Brasil decretar legislação para proibir a discriminação e a incitação de violência com base na orientação sexual e na identidade de gênero e dar sequência ao projeto “Escolas sem Homofobia”, justamente o oposto do Escola sem Partido”, afirmou.

Contatado pelo Estado, o MEC informou que tanto o ministro Mendonça Filho como a secretária executiva Maria Helena Guimarães já se manifestaram publicamente contrários o Escola Sem Partido. Sobre a retirada do termo orientação sexual, o MEC “lamenta que a ONU tenha confundido o documento da BNCC com textos dos currículos escolares”.

Ao Estado, o vereador Holiday rebateu as críticas, por meio de sua assessoria de imprensa. "'Tribunal pedagógico' é uma definição tola, mas muitos preferem falar antes de ouvir ou conhecer. Se o proposto não for o ideal, procuraremos aperfeiçoar o projeto, mesmo sabendo que a ONU não costuma valorizar a liberdade e a autoridade da família, ao contrário de mim".

Sobre suas ações em escolas paulistanas terem motivado o envio da carta, o vereador afirmou ainda que isso mostra que seu mandato "é influente e trabalha" e diz esperar, com isso, "chamar atenção da ONU para casos importantes, como o abuso de crianças e adolescentes".

Maioria de projetos baseados no ‘Escola sem Partido’ é de autoria de políticos ligados a igrejas

Escola Sem Partido: Macartismo renasce no Brasil

A doutrinação mais perigosa é a conservadora pois tenta se passar por algo natural

Fonte: O Estado de S.Paulo, por Jamil Chade e Luiz Fernando Toledo, 13/04/2017

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Como o "neurossexismo" está impedindo o progresso da igualdade de gênero - e da própria ciência

As mulheres são criativas e os homens são lógicos - um equívoco comum.
O comportamento diferenciado de mulheres e homens é obviamente resultante da educação radicalmente diferente que meninas e meninos recebem desde o berço. Entretanto, muitos querem tapar esse sol com a peneira furada do determinismo biológico, ou seja, os comportamentos de homens e mulheres seriam diferentes por razões de ordem inata, fruto de cérebros femininos e masculinos e diferenças químicas e hormonais.

Não é de hoje que religiosos e cientistas apelam para uma suposta natureza feminina a fim de tentar impedir as mulheres de desenvolverem seus potenciais individuais. No momento,  o instrumento da moda para tal finalidade é a neurociência e seus scanners cerebrais. Estes vêm sendo usados para tentar dar status de cientificidade aos velhos estereótipos de gênero e garantir "a crença de que, por mais inconveniente que seja a “verdade”, mulheres e homens são imutavelmente diferentes."

Para contestar essas crenças tão arraigadas, traduzi o texto abaixo da Gina Rippon que é professora de Neuroimagem Cognitiva da Aston University. Ela desconstrói os argumentos biologicistas, utilizados na área de neurociências, para assegurar que cientistas, a mídia e o público em geral se tornem conscientes das falácias que produzem. O link para o texto original se encontra ao final da tradução.

Míriam Martinho, 12/03/2017


Meninas e meninos são educados de forma radicalmente distinta, mas a pseudociência
vai procurar respostas para o comportamento diferenciado de mulheres e homens em
supostas químicas cerebrais e hormônios diferentes.


Gina Rippon
Como o "neurossexismo" está impedindo o progresso da igualdade de gênero - e da própria ciência

À procura de provas de que mulheres e homens aprendem, falam, resolvem problemas ou leem mapas de forma diferente, algumas pessoas pensam ter encontrado nos scanners cerebrais a resposta definitiva para sua busca. É fácil entender o porquê. Eles produzem mapas codificados, coloridos e brilhantes destacando diferenças entre os sexos em várias áreas cerebrais, o que potencializa o argumento de quem advoga escolas separadas para garotas e garotos ou treinamento diferenciado por sexo para militares das forças armadas.

Seu poder, aliás, está atrelado ao permanente debate sobre as diferenças comportamentais entre mulheres e homens. De marqueteiros e políticos a grupos de pressão, muitas pessoas fazem referências entusiásticas à "neurociência de ponta" em suas suposições a respeito de diferenças sexuais.

A ideia de que o cérebro é responsável por diferenças ou desequilíbrios de sexo/gênero nos acompanha há bastante tempo. No século dezoito, cientistas descobriram que os cérebros das mulheres pesam em média cerca de 142 gramas menos do que os dos homens - descoberta que foi imediatamente interpretada como sinal de inferioridade feminina. Desde então, os cérebros das mulheres têm sido pesados, medidos e considerados insuficientes. Tal perspectiva se deve à crença no "determinismo biológico": a ideia de que as diferenças biológicas refletem a ordem natural das coisas com a qual não devemos nos intrometer para não colocar a sociedade em risco.

Infelizmente, essa visão persiste ainda hoje sob o nome de neurossexismo. Neurossexismo é a prática de alegar a existência de diferenças fixas entre os cérebros femininos e masculinos, o que supostamente explicaria a inferioridade ou a inaptidão das mulheres para certos papéis. Ao apontar atividades sexo-dependentes em certas regiões do cérebro - como as associadas à empatia, ao aprendizado de idiomas ou ao processamento espacial - os estudos neurossexistas têm possibilitado o florescimento de uma lista especializada de diferenças comportamentais entre os sexos. Ela inclui coisas como "homens serem mais lógicos do que mulheres" e "mulheres serem melhores no aprendizado de idiomas e no cuidado dos outros em geral (criação de filhos, etc.)".


Um espectro de diferenças sexuais

Mulheres são de Vênus e homens de Marte,
uma crença de longa data a ser repensada 
Hoje as técnicas de imagem do cérebro oferecem um perfil cada vez mais detalhado da atividade cerebral, possibilitando o acesso dos pesquisadores a enormes conjuntos de dados.  Há pouco tempo também se descobriu que nossos cérebros podem realmente ser moldados por diferentes experiências, incluindo aquelas associadas com ser mulher ou homem. Esta descoberta inclusive ilustra bem o problema da abordagem determinista biológica. Igualmente mostra que, ao se comparar características cerebrais, é imprescindível contabilizar variáveis como educação e o status socioeconômico das pessoas.

Psicólogos também começaram a apontar recentemente que muitos dos traços psicológicos considerados como ou femininos ou masculinos existem de fato em um espectro. Um estudo atual revisitou um número desses traços comportamentais e revelou que eles não se enquadram em apenas duas categorias binárias não-coincidentes e ordenadas. Mesmo as supostas habilidades superiores dos homens em cognição espacial – uma convenção bem estabelecida – vêm diminuindo com o tempo, até mesmo desaparecendo. Em certas culturas, a situação é realmente oposta à que conhecemos.

E não para por aí. O próprio conceito de cérebro “feminino” e “masculino” se mostrou falho. Um estudo recente apontou que cada cérebro é realmente um mosaico de padrões diferentes, alguns mais comumente encontrados em cérebros de homens e outros nos de mulheres. Mas nenhum desses padrões pode ser realmente descrito como totalmente masculino ou feminino.

Apesar disso, os velhos e disparatados argumentos neurológicos persistem. As pessoas parecem amar histórias de diferenças sexuais, particularmente as que podem ser ilustradas com imagens cerebrais. Livros de autoajuda, comerciais, artigos de jornal e a mídia social se amarram nessas histórias – mesmo naquelas que são contestáveis à primeira vista.

Tal neurociência populista se baseia em geral numa ideia falsa do que a imagem dos cérebros de fato mostra. Ela tende a se apresentar como uma espécie de “cinema verdade”, oferecendo acesso instantâneo, em tempo real, a funções e estruturas do cérebro claramente definidas. Entretanto, os mapas cerebrais são de fato produtos finais de uma longa cadeia de manipulação de imagens e complexo processamento estatístico, especialmente projetado para destacar diferenças. Eles não nos dizem o que o cérebro de uma pessoa fará em qualquer situação.

Estereótipos de gênero
Lidando com o neurolixo

Embora seja fácil culpar a mídia ou a indústria do marketing por esse populismo pseudocientífico, o fato é que essa espécie de neurolixo é muitas vezes sustentada pela própria indústria das imagens cerebrais. Pesquisadores muitas vezes erram, por descuido, ao não reconhecer o papel de variáveis ​​mais amplas na concepção de um estudo ou na seleção de participantes. Termos como “fundamental” ou ‘”profundo” são comuns em resumos de estudos sobre diferenças sexuais, mesmo quando uma inspeção mais detalhada das tabelas de dados revela somente minúsculos efeitos diferentes ou resultados estatisticamente insignificantes.

Também há exemplos de pesquisadores interpretando achados em termos de obsoletas diferenças estereotípicas. Por exemplo, eles assumem a superioridade espacial masculina ou a maior proficiência linguística das mulheres antes mesmo da fase de escaneamento. Além disso ser uma prática científica questionável, tais estudos alimentam o neurolixo em circulação e mantém a crença de que, por mais inconveniente que seja a “verdade”, mulheres e homens são imutavelmente diferentes.

Desafiar o neurossexismo não é negar a existência de diferenças sexuais, embora não faltem acusações nesse sentido. Por exemplo, pesquisas em saúde mental apresentaram importantes diferenças entre os sexos na incidência de condições tais como depressão, déficit de atenção e autismo. Reconhecer tais diferenças possibilita a descoberta de tratamentos apropriados para essas doenças.

Por outro lado, como conhecemos agora o quanto é falho o conceito de cérebro “feminino” e “masculino” e inadequada aquela lista especializada de diferenças psicológicas baseadas em sexo, nós precisamos parar de enfatizar a categoria binária do sexo biológico como fonte de nossas investigações. Pode levar tempo desconstruir crenças tão arraigadas, mas já é um bom começo assegurar que cientistas, a mídia e o público em geral se tornem conscientes do problema.


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