8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

sábado, 29 de outubro de 2022

A eleição da marmelada: comê-la ou não comê-la, eis a questão?

Findo esse suplício de pseudodebates, concluo que essa eleição foi a maior marmelada da história recente, como se diz popularmente. Sempre disseram que Bolsonaro e seu séquito não se conformariam com um resultado negativo nas urnas e alegariam fraude de algum tipo. O que não se esperava é que a oposição fosse cooperar tanto com essa narrativa. Agora, eles podem gritar parcialidade com razão.

Como disse a jornalista Paula Schmitt, a campanha do Lula é “a materialização do maior conluio corporatocrata já visto numa campanha política. A coisa é tão surreal que parece comédia. A elite toda está com Lula, em todos os níveis do Consenso Inc –o cartel não-oficial mas extremamente síncrono entre empresas, mídia, acadêmicos, especialistas, artistas e influencers...”

Faltou falar dos piores integrantes desse cartel: os juízes das Supremas cortes, STF, TSE, que de suprema mesmo só têm a parcialidade que resolveram escancarar nessa eleição. Primeiro, como disse um ex deles, Marco Aurélio Mello, o STF resolveu ressuscitar o Lula com base em argumentos de fazer corar pedra, tipo a competência do foro do julgamento do petista que não deveria ter sido em Curitiba, mas sim em Brasília. Como então permitiram que fosse em Curitiba e autorizaram a prisão do cara? Depois, a parcialidade do juiz Sérgio Moro, como se Lula não tivesse sido julgado por outros 8 juízes também. Todos parciais? E, se não houve corrupção, nos casos julgados pela Lava Jato, de onde os integrantes da operação tiraram os 25 bilhões que devolveram aos cofres públicos? Do próprio bolso? Me poupem.

Livraram a cara do Lula com o objetivo de recolocá-lo na presidência da República. Havia sim condições de ter feito o impeachment do Bolsonaro em função, por exemplo, de suas ações desastrosas na pandemia que não o transformaram em genocida (como qualquer um que conheça o significado do termo sabe) mas o colocaram, por negligência e irresponsabilidade, na posição de culpado por mortes que poderiam ter sido evitadas. Se em 2020, em função da pandemia, não havia condições para tal, em 2021 já havia sim, mas não quiseram fazê-lo porque interessava deixar o Bolsonaro aí sangrando (assim pensavam) para ser sparring do Lula. Sem Lula na jogada, abria-se a possibilidade de renovação política com gente capaz de aglutinar votos suficientes para vencer Bolsonaro. Essa história de que só Lula poderia vencer Bolsonaro faz parte das lorotas do cartel.

Como se não bastasse, resolveram travestir um dos personagens mais autoritários da História brasileira, oriundo do grande partido mais autoritário surgido desde a redemocratização, como paladino da democracia contra o fascismo do Bolsonaro. Logo Lula que, antes e durante seus governos, fez um tour por tantas ditaduras mundo afora, com quem negociou obras para os parças da Odebrecht, que até o Muammar al Gaddafi, pervertido genocida ditador da Líbia, por 42 anos, consta como doador de sua primeira campanha na delação de Antonio Palocci.

Lula com Kadafi durante encontro em Abuja, Nigéria, em novembro
 de 2006 Foto: Ricardo Stuckert
Tanto os escândalos de corrupção dos governos Lula quanto seus amores e negociatas com tiranos pelo mundo foram amplamente divulgados pela imprensa. Não obstante, o TSE, em especial seu presidente, o liberticida Alexandre de Moraes, resolveu não só proibir a veiculação dessas informações, sob a desculpa de combate a fake news, como inclusive, no último capítulo dessa infâmia, resolveu obrigar emissora a veicular a fake news de que Lula é inocente. O PT ficou tanto tempo no poder que crianças ou adolescentes daquele período (2003-2016) podem estar votando pela primeira vez agora. Como então, esses novos eleitores não podem saber do passado de um dos candidatos?

A própria ministra Carmen Lúcia se saiu com uma história de que “não se podia permitir a volta de censura sob qualquer argumento no Brasil”, mas muito excepcionalmente, até o dia 31, endossava a censura prévia de um documentário sobre a facada que vitimou Bolsonaro na campanha anterior e a desmonetização de canais pró Bolsonaro. E, ainda por cima, afirmou que era para não comprometer a lisura, higidez e a segurança do processo eleitoral e dos direitos do eleitor.

Então, você vai a um jogo de futebol para ver seu time jogar, o juiz e os bandeirinhas aparecem com o emblema do time adversário e só apontam faltas para o seu time, sem falar em anulações de gols e expulsões de jogadores só do seu time e você acredita na lisura dessa arbitragem? Meu time já saiu do campeonato na primeira rodada, mas um dia pode estar na final. E se calha de seu Alexandre e dona Carmen ainda estarem por aí e decidirem vir com sua “lisura” para cima da minha turma?

Imprensa pode ser parcial. Em grandes democracias, a mídia inclusive assume que está apoiando candidato(a) X ou Y. Melhor do que fingir uma imparcialidade que não tem. E o leitor ou a leitora é que decidem se dão crédito a determinadas empresas de comunicação ou não. Em democracias, não existe essa história de querer obrigar uma emissora a defender teses que ela de fato não endossa. Sério que, desde os idos dos anos 70 do século passado, não ouvia mais falar em censura prévia e esse tipo de imposição a veículos de comunicação. Isso é muito grave. Se a imprensa pode demonstrar parcialidade, juiz não pode não.

E não me venham com historinha de que, como o Bozo é o pior dos mundos, vale tudo para tirá-lo da presidência. Das besteiras que Bozo diz, falar em regular a mídia eu nunca ouvi. Seu Lula, por outro lado, não tira isso da cabeça e da boca. Com a “lisura” dos integrantes da suprema, fica mais fácil obter esse tipo de objetivo – esse sim - inquestionavelmente fascistoide.

Ainda, nessa eleição, me impressionou também o quanto a esquerda em geral está datada. Na campanha do Lula tudo tão surrado: os slogans, as musiquinhas, aquele papinho cínico e furado de esperança e amor, gente abrindo livro para formar L num país de analfabetos e semianalfabetos. Da cruza infernal das eternas viúvas do muro de Berlim com a esquerda identitária (uma degeneração dos muito justos movimentos sociais do passado), surgiu uma esquerda mais preocupada com o sofrimento da turma do elu/delu via erros de pronomes do que com os reais interesses das classes trabalhadoras. Não por menos são as classes trabalhadoras que vêm, cada vez mais, apoiando a extrema-direita em todo o mundo.

Por último, não sou eu que vou dizer em que os outros devem votar. Reconheço que nos colocaram numa situação de se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Entretanto, acho importante que, nessa quase escolha de Sofia, as pessoas votem sem ilusões. Ninguém aí está defendendo democracia coisa nenhuma, nem mesmo os que teriam obrigação de defendê-la. No caso do Lula, todo esse conluio elitista de empresas, mídia, acadêmicos, especialistas, artistas, influencers, políticos, juízes, etc. estão defendendo seus interesses, vide Marina e Simone Tebet, por exemplo, de olho em cargos num possível governo petista. Quem quiser engolir essa marmelada, portanto, que o faça consciente. Lembrando que ainda existe a possibilidade de simplesmente não comê-la.

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

A eleição dos buracos negros, do ponto de não retorno e da absorção da luz

Buraco Negro

Apelidei a atual eleição de 'buraco negro". Originário de um colapso gravitacional de estrelas, o buraco negro apresenta densidade infinita, campo gravitacional intenso, atrai todos os elementos que cruzam o seu horizonte, configurando um ponto de não retorno e absorvendo até a luz.

Nesta eleição temos dois buracos negros, atraindo e absorvendo os elementos políticos que cruzam seu horizonte. Sabíamos que num embate entre petistas e bolsonaristas a baixaria seria farta, mas eles conseguiram se superar.

Depois da história da maçonaria, do satanismo, do canibalismo, de um tal creme de leite, agora temos a homofobia sendo usada pela esquerda contra um guri conservador. Passaram uma imagem, supostamente tirada de um vídeo, onde também supostamente o tal guri aparece fazendo boqt num sujeito. A justificativa para a tal exposição é que o guri seria um gay hipócrita que combate os direitos homossexuais, por aí. Entretanto, ao que tudo indica, o vídeo é falso, o cara que aparece na foto, tirada do vídeo, é um ator pornô, e o guri é hétero. Aí a coisa fica bem feia porque estão imputando homossexualidade a alguém como difamação, a homossexualidade não sendo de natureza difamatória, né mesmo? Não estamos no Irã. Vários gays que conheço estão putos.

E o buraco negro à esquerda continua absorvendo a centro-esquerda e direita para uma tal frente democrática, como se estivéssemos na II Guerra Mundial e fosse necessário fazer aliança com o Stalin para vencer o Hitler. Isso quando estamos, na real, numa mera luta entre duas forças populistas autoritárias e picaretas que se digladiam para ver quem vai nos roubar as poupanças e o futuro simplesmente. Li artigo de um sujeito espinafrando o Lula de cabo a rabo, mas dizendo que votará nele para salvar a tal democracia. Nesse caso, o buraco negro à esquerda já chegou ao ponto de não retorno e absorveu até a luz circundante.

Por outro lado, o buraco negro à direita, já absorveu os lava-jatistas, como o Sérgio Moro, que se uniu a seu antigo algoz, Bozo, contra o lulopetismo. Como ele disse que deixou o governo do Bozo porque o dito o estava impedindo de combater a corrupção, com que cara fica agora nessa aliança e qual a sua real disposição de combater a corrupção no Senado? Estelionato eleitoral para todos os lados.
E os buracos negros estão absorvendo tanto tudo à sua volta que afetam até o campo gravitacional um do outro, tanto que já temos o vice do Zema (Novo), que apoia o Bozo, declarando voto no Lula e o vice do Rui Costa (PT-BA), que apoia o Paim naturalmente, que declarou voto no Bozo. Ler com calma. 

Melhor essa eleição acabar logo antes do país inteiro chegar no ponto de não retorno e desaparecer nos buracos negros e do mapa-múndi.

terça-feira, 30 de agosto de 2022

Mary Shelley: aniversário da criadora do clássico de terror e ficção Frankenstein, o Prometeu Moderno

Mary Shelley, a mãe do Dr. Frankenstein e sua criatura

Quem foi Mary Shelley?

A escritora Mary Shelley publicou seu romance mais famoso, Frankenstein, em 1818. Ela escreveu vários outros livros, incluindo Valperga (1823), O Último Homem (1826), o autobiográfico Lodore (1835) e Mathilde, publicado postumamente.

Vida pregressa

Shelley nasceu Mary Wollstonecraft Godwin em 30 de agosto de 1797, em Londres, Inglaterra. Ela era filha do filósofo e escritor político William Godwin e da famosa feminista Mary Wollstonecraft – autora de The Vindication of the Rights of Woman (1792). Infelizmente para Shelley, ela nunca conheceu a mãe, que morreu logo após seu nascimento. Seu pai William Godwin ficou encarregado de cuidar de Shelley e de sua meia-irmã mais velha Fanny Imlay, que era filha de Wollstonecraft com um soldado.

A dinâmica familiar logo mudou com o casamento de Godwin com Mary Jane Clairmont em 1801. Clairmont trouxe seus dois filhos para a união, e ela e Godwin mais tarde tiveram um filho juntos. Shelley nunca se deu bem com sua madrasta que não lhe deu educação formal, ao contrário de sua meia-irmã Jane (mais tarde Claire) que foi mandada para a escola.

Embora privada de educação formal, Mary fez bom uso da extensa biblioteca de seu pai. Muitas vezes podia ser encontrada lendo, às vezes junto ao túmulo da mãe. Ela também encontrou na escrita uma saída criativa dos problemas familiares. De acordo com The Life and Letters of Mary Wollstonecraft, Mary explicou que "Quando criança, eu escrevia; e meu passatempo favorito, durante as horas que me davam para recreação, era 'escrever histórias'".

Esposo

Em 1814, Mary começou um relacionamento com o poeta Percy Bysshe Shelley que era um aluno dedicado de seu pai. Ele ainda era casado com sua primeira esposa quando fugiu da Inglaterra com a adolescente Mary naquele mesmo ano. O casal estava acompanhado de Jane, meia-irmã de Mary. A fuga de Mary levou a uma ruptura com seu pai, que não falou com ela por algum tempo.

Escrevendo 'Frankenstein' e outras obras

Mary e Percy viajaram pela Europa por um tempo, apesar dos problemas financeiros e da perda de sua primeira filha em 1815. No verão seguinte, os Shelleys estavam na Suíça com Jane Clairmont, Lord Byron e John Polidori. O grupo se divertiu em um dia chuvoso lendo um livro de histórias de fantasmas. Lord Byron sugeriu que todos tentassem escrever sua própria história de terror. Foi nessa época que Mary Shelley começou a trabalhar no que se tornaria seu romance mais famoso,

Frankenstein, ou o Prometeu Moderno.

Mais tarde naquele ano, Mary sofreu a perda de sua meia-irmã Fanny, que cometeu suicídio. Outro suicídio, desta vez da esposa de Percy, ocorreu pouco tempo depois, permitindo que. Mary e Percy Shelley finalmente pudessem se casar em dezembro de 1816. Ela publicou um diário de viagem de sua fuga pela Europa, History of a Six Weeks' Tour (1817), enquanto continuava a trabalhar em seu conto de um dos monstros mais famosos da história da ficção literária. Em 1818, Frankenstein, ou o Prometeu Moderno estreou como um novo romance de um autor anônimo. Muitos pensaram que Percy Bysshe Shelley o havia escrito porque havia escrito a introdução. O livro provou ser um grande sucesso. Nesse mesmo ano, os Shelleys se mudaram para a Itália.

Embora Mary parecesse dedicada ao marido, não teve um casamento fácil: adultério e a morte de mais dois de seus filhos marcaram a união. Apenas um de seus filhos, nascido em 1819, Percy Florence, sobreviveu até a idade adulta. Em 1822, outra tragédia abalou a vida de Mary: seu marido se afogou quando estava navegando com um amigo no Golfo de Spezia.

Anos depois

Ficou viúva aos 24 anos, Shelley trabalhou duro para sustentar a si mesma e ao filho. Ela escreveu vários outros romances, incluindo Valperga e o conto de ficção científica The Last Man (1826). Ela também se dedicou a promover a poesia de seu marido e preservar seu lugar na história literária. Por vários anos, Shelley enfrentou alguma oposição do pai de seu falecido marido, que sempre desaprovou o estilo de vida boêmio do filho.

Morte

Shelley morreu de câncer no cérebro em 1º de fevereiro de 1851, aos 53 anos, em Londres, Inglaterra. Foi enterrada na Igreja de São Pedro em Bournemouth, com os restos cremados do coração de seu falecido marido.

Legado

Só cerca de um século depois de seu falecimento, um de seus romances, Mathilde, foi finalmente lançado na década de 1950. Seu legado mais duradouro, no entanto, continua sendo o conto clássico de Frankenstein. A luta entre o criador e sua criatura tem sido fonte inesgotável da cultura popular em séries e filmes, como na ótima série Penny Dreadful, e nos filmes desde 1931, com o clássico ator Boris Karllof até o último Eu, Frankenstein com Aaron Eckhart. Com informações de The Biography.com 

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Geneticista molecular contesta a ideia surreal de mulher como um mero sentimento dos dias atuais

Peter Boghossian entrevista geneticista molecular

Em espécie de debate, promovido pelo filósofo e pedagogo Peter Boghossian em Berkeley, Universidade da Califórnia, em 19/04/2022, uma geneticista molecular respondeu porque discorda veementemente que transfemininas sejam consideradas legalmente mulheres.

Peter Boghossian: Por que você discorda de que trans sejam tratadas legalmente como mulheres? 

Entrevistada: porque eu sou uma geneticista molecular. Ser do sexo feminino ou masculino é um processo de desenvolvimento, não há como retroceder nele. Você não pode mudar de sexo. Não pode fazer isso.

A verdade é que atualmente, nas prisões da Califórnia e em prisões de outras partes do país, mulheres estão sendo engravidadas por outras "mulheres". E não tem jeito, isso é contra a Organização das Nações Unidas... Depois da II Guerra Mundial, se não me engano a Corte de Haia (órgão judiciário da Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu que prisioneiras não podem ser alocadas com prisioneiros porque elas são estupradas. E isso está acontecendo hoje.

Meu coração acelera quando vou ao vestiário da academia e encontro um cara lá colocando maquiagem e brincos de argola, algo que mulheres não fazem quando vão malhar. Nem mulheres batem umas nas outras até a morte. Homens fazem isso.

É tão triste que as mulheres tenham internalizado a misoginia a tal ponto que o conforto dos homens tenha precedência sobre a segurança das mulheres. Há uma razão para mulheres não estarem numa prisão masculina: porque homens batem uns nos outros até a morte. Mulheres não fazem isso.

Peter BoghossianHaveria alguma coisa que lhe faria mudar seu ponto de vista? Alguma coisa que escutou dos outros entrevistados a faria mudar alguma coisa em sua oposição à ideia de trans serem consideradas legalmente mulheres? Tudo bem dizer que não. Só estou tentando entender.

Entrevistada: Ah, eu refleti bem sobre isso.

Peter Boghossian: Tem certeza?

Entrevistada: Tanta quanto sobre essa mão aqui em frente ao meu rosto ser minha e não sua. Absolutamente. 

terça-feira, 19 de julho de 2022

Dzi Croquettes: os libertários bailarinos dos anos 70 entre a força do macho e a graça da fêmea


1. “Nem homem. Nem mulher. Gente."

Livres e libertários, vestidos com purpurina, saias e cílios postiços, um conjunto de forças masculinas entrava no palco em pleno regime de ditadura militar no Brasil. Dzi Croquettes, grupo de teatro que surgiu na década de 70, no Rio de Janeiro, montava espetáculos musicais com uma enorme dose de ousadia, humor e irreverência.

O grupo foi resgatado recentemente pelo documentário Dzi Croquettes (ver abaixo), realizado por Raphael Alvarez e Tatiana Issa, em 2009, e pelo livro “A Palavra Mágica: a vida cotidiana do Dzi Croquettes”, de Rosemary Lobert, lançado em 2010 (publicação de sua dissertação de mestrado em antropologia social, 1979). Apesar de inúmeras apresentações no Rio de Janeiro, São Paulo e Paris, os únicos registros encontrados para a elaboração do filme foram de uma TV pública alemã e algumas cenas de entrevistas da rede Globo, no Brasil. A iniciativa de levantar a pesquisa e a recuperação desse material salva o grupo do esquecimento e denota a grande importância que os Dzi Croquettes tiveram para a arte, o teatro e a vida de toda uma geração.

Dzi Croquettes eram “As Internacionais”. Treze homens fortes, másculos e peludos entravam no palco com figurinos glamourosos: saias, sapatos altos, maquiagem carregada e corpos quase nus. Eram eles: Lennie Dale, Wagner Ribeiro de Souza, Cláudio Gaya, Cláudio Tovar, Ciro Barcelos, Reginaldo de Poli, Bayard Tonelli, Rogério de Poli, Paulo Bacellar, Benedictus Lacerda, Carlinhos Machado, Eloy Simões e Roberto de Rodriguez. Em poucos anos, foram responsáveis por uma revolução de comportamento, libertando-se de valores morais com relação à masculinidade e feminilidade, em um momento político em que “toda nudez era castigada”.

Eram homens vestidos de mulher, mas ninguém queria ser mulher” diz o cantor Ney Matogrosso em seu depoimento, presente no documentário. A questão era justamente essa: jogar com uma sexualidade dúbia fugindo de qualquer tipo de classificação. “Qual é essa mania de classificar?”, dizia um dos integrantes.

Criou-se então uma confusão de estereótipos sexuais confundindo inclusive a própria ditadura que não conseguia detectar onde estava exatamente a ameaça do grupo, além dos corpos nus. Negando os rótulos e assumindo a multiplicidade de caracteres, eles mesmos diziam:
Os Dzi Croquettes não são representantes do gay-power, nem dos andróginos, nem dos homens, nem das mulheres, nem dos brancos, nem dos pretos, mas de todos. Porque ou a gente representa todos ou não representa nada.”
Em 1973 Dzi Croquettes é censurado, mas depois de 30 dias é liberado por falta de argumentos consistentes, com a condição imposta de cobrirem seus corpos. Vale lembrar a tradição do carnaval brasileiro onde, durante os dias de festa, muitos homens se vestem de mulher. O grupo assim era político na maneira de ser e criticava as instituições nas entrelinhas da comédia musical.

Os espetáculos misturavam jazz, musicais da Broadway, cabaré, samba, teatro de revista, macumba, bossa-nova, improvisação, num exercício de pura antropofagia, evocando o manifesto de Oswald de Andrade: “Só a antropofagia nos une.” Devorando todas as culturas e falando várias línguas, os Dzi Croquettes alcançavam todo o tipo de público e levando ao extremo a própria noção de espetáculo.

 

2. Breve história do grupo

Com o espetáculo “Gente Computada Igual a Você”, de 1972, o grupo fez enorme sucesso no Rio de Janeiro e em São Paulo. Apresentando números cantados e dançados assim como monólogos e paródias, os Dzi abusavam da ironia e do duplo sentido. Os textos eram de autoria de Wagner Ribeiro e o preparo técnico do grupo ficava por conta de Lennie Dale, coreógrafo norte-americano naturalizado brasileiro. Eles se auto-denominavam “as internacionais” pela multiplicidade de línguas que compunham o espetáculo: português, inglês e francês eram as mais utilizadas. E o humor escrachado permeava todas elas num exercício de extrema liberdade de linguagem teatral.

Foi criado ainda todo um vocabulário “croquette”, com algumas palavras tão utilizadas que chegaram a entrar para dicionário da língua portuguesa como, por exemplo, “tiete”. O nome Dzi Croquettes foi também escolhido pela via do humor. Inspirado no grupo americano The Cockettes, fez-se uma alusão aos croquetes que eles estavam comendo no momento e a sonoridade do artigo the (zê - dzi). Dzi Croquettes. Afinal, como os croquetes, diziam, somos todos feitos de carne.

Essencialmente coletivo, o processo de criação dos Dzi Croquettes era do Teatro de Grupo, em sua versão mais radical. Além de atuarem juntos e acreditarem na mesma concepção estética e ideológica de linguagem, os Dzi Croquettes viviam juntos, como uma família, estabelecendo funções e papeis para cada membro: pai, mãe, filhas, tias, governanta, camareira, enfim; fazendo da própria vida um teatro e do teatro a vida. Em casa ou no palco, o que os Dzi Croquettes estavam propondo era uma forma de vida.

Pouco depois de censurados no Brasil, os Dzi Croquettes decidem embarcar para a Europa apenas com o dinheiro dos espetáculos e quase duas toneladas de cenário e figurinos. Uma sessão especial em Paris feita para Lisa Minelli e seus convidados lotou o teatro e eles alcançaram sucesso e reconhecimento. A atriz, tida como a madrinha do grupo, não esconde a grande admiração: “Eles se expressavam com todo o corpo e nós sentíamos essa energia em volta deles. Como se tivesse fumaça.”

 
Josephine Baker            

A cantora e bailarina Josephine Baker, que na ocasião estava entre os convidados de Liza Minelli, havia dito ao diretor do Teatro Bobino que quando ela morresse gostaria que os Dzi Croquettes fossem os próximos a se apresentar. O que de fato aconteceu quando, depois de uma semana de apresentações, em abril de 1975, Josephine Baker falece e o diretor, atendendo ao seu ultimo pedido, chama os Dzi Croquettes para ocupar o palco. Com o sucesso novamente e a presença de convidados ilustres na platéia como Jeane Moreau, Mick Jagger, Maurice Bejart, entre outros, o grupo alcança fama na Europa, mas decidem voltar para o Brasil em seguida.

No entanto, no inicio dos 80, com o aparecimento da Aids, o grupo perdeu quatro integrantes, sendo que na sequência três morreram assassinados e um de aneurisma. Dos treze restaram cinco: Ciro Barcellos - ator; Benedictus Lacerda - guia turístico; Rogério de Poly - ator; Bayard Tonelli - ator, diretor de arte e coreógrafo; e Cláudio Tovar - ator, cenógrafo e figurinista.

  

3. Contaminações e influências

Os figurinos incorporavam o lixo com glamour internacional. Feitos com restos de carnaval, roupas encontradas, collants desfiados, lantejoulas, meias de futebol, vestidos e fraques, a composição do vestuário era uma mistura de tons, cores e texturas onde o lixo virava luxo. Na cena em que eles dançavam “Assim Falou Zaratustra”, de Strauss, por exemplo, tecidos esvoaçantes ganhavam movimento como asas de Loïe Fuller, como se fossem mariposas voando pelo palco. O humor estava presente em todo momento, seja na escolha das músicas, na combinação de movimentos ou nos textos.

A rigidez técnica e o preparo físico, exigido por Lennie Dale, no entanto, fazia do grupo bailarinos profissionais. O trabalho de corpo com base em aulas de jazz e sapateado – ritmos adotados pelos musicais da Broadway – possibilitava a execução de movimentos limpos e precisos, o que dava contraponto ao excesso de liberdade corporal e textual. Visível, por exemplo, no bolero “Dois pra lá dois pra cá”, na voz de Elis Regina, dançado com rigor técnico e atrevimento.

No rosto, a maquiagem criava um disfarce. Eram como máscaras que ocultam e revelam ao mesmo tempo. Onde é possível ver sem ser visto. Um mural cênico composto de objetos e símbolos astronômicos, plataformas móveis e intensos focos de luz compunham uma capa de excessos. O olhar não abarcava o conjunto e o movimento era acelerado. No entanto tudo funcionava. Em acúmulos, desvios ou dribles de risos, moviam certezas na convicção de seus passos.

A devoração de elementos estrangeiros em fusão com a cultura brasileira presente também no Tropicalismo e nas idéias do Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade tem a sua máxima expressão com Dzi Croquettes.

Pela contracultura e experimentalismos de vanguarda, o grupo levou ao extremo as tentativas de superar as dicotomias arte/vida, arte/antiarte, fazendo do teatro, afinal, um projeto de vida. Nas palavras de Lennie Dale: “Life is a cabaret”.

Dzi Croquettes existiu entre 1972 e 1976 e exerceu influência em inúmeros artistas como Secos & Molhados, Ney Matogrosso, Frenéticas, entre muitos outros. Nota-se também a importância que tiveram no âmbito teatral, influenciando grupos como o Teatro Vivencial, de Recife, e toda uma corrente que leva adiante os conceitos de teatro de grupo e criação coletiva. Também o gênero pastelão, caricatura, deboche e comédia de costumes, travestismo e o movimento gay se apoiaram no vigor da presença do grupo. As contaminações disseminavam com velocidade em toda a arte dessa época.

Com a “força do macho e a graça da fêmea”, slogan da trupe, os Dzi Croquettes passaram como um vento forte balançando as estruturas. Um lugar onde nada é estático, onde os conceitos se misturam desorientando classificações. Intensos, magnéticos e ousados, deixam o recado:

Já que somos todos ignorantes, enlouqueçamos, pois.”

 

Raphael Alvarez e Tatiana Issa. Dzi Croquettes [Filme] Tria Produçoes. Brasil 2009.
 LOBERT, Rosemary. A palavra mágica: a vida cotidiana dos Dzi Croquettes, ed. Unicamp, Campinas: 2010
 Folha de São Paulo, 2.8.1973 in LOBERT, R., Op. Cit.. p.245

Clipping A força do macho e a graça da fêmea: Dzi Croquettes, por Lucila Vilela, Interartive, 02/2011


A força do macho e a graça da fêmea

Documentário sobre os Dzi Croquettes traz às novas gerações a trajetória do importante grupo teatral brasileiro

Treze homens em um palco. Maquiagens, muita dança, humor escrachado, pernas peludas à mostra pelo uso de vestidos curtos. "A força do macho e a graça da fêmea" era o mote que exemplificava a androginia característica. Isto era um pouco do que representavam os Dzi Croquettes, famoso grupo teatral que impactou o público na década de 70 (inserido no contexto do Ato Institucional nº 5, durante a Ditadura Militar brasileira, no auge da censura). A trajetória destes artistas está sendo contada no documentário Dzi Croquettes, dirigido por Tatiana Issa e Raphael Alvarez, que estreou nos cinemas nacionais em 16/07/2010 (ver abaixo).. Trazendo depoimentos de ex-integrantes e de diversos artistas (de Liza Minnelli a Ney Matogrosso), o longa-metragem busca recuperar estas tão importantes figuras da arte nacional, que infelizmente ficaram esquecidas no baú do passado.

Os Dzi Croquettes surgiram de um produtivo papo em uma mesa de bar, na qual estavam o dramaturgo e ator Wagner Ribeiro, Reginaldo de Poly e Bayard Tonelli.
Eles não sabiam bem como seria, mas tinham como base a ideia de uma coisa irreverente", conta Cláudio Tovar, que fez parte do grupo, em entrevista à Rolling Stone Brasil.
O projeto foi levado a Lennie Dale, nova-iorquino radicado no Brasil (considerado um gênio da dança), por seu aluno Ciro Barcelos, e imediatamente o coreógrafo se apaixonou pela ideia, encabeçando o grupo ao lado de Wagner. O ano do nascimento foi 1972. A partir daí, os Dzi Croquettes passaram a se valer da atuação, do humor e da dança para se expressar de forma livre em um contexto extremamente repressor.

Você possivelmente deve estar pensando: "Se o grupo é tão significativo, como nunca ouvi falar dele?" Pois é. Estes artistas entram na lista de nomes que ficaram esquecidos por não haver quase material registrado, muitas vezes por culpa da ditadura. A princípio, o grupo não foi barrado pelos militares durante o ensaio para a censura, realizado em 1973.
Como tínhamos essa variação no figurino, fizemos praticamente uma peça infantil. Era um bando de retardados, dançando como idiotas, vestidos de ursinhos", conta Tovar. "E eles não entenderam porra nenhuma, claro."
Porém, tempos depois, ao perceber do que tratavam os espetáculos, os generais proibiram definitivamente a exibição. Mas era tarde.
Já havíamos passado por duas boates e dois teatros. Já tínhamos feito a cabeça de milhares de pessoas, que viam naquilo uma possibilidade enorme de uma vida menos careta", explica o ex-integrante.
Pouco tempo depois, o espetáculo foi liberado e entrou em cartaz em São Paulo - posteriormente, com o dinheiro arrecadado, o grupo viajou para o exterior. Com humor e graça, os 13 atores e dançarinos (Lennie Dale, Wagner Ribeiro, Cláudio Tovar, Cláudio Gaia, Rogério de Poly e Reginaldo de Poly, Bayard Tonelli, Paulo Bacellar, Benedictus Lacerda, Carlos Machado, Eloy Simões, Roberto Rodrigues e Ciro Barcelos) davam, nas entrelinhas, verdadeiros safanões na sociedade e na realidade política do período.

Como forma de resgatar esse trecho de grande importância à cultura nacional, Tatiana Issa e Raphael Alvarez, amigos há 25 anos, suaram a camisa para conseguir coletar imagens e adquirir o maior número depoimentos para a elaboração de Dzi Croquettes.
Eu falava com todo mundo da minha geração: 'Isso na peça vem de Dzi Croquettes, aquilo também'. E ninguém nunca tinha ouvido falar deles", conta a diretora.
Sobretudo para Tatiana, o trabalho teve caráter pessoal, já que seu pai, Américo Issa, integrava a equipe técnica do espetáculo - e traçar a trajetória do grupo significava inevitavelmente trazer de volta parte da história de vida de Américo e cenas de sua própria infância.

O projeto começou a ser realizado em 2007, contando com os relatos dos integrantes remanescentes da formação original, bem como de artistas influenciados pelos Dzi - entre eles Liza Minnelli, que era a "madrinha" do grupo e amiga de Dale. Um dos grandes presentes do documentário são as cenas inéditas do espetáculo, gravadas pelo canal televisivo alemão MDR. As imagens foram resgatadas pela dupla de diretores após intensa procura, já que no Brasil não havia registros.
Não fazia sentido trabalhar nisso sem imagens de arquivo", diz Tatiana. "

 A TV alemã filmou e guardou.

 Descobrimos que esta fita existia e negociamos os direitos de exibição."
Segundo Tovar, as filmagens aconteceram durante o período de uma semana, enquanto a equipe estava em cartaz em Paris, e foi ao ar em um especial de fim de ano, em 1975.

Legado

Os Dzi Croquettes são vistos como exemplo de inovação nas artes teatrais. Com olhar muito a frente de seu tempo, uniam na dança, por exemplo, o jazz e o samba, numa representação consistente da antropofagia tão citada por Mário de Andrade, décadas antes. Quando o assunto era a forma com a qual se apresentavam no palco, um senso de liberdade surpreendente se fazia presente. Como se definiam, não eram homens ou mulheres, eram gente.

Muitos sustentam que o chamado besteirol começou ali, com o roteiro de Wagner Ribeiro.
As coisas eram ditas com humor, mas dando porrada. Foi a maneira que encontramos de falar o que a gente queria", lembra Tovar. "Era um musical muito brasileiro."
E é exatamente com relação a essa brasilidade que o ato antropofágico se encaixa. Havia músicas norte-americanas, já que Lennie Dale vinha dos Estados Unidos e trazia na bagagem a carreira como bailarino de jazz, mas as apresentações eram compostas majoritariamente pelo som nacional, como o samba e gafieira.

Pegamos o musical americano, deglutimos e jogamos de novo como se fosse algo nosso", afirma o ex-integrante.

No que diz respeito à postura no palco, os Dzi Croquettes foram os precursores no tratamento da sexualidade de forma aberta. No figurino dos 13 integrantes, tapa-sexo, botas de salto seis e maquiagem forte eram o básico. O resto vinha por cima - trajes doados por grandes estrelas da época, como Leila Diniz, Liza e Elke Maravilha e sobras de fantasias de escolas de samba.
Tudo era muito assumido. A década de 70 foi uma época bastante liberada, foi com a aids depois que a coisa ficou feia", diz Tovar.
Não valia a pena segurar a onda de porra nenhuma. Ainda mais em um período de repressão como aquele. Iria ainda reprimir sua própria sexualidade?"
O diretor Raphael Alvarez completa:
O que eles queriam mostrar era que não importava a sexualidade de cada um, havia coisas mais importantes que isso."
De acordo com os diretores, a princípio, o projeto teve dificuldade em conseguir patrocínio, talvez por ainda existirem certos tabus.

Não sei se era por causa da chegada da aids no Brasil, do primeiro movimento gay, da ditadura", diz Raphael Alvarez. "Ou a gente parava ou fazia com a nossa grana."

Obstáculos ultrapassados com a parceria do Canal Brasil, o longa-metragem agora entrou em cartaz nos cinemas nacionais para que os curiosos pudessem conhecer mais desta parte importante da produção cultural brasileira.

Clipping "A Força Do Macho E A Graça Da Fêmea, Por Patrícia Colombo, Rolling Stones, 18/07/2010 

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