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Quando Deus era mulher:

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Aserá,

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terça-feira, 30 de agosto de 2022

Mary Shelley: aniversário da criadora do clássico de terror e ficção Frankenstein, o Prometeu Moderno

Mary Shelley, a mãe do Dr. Frankenstein e sua criatura

Quem foi Mary Shelley?

A escritora Mary Shelley publicou seu romance mais famoso, Frankenstein, em 1818. Ela escreveu vários outros livros, incluindo Valperga (1823), O Último Homem (1826), o autobiográfico Lodore (1835) e Mathilde, publicado postumamente.

Vida pregressa

Shelley nasceu Mary Wollstonecraft Godwin em 30 de agosto de 1797, em Londres, Inglaterra. Ela era filha do filósofo e escritor político William Godwin e da famosa feminista Mary Wollstonecraft – autora de The Vindication of the Rights of Woman (1792). Infelizmente para Shelley, ela nunca conheceu a mãe, que morreu logo após seu nascimento. Seu pai William Godwin ficou encarregado de cuidar de Shelley e de sua meia-irmã mais velha Fanny Imlay, que era filha de Wollstonecraft com um soldado.

A dinâmica familiar logo mudou com o casamento de Godwin com Mary Jane Clairmont em 1801. Clairmont trouxe seus dois filhos para a união, e ela e Godwin mais tarde tiveram um filho juntos. Shelley nunca se deu bem com sua madrasta que não lhe deu educação formal, ao contrário de sua meia-irmã Jane (mais tarde Claire) que foi mandada para a escola.

Embora privada de educação formal, Mary fez bom uso da extensa biblioteca de seu pai. Muitas vezes podia ser encontrada lendo, às vezes junto ao túmulo da mãe. Ela também encontrou na escrita uma saída criativa dos problemas familiares. De acordo com The Life and Letters of Mary Wollstonecraft, Mary explicou que "Quando criança, eu escrevia; e meu passatempo favorito, durante as horas que me davam para recreação, era 'escrever histórias'".

Esposo

Em 1814, Mary começou um relacionamento com o poeta Percy Bysshe Shelley que era um aluno dedicado de seu pai. Ele ainda era casado com sua primeira esposa quando fugiu da Inglaterra com a adolescente Mary naquele mesmo ano. O casal estava acompanhado de Jane, meia-irmã de Mary. A fuga de Mary levou a uma ruptura com seu pai, que não falou com ela por algum tempo.

Escrevendo 'Frankenstein' e outras obras

Mary e Percy viajaram pela Europa por um tempo, apesar dos problemas financeiros e da perda de sua primeira filha em 1815. No verão seguinte, os Shelleys estavam na Suíça com Jane Clairmont, Lord Byron e John Polidori. O grupo se divertiu em um dia chuvoso lendo um livro de histórias de fantasmas. Lord Byron sugeriu que todos tentassem escrever sua própria história de terror. Foi nessa época que Mary Shelley começou a trabalhar no que se tornaria seu romance mais famoso,

Frankenstein, ou o Prometeu Moderno.

Mais tarde naquele ano, Mary sofreu a perda de sua meia-irmã Fanny, que cometeu suicídio. Outro suicídio, desta vez da esposa de Percy, ocorreu pouco tempo depois, permitindo que. Mary e Percy Shelley finalmente pudessem se casar em dezembro de 1816. Ela publicou um diário de viagem de sua fuga pela Europa, History of a Six Weeks' Tour (1817), enquanto continuava a trabalhar em seu conto de um dos monstros mais famosos da história da ficção literária. Em 1818, Frankenstein, ou o Prometeu Moderno estreou como um novo romance de um autor anônimo. Muitos pensaram que Percy Bysshe Shelley o havia escrito porque havia escrito a introdução. O livro provou ser um grande sucesso. Nesse mesmo ano, os Shelleys se mudaram para a Itália.

Embora Mary parecesse dedicada ao marido, não teve um casamento fácil: adultério e a morte de mais dois de seus filhos marcaram a união. Apenas um de seus filhos, nascido em 1819, Percy Florence, sobreviveu até a idade adulta. Em 1822, outra tragédia abalou a vida de Mary: seu marido se afogou quando estava navegando com um amigo no Golfo de Spezia.

Anos depois

Ficou viúva aos 24 anos, Shelley trabalhou duro para sustentar a si mesma e ao filho. Ela escreveu vários outros romances, incluindo Valperga e o conto de ficção científica The Last Man (1826). Ela também se dedicou a promover a poesia de seu marido e preservar seu lugar na história literária. Por vários anos, Shelley enfrentou alguma oposição do pai de seu falecido marido, que sempre desaprovou o estilo de vida boêmio do filho.

Morte

Shelley morreu de câncer no cérebro em 1º de fevereiro de 1851, aos 53 anos, em Londres, Inglaterra. Foi enterrada na Igreja de São Pedro em Bournemouth, com os restos cremados do coração de seu falecido marido.

Legado

Só cerca de um século depois de seu falecimento, um de seus romances, Mathilde, foi finalmente lançado na década de 1950. Seu legado mais duradouro, no entanto, continua sendo o conto clássico de Frankenstein. A luta entre o criador e sua criatura tem sido fonte inesgotável da cultura popular em séries e filmes, como na ótima série Penny Dreadful, e nos filmes desde 1931, com o clássico ator Boris Karllof até o último Eu, Frankenstein com Aaron Eckhart. Com informações de The Biography.com 

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Geneticista molecular contesta a ideia surreal de mulher como um mero sentimento dos dias atuais

Peter Boghossian entrevista geneticista molecular

Em espécie de debate, promovido pelo filósofo e pedagogo Peter Boghossian em Berkeley, Universidade da Califórnia, em 19/04/2022, uma geneticista molecular respondeu porque discorda veementemente que transfemininas sejam consideradas legalmente mulheres.

Peter Boghossian: Por que você discorda de que trans sejam tratadas legalmente como mulheres? 

Entrevistada: porque eu sou uma geneticista molecular. Ser do sexo feminino ou masculino é um processo de desenvolvimento, não há como retroceder nele. Você não pode mudar de sexo. Não pode fazer isso.

A verdade é que atualmente, nas prisões da Califórnia e em prisões de outras partes do país, mulheres estão sendo engravidadas por outras "mulheres". E não tem jeito, isso é contra a Organização das Nações Unidas... Depois da II Guerra Mundial, se não me engano a Corte de Haia (órgão judiciário da Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu que prisioneiras não podem ser alocadas com prisioneiros porque elas são estupradas. E isso está acontecendo hoje.

Meu coração acelera quando vou ao vestiário da academia e encontro um cara lá colocando maquiagem e brincos de argola, algo que mulheres não fazem quando vão malhar. Nem mulheres batem umas nas outras até a morte. Homens fazem isso.

É tão triste que as mulheres tenham internalizado a misoginia a tal ponto que o conforto dos homens tenha precedência sobre a segurança das mulheres. Há uma razão para mulheres não estarem numa prisão masculina: porque homens batem uns nos outros até a morte. Mulheres não fazem isso.

Peter BoghossianHaveria alguma coisa que lhe faria mudar seu ponto de vista? Alguma coisa que escutou dos outros entrevistados a faria mudar alguma coisa em sua oposição à ideia de trans serem consideradas legalmente mulheres? Tudo bem dizer que não. Só estou tentando entender.

Entrevistada: Ah, eu refleti bem sobre isso.

Peter Boghossian: Tem certeza?

Entrevistada: Tanta quanto sobre essa mão aqui em frente ao meu rosto ser minha e não sua. Absolutamente. 

terça-feira, 19 de julho de 2022

Dzi Croquettes: os libertários bailarinos dos anos 70 entre a força do macho e a graça da fêmea


1. “Nem homem. Nem mulher. Gente."

Livres e libertários, vestidos com purpurina, saias e cílios postiços, um conjunto de forças masculinas entrava no palco em pleno regime de ditadura militar no Brasil. Dzi Croquettes, grupo de teatro que surgiu na década de 70, no Rio de Janeiro, montava espetáculos musicais com uma enorme dose de ousadia, humor e irreverência.

O grupo foi resgatado recentemente pelo documentário Dzi Croquettes (ver abaixo), realizado por Raphael Alvarez e Tatiana Issa, em 2009, e pelo livro “A Palavra Mágica: a vida cotidiana do Dzi Croquettes”, de Rosemary Lobert, lançado em 2010 (publicação de sua dissertação de mestrado em antropologia social, 1979). Apesar de inúmeras apresentações no Rio de Janeiro, São Paulo e Paris, os únicos registros encontrados para a elaboração do filme foram de uma TV pública alemã e algumas cenas de entrevistas da rede Globo, no Brasil. A iniciativa de levantar a pesquisa e a recuperação desse material salva o grupo do esquecimento e denota a grande importância que os Dzi Croquettes tiveram para a arte, o teatro e a vida de toda uma geração.

Dzi Croquettes eram “As Internacionais”. Treze homens fortes, másculos e peludos entravam no palco com figurinos glamourosos: saias, sapatos altos, maquiagem carregada e corpos quase nus. Eram eles: Lennie Dale, Wagner Ribeiro de Souza, Cláudio Gaya, Cláudio Tovar, Ciro Barcelos, Reginaldo de Poli, Bayard Tonelli, Rogério de Poli, Paulo Bacellar, Benedictus Lacerda, Carlinhos Machado, Eloy Simões e Roberto de Rodriguez. Em poucos anos, foram responsáveis por uma revolução de comportamento, libertando-se de valores morais com relação à masculinidade e feminilidade, em um momento político em que “toda nudez era castigada”.

Eram homens vestidos de mulher, mas ninguém queria ser mulher” diz o cantor Ney Matogrosso em seu depoimento, presente no documentário. A questão era justamente essa: jogar com uma sexualidade dúbia fugindo de qualquer tipo de classificação. “Qual é essa mania de classificar?”, dizia um dos integrantes.

Criou-se então uma confusão de estereótipos sexuais confundindo inclusive a própria ditadura que não conseguia detectar onde estava exatamente a ameaça do grupo, além dos corpos nus. Negando os rótulos e assumindo a multiplicidade de caracteres, eles mesmos diziam:
Os Dzi Croquettes não são representantes do gay-power, nem dos andróginos, nem dos homens, nem das mulheres, nem dos brancos, nem dos pretos, mas de todos. Porque ou a gente representa todos ou não representa nada.”
Em 1973 Dzi Croquettes é censurado, mas depois de 30 dias é liberado por falta de argumentos consistentes, com a condição imposta de cobrirem seus corpos. Vale lembrar a tradição do carnaval brasileiro onde, durante os dias de festa, muitos homens se vestem de mulher. O grupo assim era político na maneira de ser e criticava as instituições nas entrelinhas da comédia musical.

Os espetáculos misturavam jazz, musicais da Broadway, cabaré, samba, teatro de revista, macumba, bossa-nova, improvisação, num exercício de pura antropofagia, evocando o manifesto de Oswald de Andrade: “Só a antropofagia nos une.” Devorando todas as culturas e falando várias línguas, os Dzi Croquettes alcançavam todo o tipo de público e levando ao extremo a própria noção de espetáculo.

 

2. Breve história do grupo

Com o espetáculo “Gente Computada Igual a Você”, de 1972, o grupo fez enorme sucesso no Rio de Janeiro e em São Paulo. Apresentando números cantados e dançados assim como monólogos e paródias, os Dzi abusavam da ironia e do duplo sentido. Os textos eram de autoria de Wagner Ribeiro e o preparo técnico do grupo ficava por conta de Lennie Dale, coreógrafo norte-americano naturalizado brasileiro. Eles se auto-denominavam “as internacionais” pela multiplicidade de línguas que compunham o espetáculo: português, inglês e francês eram as mais utilizadas. E o humor escrachado permeava todas elas num exercício de extrema liberdade de linguagem teatral.

Foi criado ainda todo um vocabulário “croquette”, com algumas palavras tão utilizadas que chegaram a entrar para dicionário da língua portuguesa como, por exemplo, “tiete”. O nome Dzi Croquettes foi também escolhido pela via do humor. Inspirado no grupo americano The Cockettes, fez-se uma alusão aos croquetes que eles estavam comendo no momento e a sonoridade do artigo the (zê - dzi). Dzi Croquettes. Afinal, como os croquetes, diziam, somos todos feitos de carne.

Essencialmente coletivo, o processo de criação dos Dzi Croquettes era do Teatro de Grupo, em sua versão mais radical. Além de atuarem juntos e acreditarem na mesma concepção estética e ideológica de linguagem, os Dzi Croquettes viviam juntos, como uma família, estabelecendo funções e papeis para cada membro: pai, mãe, filhas, tias, governanta, camareira, enfim; fazendo da própria vida um teatro e do teatro a vida. Em casa ou no palco, o que os Dzi Croquettes estavam propondo era uma forma de vida.

Pouco depois de censurados no Brasil, os Dzi Croquettes decidem embarcar para a Europa apenas com o dinheiro dos espetáculos e quase duas toneladas de cenário e figurinos. Uma sessão especial em Paris feita para Lisa Minelli e seus convidados lotou o teatro e eles alcançaram sucesso e reconhecimento. A atriz, tida como a madrinha do grupo, não esconde a grande admiração: “Eles se expressavam com todo o corpo e nós sentíamos essa energia em volta deles. Como se tivesse fumaça.”

 
Josephine Baker            

A cantora e bailarina Josephine Baker, que na ocasião estava entre os convidados de Liza Minelli, havia dito ao diretor do Teatro Bobino que quando ela morresse gostaria que os Dzi Croquettes fossem os próximos a se apresentar. O que de fato aconteceu quando, depois de uma semana de apresentações, em abril de 1975, Josephine Baker falece e o diretor, atendendo ao seu ultimo pedido, chama os Dzi Croquettes para ocupar o palco. Com o sucesso novamente e a presença de convidados ilustres na platéia como Jeane Moreau, Mick Jagger, Maurice Bejart, entre outros, o grupo alcança fama na Europa, mas decidem voltar para o Brasil em seguida.

No entanto, no inicio dos 80, com o aparecimento da Aids, o grupo perdeu quatro integrantes, sendo que na sequência três morreram assassinados e um de aneurisma. Dos treze restaram cinco: Ciro Barcellos - ator; Benedictus Lacerda - guia turístico; Rogério de Poly - ator; Bayard Tonelli - ator, diretor de arte e coreógrafo; e Cláudio Tovar - ator, cenógrafo e figurinista.

  

3. Contaminações e influências

Os figurinos incorporavam o lixo com glamour internacional. Feitos com restos de carnaval, roupas encontradas, collants desfiados, lantejoulas, meias de futebol, vestidos e fraques, a composição do vestuário era uma mistura de tons, cores e texturas onde o lixo virava luxo. Na cena em que eles dançavam “Assim Falou Zaratustra”, de Strauss, por exemplo, tecidos esvoaçantes ganhavam movimento como asas de Loïe Fuller, como se fossem mariposas voando pelo palco. O humor estava presente em todo momento, seja na escolha das músicas, na combinação de movimentos ou nos textos.

A rigidez técnica e o preparo físico, exigido por Lennie Dale, no entanto, fazia do grupo bailarinos profissionais. O trabalho de corpo com base em aulas de jazz e sapateado – ritmos adotados pelos musicais da Broadway – possibilitava a execução de movimentos limpos e precisos, o que dava contraponto ao excesso de liberdade corporal e textual. Visível, por exemplo, no bolero “Dois pra lá dois pra cá”, na voz de Elis Regina, dançado com rigor técnico e atrevimento.

No rosto, a maquiagem criava um disfarce. Eram como máscaras que ocultam e revelam ao mesmo tempo. Onde é possível ver sem ser visto. Um mural cênico composto de objetos e símbolos astronômicos, plataformas móveis e intensos focos de luz compunham uma capa de excessos. O olhar não abarcava o conjunto e o movimento era acelerado. No entanto tudo funcionava. Em acúmulos, desvios ou dribles de risos, moviam certezas na convicção de seus passos.

A devoração de elementos estrangeiros em fusão com a cultura brasileira presente também no Tropicalismo e nas idéias do Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade tem a sua máxima expressão com Dzi Croquettes.

Pela contracultura e experimentalismos de vanguarda, o grupo levou ao extremo as tentativas de superar as dicotomias arte/vida, arte/antiarte, fazendo do teatro, afinal, um projeto de vida. Nas palavras de Lennie Dale: “Life is a cabaret”.

Dzi Croquettes existiu entre 1972 e 1976 e exerceu influência em inúmeros artistas como Secos & Molhados, Ney Matogrosso, Frenéticas, entre muitos outros. Nota-se também a importância que tiveram no âmbito teatral, influenciando grupos como o Teatro Vivencial, de Recife, e toda uma corrente que leva adiante os conceitos de teatro de grupo e criação coletiva. Também o gênero pastelão, caricatura, deboche e comédia de costumes, travestismo e o movimento gay se apoiaram no vigor da presença do grupo. As contaminações disseminavam com velocidade em toda a arte dessa época.

Com a “força do macho e a graça da fêmea”, slogan da trupe, os Dzi Croquettes passaram como um vento forte balançando as estruturas. Um lugar onde nada é estático, onde os conceitos se misturam desorientando classificações. Intensos, magnéticos e ousados, deixam o recado:

Já que somos todos ignorantes, enlouqueçamos, pois.”

 

Raphael Alvarez e Tatiana Issa. Dzi Croquettes [Filme] Tria Produçoes. Brasil 2009.
 LOBERT, Rosemary. A palavra mágica: a vida cotidiana dos Dzi Croquettes, ed. Unicamp, Campinas: 2010
 Folha de São Paulo, 2.8.1973 in LOBERT, R., Op. Cit.. p.245

Clipping A força do macho e a graça da fêmea: Dzi Croquettes, por Lucila Vilela, Interartive, 02/2011


A força do macho e a graça da fêmea

Documentário sobre os Dzi Croquettes traz às novas gerações a trajetória do importante grupo teatral brasileiro

Treze homens em um palco. Maquiagens, muita dança, humor escrachado, pernas peludas à mostra pelo uso de vestidos curtos. "A força do macho e a graça da fêmea" era o mote que exemplificava a androginia característica. Isto era um pouco do que representavam os Dzi Croquettes, famoso grupo teatral que impactou o público na década de 70 (inserido no contexto do Ato Institucional nº 5, durante a Ditadura Militar brasileira, no auge da censura). A trajetória destes artistas está sendo contada no documentário Dzi Croquettes, dirigido por Tatiana Issa e Raphael Alvarez, que estreou nos cinemas nacionais em 16/07/2010 (ver abaixo).. Trazendo depoimentos de ex-integrantes e de diversos artistas (de Liza Minnelli a Ney Matogrosso), o longa-metragem busca recuperar estas tão importantes figuras da arte nacional, que infelizmente ficaram esquecidas no baú do passado.

Os Dzi Croquettes surgiram de um produtivo papo em uma mesa de bar, na qual estavam o dramaturgo e ator Wagner Ribeiro, Reginaldo de Poly e Bayard Tonelli.
Eles não sabiam bem como seria, mas tinham como base a ideia de uma coisa irreverente", conta Cláudio Tovar, que fez parte do grupo, em entrevista à Rolling Stone Brasil.
O projeto foi levado a Lennie Dale, nova-iorquino radicado no Brasil (considerado um gênio da dança), por seu aluno Ciro Barcelos, e imediatamente o coreógrafo se apaixonou pela ideia, encabeçando o grupo ao lado de Wagner. O ano do nascimento foi 1972. A partir daí, os Dzi Croquettes passaram a se valer da atuação, do humor e da dança para se expressar de forma livre em um contexto extremamente repressor.

Você possivelmente deve estar pensando: "Se o grupo é tão significativo, como nunca ouvi falar dele?" Pois é. Estes artistas entram na lista de nomes que ficaram esquecidos por não haver quase material registrado, muitas vezes por culpa da ditadura. A princípio, o grupo não foi barrado pelos militares durante o ensaio para a censura, realizado em 1973.
Como tínhamos essa variação no figurino, fizemos praticamente uma peça infantil. Era um bando de retardados, dançando como idiotas, vestidos de ursinhos", conta Tovar. "E eles não entenderam porra nenhuma, claro."
Porém, tempos depois, ao perceber do que tratavam os espetáculos, os generais proibiram definitivamente a exibição. Mas era tarde.
Já havíamos passado por duas boates e dois teatros. Já tínhamos feito a cabeça de milhares de pessoas, que viam naquilo uma possibilidade enorme de uma vida menos careta", explica o ex-integrante.
Pouco tempo depois, o espetáculo foi liberado e entrou em cartaz em São Paulo - posteriormente, com o dinheiro arrecadado, o grupo viajou para o exterior. Com humor e graça, os 13 atores e dançarinos (Lennie Dale, Wagner Ribeiro, Cláudio Tovar, Cláudio Gaia, Rogério de Poly e Reginaldo de Poly, Bayard Tonelli, Paulo Bacellar, Benedictus Lacerda, Carlos Machado, Eloy Simões, Roberto Rodrigues e Ciro Barcelos) davam, nas entrelinhas, verdadeiros safanões na sociedade e na realidade política do período.

Como forma de resgatar esse trecho de grande importância à cultura nacional, Tatiana Issa e Raphael Alvarez, amigos há 25 anos, suaram a camisa para conseguir coletar imagens e adquirir o maior número depoimentos para a elaboração de Dzi Croquettes.
Eu falava com todo mundo da minha geração: 'Isso na peça vem de Dzi Croquettes, aquilo também'. E ninguém nunca tinha ouvido falar deles", conta a diretora.
Sobretudo para Tatiana, o trabalho teve caráter pessoal, já que seu pai, Américo Issa, integrava a equipe técnica do espetáculo - e traçar a trajetória do grupo significava inevitavelmente trazer de volta parte da história de vida de Américo e cenas de sua própria infância.

O projeto começou a ser realizado em 2007, contando com os relatos dos integrantes remanescentes da formação original, bem como de artistas influenciados pelos Dzi - entre eles Liza Minnelli, que era a "madrinha" do grupo e amiga de Dale. Um dos grandes presentes do documentário são as cenas inéditas do espetáculo, gravadas pelo canal televisivo alemão MDR. As imagens foram resgatadas pela dupla de diretores após intensa procura, já que no Brasil não havia registros.
Não fazia sentido trabalhar nisso sem imagens de arquivo", diz Tatiana. "

 A TV alemã filmou e guardou.

 Descobrimos que esta fita existia e negociamos os direitos de exibição."
Segundo Tovar, as filmagens aconteceram durante o período de uma semana, enquanto a equipe estava em cartaz em Paris, e foi ao ar em um especial de fim de ano, em 1975.

Legado

Os Dzi Croquettes são vistos como exemplo de inovação nas artes teatrais. Com olhar muito a frente de seu tempo, uniam na dança, por exemplo, o jazz e o samba, numa representação consistente da antropofagia tão citada por Mário de Andrade, décadas antes. Quando o assunto era a forma com a qual se apresentavam no palco, um senso de liberdade surpreendente se fazia presente. Como se definiam, não eram homens ou mulheres, eram gente.

Muitos sustentam que o chamado besteirol começou ali, com o roteiro de Wagner Ribeiro.
As coisas eram ditas com humor, mas dando porrada. Foi a maneira que encontramos de falar o que a gente queria", lembra Tovar. "Era um musical muito brasileiro."
E é exatamente com relação a essa brasilidade que o ato antropofágico se encaixa. Havia músicas norte-americanas, já que Lennie Dale vinha dos Estados Unidos e trazia na bagagem a carreira como bailarino de jazz, mas as apresentações eram compostas majoritariamente pelo som nacional, como o samba e gafieira.

Pegamos o musical americano, deglutimos e jogamos de novo como se fosse algo nosso", afirma o ex-integrante.

No que diz respeito à postura no palco, os Dzi Croquettes foram os precursores no tratamento da sexualidade de forma aberta. No figurino dos 13 integrantes, tapa-sexo, botas de salto seis e maquiagem forte eram o básico. O resto vinha por cima - trajes doados por grandes estrelas da época, como Leila Diniz, Liza e Elke Maravilha e sobras de fantasias de escolas de samba.
Tudo era muito assumido. A década de 70 foi uma época bastante liberada, foi com a aids depois que a coisa ficou feia", diz Tovar.
Não valia a pena segurar a onda de porra nenhuma. Ainda mais em um período de repressão como aquele. Iria ainda reprimir sua própria sexualidade?"
O diretor Raphael Alvarez completa:
O que eles queriam mostrar era que não importava a sexualidade de cada um, havia coisas mais importantes que isso."
De acordo com os diretores, a princípio, o projeto teve dificuldade em conseguir patrocínio, talvez por ainda existirem certos tabus.

Não sei se era por causa da chegada da aids no Brasil, do primeiro movimento gay, da ditadura", diz Raphael Alvarez. "Ou a gente parava ou fazia com a nossa grana."

Obstáculos ultrapassados com a parceria do Canal Brasil, o longa-metragem agora entrou em cartaz nos cinemas nacionais para que os curiosos pudessem conhecer mais desta parte importante da produção cultural brasileira.

Clipping "A Força Do Macho E A Graça Da Fêmea, Por Patrícia Colombo, Rolling Stones, 18/07/2010 

quinta-feira, 7 de abril de 2022

Capacitação em tecnologia para mulheres

Crédito: site do Laboratoria
Entidades como Laboratória e Letscode (Devel{Elas}} dão cursos gratuitos para corrigir desigualdade no setor, onde mulheres são apenas 23%; empresas como Itaú, iFood e Nubank dão empregos

Nos últimos dois anos, intensificou-se o número de cursos que capacitam profissionais nas diversas de tecnologia. Como forma de combater o déficit do segmento feminino, programas abriram caminho para que mulheres pudessem se recolocar no mercado de trabalho. Passadas as primeiras edições dessas iniciativas, contamos as histórias de duas mulheres que terminaram suas formações e buscaram a ponte com o primeiro emprego na área.

O mercado da tecnologia vem sendo movimentado por instituições como LaboratóriaProgramaria e Let’s Code que sozinhas ou em parceria com grandes empresas, como Oracle, TIM, Ifood, Nubank e Itaú, formam profissionais para atuar no mercado, muitas vezes, de forma gratuita. Além da capacitação técnica, programas como esses evidenciam o interesse do mercado em não só formar profissionais de tecnologia, como uma preocupação com a diversidade e inclusão, uma vez que há foco em grupos discriminados como mulheres e pessoas negras.

Segundo a Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom), a projeção é de um déficit anual de 106 mil profissionais até 2025. Em relação ao sexo, um levantamento realizado pela plataforma de empregos Catho mostrou que a presença de mulheres na área é de 23,6%, sendo que mulheres são 52% da população brasileira.

Carolina Daniel buscou a área da tecnologia aos 29 anos. Enquanto cuidava da filha recém-nascida, ela fez cursos na área. Foto: Taba Benedicto/Estadão
Formação com salário e benefícios

O primeiro emprego de Carolina Daniel na área da tecnologia começou efetivamente há uma semana. Aos 29 anos e com a carreira voltada para a área de humanas, como arquiteta e atriz, a alternativa da tecnologia surgiu durante a pandemia, enquanto cuidava da filha recém-nascida.
Com um bebê de colo, eu me senti muito à mercê da maternidade, muito focada nela. Bebês crescem rápido e você pensa que não está fazendo nada com a sua vida, então comecei a ficar muito aflita com a minha carreira. Meu marido, que já era área de tecnologia, me indicou alguns cursos e eu resolvi fazer. Me senti intelectualmente estimulada, ainda que eu estivesse só pensando em mamadas e fraldas”, conta.
Depois de alguns cursos livres, ela encontrou a escola de desenvolvedores Let’s Code e participou de dois programas de formação e contratação. O modelo de trabalho deles é baseado em parceria com empresas: a escola ensina programação gratuitamente para alunos selecionados e a organização patrocinadora do programa contrata alguns formandos.

Ao longo de três meses, Carolina aprendeu uma formação básica em dados, além de soft skills necessárias para o mercado de trabalho. Durante o tempo de curso, ela e os outros 35 selecionados já foram contratados pelo Itaú e passaram a receber salário e benefícios, enquanto se formavam. Ao término da capacitação, e já tendo feito entrevistas com diversas áreas dentro do banco, ela foi designada ao cargo de engenheira de dados júnior.

Com pouco tempo de experiência, Carolina entende que o seu maior desafio daqui para frente é entender o seu momento de mercado, principalmente considerando a maternidade e a transição de carreira.
Eu vejo muita gente entrando na tecnologia com 20 anos. O meu chefe mesmo tem 29, a mesma idade que eu. Eu estou em um outro momento da vida. Eu tenho uma casa para administrar, nove gatos, um cachorro, uma filha e uma família. Estou fazendo um movimento muito agressivo de carreira, indo do 8 ao 80 em um ano. Então, vou ter que correr atrás. Ao mesmo tempo, eu sei que eu trago uma bagagem comigo que ninguém mais tem, de alguém que passou por vários momentos da vida”, conta.
Alternativa ao desemprego

O desemprego durante a pandemia foi o pontapé para Ana Beatriz Costa, de 28 anos, conseguir se profissionalizar na área de tecnologia. Graduada em recursos humanos, sua experiência profissional passava longe da área de exatas: trabalhou em loja, foi massoterapeuta e entrevistadora do Cadastro Único (plataforma em que famílias acessam benefícios sociais do Governo).
 
Ana Beatriz Costa, de 28 anos, se profissionalizou na área de tecnologia devido ao desemprego na pandemia. Foto: Autorretrato
Parada em casa, ela lembrou que gostava muito de mexer com a linguagem html quando era adolescente.
Eu passava horas no Tumblr (plataforma de blogging) brincando com html. Por que não transformar esse gosto em tecnologia em uma carreira?”, diz.
Ela estudou sozinha por conteúdos no Youtube e fez cursos livres de uma semana de duração, até que conheceu a Laboratória, edtech que forma mulheres para reduzir o déficit dessas profissionais na tecnologia. Depois de seis meses de curso, se formou e conseguiu uma vaga como analista de dados júnior no Banco Next.

Hoje, já no mercado, diz que o maior desafio é seguir estudando novos conceitos.
Como eu entrei em uma área nova, eu preciso entender os conceitos que eu uso. A Laboratória me deu o conceito, mas o foco é em autoaprendizagem, então eu comecei do zero”, conta.
Para quem quer entrar no mercado da tecnologia, o conselho de Ana Beatriz é acreditar que é possível.

Não é tão difícil quanto parece. Muitas empresas têm aberto vagas procurando profissionais que estão na transição de carreira. A área de tecnologia pode não ser fácil, mas é acessível. A gente consegue conteúdo com uma certa facilidade na internet”, aconselha.

Quem são os empregadores?

Agora  empresas de diferentes segmentos e portes têm desempenhado papel importante na contratação dos profissionais de tecnologia, como iFood, Creditas, Accenture e NuBank, com destaque para bancos e fintechs (tecnologia e inovação aplicadas na solução de serviços financeiros).

Para debater assuntos de Carreira e Empreendedorismo uma dica é o perfil "estadão carreira e empreendedorismo", no Telegram, pelo seguinte link ou digitando @gruposuacarreira na barra de pesquisa do aplicativo.

Cursos de Programação

Laboratória: As inscrições para a 8ª edição do bootcamp de programação estão abertas até 15 de maio, pelo site. O curso é online e gratuito, mas, após a conclusão e a entrada no mercado de trabalho, as profissionais devem pagar uma parte do custo total do curso para financiar os estudos de outras mulheres. Os requisitos são: ser mulher, maior de 18 anos, viver no Brasil e ter cursado o Ensino Médio em escola pública ou particular com bolsa integral por critério de renda, além de ter disponibilidade para se conectar de segunda a sexta, no período da tarde.
Lets’ Code: A escola não é voltada apenas para mulheres, mas há processos focados na participação feminina e em maiores de 40 anos. Não há nenhum programa com inscrições abertas no momento, mas os interessados podem acompanhar novas aberturas no site do projeto.
Programaria: Com o slogan "empoderar mulheres através da tecnologia diminuindo o gap de gênero no mercado de trabalho, é isso que fazemos.", a programaria oferece curso on line de programação

Com informações de Mulheres se capacitam em tecnologia e trocam de profissão na pandemia, por Marina Dayrell, O Estado de S.Paulo, 26/ 03/2022 


terça-feira, 5 de abril de 2022

Luto na Literatura: Lygia Fagundes Telles partiu no domingo aos 98 anos

Lygia Fagundes Telles em retrato feito em seu apartamento na cidade de São Paulo, em abril de 2013
Lygia Fagundes Telles em retrato feito em seu apartamento na cidade de São Paulo, em abril de 2013 Foto: Eduardo Nicolau/Estadão

Lygia Fagundes Telles, a dama da literatura brasileira, morreu na manhã deste domingo, 3, aos 98 anos de idade. Com uma capacidade ímpar de se comunicar em público com o curioso das coisas literárias, deixou um vasto legado de obras, desde seu primeiro livro, Porão e Sobrado, publicado em 1938 e financiado pelo pai, até o mais recente, Um Coração Ardente, que já completa 10 anos de seu lançamento.

Livro que tornou Lygia conhecida nacionalmente
Tornou-se nacionalmente conhecida pelo público com seu primeiro romance, Ciranda de Pedra, lançado em 1954. E também pela crítica - Antonio Cândido, por exemplo, considerava essa obra o marco de sua maioridade como escritora.

Contos como Antes do Baile Verde (1970), Seminário dos Ratos (1977), A Estrutura da Bolha de Sabão (1978), A Disciplina do Amor (1980), Mistérios (1981), A Noite Escura e Mais Eu (1998), Invenção e Memória (2000) também são uma ótima sugestão àqueles que pretendem conhecer um pouco mais da escrita da autora.

A escritora considerava esta sua melhor obra (veja o vídeo)

Relembre a obra de Lygia Fagundes Telles abaixo:

Romances de Lygia Fagundes Telles
  • Ciranda de Pedra, 1954
  • Verão no Aquário, 1964
  • As Meninas, 1973
  • As Horas Nuas, 1989
As Meninas abordou temas tabu na década de 70,
como a tortura e a lesbianidade

Contos de Lygia Fagundes Telles
  • Porão e Sobrado, 1938
  • Praia Viva, 1944
  • O Cacto Vermelho, 1949
  • Histórias do Desencontro, 1958
  • Histórias Escolhidas, 1964
  • O Jardim Selvagem, 1965
  • Antes do Baile Verde, 1970
  • Seminário dos Ratos, 1977
  • Filhos Pródigos, 1978 (reeditado como A Estrutura da Bolha de Sabão, 1991)
  • A Disciplina do Amor, 1980
  • Mistérios, 1981
  • Venha Ver o Pôr do Sol e Outros Contos, 1987
  • A Noite Escura e Mais Eu, 1995
  • Oito Contos de Amor, 1996
  • Invenção e Memória, 2000
  • Durante Aquele Estranho Chá: Perdidos e Achados, 2002
  • Conspiração de Nuvens, 2007
  • Passaporte para a China: Crônicas de Viagem, 2011
  • O Segredo e Outras Histórias de Descoberta, 2012
  • Um Coração Ardente, 2012


Clipping Entre contos e romances, relembre a obra de Lygia Fagundes Telles, Estado de São Paulo, 03/04/2022

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