8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

A origem das ideias do bolsonarismo



As ideias esdrúxulas do bolsonarismo vêm em boa parte do astrólogo-filósofo Olavo de Carvalho que, por sua vez, bebeu na fonte do conservador americano chamado William S. Lind. No documentário chamado The History of Political Correctness (a história do politicamente correto), de 1999 (ver abaixo), Lind apresentou suas teses do "marxismo cultural", a suposta luta da esquerda no campo da cultura para se apropriar das escolas, universidades, editoras, da imprensa e das artes via movimentos sociais, professores, jornalistas e outros agentes esquerdistas. O objetivo dessa articulação toda seria destruir a civilização ocidental, judaico-cristã e a família tradicional.

Na imaginação direitista, o centro irradiador dessa nova forma de tomada de poder teria sido a Escola de Frankfurt, instituto de pesquisa, criado na Alemanha em 1923, por intelectuais neomarxistas, cujo pensamento se baseava na união do materialismo marxista com a psicanálise. Os estudos desses filósofos ficaram conhecidos como Teoria Crítica, teoria que buscava analisar as condições sociopolíticas e econômicas, reinantes em seu tempo, visando aplicá-la à transformação da realidade. Com a ascensão do nazismo, alguns membros da Escola, que eram judeus, como Adorno, Horkheimer, Marcuse e outros, fugiram para os Estados Unidos,  de onde teriam continuado seu trabalho de perverter não só a sociedade americana mas o mundo todo (na teoria conspiratória, claro).

De fato, existe uma tradição de esquerda que critica os valores da sociedade capitalista e defende a disputa das instituições culturais com a direita. Antonio Gramsci, comunista italiano, foi um dos notórios defensores da conquista da hegemonia cultural de esquerda que realmente prevalece na intelectualidade, no meio artístico e na imprensa do Brasil e do mundo ocidental no todo. Igualmente Herbert Marcuse, da Escola de Frankfurt, foi um dos grandes mentores da contracultura (e da libertação sexual) dos anos 60/70, que, por sua vez, gerou os chamados modernos movimentos sociais como o negro, feminista, gay e ambientalista.


Os ativistas destes movimentos, aliás, na teoria do marxismo cultural, seriam agentes destacados da desconstrução da família nuclear patriarcal e da invenção da tal ideologia de gênero, onde crianças poderiam definir seu sexo/gênero à revelia da natureza. Colaboram para essa mistificação, o fato do atual movimento de travestis, transsexuais e transgêneros, um agregado do movimento de gays e lésbicas, ir sim por essa linha com a chamada identidade de gênero. Aliás, há muito mais em comum entre a ideologia de gênero e a identidade de gênero do que sonham as vãs filosofias.

Agora, com base nesses dados dispersos, os bolsominions, olavetes et caterva fizeram e fazem o samba do conservador doido misturando personagens e eventos desconexos no tempo e no espaço para fomentar a teoria conspiratória do marxismo cultural mundial que existiria na imprensa, em Hollywood ou na Globo, financiado pelo bilionário George Soros (sic). 

Por mais desconjuntada que seja essa teoria, ela pegou no Brasil, culminando com a chegada de Bolsonaro ao poder, e no mundo. Combater o suposto marxismo cultural, em suas respectivas áreas, está na boca dos ministros da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, das Relações Exteriores, Ernesto Araújo (indicados por Olavo de Carvalho) e da Ministra Damares Alves, Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que não para de dizer bobagens reacionárias. Pelo mundo, outras lideranças conservadoras, em países como a Hungria, a Itália e a Polônia, também embarcaram na teoria conspiratória do marxismo cultural, a ponto da universidade criada na Hungria por George Soros, suposto financiador do marxismo cultural internacional, estar sendo expulsa do país pelo presidente Viktor Orbán.

Na verdade, a teoria conspiratória do marxismo cultural é como uma monumental fofoca, assentada em dados reais mas distorcida no resultado pelas misturas díspares das quais se constitui (na base do "quem conta um conto aumenta um ponto"), e que cresceu para se transformar em simples paranoia e mistificação. Serve mais aos eternos propósitos conservadores de evitar mudanças, ou desfazê-las, a qualquer preço e, sobretudo, de evitar a igualdade de oportunidades perante às leis e perante à vida para todas e todos.


quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Impor modelos rígidos de mulher e homem afeta as escolhas das profissões de meninas e meninos

Os estereótipos de gênero afetam o que as meninas e os meninos escolhem como profissão no futuro
Impor clichês de gênero na sociedade limita o desenvolvimento das habilidades e capacidades. Das garotas que chegam à universidade, só um terço opta por ciências

Elas querem ser atrizes, estilistas ou professoras quando crescerem. Embora haja exceções, perguntadas sobre o que gostariam de ser quando forem adultas, a maioria das meninas escolhe profissões estereotipadas. Mas, e se elas fossem meninos? Foi isso que a ONG Liga da Educação perguntou a um grupo de crianças em Fuenlabrada, Madri. Muitas mudaram sua resposta inicial, como você pode ver no vídeo experimental de sua campanha contra a violência de gênero. Astronauta, policial, médica ... seriam suas opções de vida se tivessem nascido homem. "Os meninos gostam mais da lua", explica uma das entrevistadas.

Os meninos não estão isentos de estereótipos de gênero. Eles imaginam um futuro como jogadores de futebol, bombeiros ou construtores, mas, se fossem meninas, gostariam de ser cabeleireiros de cachorros, professores ou atrizes. "O fato de estarem escolhendo profissões feminilizadas (elas) e masculinizadas (eles) nada mais é do que um reflexo da cultura na qual vivem imersos em uma desigualdade tradicional e estrutural entre homens e mulheres", diz. Rosa Martínez, secretária de Infância da Liga de Educação. E isso, continua ela, "limita o desenvolvimento de suas habilidades e capacidades".
A primeira coisa a fazer é tomar consciência da realidade em que nos encontramos e romper a miragem de igualdade em que vivemos imersos", sugere Martínez. Só então a transformação pode acontecer, diz. "Na Liga da Educação acreditamos que o feminismo ainda é uma questão em falta nas escolas e, com campanhas como essa, pretendemos que isso mude", acrescenta Ana Rodríguez Penín, diretora de Igualdade da ONG.
Por isso, elas acreditam que um dos principais campos de batalha é a escola. Essa é a mesma opinião de Paulo Speller, secretário Geral da Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, Ciência e Cultura (OEI).
É necessária uma educação em que tudo seja o mesmo para meninos e meninas", disse ele durante seu pronunciamento em um debate sobre meninas e mulheres na ciência nas Jornadas Europeias do Desenvolvimento, em Bruxelas, em 6 de junho.

A consolidação dos estereótipos no futuro

Apenas 30% das universitárias escolhem carreiras relacionadas à ciência, tecnologia ou matemática (denominadas STEM, por sua sigla em inglês), segundo dados da Unesco. O peso dos estereótipos forjados desde a infância se reflete no que se busca quando adulto. Não só na vida profissional, mas, também, na pessoal. "A escolha da profissão é apenas uma amostra de como os papéis de gênero influenciam o desenvolvimento cognitivo ou afetivo", diz Martinez.

Em relação à primeira, a baixa proporção de mulheres em carreiras STEM é significativa. Mas, como corrobora o experimento da Liga da Educação, a escolha de profissões tradicionalmente atribuídas a um ou outro gênero se estende a outros campos. Assim, o estudo Goleando Sem a Bola, Praticamente Bonecas,realizado pela Federação de Mulheres Progressistas em 2012 – no qual a campanha da ONG se baseia –, mostrou que 50% dos 153 adolescentes entrevistados mudaram a opção de profissão quando lhes perguntaram o que fariam se fossem do sexo oposto. Especialmente elas.
Em relação às escolhas de carreira, ambos os sexos demonstram valores semelhantes em profissões como medicina, educação e veterinária, mas se observam diferenças na opção por trabalhos tradicionalmente atribuídos a um ou outro sexo. Por exemplo, engenharia, jogador de futebol ou policial apontados em maior medida pelos meninos, enquanto as que estão mais ligadas ao mundo da beleza ou do cuidado com os outros, como aeromoça ou professora de jardim de infância, são preferencialmente marcadas por meninas", diz o relatório.
Os especialistas concordam em que a educação no ensino básico é essencial para reverter essa situação de desigualdade. Isso é enfatizado na Liga da Educação, na OEI e também na Fundação Descobrir.
Temos que começar desde o início, desde o ensino fundamental. E temos que aproveitar o movimento feminista agora", disse Carmen Segura, chefe de Ciência nesta organização, em sua fala nas Jornadas Europeias do Desenvolvimento, em Bruxelas, no mesmo debate sobre as mulheres em STEM do qual Speller participou.
Nesse sentido, Martinez (da Liga de Educação) dá ênfase especial ao chamado currículo oculto nas escolas.
Todos nós sabemos que os alunos aprendem muitas coisas vistas e ouvidas, mas, acima de tudo, aprendem o que lhes é transmitido", explica ela. Por exemplo, quando tratados de forma diferente por um professor (mais autoritário) e uma professora (mais maternal)" estão recebendo uma mensagem que reproduz e consolida o papel feminino relacionado com o cuidado e o papel masculino, com poder e liderança ", observa.
Não se deve esquecer ainda aspectos como a ambientação das salas de aula ou a configuração de elementos de jogo nos espaços ao ar livre das escolas (pátios), as ilustrações de livros didáticos, o tipo de atividade proposta para abordar a aprendizagem ou personalidades que aparecem como protagonistas nas diferentes áreas do conhecimento transmitido, enfatiza a especialista.

Dito e feito, a Fundação Búlgara de Pesquisa e Tecnologia para Educação de Gênero implementou um projeto na Bulgária, Grécia, Romênia e Croácia para que haja mulheres em todas as disciplinas obrigatórias.
Os estereótipos estão nos livros didáticos. Quando você lê, parece que todos os avanços e invenções foram obra dos homens, de tal modo que os alunos acreditam que eles, os homens, criaram tudo e são capazes de qualquer coisa. E as meninas acabam acreditando que não valem nada", critica Jivka Marinova, diretora da organização, em sua intervenção nas Jornadas Europeias do Desenvolvimento.
Por isso, reuniram um grupo de especialistas cuja missão era encontrar mulheres de referência que pudessem ser mostradas como exemplos em diferentes assuntos.
No começo nos disseram que não era possível, que não havia mulheres", confessa. Mas havia. "Para cada assunto, temos quatro", diz, com orgulho.
Assim, estudantes de escolas dentro de seu programa sabem hoje que a britânica Hertha Marks Ayrton é a cientista que inventou o arco elétrico.
Não se trata de mudar a história, mas de contar bem", resume ela. Seu projeto mostra que isso é possível.
Fonte: El País, 04/01/2019


terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Januhairy: mulheres de carne, osso e pelos

Laura Jackson, de 21 anos, iniciou o movimento Januhairy

Januhairy: Campanha pede que mulheres não se depilem em janeiro por uma boa causa

Movimento lançado por estudante da Inglaterra quer arrecadar mil libras para instituição de caridade. Termo é uma junção das palavras 'january' (janeiro) e 'hairy' (peludo) .

Se você pesquisar pela hashtag #januhairy nas redes sociais, vai encontrar fotos de mulheres orgulhosas de suas axilas ou pernas peludas. O termo é uma junção das palavras january (janeiro) e hairy (peludo) e dá nome a uma campanha por aceitação do corpo feminino.
É uma experiência para as mulheres se unirem e encorajarem umas às outras. A aceitação de pelos corporais em mulheres infelizmente ainda é uma situação difícil”, diz o texto de lançamento da campanha.
Mas o movimento não se trata apenas de fotos e curtidas. O objetivo é arrecadar mil libras para a instituição de caridade Body Gossip. Em poucos dias, foram arrecadadas 330 libras.

A instituição realiza trabalhos de educação e artes para desenvolver uma imagem positiva sobre todos os tipos de corpo.
É evidente que a imagem corporal tem um grande impacto em todos nós, isso é especialmente desafiador em ambientes escolares”, explica a campanha.
O movimento surgiu na Inglaterra, com a estudante Laura Jackson, de 21 anos. Mas já chegou a vários países, como EUA, Alemanha, Canadá e Espanha.
Campanha Januhairy pede aceitação dos pelos femininos — Foto: Reprodução/Facebook/Januhairy
A campanha recebeu depoimentos de dezenas de meninas ao redor do mundo que já sofreram bullying por este motivo.
Meus pelos crescem muito rápido e riem de mim por isso desde meus 12 anos. Quero provar que não devemos ter vergonha disso”, diz uma das apoiadoras.
Nas redes, muitas mulheres expressaram apoio à campanha, mas algumas revelaram que não têm coragem de andar peludas por aí.

Em entrevista à BBC, Laura Jackson afirmou estar feliz com o resultado positivo, mas confessa que recebeu críticas de pessoas próximas. “Embora eu me sentisse livre e mais confiante em mim mesma, algumas pessoas ao meu redor não entenderam nem concordaram com o porquê de eu não me depilar”, disse a estudante.
Esta não é uma campanha raivosa contra pessoas que não veem os pelos como algo normal. Eu só quero que as mulheres se sintam mais confortáveis em seus corpos maravilhosamente únicos.”
Fonte: G1, 04/01/2019 

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Socorro, seu Descartes, os contra-iluministas estão de volta


Estava lendo um texto sobre direita x esquerda de uma professora de filosofia (Direita ou gorgonzola,  Bruna Frascolla) onde a dita discorre sobre as semelhanças do populismo autoritário de esquerda e de direita em suas viagens alucinógenas.

Apesar do excesso de citações e ironias um pouco forçadas, estava até gostando do texto, principalmente quando a moça aponta, como eu mesma já pontuei, que ambas as visões atuais de esquerda e de direita são contra-iluministas, contra o racionalismo e a perspectiva científica de analisar o mundo. Não haveria "ideologia de gênero" sem a concomitante "identidade de gênero", né mesmo?

O "Penso, logo existo" do Descartes, em sua busca da verdade através da experimentação e dos fatos, foi substituído pelo "Sinto, logo existo" que hoje une esquerda e direita num romântico casamento de irracionalidade e bizarrices várias. Se eu sinto que sou um cachorro, uma gata, um dragão, um elfo ou um homem (eu que sou mulher), é o que vale. Se a maioria das pessoas não compra minha autopercepção, elas é que estão erradas. Se acho que a Terra é plana, que toda vacina faz mal, que existe mamadeira de piroca e restos de feto em garrafa de Pepsi, o que importa é que os meus frágeis argumentos e sentimentos não podem ser feridos e aferidos pela malvada realidade objetiva. Inclusive quero usar o poder de Estado para obrigar todo o mundo a concordar comigo, sob pena de cadeia e fogueira em praça pública para os novos hereges da Liberdade de Pensamento.


Então, retomando, estava até concordando com a fulana, quando ela me solta uma história de que "o patriarcado das feministas é tão ridículo quanto o globalismo", colocando ambos os termos no terreno da fantasia. Minha mãe, a mulher escreve textão e invoca Descartes num apelo de volta à racionalidade e à analise dos fatos, em vez do embalo alucinógeno das ideologias, e me sai com uma dessas?

Porque, pelamor, negar a existência do patriarcado é simplesmente como negar a existência do sol, a lei da gravidade ou as mudanças climáticas. Com exceção de alguns grupos étnicos, perdidos nos rincões do planeta, que vivem ainda em sociedades matriarcais, o patriarcado é hegemônico no mundo. Ninguém precisa ler livro feminista para sacar isso. É só abrir os olhos e ver. Quem controla o poder de Estado, com seu braços legislativo, executivo e judiciário, sem falar no braço armado? Os homens. Quem controla o poder econômico e financeiro, as grandes corporações que hoje dominam tudo? Os homens. Quem controla a ciência e a tecnologia? Os homens. Quem controla os meios de comunicação, as artes e a cultura em geral? Os homens. Isso sem falar que, em muitos países, as mulheres ainda sequer têm os direitos mais básicos de cidadania, são verdadeiras escravas. Então, como assim o patriarcado das feministas (das feministas?) é ridículo? O caso da filósofa (deve ser uma liberaleca, pelo visto) é o do peixe que não vê a água porque nela vive imerso.

Conclusão, a situação que vivemos hoje é dramática porque mesmos os liberais (os principais herdeiros do Iluminismo), que pensam pairar acima da psicodelia argumentativa da esquerda e da direita, vivem cuspindo no prato que Descartes lhes ofereceu. Também desprezam os fatos, acreditam na pseudociência da psicobiologia evolutiva (sic), em determinismo biológico, numa suposta naturalidade dos estereótipos de gênero, em identidade de gênero e, agora, ficamos sabendo, também que o patriarcado não existe (li ainda uma outra igualmente afirmando que a heterossexualidade obrigatória é invenção de feminista radical). Valei-nos nossa senhora das desamparadas da idade da razão, que esse mundo virou um hospício!!

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Os 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos

Eleanor Roosevelt
Declaração dos Direitos Humanos faz 70 anos
Confira a íntegra dos 30 artigos da declaração, documento mais traduzido do mundo e que foi elaborado por dois anos

Assinada há exatos 70 anos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos representa o reconhecimento de que os direitos básicos e as liberdades fundamentais são inerentes a todo ser humano e foi responsável por avanços na defesa desses direitos em diversas partes do mundo. 

Elaborada durante dois anos, numa época em que o mundo sentia os efeitos da Segunda Guerra Mundial e estava dividido entre países capitalistas e comunistas, foi pontuada por desacordos entre nações dos dois blocos até ser aprovada, em Paris, às 23h56 de 10 de dezembro de 1948. 

Com 30 artigos, a declaração é considerada o documento mais traduzido do mundo —para mais de 500 idiomas— e inspirou as constituições de vários Estados e democracias recentes.
Reunião em Paris da então recém-criada ONU que aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948
Reunião em Paris da então recém-criada ONU que aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948 - AFP
O texto condena a escravidão e a tortura, defende o asilo para indivíduos perseguidos e o direito à educação gratuita, à liberdade de reunião e à propriedade privada e proclama que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”, “sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação”.

Foi aprovado na 3ª Sessão da Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), que na época reunia 58 países. Entre os que 48 que votaram, houve unanimidade. 

União Soviética, Belarus, Ucrânia, Tchecoslováquia, Polônia, Iugoslávia, Arábia Saudita e África do Sul se abstiveram. Honduras e Iêmen não estavam presentes. 

A pedido do delegado polonês Julius Kitzsoctly, foram lidos todos os artigos. Silêncio significava consentimento da audiência. A leitura durou quatro horas.

A ex-primeira-dama dos EUA e então presidente da Comissão de Direitos Humanos, Anna Eleanor Roosevelt (1884-1962), atingiu o cargo de coordenadora da Declaração por votação direta, no começo dos trabalhos, em 1946, e teve papel decisivo na aprovação do documento.

Confira abaixo a íntegra do texto de introdução e os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos:


DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS


Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948.

Preâmbulo

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que mulheres e homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum,

Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,

Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do ser humano, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,

Considerando que os Países-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano e a observância desses direitos e liberdades,

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

Agora portanto a Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade tendo sempre em mente esta Declaração, esforce-se, por meio do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Países-Membros quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

​Artigo 1
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Artigo 2
1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 

2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Artigo 3
Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo 4
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo 5
Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

Artigo 6
Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.

Artigo 7
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo 8
Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Artigo 9
Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo 10
Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo 11
1.Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. 
2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte de que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo 12
Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Artigo 13
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. 
2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio e a esse regressar.

Artigo 14
1. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. 
2. Esse direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

Artigo 15
1. Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade. 
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

Artigo 16
1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. 
2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes. 
3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.

Artigo 17
1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo 18
Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular.

Artigo 19
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo 20
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica. 
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo 21
1. Todo ser humano tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. 
2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. 
3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; essa vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Artigo 22
Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo 23
1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 
2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 
3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 
4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.

Artigo 24
Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.

Artigo 25
1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. 
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

Artigo 26
1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do ser humano e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

Artigo 27
1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios. 
2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.

Artigo 28
Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Artigo 29
1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. 
2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. 
3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

Artigo 30
Nenhuma disposição da presente Declaração poder ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.

Fonte: Folha de São Paulo, 10/12/2018

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