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sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Sem estereótipos de gênero, para que meninos e meninas possam desenvolver todo seu potencial

A pesquisadora Lise Eliot, autora do livro "Cérebro azul ou rosa" (Foto: Divulgação)
Particularmente, acho altamente especulativo qualquer argumento que tente atribuir caráter natural aos estereótipos de gênero. Para que a gente pudesse realmente saber se as diferenças biológicas entre mulheres e homens implicam diferenças comportamentais precisaríamos erradicar a educação diferenciada que adestra meninas e meninos de forma totalmente distinta. Se meninas e meninos são educados de forma totalmente diferente (e reprimidos caso saiam dos modelitos rígidos de mulher e homem estabelecidos pela sociedade), obviamente tenderão a se comportar de forma diferente. Para uma abordagem verdadeiramente científica, teríamos que analisar crianças criadas sem educação diferenciada por várias gerações (não adianta pegar um único exemplo historicamente recente e efetuado num único país). Enquanto isso não ocorre, qualquer tentativa de estabelecer relação intrínseca entre sexo e gênero é bem especulativa e suspeita de, na verdade, tentar renaturalizar os estereótipos sexuais. A neurocientista abaixo fica num meio termo, talvez porque acredite, como disse em uma de suas respostas, que é preciso ir devagar com o andor porque o santo é de barro:  
Como mãe, eu tentei quebrar o estereótipo de gênero tanto quanto possível. Mas você vai até onde é possível. As crianças pertencem a uma comunidade maior, e a definição de gêneros é muito importante na nossa sociedade. É um desafio. 
Um desafio que devemos enfrentar sempre. Uma sociedade sem estereótipos de gênero será mais livre, mais igualitária e produzirá gente mais sã. Não haveria transgêneros não fosse a educação desigual dada a meninas e meninos. Não haveria gente pensando que tem algo errado com seu próprio quando de fato errado foi o adestramento de gênero que receberam.


Lise Eliot: "Pais devem evitar rotular os filhos de acordo com o sexo”

Pesquisadora americana defende uma educação além dos estereótipos de gênero, para que meninos e meninas possam desenvolver todo seu potencial

Não existem tantas diferenças no cérebro de meninos e meninas quanto pensamos, mostram pesquisas científicas. Por que então pais e professores reforçam tanto as diferenças? Lise Eliot, neurocientista da Universidade de Medicina e Ciência Franklin Rosalind, em Chicago, nos Estados Unidos, diz que a distinção sexual é inevitável na nossa cultura, mas, em excesso, pode prejudicar o desenvolvimento pleno das crianças.
Para ser feliz na nossa sociedade, você precisa de uma boa mistura de traços tipicamente masculinos e femininos. Você precisa ser forte, assertivo, mas também precisa ser atencioso e sensível”, afirma Lise, autora do livro Cérebro rosa, cérebro azul, que foi lançado recentemente no Brasil. “Se apenas criarmos as crianças de acordo com estereótipos, eles não terão a oportunidade de desenvolver toda a gama de habilidades.”
Lise é formada pela Universidade de Harvard e tem PhD pela Columbia, além de pós-doutorado na Faculdade de Medicina de Baylor. É casada e tem três filhos, uma adolescente de 15 anos e dois meninos de 13 e 10 anos. Em entrevista a ÉPOCA, ela fala das reais diferenças entre os gêneros e dá dicas para não cair na armadilha de achar que garotas nunca serão boas em matemática, e que os garotos não podem ler e escrever tão bem quanto elas na escola.

ÉPOCA – Muito se fala sobre as diferenças entre homens e mulheres. Mas existem, de fato, grandes diferenças no cérebro de meninos e meninas?
Lise Eliot – É verdade que não identificamos muitas diferenças estruturais entre o cérebro dos meninos e o das meninas. As diferenças são muito sutis. Como eu destaco no livro, as principais diferenças psicológicas entre homens e mulheres não são programadas. Existe a noção popular de que homens e mulheres são programados para serem diferentes psicologicamente. Na verdade, não existem muitas evidências para isso. Particularmente no cérebro, muitas das habilidades que falamos – habilidades verbais, escritas, por exemplo – ão aprendidas. Nenhumas delas são traços de personalidade, estão presentes desde o nascimento. Todas são aprendidas. O melhor exemplo é a linguagem. 

ÉPOCA – A maioria das diferenças são culturais?
Lise – Penso que sim, mas não estou dizendo que 100% delas são culturais. Nós realmente temos evidência que a testosterona pré-natal de certa forma afeta o cérebro masculino promovendo uma maturação um pouco mais lenta e um nível maior de atividade, o que provavelmente se traduz em violência física. Mas estas são diferenças relativamente pequenas nas crianças, e elas se tornam muito maiores principalmente por causa da forma como tratamos meninos e meninas, da forma como eles brincam com seus amigos. Nós vivemos em uma sociedade muito segregada por gêneros. Crianças pequenas interagem pouco com crianças do outro gênero. Mesmo adultos, em nosso tempo de lazer, exceto com nossos cônjuges, não passamos muito tempo com pessoas de outro gênero. Com quem você se relaciona influencia no que você é bom. 

ÉPOCA – Quais são as principais diferenças?
Lise – As meninas são mais maduras que os meninos fisiologicamente. No nascimento, a diferença é de cerca de duas semanas. Nós sabemos que meninas falam mais cedo que os meninos. Elas dizem as primeiras palavras, em média, um mês mais cedo que eles. Então é uma diferença enorme. É uma diferença estatística e você precisa avaliar centenas de crianças para encontrar a diferença. Há exceções, claro. Na minha família, tenho uma menina e dois meninos. Meu filho mais velho falou mais cedo que os demais. Os meninos são mais ativos, eles correm mais do que as garotas. Mas não há diferenças em relação a isso na fase da gestação. Muitas pessoas pensam que os bebês que se movem mais podem ser meninos, mas isso não é verdade. Depois do nascimento, no primeiro ano de vida há uma pequena diferença no nível de atividade. Depois do primeiro aniversário, e principalmente quando eles têm dois ou três anos, meninos são mais ativos fisicamente. Estatisticamente, o menino médio é mais ativo que dois terços das meninas. Isso significa que a menina média é mais ativa que um terço dos meninos. 

ÉPOCA – Quais são os mitos em torno de como as meninas “são”?
Lise – Entres os mitos, podemos citar o de que as meninas não são tão agressivas ou competitivas. Isso é totalmente inverídico. O que ocorre é que as meninas aprendem a fazer isso de forma mais secreta. Outro mito é que os meninos são menos emotivos e afetuosos, e não conseguem demonstrar muita empatia. Isso não é verdade. Meninos aprendem a não chorar, eles aprendem a parecer durões, especialmente se convivem apenas com outros meninos. A cultura masculina tende a suprimir emoções masculinas e a sensibilidade. Não é que os garotos nascem insensíveis a outras pessoas. Todas as crianças aprendem sensibilidade social. Elas aprendem quando recebem cuidados. Quando alguém alimenta você, você aprende a alimentar outros. É por isso que a maioria das pessoas educam seus filhos da mesma forma que seus pais. Para os garotos, esse comportamento não é valorizado como é para as garotas, principalmente entre seus amigos. As meninas tendem a ser mais atenciosas e gostar de animais fofos e bebês. Se um menino disser entre seus amigos: “Que fofo!”, os outros vão dar risada. Eles não veem jogadores de futebol fazendo isso. 

ÉPOCA – Por que pais e professores devem prestar atenção às reais diferenças entre os gêneros?
Lise – Para ser feliz na nossa sociedade, você precisa de uma boa mistura de traços tipicamente masculinos e femininos. Você precisa ser forte, assertivo, mas também precisa ser atencioso e sensível. Se apenas criarmos as crianças de acordo com estereótipos, eles não terão a oportunidade de desenvolver toda a gama de habilidades. Se tentarmos ignorar ou contrapor os estereótipos, nós damos a todas as crianças a oportunidade de serem artísticas, científicas, matemáticas, competitivas ou cuidadoras – todos esses traços delas podem ser apoiados ou suprimidos pela educação. Normalmente, garotas fazem artes e meninos, matemática. É muito difícil ver um garoto em numa sala de arte. Mas isso é ridículo. Desde quando um homem não poderia ser artista? Nós vemos agora uma explosão de garotas atletas, depois que esta oportunidade foi dada a elas, principalmente depois dos anos 1970. Atualmente, temos dez vezes mais mulheres nos esportes nos Estados Unidos. Fica claro que, com oportunidade, as crianças expressam suas habilidades. Se você realmente prestar atenção em meninas pequenas, elas são muito ativas. Elas não sabem que não podem correr por aí, procurar insetos e subir em coisas. É mais tarde que aprendem a ser como uma lady. 

ÉPOCA – Que orientações você pode dar aos pais sobre a compra de brinquedos?
Lise – Acho que eles devem oferecer de tudo às crianças. Há muito o que aprender brincando com caminhões e há muito o que aprender brincando com bonecas. Os caminhões enfatizam habilidades físicas e mecânicas. As bonecas, as habilidades verbais, relacionais e de cuidado com os outros. Não queremos os dois tipos em meninos e meninas? Aos dois anos, meninos gostam mais de caminhões que as meninas, mas em famílias de mente aberta e irmãos dos dois gêneros, meninas podem ter mais interesse nesses brinquedos do que a média. Similarmente, meninos com irmãs podem ter mais interesse em bonecas, barbies e projetos de arte. O maior problema é que a maioria dos pais ainda estereotipa. Eu assisti a um programa de TV em que mostravam produtos incríveis para famílias e tudo era em rosa ou azul. Mesmo fora de casa, ensinamos que meninos e meninas são opostos. Eles aprendem essa ideia e, na hora de escolher os brinquedos, as crianças têm noção de gênero e querem se encaixar. Eles preferem coisas de um determinado gênero e evitam outras. Os pais deveriam evitar a rotulagem de gêneros o máximo possível. 

ÉPOCA – Como os pais podem ajudar os meninos a ler e escrever melhor?
Lise – Pais devem ler para os meninos todos os dias, encontrar livros de que eles gostem, como um sobre caminhões, por exemplo, além de tudo o que fazemos mais com as meninas. Nós falamos mais com elas, e é bem conhecido que o vocabulário falado de uma criança está diretamente relacionado à sua habilidade de leitura. Precisamos falar mais com nossos filhos, ouvi-los e engajá-los em diálogos. É esperado que uma garota fale mais e, pelos meninos serem mais ativos, elas ficam menos tempo sentados conversando. Você tem de se esforçar mais com seus filhos, assim como tem de se esforçar para fazer a sua filha praticar mais esportes. 

ÉPOCA – Como os pais podem ajudar as meninas a permanecer confiantes em matemática?
Lise – Isso está mudando rapidamente, pelo menos nos Estados Unidos. As meninas têm desempenho tão bom quanto o dos meninos até o ensino médio. Ao redor do mundo, a diferença entre os gêneros nessa disciplina está cada vez menor. Temos que continuar com as estratégias para as garotas que são valorizar o empenho delas, dar exemplos de vida, falar sobre mulheres que usam matemática em seus trabalhos e sobre o prazer disso. Francamente, precisamos ensinar a todos os nossos filhos que quem tem boas habilidades matemáticas pode ter acesso aos trabalhos mais bem pagos – em finanças, engenharia, ciências. 

ÉPOCA – No futuro, teremos muitas mulheres engenheiras ou trabalhando com computação?
Lise – Com certeza. No caso da computação, não há nada sobre isso que esteja associado a traços masculinos. Não é como trabalhar com engenharia, que está ligada a construções. Existem diferenças físicas entre homens e mulheres, é mais fácil para um homem assumir um trabalho em construções. Você consegue ver a conexão entre um emprego desse tipo, a engenharia e a formação de um estereótipo. No caso da computação, é só sentar e digitar. Não há razão para não termos mais mulheres fazendo programação. O maior problema é o estereótipo: muitas meninas temem se tornar geeks. Meninos passam a maior parte do tempo brincando com seus computadores. Para eles, a computação é a sua zona de conforto. Para elas, existe uma barreira de gênero.

ÉPOCA – Por que as adolescentes são mais vulneráveis à depressão?
Lise – Eu pesquisei e isso, assim como outras pessoas, achei que estivesse relacionado aos hormônios, já que na puberdade elas têm níveis elevados de estrogênio e progesterona. A evidência para isso é muito fraca. Talvez haja algum impacto hormonal, mas, para pesquisas que olham para diferentes causas, baixa autoestima é a principal causa da depressão. E a principal causa da baixa autoestima é a imagem negativa sobre o próprio corpo. Nós colocamos tanto foco na aparência física nas garotas, desde quando elas são bebês, que as que não se parecem como modelos – a maioria de nós – se sentem mal consigo mesmas. Elas têm esse peso que os garotos simplesmente não têm. Eles querem ser fortes e maiores, mas a maioria deles não fica na frente do espelho e diz: “Eu odeio o meu corpo”. É muito difícil achar uma adolescente que não faça isso. Todo mundo que tem essa “bagagem” de autoimagem ruim está mais vulnerável.

ÉPOCA – Você poderia dar mais ideias para balancear as diferenças emocionais entre garotos e garotas na adolescência?
Lise – Nós precisamos, sempre que possível, ensinar as meninas a gostar dos seus corpos. Nós precisamos encorajá-las a praticar mais esportes. Garotas fisicamente ativas se sentem melhor com seus próprios corpos. Elas são mais saudáveis. Além disso, aprendem a lidar melhor com a competição, trabalho em grupo, o que é importante na hora de conseguir um emprego. No caso dos garotos, precisamos ensiná-los a expressar suas emoções, encontrar espaços para que possam chorar.

ÉPOCA – Você acredita que é mais difícil criar meninos ou meninas de forma equilibrada?
Lise – Eu tenho os dois. Os dois têm seus desafios. Certamente, quando os meninos são pequenos, a atividade física é um desafio. Mas eu tenho uma amiga que tem uma filha que parece um carro de corrida. Na adolescência, para mães e filhas pode ser perigoso. É mais difícil para garotas. Na verdade, depende da criança. Se você tem dois filhos do mesmo gênero... Meus dois garotos são tão diferentes quanto minha filha é. 

ÉPOCA – Como suas experiências como mãe influenciaram seu livro?
Lise – Eu fiquei interessada no assunto quando eu já tinha um filho e uma filha, e estava grávida do terceiro. Naquela época, havia aquela discussão sobre cérebro masculino e feminino. Eu queria entrar na questão. Como mãe, eu tentei quebrar o estereótipo de gênero tanto quanto possível. Mas você vai até onde é possível. As crianças pertencem a uma comunidade maior, e a definição de gêneros é muito importante na nossa sociedade. É um desafio. Ao se aproximar da vida adulta, minha filha começou a entender isso e agradecer. Na faculdade, ela está envolvida com a questão LGB.  Jovens universitários se esforçam para quebrar estereótipos. Esperamos que na próxima geração vejamos menos pessoas categorizadas pelo gênero e mais pela sua humanidade.

Fonte: Época, por Amanda Polato, 01/10/2013

Ver também: Estudo mostra que educar meninas e meninos de forma desigual é prejudicial às crianças.

Estudo descarta haver diferenças significativas entre os cérebros de mulheres e homens 

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Os esportes femininos são para mulheres, não para trans.

Laurel Hubbard (nascido em 1978), anteriormente conhecido como Gavin Hubbard,
é uma trans levantadora de peso da Nova Zelândia. É ou não um escárnio essa situação?

A jogadora de vôlei Ana Paula teve a coragem de falar contra o absurdo que é ter transgêneras competindo em esportes femininos. E falou bem. Concordo inteiramente com a "musa do vôlei", seja ela de esquerda, de direita, de centro, de cima ou de baixo. Parece que se identifica como de direita. Não é meu caso, mas também não faz diferença. Conheço igualmente gente de esquerda que concorda com ela. Essa questão é muito mais apenas de bom senso e defesa dos direitos das mulheres.

Biologia não é de esquerda nem de direita

Tiffany, 1,94m de altura, nasceu Rodrigo de Abreu. Depois de participar durante anos de ligas masculinas de vôlei pelo mundo como Rodrigo, inclusive no Brasil, agora se apresenta como Tiffany e joga na Superliga Feminina. Sou contra e peço licença para ter uma conversa honesta e franca com você.

Antes de tudo, a discussão não é sobre preconceito ou tolerância, é sobre a volta do bom senso. Nada contra Tiffany, que apenas segue uma regra criada pelas entidades responsáveis pelo esporte, mas tudo contra politizar ciência, esporte profissional e biologia em nome de uma agenda ideológica que humilha e inferioriza as mulheres. O próprio coordenador da Comissão Nacional Médica (Conamev) da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), órgão responsável pela liberação de Tiffany, Dr. João Granjeiro, declarou ser contra a participação da atleta trans na Superliga Feminina.

Defensores de mulheres transexuais em ligas femininas têm como linha de argumento que atletas passam por tratamentos para reduzir seus níveis de testosterona para o mesmo nível exigido das atletas nascidas mulheres. Permita-me explicar o absurdo desta ideia: mulheres que, como eu, disputaram competições femininas oficiais desde as categorias de base, passam toda sua vida profissional sendo monitoradas em incontáveis testes, dentro e fora do período de competições. No mínimo traço de testosterona detectado acima dos níveis permitidos, uma suspensão é aplicada.

Toda a patrulha médica do Comitê Olímpico Internacional (COI), da Federação Internacional de Vôlei (FIVB) e da própria CBV serviram para que minha força, musculatura, ossos e condição cardiovascular não estivessem sendo construídos injustamente com o hormônio masculino ao longo dos anos. Durante toda minha trajetória de atleta fui submetida ao controle da Agência Mundial Anti-Doping (WADA), o que incluiu informar ao órgão, durante anos, onde eu estava todos os 365 dias do ano para que pudesse ser alvo de um teste-surpresa. Todas as atletas profissionais sabem do que estou falando. Quantas vezes não fomos acordadas às 5h30 da manhã para colherem material sem aviso prévio?

Tiffany, que foi Rodrigo na maior parte da sua vida, tem 33 anos. Há dois anos tem níveis de testosterona compatíveis com o esporte feminino, mas nos outros 31, quando jogava vôlei em ligas profissionais como Rodrigo, construiu um corpo de 1,94m de músculos masculinos. É justo que agora participe de competições com quem é mulher desde que nasceu, que tem ossos, músculos, ligamentos e capacidade aeróbica tipicamente femininas? Você sabe a resposta.

Alguns dos médicos mais respeitados da área, como a Dra. Ramona Krutzik, endocrinologista californiana que estuda os hormônios humanos há 19 anos, estão começando a se posicionar contra este absurdo. Krutzik defende que um ano de terapia hormonal não é suficiente para reverter os efeitos da puberdade masculina em uma atleta transexual.
Para reverter qualquer aspecto físico masculino no corpo, além da cirurgia de sexo são necessários ao menos quinze anos sem testosterona para começarmos a perceber algumas mudanças ósseas e musculares”, esclarece a Dra. Ramona Krutzik.
Nem a Dra. Joanna Harper, mulher transexual desde 2004, concorda que atletas trans femininas deviam ser liberadas apenas pelo nível de testosterona. Fisiologista do Providence Portland Medical Center, Dra. Harper publicou um estudo em 2015 afirmando que corredoras trans podem ser mais lentas que mulheres. No entanto, ela acredita que a redução de testosterona por apenas um ano num corpo masculino não é dado suficiente para permitir a participação de transexuais em diversas modalidades em que a força física é determinante.

Se tudo isso não bastasse, o debate beira o surrealismo quando se sabe que o COI pode excluir do esporte feminino mulheres com níveis mais altos de testosterona por causas naturais. Mulheres que nunca usaram qualquer substância para elevar seus níveis hormonais são impedidas de competir, como a corredora indiana Dutee Chand que foi acusada de “não ser mulher”.

Dutee Chand tinha um distúrbio conhecido como “hiperandrogenismo” e, por isso, foi banida do esporte. Na época, o COI e a Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF) alegaram que Chand não havia passado no teste de gênero e teria que ser suspensa. O teste de gênero é feito nos casos de níveis elevados de testosterona endógena (produzida pelo corpo) e é obrigatório apenas (pasmem!) para mulheres. Chand só pôde voltar a competir depois de recorrer à Corte Arbitral do Esporte (CAS).

Com que cara olhamos então para essas mulheres que já foram cortadas de competições ou banidas do esporte pelo nível de testosterona alto em algum momento da vida? Como impedir agora que meninas adolescentes construam corpos com hormônio masculino e depois ajustem os níveis um ano antes de competir com as outras?

A agenda político-ideológica em defesa de transexuais em esportes disputados por mulheres ultrapassou qualquer limite do absurdo quando Fallon Fox, um ex-militar e ex-caminhoneiro americano, tornou-se a primeira lutadora trans de MMA. Fox não apenas venceu cinco das seis lutas que disputou como causou profundas lesões corporais nas suas oponentes, como concussões sérias e ossos fraturados. Digam o quiserem, Fox é um homem batendo publicamente em uma mulher numa arena e ganhando dinheiro e aplausos politicamente corretos por isso.

O que aconteceria se LeBron James, uma lenda viva da NBA, decidisse levar sua técnica, seus músculos e seus 2,03m para o campeonato de basquete feminino depois de dois anos de tratamento hormonal? A diferença entre o basquete masculino e feminino está em quase tudo: no tamanho na bola, na altura da cesta, na distância para o arremesso de três pontos e até nas regras.

Pode parecer absurdo, mas até a possibilidade de uma convocação de Tiffany para a seleção brasileira já foi admitida pelo atual técnico, José Roberto Guimarães. Em quanto tempo teremos uma seleção feminina composta basicamente por transexuais? Quantas Fernandas, Sheilas e Anas não terão qualquer chance na seleção adulta depois de terem passado (limpas) por todas as categorias de base? Precisamos ser claros em relação a isso, sem meias palavras ou eufemismos, pode ser fim de jogo para o esporte feminino.

Vi as recentes declarações de Tiffany e sou solidária em relação às batalhas que precisou travar para que seu corpo estivesse melhor alinhado com o que deseja. Seus desafios pessoais são inimagináveis para mim. Mas por mais adorável que seja, não tenho como ignorar que possui uma composição óssea e muscular masculina sacando, bloqueando e subindo na rede para cortar. Tiffany pode ser muito bem vinda nas áreas técnicas do esporte feminino, mas seu corpo é totalmente incompatível com o vôlei entre mulheres.

Este é mais um dos temas que precisamos enfrentar numa sociedade que está sucumbindo às militâncias barulhentas, intelectuais e comentaristas perturbados por falta de coragem de participar do debate público e dizer o que precisa ser dito sem medo de perseguições e assassinatos de reputação. Se é desgastante sair da zona de conforto e se posicionar, considere as consequências de se calar.

Não podemos vendar os olhos com o politicamente correto e aplaudir uma desigualdade em nome da igualdade. O que está acontecendo é um verniz em um universo fora da realidade, onde a inclusão de atletas trans no esporte feminino significa a exclusão de mulheres. Exaltar homens “que se identificam como mulheres” em papéis e campos femininos pode ser a forma suprema de misoginia.

Fonte: ESP, 28/12/2017, por Ana Paula Henkel

Atletas trans versus mulheres: É violência contra as mulheres.


quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Eventos em Sampa e documentário homenageiam David Bowie


Multi-instrumentista, compositor, intérprete, performer, ator, produtor musical, fashionista, multimídia (muito antes da palavra ter sido inventada), David Bowie inovou na música, nas artes em geral e no comportamento, com a androginia alucinada de seus primeiros álbuns. Sempre mutante, com suas diferentes personas, passeou pelo hard rock, punk rock, glam rock (que praticamente fundou), folk music, soul music, techno music, neo romantic music, e até jazz, R&B e hip hop. Fez trabalhos bem experimentais e emplacou hits comerciais, mas sempre de boa qualidade. Foi influenciado por outros grandes rock stars, mas influenciou muito mais gente do que foi influenciado. Para muitos, ele foi e continua sendo, a estrela do rock mais influente até hoje. Para quem quer esquecer um pouco da mediocridade atual da música nacional e internacional, nada como ouvir Mister Bowie.

E, para celebrar a genialidade de Bowie, a cidade de São Paulo, tem uma programação variada que vale checar abaixo. Também o documentário sobre seus últimos cinco anos de vida estreia hoje pelo canal BIS (igualmente veja abaixo). Após o texto, confira também algumas músicas de Bowie, como compositor e intérprete, que fazem parte da minha playlist primordial .

7 eventos imperdíveis para quem é fã de David Bowie
No mês em que David Bowie completaria 71 anos, a cidade de São Paulo oferece atrações imperdíveis aos fãs do saudoso cantor, compositor e ator. Janeiro também marca os dois anos da morte e o lançamento de seu último álbum, "Blackstar".

As homenagens ultrapassam o campo da música e incluem uma mostra de filmes estrelados por Bowie, como o clássico de fantasia "Labirinto"; um espetáculo de dança baseado na discografia dele; uma oficina de maquiagens, figurinos e perucas, onde o público é convidado a construir seu próprio Ziggy Stardust, icônico personagem criado pelo artista; e outra de bonecos que vai ensinar a criar um de pelúcia inspirado no camaleão do rock.

Mas é claro que vai ter muita música também, como a apresentação 'Bowie convida Amy' do cantor André Frateschi, vencedor do reality musical PopStar (TV Globo), ao lado da mulher Miranda Kassin; o tributo 'Let's Dance' com artistas que tiveram influência da obra do artista; e um festival de rua no bairro do Bixiga, no centro da cidade.

Veja abaixo 7 atrações:



Data: 9 de janeiro de 2018

Horário: Às 21h

Preço: R$ 10 (meia) e R$ 20 (inteira)

O espetáculo "Ziggy", com a Cisne Negro Cia. de Dança, é baseado na discografia de Bowie. A bailarina e coreógrafa Hulda Bittencourt convidou o renomado bailarino brasileiro Mário Nascimento para um mergulho interpretativo na genialidade do artista. O resultado é um Bowie de personalidade eclética, inovadora e inquieta muito à frente do tempo.

Local: Sesc 24 de Maio - rua 24 de Maio, 109, centro


Data: 9, 10, 13 e 14 de janeiro de 2018

Horário: Das 14h às 17h

Preço: Entrada gratuita

Com uso de maquiagens, figurinos e perucas, o público é convidado a construir seu próprio "Ziggy Stardust" nesta oficina aberta. O personagem criado por Bowie era um ser de outro mundo que veio à Terra para salvá-la, mas em vez disso, encontrou o rock. Ziggy cantava sobre mudança e dor e tocava música muito melhor do que qualquer um. Esse personagem tornou o artista famoso e formou uma comunidade em torno de sua singularidade.

Local: Sesc 24 de Maio - rua 24 de Maio, 109, centro


Data: 10 e 11 de janeiro de 2018

Horário: Quarta às 14h e às 21h; e quinta às 12h

Preço: De R$ 15 (meia) a R$ 30 (inteira)

Show presta homenagem a David Bowie no mês em que ele completaria 71 anos, e que também marca os dois anos de sua morte e o lançamento de seu último álbum, 'Blackstar'. A apresentação vai reunir quatro vocalistas de diferentes estilos e gerações, cujos trabalhos tiveram influência da obra do camaleão do rock. São eles Ritchie, Filipe Catto, Bluebell e Léo Cavalcanti. As canções apresentadas cobrem todas as diferentes fases de Bowie, do som folk do primeiro álbum ao glam dos anos 70, o experimentalismo da fase alemã, a eletrônica dos anos 00 e o pop dançante dos anos 90. A classificação é 16 anos.

Local: Sesc 24 de Maio - rua 24 de Maio, 109, centro


Data: 10, 11 e 12 de janeiro de 2018

Horário: Das 18h30 às 20h30

Preço: R$ 12 (meia) e R$ 24 (inteira)

Nessa oficina os participantes são convidados a soltar a imaginação e criar um boneco de pelúcia inspirado em David Bowie. Após estudo das diferentes fases do artista, seus personagens e figurinos, cada participante com a ajuda dos professores Bololofos vai produzir seu boneco em 3 encontros. Será abordado todo o processo de criação e confecção, desde o desenho do projeto até a costura e enchimento. Inscrições na Central de Atendimento dia 9/01 das 13h às 20h30 para a categoria Credencial Plena, e dia 10/01 das 13h às 20h30 na categoria Credencial Atividade. Vagas Remanescentes dia 11/01.

Local: Sesc 24 de Maio - rua 24 de Maio, 109, centro


Data: 13 de janeiro de 2018

Horário: Das 12h às 20h

Preço: Entrada gratuita

Bowie veio dia 8 de janeiro, criou um universo dentro da Terra e se foi dia 10 de janeiro. O festival vai celebrar sua vida e obra em uma grande festa no bairro do Bixiga. As bandas e as atrações serão confirmadas em breve.

Local: Bixiga


Data: 13 de janeiro de 2018

Horário: Das 15h às 21h

Preço: Entrada gratuita

Nesta homenagem a Bowie, o MIS promove uma mostra de filmes em que ele atua. Serão exibidos o clássico de fantasia "Labirinto: A Magia do Tempo", às 15h; o documentário "Ziggy Stardust and the Spiders from Mars", às 17h; e a cópia restaurada de "O Homem que Caiu na Terra", às 19h. Os ingressos devem ser retirados com uma hora de antecedência na recepção do MIS e a sala está sujeita a lotação. A classificação indicativa é 16 anos.

Local: MIS - avenida Europa, 158, Jardim Europa


Data: 18 de janeiro de 2018

Horário: Às 22h30

Preço: R$ 60

No show BOWAMY, o vencedor do reality musical PopStar (TV Globo), André Frateschi interpreta canções de David Bowie ao lado da mulher, Miranda Kassin, que canta hits de Amy Winehouse. Bowie e Amy sempre foram referência para o casal, até que um dia eles resolveram declarar seu amor pelos ídolos em alto e bom som nos palcos.

Local: Bourbon Street - rua dos Chanés, 127, Moema

Fonte: Catraca Livre, 09/01/2018

DAVID BOWIE: THE LAST FIVE YEARS (bom)
Documentário
QUANDO quarta-feira (10), às 21h30, no canal Bis

Nos últimos anos de sua vida, David Bowie revisitou a exuberância de sua juventude, como se tentasse fechar um círculo em que as glórias de um passado de invenções e reinvenções musicais e estéticas serviriam de alicerces de uma despedida calculada.

"Blackstar", seu último álbum, chegou às lojas dois dias antes de sua morte, há exatos dois anos. Foi o suspiro derradeiro –todo construído em segredo– de um dos maiores artistas do século 20.

Um documentário que acaba de estrear na HBO americana e que chega nesta quarta ao Brasil revela os bastidores da criação de seu disco final, do musical "Lazarus", encenado na Broadway, e de seu penúltimo álbum, "The Next Day", gravado no início de uma década passada em reclusão.

Bowie, dizem os músicos de sua banda no filme, nunca pareceu tão jovem quanto no dia em que sofreu um ataque cardíaco em pleno palco num show em Berlim. Ele terminou aquela apresentação, sua última ao vivo, e foi levado direto dali para o hospital.

Esse episódio em 2004, que abortou sua mais longa turnê, foi o estopim de um surto criativo. Bowie voltou depois para Nova York, onde vivia, e passou anos pensando num adeus à vida de estrela do rock que parece ter amado tanto quanto desdenhado.

"David Bowie: The Last Five Years", o filme, vai muito além de seus últimos cinco anos. É uma crônica das obsessões estéticas do músico, desde seus primórdios, na "swinging London", até o auge de sua fama avassaladora, "aquele lugar onde as coisas são ocas", nas palavras dele.

Francis Whately, o diretor, disseca com olhar clínico cada passo de Bowie e se esforça para destrinchar as influências por trás de cada letra e cada decisão visual, mas também se deixa seduzir pelo magnetismo do retratado.

Os closes insistentes nos olhos de cores destoantes de Bowie são um único –e talvez incontornável– aceno à hagiografia num filme que não disfarça a visão de Bowie como pavão misterioso e frágil que arquitetou três de suas obras mais fortes enquanto lutava contra o câncer que acabaria tirando a sua vida.

Bowie é visto como um gênio inabalável, orquestrando faixa por faixa de seus últimos trabalhos como resgates precisos dos personagens que marcaram toda a sua obra –Lazarus, no caso, é o mesmo Thomas Newton de "O Homem que Caiu na Terra", filme estrelado pelo músico em 1976 que explicita a sua sensação de não pertencimento.

Sua experimentação em faixas como "Sue (Or In a Season of Crime)" e "Lazarus", do disco "Blackstar", retomam as inovações de "Sound and Vision" e as performances ultrateatrais de "Diamond Dogs", dos anos 1970.

Mesmo sendo um tanto convencional no formato, o documentário acaba desmistificando o camaleão. É um exame preciso e delicado dos motivos que levaram Bowie a se esconder do mundo para mostrar depois as suas tais "cicatrizes que não podem ser vistas". No fundo, é uma ode ao astro que fez de sua morte um espetáculo cintilante.

Folha de SP, por Silas Marti, 10/01/2018

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Como a divisão sexual do trabalho limita a participação das mulheres em determinadas profissões


Como pensar a problemática de gênero nos grandes empreendimentos?

Quando um grande empreendimento se instala em um município é comum que a geração de emprego e renda seja apresentada como principal benefício para aquela população. Na teoria, espera-se que tais benefícios possam atingir tanto homens quanto mulheres, mas na prática os homens têm sido os principais beneficiários diretos, visto que os perfis profissionais demandados para a construção e operação dos empreendimentos são, em grande parte, em funções tradicionalmente masculinas: pedreiros, soldadores, mecânicos, carpinteiros, eletricistas, armadores e montadores, operadores de equipamentos, auxiliares, assistentes e ajudantes da construção civil e de processos industriais.

Ainda que não sejam impedidas diretamente de ter acesso a estas vagas, a ocupação de mulheres nesse espaços irá, frequentemente, esbarrar numa barreira social: os estereótipos de gênero que definem alguns trabalhos como femininos e outros como masculinos. Nesse sentido, é fundamental a compreensão de que as relações de gênero – que são ao mesmo tempo estruturantes e transversais à totalidade do campo social – são ativas também no trabalho e se exprimem através da divisão sexual do trabalho.

Ao contrário do que possa parecer ao senso comum, esta divisão não é natural e sim modulada histórica e socialmente. Ainda que suas modalidades concretas variem grandemente no tempo e no espaço, a divisão sexual do trabalho segue a linha de demarcação dos espaços masculinos e femininos.

Na prática, isso resulta numa distribuição diferencial de homens e mulheres no mercado de trabalho, com a ausência de um dos sexos em determinados espaços e a sobrerrepresentação de um dos sexos em outros. 

A divisão sexual do trabalho opera a partir de dois princípios organizadores: o princípio de separação, segundo o qual existem trabalhos de homens e trabalhos de mulheres; e o princípio de hierarquização – um trabalho de homem “vale” mais do que um trabalho de mulher. Assim, a divisão sexual do trabalho não irá definir, portanto, apenas o que se faz, mas também o salário e a qualificação de quem faz.

Estes princípios podem ser aplicados graças à ideologia naturalista que reduz o gênero ao sexo biológico, remetendo a um “destino natural da espécie”: as mulheres teriam mais habilidades para determinadas atividades, especialmente aquelas relacionadas à esfera reprodutiva; os homens teriam outro tipo de habilidades, sendo designados prioritariamente à esfera produtiva. É assim que a divisão sexual do trabalho traz o discurso de adequação de feminino e masculino, quando, na realidade, é um conjunto de modalidades diferenciadas de socialização que constrói papéis sociais e “qualidades femininas e masculinas” que sejam coerentes com as atribuições dadas a cada um.

Desde cedo, no âmbito familiar e na educação escolar, e depois mais tarde, na formação no trabalho, a socialização é, em geral, muito orientada pelos papéis tradicionais de gênero, construindo para as mulheres, por exemplo, competências relacionadas ao cuidado, em detrimento de outras habilidades associadas aos homens.

Assim surgem as definições de trabalho “leve” ou “delicado” como um trabalho de mulher, em oposição ao trabalho pesado, realizado por homens. Da mesma forma, são criados os discursos de maior adequação das mulheres ao trabalho doméstico, que resultam em uma divisão desigual deste trabalho entre os sexos.

Como consequência desse processo de socialização, muitas mulheres podem não se reconhecer em funções tradicionalmente masculinas. E, mesmo aquelas que se interessam por estas funções, e/ou possuam as habilidades necessárias para desempenhá-las, precisarão transpor as barreiras sociais dos estereótipos de gênero, expressas em práticas mais ou menos diretas que dificultam o acesso dessas mulheres a estas vagas (como exigências de formação específica ou experiência anterior, discriminações, desincentivo familiar etc.).

A oferta de qualificação para mulheres nessas áreas e a reserva de cotas para elas nas vagas geradas pelos grandes empreendimentos poderiam ser propostas para minimizar, em parte, essa dificuldade de acesso.

No entanto, para além deste tipo de proposta prática, é preciso que a abordagem de gênero seja discutida mais profundamente, como uma questão transversal aos processos de licenciamento e implantação desses empreendimentos.

Desconsiderar esta problemática não é apenas deixar de contribuir para a diminuição das desigualdades entre mulheres e homens no mercado de trabalho. É também reforçar as desigualdades sistemáticas que, de forma mais ampla, mantém estável todo um sistema de gênero onde os homens ocupam uma posição de dominação em relação às mulheres.

Fonte: Socioeconomia.org, por Livia Hoffmann

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Morre Luiz Carlos Maciel, o principal pensador da contracultura no Brasil



Aos 79 anos, morre Luiz Carlos Maciel, jornalista e pensador da contracultura

Principal ensaísta e pensador da contracultura no Brasil, o jornalista, diretor teatral e roteirista Luiz Carlos Maciel morreu na manhã deste sábado (9), aos 79 anos, no hospital Copa D'Or (Copacabana), no Rio de Janeiro, onde estava internado desde 26 de novembro com um quadro de infecção. Maciel sofria, nos últimos meses, com o agravamento da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Segundo a filha do escritor, Lúcia, o boletim médico apontou falência múltipla dos órgãos. Até o momento, não há informações sobre o velório.

O ensaísmo de Maciel articulou a contracultura brasileira com escritores e agitadores internacionais, anti ou extra-acadêmicos, e contribuiu para torná-la mais consciente de si própria, ao informar sobre ideias insurgentes e movimentos de vanguarda dos anos 60 e 70. Seus textos no "Pasquim", "Flor do Mal", "Última Hora" e "Fairplay" influenciavam adeptos do desbunde, esquerdistas menos ortodoxos e jovens aflitos para "cair fora" e encontrar um novo estilo de vida.

O espírito contracultural se manifestou em Maciel ainda na faculdade de Filosofia, em Porto Alegre (RS), onde nasceu em 15 de março de 1938. Aproximou-se do existencialismo de Sartre e do teatro do absurdo, encenando "Esperando Godot", de Samuel Beckett, com Lineu Dias, Mário de Almeida, Paulo José e Paulo César Pereio, do Teatro de Equipe. Autor do ensaio "Sartre, Vida e Obra" (1967), Maciel destacaria a relevância do filósofo francês em sua transição para a vida adulta, por despertá-lo para a liberdade e a responsabilidade.

Confiante na profecia do amigo Glauber Rocha de que a Bahia lideraria uma revolução cultural, ele decidiu mudar-se para Salvador e assumir uma cadeira de professor da Escola de Teatro, em 1959. Na capital baiana, dirigiu uma montagem elogiada da peça cabralina "Morte e Vida Severina" e foi o protagonista do homoerótico "A Cruz na Praça" (1959), o curta desaparecido de Glauber, que lhe confiaria, perto de morrer, os originais da peça "Jango: Uma Tragedya".

Em 1960, com uma bolsa da Fundação Rockefeller, Maciel partiu para o Carnegie Institute of Technology, em Pittsburgh, nos Estados Unidos. O mergulho na vida americana enriqueceu o repertório de autores e tendências comportamentais da futura e legendária coluna "Underground" no semanário humorístico "Pasquim", do qual tornou-se um dos fundadores a convite do jornalista Tarso de Castro. Entre 1969 e 1972, Maciel era o recordista de cartas da redação, como reconheceu o cartunista Jaguar, e passou a ser chamado de "guru da contracultura", um epíteto aceito a contragosto e fortalecido depois do texto "Conselhos a mim mesmo", em que recomendava: "1. Escuta o canto do ser. Ele tem mais de mil vozes. Olha a dança do ser. Ela tem mais de mil passos".

Na "Underground", e também em artigos para a grande imprensa, Maciel apresentou o zen-budismo de Alan Watts, os testes com LSD do escritor americano Ken Kesey, Timothy Leary e os benefícios terapêuticos das experiências psicodélicas, os odiados Hell's Angels, "Eros e Civilização" de Herbert Marcuse, a ação política do poeta beat Allen Ginsberg e o Gay Liberation Front da Califórnia (em confronto com Ginsberg).

Mais: o hipster segundo Norman Mailer, o Living Theatre, o romancista alemão Hermann Hesse, os Panteras Negras, Wilhelm Reich e a revolução sexual, Carlos Castaneda e os ensinamentos do bruxo Don Juan, as interpretações histórico-psicanalíticas de Norman O. Brown. Assimilou gírias dos desbundados e comentou as religiões orientais, o rock, o jazz, a antipsiquiatria, a anti-universidade, a liberação sexual, o feminismo de Yoko Ono, a maconha e o movimento hippie, além de fazer perfis de artistas como Bob Dylan, Jimi Hendrix, Richie Havens, Santana e —entrevistou-a no Rio, junto com Hélio Oiticica— Janis Joplin. Antecipou-se em décadas às campanhas nacionais contra políticas repressivas a usuários de drogas. Era uma florida revolução dentro da revolução cultural do Pasquim no jornalismo brasileiro.

Em oposição ao machismo confesso de outros membros do "Pasquim", ele simpatizava com os gays, os hippies, as feministas e os tropicalistas. Perto de embarcar para o exílio em Londres, em 1969, o compositor Caetano Veloso recebeu de Maciel a tarefa de enviar artigos para o semanário, uma colaboração bem-vinda para quebrar o gelo político em torno do grupo baiano. Gilberto Gil e Jorge Mautner também seriam acolhidos por suas páginas no período. No final de 1970, o Exército prendeu a equipe do humorístico e Maciel teve a grossa cabeleira cortada na Vila Militar.

Cabelos crescidos, ele deixou o "Pasquim" em 1972, pressionado pelo humorista Millôr Fernandes, inimigo e substituto de Tarso na chefia. Antes da despedida, estimulado por Sérgio Cabral, criou e editou o nanico "Flor do Mal", ao lado de Rogério Duarte, Torquato Mendonça e Tite de Lemos. Imerso de vez no jornalismo, comandou a edição brasileira da revista "Rolling Stone", outra experiência de vida curta, e colaborou com veículos como "Correio da Manhã", "Jornal do Brasil", "O Jornal", "Fatos e Fotos" e "Veja". Na Folha, a pedido de Tarso, escreveu para o caderno "Folhetim". Na "Ilustríssima", em 2015 e 2016, publicou seus últimos textos na imprensa.

NOVA CONSCIÊNCIA

Os ensaios contraculturais de Maciel saltaram dos jornais para duas coletâneas populares nos anos 70: "Nova Consciência" (1972) e "A Morte Organizada" (1975), complementados adiante pelo volume "Negócio Seguinte" (1978). A tensão entre cultura e contracultura, poder e antipoder, liberdade e repressão, atravessa o seu pensamento. "Nunca ninguém defendeu teses irracionalistas em estilo tão calmamente lógico", definiu Caetano Veloso.

No livro "Geração em Transe - Memórias do Tempo do Tropicalismo" (1996), ele repassou a convivência com os três artistas que julgava centrais na contracultura brasileira: Glauber, José Celso Martinez Corrêa e Caetano, independentes entre si mas sincronizados em 1967, quando o filme "Terra em Transe", a montagem de "O Rei da Vela" e a canção "Tropicália" traumatizaram as sensibilidades estéticas.

No ciclo contracultural, o ensaísta conviveu e guardava afinidades com uma lista plural de agitadores: Rogério Duarte, Gilberto Gil, Torquato Neto, Plínio Marcos, Jorge Mautner, José Agrippino de Paula, Leila Diniz, Othon Bastos, Antonio Bivar, Leon Hirszman, Helena Ignez, João Ubaldo Ribeiro, Waly Salomão, Jorge Salomão, Jards Macalé e a trupe dos Novos Baianos. Aprofundou, em tempos recentes, a amizade com o diretor Gerald Thomas.

Em suas memórias, Maciel apresenta um aspecto biográfico pouco conhecido: seu trabalho no Laboratório de Interpretação Crítica do Teatro Oficina, um passo para os atores chegarem ao estilo interpretativo de "O Rei da Vela", a peça de Oswald de Andrade que lhe fora indicada pelo diretor e crítico italiano Ruggero Jacobbi e que ele recomendou ao diretor Zé Celso. Em 1968, Maciel se afastou dos palcos, na sequência do duplo veto da censura à sua direção de "Barrela", de Plínio Marcos, no Teatro Jovem, e "As relações naturais", de Qorpo-Santo, no Teatro Glauce Rocha.

Dizia-se polímata ou homem sem especialização. Chegou a dirigir o longa "Society em Baby-Doll", em 1965. Nos anos 80, enraizou-se na atividade de roteirista na Rede Globo, integrando a equipe do "Globo Repórter" e, dentro do núcleo de Daniel Filho, de especiais como "João Gilberto Prado Pereira de Oliveira" (1980), "Baby Gal" (1983) e "Chico & Caetano" (1986). Ainda trabalharia como roteirista na Rede Record, nos anos 2000. Condensou essa experiência no livro "O Poder do Clímax - Fundamentos do Roteiro de Cinema e TV", reeditado este ano pela Ed. Giostri. Aos 77 anos, viu-se pela primeira vez desempregado. No ano passado, foi convidado para ser consultor da série "Os Dias Eram Assim", da Globo, escrita por Angela Chaves e Alessandra Poggi. "O Sol da Liberdade" (Ed. Vieira & Lent), sua última coletânea, revisitou a vanguarda do Tropicalismo, filósofos como Heráclito, Nietzsche e Heidegger, o escritor americano de ficção científica Philip K. Dick e o filme "Matrix" (1999).

Luiz Carlos Maciel, que dirige a peça "Boca Molhada de Paixão Calada", de Leilah Assunção, que estreia no Teatro Igreja.

Limitado pelo enfisema pulmonar, que se agravou este ano, Maciel sentava-se em posição de lótus, no gabinete, e passava os dias ouvindo Duke Ellington, o ídolo maior. Buscou em vão o raro LP "The Duke In São Paulo", um concerto gravado em 1968 no Teatro Municipal, jamais encontrado em seus garimpos no exterior. Sofreu com a perda de um pedaço de sua coleção de discos de jazz na última mudança de apartamento, mas pacificou-se ao lembrar de uma lição de Norman O. Brown: é preciso saber despedir-se para sempre. Nos últimos anos, publicava seus textos no Facebook e continuava a ler e discutir os mestres Heidegger, Sartre, Castaneda e Philip K. Dick.

Descontente com o impeachment de Dilma Rousseff e a ascensão da direita ao poder —com ela, a caretice, sua velha inimiga—, Maciel lamentou, em casa, duas semanas antes da internação hospitalar: "Conseguiram transformar o Brasil no país mais chato do mundo". Em seu último ensaio, "Memórias do Futuro" (inédito), pensado como introdução a um livro imaginário, o ensaísta defendeu um ponto de vista utópico: "A questão que nos confronta, hoje, é a necessidade de novas lembranças do futuro, de informação sobre nosso destino através de um processo semelhante ao que operou nos anos 60".

Filho de Logunedé, no Candomblé, Maciel aceitou os ensinamentos de Jesus e Buda, conheceu a Umbanda e o Santo Daime, absorveu o gnosticismo e preservou cautelas ateístas.

Ele deixa a viúva, Maria Cláudia, atriz, com quem estava casado desde 1976, os filhos Lúcia Maria e Roberto (do primeiro casamento com Yonne), quatro netos, 13 livros e oito gatos batizados com nomes de filósofos pré-socráticos. Arriscava-se à futurologia ao prever a manchete de sua morte: "Morre Luiz Carlos Maciel, o guru da contracultura".

Fonte: Folha de São Paulo, por Cláudio Leal, 09/12/2017

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