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Quando Deus era mulher:

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Aserá,

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quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Curso de extensão da USP sobre Judith Butler e Michel Foucault

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Judith Butler e Michel Foucault
A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, por meio do Departamento de Antropologia Social, ofereceu, no segundo semestre deste ano, um curso de extensão, denominado Poder e Performatividade Pública: introdução a Judith Butler e Michel Foucault, que aborda conceitos-chave da teoria de ambos os autores bem como suas correlações. Quem administrou as aulas foi a professora Jacqueline Moraes Teixeira (ver ps vídeos abaixo), e os textos do curso podem ser acessados no google drive clicando aqui.
Jacqueline Moraes Teixeira

Considerando a importância que esses dois autores têm nas discussões sobre gênero, em particular, Judith Butler, recentemente alcunhada, por grupos conservadores, de criadora da "ideologia de gênero", vale a audiência desse curso e a leitura de seus textos. 


Arqueologia do Saber/ Michel Foucault


As Palavras e as Coisas/ Michel Foucault 
Corpo e Dispositivo da Segurança em Michel Foucault  
Governamentalidade e Dispositivo do Poder Pastoral pt.1  
Governamentalidade e Dispositivo do Poder Pastoral pt.2  
História da Sexualidade / Michel Foucault pt.1  
História da Sexualidade / Michel Foucault pt.2  
Problemas de Gênero 1/ Judith Butler 
Problemas de Gênero 2/ Judith Butler  
Relatar a si mesmo / Judith Butler  
Vidas precárias 1 / Judith Butler  
Vidas precárias 2 / Judith Butler  
Performatividade e Teoria da Assembleia / Judith Butler

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Brasileira vence concurso por usar grafeno para fornecer água potável a residências


Brasileira vence concurso mundial por sua pesquisa com carbono


A vida de Nadia Ayad, recém-formada em engenharia de materiais pelo IME (Instituto Militar de Engenharia), mudou bastante em 2016. Além de se formar pela instituição, localizada no Rio de Janeiro, Nadia levou o primeiro lugar no desafio mundial da Sandvik sobre a utilização do grafeno, um material à base de carbono.

Era uma oportunidade de ouro. Com a chamada para o desafio, Nadia se debruçou sobre os estudos que existiam sobre a substância, encarada com entusiasmo pelos cientistas. Derivado do grafite, trata-se de um composto 200 vezes mais resistente que o aço e que ganhou título de melhor condutor térmico e elétrico do mundo. Coube à brasileira, que já possuía experiência em pesquisa, elaborar um projeto para utilizar o material em dispositivos de filtragem e sistemas de dessalinização. O projeto tem como base uma preocupação constante e justificada: como garantir que, no futuro, tenhamos acesso à água potável? Iniciativas como a elaborada pela brasileira podem sugerir um caminho.

Ciência no exterior, ciência no Brasil

Ainda que Nadia já tivesse um pezinho na área de pesquisa desde cedo, graças à carreira acadêmica dos pais de origem sudanesa, a experiência nas universidades onde estudou valeram muito. Depois de iniciar a formação em engenharia no IME, instituição de destaque no Brasil, conseguiu uma bolsa do Ciência Sem Fronteiras para estudar na Inglaterra.

Na Universidade de Manchester, onde passou um ano, teve contato com grandes nomes da área e com os campos de pesquisa pelos quais se interessava.
Na Inglaterra, pude ver onde está a pesquisa hoje. Eles tem muitos recursos e acesso a muitas facilidades para fazer acontecer”, sintetiza Nadia.
Essa experiência no Reino Unido fez com que tivesse acesso também a estágios, como o que realizou na Imperial College London. Por lá, ela pode trabalhar no desenvolvimento de um polímero que substituísse válvulas cardíacas. Era uma forma de entender, em termos mais gerais, a parte mecânica das células, e como os estímulos ao redor — como o aumento no fluxo de sangue, por exemplo — influenciavam o funcionamento do coração.

“Quero melhorar a ciência no Brasil”

Com o estágio na Imperial College na bagagem e uma formação forte em engenharia de materiais, Nadia resolveu, em vez de passar pelo mestrado, fazer diretamente o PhD no exterior, candidatando-se diretamente a universidades dos Estados Unidos e do Reino Unido. Na lista de instituições, estão nomes conhecidos, como o americano MIT (Massachussetts Institute of Technology) e a britânica Universidade de Cambridge.

Quero que, no futuro, as pessoas não precisem ir para fora para ter acesso à pesquisa de ponta

O projeto de Nadia Ayad para o PhD trata do uso de biomateriais para induzir as células-tronco a formar tecidos como os das cartilagens, por exemplo, em versão 3D. Nas universidades estrangeiras, a brasileira encontra mais oportunidades para o tema e também mais recursos.
Mas também vejo que há muitos aspectos positivos no Brasil. A experiência no exterior mostra que dá para aprender com o que se faz lá fora e, ao mesmo tempo, entender o que fazemos de bom aqui”, explica Nadia.
De olho na carreira acadêmica e focada nos potenciais usos de biomateriais dentro da medicina, Nadia pretende trazer mais discussões sobre o seu tema de análise ao Brasil, onde o campo de estudos dá os primeiros passos.
Quero que, no futuro, as pessoas não precisem ir para fora para ter acesso à pesquisa de ponta”.
Fonte: Estudar Fora.org, por Priscila Bellini, 28/12/2016

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Radicalismo conservador envenena o Brasil

O discurso de ódio que está envenenando o Brasil
A caça às bruxas de grupos radicais contra artistas, professores, feministas e jornalistas se estende pelo país. Mas as pesquisas dizem que os brasileiros não são mais conservadores

Artistas e feministas fomentam a pedofilia. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o bilionário norte-americano George Soros patrocinam o comunismo. As escolas públicas, a universidade e a maioria dos meios de comunicação estão dominados por uma “patrulha ideológica” de inspiração bolivariana. Até o nazismo foi invenção da esquerda. Bem-vindos ao Brasil, segunda década do século XXI, um país onde um candidato a presidente que faz com que Donald Trump até pareça moderado tem 20% das intenções de voto.

No Brasil de hoje mensagens assim martelam diariamente as redes sociais e mobilizam exaltados como os que tentaram agredir em São Paulo a filósofa feminista Judith Butler, ao grito de “queimem a bruxa”. Neste país sacudido pela corrupção e a crise política, que começa a sair da depressão econômica, é perfeitamente possível que a polícia se apresente em um museu para apreender uma obra. Ou que o curador de uma exposição espere a chegada da PF para conduzi-lo a depor forçado ante uma comissão parlamentar que investiga os maus-tratos à infância.
“Isto era impensável até três anos atrás. Nem na ditadura aconteceu isto.”
Depois de uma vida dedicada a organizar exposições artísticas, Gaudêncio Fidelis, de 53 anos, se viu estigmatizado quase como um delinquente. Seu crime foi organizar em Porto Alegre a exposição QueerMuseu, na qual artistas conhecidos apresentaram obras que convidavam à reflexão sobre o sexo. Nas redes sociais se organizou tal alvoroço durante dias, com o argumento de que era uma apologia à pedofilia e à zoofilia, que o patrocinador, o Banco Santander, ante a ameaça de um boicote de clientes, decidiu fechá-la.
Não conheço outro caso no mundo de uma exposição destas dimensões que tenha sido encerrada”, diz Fidelis.
O calvário do curador da QueerMuseu não terminou com a suspensão da mostra. O senador Magno Malta (PR-ES), pastor evangélico conhecido por suas reações espalhafatosas e posições extremistas, decidiu convocá-lo para depor na CPI que investiga os abusos contra criança. Gaudêncio se recusou em um primeiro momento e entrou com um pedido de habeas corpus no STF que foi parcialmente deferido. Magno Malta emitiu então à Polícia Federal um mandado de condução coercitiva do curador. Gaudêncio se mostrou disposto a comparecer, embora entendesse que, mais que como testemunha, pretendiam levá-lo ao Senado como investigado. Ao mesmo tempo, entrou com um novo pedido de habeas corpus no Supremo para frear o mandado de conduçãocoercitiva. A solicitação foi indeferida na sexta-feira passada pelo ministro Alexandre de Moraes. Portanto, a qualquer momento Gaudêncio espera a chegada da PF para levá-lo à força para Brasília.
O senador Magno Malta recorre a expedientes típicos de terrorismo de Estado como meio de continuar criminalizando a produção artística e os artistas”, denuncia o curador.
Ele também tem palavras muito duras para Alexandre de Moraes, até há alguns meses ministro da Justiça do Governo Michel Temer, por lhe negar o último pedido de habeas corpus: 
A decisão do ministro consolida mais um ato autoritário de um estado de exceção que estamos vivendo e deve ser vista como um sinal de extrema gravidade”.
Fidelis lembra que o próprio Ministério Público de Porto Alegre certificou que a exposição não continha nenhum elemento que incitasse à pedofilia e que até recomendou sua reabertura.

Entre as pessoas chamadas à CPI do Senado também estão o diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo e o artista que protagonizou ali uma performance em que aparecia nu. Foi dias depois do fechamento do QueerMuseu e os grupos ultraconservadores voltaram a organizar um escândalo nas redes, difundindo as imagens de uma menina, que estava entre o público com sua mãe e que tocou no pé do artista. “Pedofilia”, bramaram de novo. O Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito e o próprio prefeito da cidade, João Doria (PSDB), se uniu às vozes escandalizadas.

Se não há nenhum fato da atualidade que justifique esse tipo de campanha, os guardiões da moral remontam a muitos anos atrás. Assim aconteceu com Caetano Veloso, de quem se desenterrou um velho episódio para recordar que havia começado um relacionamento com a que depois foi sua esposa, Paula Lavigne, quando ela ainda era menor de idade. “#CaetanoPedofilo” se tornou trending topic. Mas neste caso a Justiça amparou o músico baiano e ordenou que parassem com os ataques.

A atividade de grupos radicais evangélicos e de sua poderosa bancada parlamentar (198 deputados e 4 senadores, segundo o registro do próprio Congresso) para desencadear esse tipo de campanha já vem de muito tempo. São provavelmente os mesmos que fizeram pichações recentes no Rio de Janeiro com o slogan “Bíblia sim, Constituição, não”. Mas o verdadeiramente novo é o aparecimento de um “conservadorismo laico”, como o define Pablo Ortellado, filósofo e professor de Gestão de Políticas Públicas da USP. Porque os principais instigadores da campanha contra o Queermuseu não tinham nada a ver com a religião. O protagonismo, como em muitos outros casos, foi assumido por aquele grupo na faixa dos 20 anos que durante as maciças mobilizações para pedir a destituição da presidenta Dilma Rousseff conseguiu deslumbrar boa parte do país.

Com sua desenvoltura juvenil e seu ar pop, os rapazes do Movimento Brasil Livre(MBL) pareciam representar a cara de um país novo que rejeitava a corrupção e defendia o liberalismo econômico. Da noite para o dia se transformaram em figuras nacionais. Em pouco mais de um ano seu rosto mudou por completo. O que se apresentava como um movimento de regeneração democrática é agora um potente maquinário que explora sua habilidade nas redes para difundir campanhas contra artistas, hostilizar jornalistas e professores apontados como de extrema esquerda ou defender a venda de armas. No intervalo de poucos dias o MBL busca um alvo novo e o repisa sem parar. O mais recente é o jornalista Guga Chacra, da TV Globo, agora também classificada de "extrema esquerda". O repórter é vítima de uma campanha por se atrever a desqualificar -em termos muito parecidos aos empregados pela maioria dos meios de comunicação de todo o mundo-, 20.000 ultradireitistas poloneses que há alguns dias se manifestaram na capital do pais exigindo uma “Europa branca e católica”.

Além de sua milícia de internautas, o MBL conta com alguns apoios de renome. Na política, os prefeitos de São Paulo, João Doria, e de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr., assim como o até há pouco ministro das Cidades, Bruno Araújo, os três do PSDB. No âmbito intelectual, filósofos que se consideram liberais, como Luiz Felipe Pondé. Entre os empresários, o dono da Riachuelo, Flávio Rocha, que se somou aos ataques contra os artistas com um artigo na Folha de S. Paulo no qual afirmava que esse tipo de exposição faz parte de um “plano urdido nas esferas mais sofisticadas do esquerdismo”. O objetivo seria conquistar a “hegemonia cultural como meio de chegar ao comunismo”, uma estratégia diante da qual “Lenin e companhia parecem um tanto ingênuos”, segundo escreveu Rocha em um artigo intitulado O comunista está nu.
Não é algo específico do Brasil”, observa o professor Pablo Ortellado. “Este tipo de guerras culturais está ocorrendo em todo o mundo, sobretudo nos EUA, embora aqui tenha cores próprias”.
 Um desses elementos peculiares é que parte desses grupos, como o MBL, se alimentou das mobilizações pelo impeachment e agora “aproveita os canais de comunicação então criados, sobretudo no Facebook”, explica Ortellado.
A mobilização pelo impeachment foi transversal à sociedade brasileira, só a esquerda ficou à margem. Mas agora, surfando nessa onda, criou-se um novo movimento conservador com um discurso antiestablishment e muito oportunista, porque nem eles mesmos acreditam em muitas das coisas que dizem”.
A pauta inicial, a luta contra a corrupção, foi abandonada “tendo em vista de que o atual governo é tão ou mais corrupto que o anterior”. Então se buscaram temas novos, desde a condenação do Estatuto do Desarmamento às campanhas morais, que estavam completamente ausentes no início de grupos como o MBL e que estão criando um clima envenenado no país.
É extremamente preocupante. Tenho 43 anos e nunca tinha vivido uma coisa assim”, confessa Ortellado. “Nem sequer no final da ditadura se produziu algo parecido. Naquele momento, o povo brasileiro estava unido.”
O estranho é que a intensidade desses escândalos está oferecendo uma imagem enganosa do que na realidade pensa o conjunto dos brasileiros. Porque, apesar desse ruído ensurdecedor, as pesquisas desmentem a impressão de que o país tenha sucumbido a uma onda de ultraconservadorismo. Um estudo do instituto Ideia Big Data, encomendado pelo Movimento Agora! e publicado pelo jornal Valor Econômico, revela que a maioria dos brasileiros, em cifras acima dos 60%, defendem os direitos humanos, inclusive para bandidos, o casamento gay com opção de adotar crianças e o aborto.
Em questões comportamentais, nada indica que os brasileiros tenham se tornado mais conservadores”, reafirma Mauro Paulino, diretor do Datafolha.
Os dados de seu instituto também são claros: os brasileiros que apoiam os direitos dos gays cresceram nos últimos quatro anos de 67% para 74%. Paulino explica que “sempre houve um setor da classe média em posições conservadoras” e que agora “se tornou mais barulhento”.

As pesquisas do Datafolha só detectaram um deslocamento para posições mais conservadoras em um aspecto: segurança. “Aí sim há uma tendência que se alimenta do medo crescente que se instalou em parte da sociedade”, afirma Paulino. Aos quase 60.000 assassinatos ao ano se somam 60% de pessoas que confessam viver em um território sob controle de alguma facção criminosa. Em quatro anos, os que defendem o direito à posse de armas cresceu de forma notória, de 30% a 43%. É esse medo o que impulsiona o sucesso de um candidato extremista como Jair Bolsonaro, que promete pulso firme sem contemplações contra a delinquência.

Causou muito impacto a revelação de que 60% dos potenciais eleitores de Bolsonaro têm menos de 34 anos, segundo os estudos do instituto de opinião. Apesar de que esse dado também deve ser ponderado: nessa mesma faixa etária, Lula continua sendo o preferido, inclusive com uma porcentagem maior (39%) do que a média da população (35%).
“Os jovens de classe média apoiam Bolsonaro, e os pobres, Lula”, conclui Paulino. Diante da imagem de um país muito ideologizado, a maioria dos eleitores se move na verdade “pelo pragmatismo, seja apoiando os que lhe prometem segurança ou em alguém no que acreditam que lhes vai garantir que não perderão direitos sociais”.
Apesar de tudo, a ofensiva ultraconservadora está conseguindo mudar o clima do país e alguns setores se dizem intimidados.
O profundo avanço do fundamentalismo está criando um Brasil completamente diferente”, afirma Gaudêncio Fidelis. “Muita gente está assustada e impressionada.”
Um clima muito carregado no qual, em um ano, os brasileiros deverão escolher novo presidente. O professor Ortellado teme que tudo piore “com uma campanha violenta em um país superpolarizado”.

Fonte: El País, Xosé Hermida, 19/11/2017

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Zumbi: Símbolo da Consciência Negra?

Hoje é feriado em algumas cidades brasileiras devido ao dia da Consciência Negra que tem o personagem Zumbi dos Palmares como referência heroica contra a escravidão dos negros. Entretanto, essa versão é aquela mistificada pelo atual movimento negro, como já abordei aqui em 13 de Maio: Dia da Vitória do Movimento Abolicionista no Brasil  Zumbi foi um resistente contra sua própria escravidão, mas não contra a escravidão em geral, sequer a de seus irmãos de cor. Pelo contrário, mantinha, em Palmares, escravos NEGROS. No texto abaixo, a historiadora Márcia Pinna Raspanti, do site História Hoje, desmistifica Zumbi porque "idealizar o passado só dificulta que compreendamos o presente."

ZUMBI: SÍMBOLO DA CONSCIÊNCIA NEGRA?

por Márcia Pinna Raspanti

Afinal, quem foi Zumbi dos Palmares? Na verdade, sabemos pouquíssimo sobre o líder do mais famoso quilombo do Brasil. Em novembro de 1695, Zumbi foi assassinado em uma emboscada, cerca de um ano após a destruição de Palmares pelo bandeirante Domingos Jorge Velho. Ao longo da História, criaram-se diferentes “biografias” a respeito desse homem, que passou de elemento perigoso a herói nacional.
É impossível escrever uma biografia de Zumbi, pois são muito poucos os traços que os coetâneos deixaram sobre o suposto homem que liderou bravamente o maior quilombo criado nas Américas durante a vigência da escravidão, o quilombo de Palmares”.
Assim começa o livro “Três vezes Zumbi“, de Jean Marcel de Carvalho França e Ricardo Alexandre Ferreira. Os autores nos mostram as diferentes versões do personagem que foram construídas ao longo da história: no período colonial, Palmares era visto como foco de instabilidade ao sistema vigente e Zumbi tinha pouca importância neste contexto; no século XIX, passou-se a enxergar o quilombo como um empecilho à civilização, e Zumbi era retratado como um bravo guerreiro, mas o verdadeiro “herói” era o bandeirante Domingos Jorge Velho, que teria libertado a sociedade deste mal.

No século XX, Zumbi passou a ser considerado o pioneiro nas lutas contra a desigualdade e a opressão, um mártir das minorias. O antropólogo Luis Mott chegou a levantar a hipótese de um Zumbi homossexual, fazendo dele um símbolo de todos aqueles que quebram as regras vigentes. Os autores mostram que nenhuma destas versões é mais ou menos verdadeira, ou seja, todas são fantasiosas, mas refletem um contexto histórico mais amplo.

Como pouco se sabe sobre ele, Zumbi é perfeito para encarnar nossos ideais e medos. Ontem, li uma artigo que falava sobre a suposta desconstrução da historiografia “de direita” da imagem de Zumbi dos Palmares. O fato de alguns historiadores destacarem que havia escravidão no quilombo – como era prática comum também na África – seria uma forma de manchar a imagem do herói da resistência negra e tornar a escravidão, aos nossos olhos, menos cruel. Sempre digo: cuidado com os anacronismos, mesmo os bem intencionados… É inegável, contudo, que alguns autores descobriram o nicho das versões politicamente “incorretas” e, infelizmente, vendem muitos livros ridicularizando a nossa História e seus personagens, distorcendo os fatos e criando sensacionalismo.

Ora, Zumbi não era e não poderia ter sido um líder em busca da libertação do negro. Mesmo porque não havia o conceito de um “negro”, uma identidade cultural que unisse todos os africanos. Eles vinham de etnias e regiões diferentes, muitos eram inimigos e trouxeram suas diferenças para as terras coloniais. É como falar do “europeu” ou do “branco”, como se isso bastasse para criar uma cultura homogênea. Ingleses, franceses, portugueses, espanhóis, holandeses e outros travavam lutas violentas entre si e não se viam como um “povo”. O mesmo se dava com os africanos.

Zumbi não queria acabar com a escravidão e nem libertar o “povo negro” da opressão do branco. Ele apenas lutava pela sua liberdade e do grupo que formou o quilombo. Havia, inclusive, laços de amizade entre os quilombolas e os comerciantes ou outros “brancos” com quem eles conviviam. Havia escravidão dentro do quilombo, havia regras de comportamento e castigos físicos para quem não as cumprisse.

Não podemos esperar de Zumbi atitudes de um homem do século XXI. Nos tempos coloniais, muitos ex-escravos juntavam uma determinada quantia em dinheiro e compravam…escravos! Chica da Silva é outra figura histórica que já sofreu muitos ataques por se comportar como uma mulher de seu tempo. Ela queria apenas ser aceita pela sociedade, livrar-se do preconceito e da miséria. É interessante notar que certas pessoas ficam “decepcionadas” com este comportamento.

Por outro lado, acho que é muito importante que paremos para refletir sobre a escravidão e os seus efeitos na sociedade brasileira. Escolher Zumbi dos Palmares como símbolo deste “Dia da Consciência Negra” não faz dele um herói contemporâneo, mas a sua história é um exemplo de como os escravos resistiram à opressão, cada um à sua maneira. Havia muitas formas de lidar com o cativeiro, nem todas heroicas, mas acredito que sempre sofridas. Também discordo da ideia de que desmistificar personagens históricos seja uma prática negativa: idealizar o passado só dificulta que compreendamos o presente.

Fonte:  História Hoje, 20/11/2014

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