8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

terça-feira, 16 de junho de 2015

Experimento faz fêmeas do peixe medaka passarem a produzir espermatozoides em seus ovários

Um peixe medaka. Nas fêmas, os óvulos foram transformados em espermatozoides
(Foto: Divulgação)
Cientistas descobrem como fazer fêmeas produzir espermatozoides
Os espermatozoides gerados são funcionais e geram descendentes normais

Um grupo de cientistas do Instituto Nacional de Biologia Básica, no Japão, em parceria com outros centros de pesquisa, descobriu o mecanismo genético que determina se uma célula germinativa deve virar um óvulo ou um espermatozoide. A decisão fica a cargo de um gene chamado foxl3. Os pesquisadores descobriram que, se esse gene estiver inativo, células destinadas a ser óvulos viram espermatozoides. Os experimentos foram conduzidos em pequenos peixes conhecidos como medaka. Com o foxl3 inativo, as fêmeas de medaka passaram a produzir espermatozoides em seus ovários. Os espermatozoides gerados são funcionais e capazes de gerar descendentes normais. As conclusões do trabalho foram publicados na quinta-feira (11) no periódico científico Science.

Células germinativas são aquelas que, nos vertebrados, dão origem a óvulos nas fêmeas e a espermatozoides nos machos. Em teoria, antes de se decidir, elas possuem as atribuições necessárias para virar qualquer dos dois. O que os cientistas descobriram foi o mecanismo genético que define essa decisão. Descobriram também que, uma vez que o gene responsável pela criação de óvulos é desativado, a célula germinativa vira espermatozoide independentemente de as células ao redor dela pertencerem a uma fêmea.

Fonte: Época, 12/06/2015

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Manifestação religiosa na Câmara, contra supostas ofensas à fé cristã, fere sim o princípio do Estado laico

Conservadores, sobretudo os religiosos estão em cruzada contra qualquer proposta que questione sua visão de mundo onde as desigualdades e as exclusões são tidas como coisas naturais. E particularmente os evangélicos têm um plano de tomada do Estado brasileiro tão nociva e autoritária quanto a do PT. Não é de hoje que deputados-pastores usam espaços dos governos municipais, estaduais e federais para realização de rezas e cultos num total desrespeito à laicidade do Estado. Seguem comentário do historiador Marco Antonio Villa sobre o assunto e texto sobre a cruzada conservadora contra o que eles chamam de ideologia de gênero, ironicamente a educação diferenciada conservadora. "Gênero" é apenas o termo dado ao padrão de comportamento imposto às crianças, com base numa separação arbitrária das características humanas em "femininas" e "masculinas", por esse tipo de educação.


Católicos e evangélicos em cruzada contra a palavra gênero na educação
Grupos religiosos fazem ofensiva para evitar que a palavra entre nos planos de educação

O Brasil aprova um novo plano que quase dobra a verba para a educação

Grupos religiosos estão em uma cruzada nas câmaras municipais brasileiras para evitar que a palavra "gênero" passe a fazer parte dos planos municipais de educação, o conjunto de metas que as prefeituras terão que adotar pelos próximos dez anos e que estão sendo votadas em vários pontos do país neste ano. Em São Paulo, a pressão surtiu efeito e o termo desapareceu, na última quarta-feira, das 34 páginas que estão sendo discutidas desde 2012.

A pressão repete o que já foi visto no ano passado, durante a discussão do Plano Nacional de Educação, em Brasília, quando olobby religioso, liderado especialmente pelos deputados evangélicos, também suprimiu a palavra do texto final. É apenas mais um exemplo da mobilização de grupos religiosos para fazer valer suas posições nas discussões relacionadas a inclusão e direitos humanos no Brasil. Na própria quarta, deputados cristãos tomaram o plenário da Câmara, presidida pelo evangélico Cunha, para protestar. Rezaram um Pai Nosso diante dos holofotes durante a votação da reforma política por considerarem absurda a imagem de uma transexual crucificada durante a Parada Gay em São Paulo, no último domingo

O argumento contra a palavra "gênero", tanto no ano passado como neste ano, é que a inclusão, ainda que dentro do contexto da criação de regras para a "promoção da igualdade", confere um caráter ideológico ao tema, em oposição ao uso da palavra "sexo", uma alusão biológica. Os que odeiam a palavra afirmam que querem evitar a inclusão nas escolas do que chamam de "ideologia de gênero", que pressupõe que cada indivíduo tem o direito de escolher o próprio gênero, sem ser definido, necessariamente, pelo sexo biológico.

"A expressões gênero ou orientação sexual referem-se a uma ideologia que procura encobrir o fato de que os seres humanos se dividem em dois sexos. Segundo essa corrente ideológica, as diferenças entre homem e mulher, além das evidentes implicações anatômicas, não correspondem a uma natureza fixa, mas são resultado de uma construção social", explica Dom Fernando Arêas Rifan, bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney (Rio de Janeiro), em uma nota publicada pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). "Os que adotam o termo gênero não estão querendo combater a discriminação, mas sim desconstruir a família (...) e, deste modo, fomentam um estilo de vida que incentiva todas as formas de experimentação sexual desde a mais tenra idade", continua.

Além de Dom Fernando, também se manifestaram contrariamente à "ideologia de gênero" ao menos outros três religiosos: o bispo do município de Frederico Westphalen (RS), Antônio Carlos Rossi Keller, o padre Paulo Ricardo, popular pároco da arquidiocese de Cuiabá (MT) que oferece aulas no YouTube sobre a doutrina católica e tem quase um milhão de seguidores no Facebook, e o cardeal Dom Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo, que em nota divulgada no última segunda-feira disse que "as consequências de tal distorção antropológica na educação poderão ser graves". "Os legisladores [devem evitar] a ingerência do Estado no direito e dever dos pais e das famílias de escolherem o tipo de educação dos filhos", completou.

As manifestações dos religiosos impulsionaram uma série de protestos em câmaras municipais do país, onde o tema está sendo discutido. O que, por sua vez, desencadeou reações de movimentos feministas e LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais), transformando as casas legislativas em uma batalha de gritos.

Em Campinas, uma das cidades mais importantes do Estado de São Paulo, é discutido o "Projeto de Emenda à Lei Orgânica Anti-ideologia de Gênero", que proíbe que sejam realizadas legislações sobre o tema na cidade. Na Câmara houve beijaço de manifestantes gays contrários à lei ao lado dos que seguravam cartazes que diziam "não à ideologia de gênero", "pelo direito natural da família". "Que tragédia! A mãe gerou uma criança e agora essa criança cresceu e não quer que ninguém mais seja homem nem mulher. A emenda que fizemos é a emenda do amor, a emenda da fraternidade, que trata de homem e de mulher", explicava aos manifestantes em uma audiência no final do mês passado o vereador Campos Filho (DEM), ex-secretário da Arquidiocese de Campinas e ligado a padres locais. A questão também é calorosamente discutida em Guarulhos (Grande São Paulo) e em Maceió (Alagoas).

Na capital paulista


Na capital paulista, a palavra gênero aparecia em seis metas do Plano Municipal de Educação, enviado para a Câmara ainda em 2012 pelo então prefeito Gilberto Kassab (PSD). Entre elas, a 6.5, que obriga o município a "fomentar a implementação de políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação à orientação sexual ou à identidade de gênero e étnico-racial, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão". O texto já havia sido aprovado em duas comissões, entre elas a de educação, sem polêmicas. Até que, na segunda audiência pública promovida pela comissão de finanças, grupos religiosos iniciaram a pressão. A aprovação nesta comissão seria o último passo antes da votação no Plenário.

"A partir da segunda audiência veio esse grupo de algumas igrejas católicas e evangélicas que pede a retirada da tal ideologia de gênero do texto", explica o vereador Toninho Vespoli (PSOL), relator do projeto na comissão de educação. "Até então, eu nunca tinha escutado esse termo. Eles afirmam que as crianças seriam tratadas de forma assexuada, podendo inclusive usar os mesmos banheiros, independentemente do sexo. Mas não é nada disso. Trazemos uma discussão de direitos humanos, de acabar com o preconceito e o machismo e de evitar que as crianças sejam oprimidas no ambiente escolar. Não dá para ignorar o conflito que já existe por causa da homofobia", ressalta o vereador. "Há toda uma visão conservadora se colocando no debate educacional e que não possibilita a discussão da diversidade", desabafa o vereador Paulo Fiorilo (PT), relator do texto na comissão de finanças.
“É um retrocesso para os direitos humanos”
Para a Maria Elisa Brandt, doutora em sociologia e especialista em políticas públicas do Governo de São Paulo, a palavra gênero é necessária para se dar visibilidade para a discriminação. 
Pergunta. O que significa a retirada da palavra "gênero" dos planos de educação?
Resposta. É um retrocesso para os direitos humanos que está sendo promovido pelo pensamento conservador e pelas bancadas religiosas intolerantes dos legislativos brasileiro. A expressão que os conservadores têm usado, "ideologia de gênero", é uma falsa noção, porque o conceito de gênero não tem um cunho ideológico e, sim, sociológico. Gênero é uma palavra cunhada para lidar com as relações de poder e discriminação que sempre existiram, em torno das identidades e papéis associados ao masculino e feminino para além do sexo biológico para dizer que existe a discriminação contra o feminino. Isso foi uma construção de direitos humanos discutida em diversas conferências da ONU e o Brasil assinou compromissos em relação a isso. Eles venceram no Plano Nacional de Educação, mas agora os Estados e municípios têm a chance de retomar o debate.
P. Os políticos que defendem a retirada dizem que a discriminação de gênero está contemplada ao se falar em coibir qualquer forma de discriminação.
R. Esse é um argumento para se dar invisibilidade, é um subterfúgio criado por pessoas que acham que ser gay é uma doença. É preciso, justamente, visibilizar todas as formas de discriminação. Fazer a lista e colocar no texto. A escola é um espaço de construção da identidade. Por isso é importante que ela assuma que a sociedade é racista, sexista, homofóbica e crie regras para que seja um espaço mais tolerante. Esse é o único meio de gerar pessoas melhores no futuro. Em todas as idades se tem condições de se fazer um tratamento respeitoso dessas questões.
Nesta quarta-feira, quando haveria a votação do texto na comissão, militantes, de ambos os lados, se aglomeraram dentro e fora do plenário, aos gritos. Os vereadores, entretanto, decidiram derrubar o relatório de Fiorilo, que mantinha a palavra "gênero". No lugar, resolveram apoiar um substitutivo do vereador Ricardo Nunes (PMDB), que retirou as sete menções à palavra —e a única à transgênero— que existiam no plano. A meta 6.5, por exemplo, virou: "Fomentar a implementação de políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação étnico-racial, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão". O texto agora seguirá para votação final no plenário, que deve começar na próxima semana.

"Recebi uma carta de Dom Odilo e cerca de 10.000 emails da população que pediam a retirada da palavra. É um plano municipal de educação, voltado para crianças de zero a 14 anos. Como vamos pedir para alguém na escola falar de diversidade sexual e de diversidade de gênero? Como falar com crianças de zero a 14 anos sobre a opção sexual dela?", questiona Nunes. "Alterei itens para que se obrigue o município a implementar [onde antes dizia fomentar] políticas de combate à qualquer forma de preconceito. A escola tem que combater o preconceito e não fazer um plano que interfira na orientação sexual da criança. Educar é papel da família", ressalta ele.

A pesquisa nacional mais recente sobre o assunto, feita pela pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) a pedido do Governo federal em 2009, mostra que 93,5% dos 18.500 alunos, pais e funcionários de escolas públicas brasileiras entrevistados apresentavam algum tipo de preconceito em relação ao gênero. Outra, feita pela Unesco em 2004, apontou que 39,6% dos meninos entrevistados não gostariam de ter um colega homossexual.

Segundo o coletivo Grupo Gay da Bahia, que coleta dados sobre homicídios de LGBTs, o Brasil é o campeão mundial deste tipo de assassinatos. Casos de ataques gratuitos a homossexuais não são raros no país. Um dos mais famosos aconteceu em plena avenida Paulista, em 2010, quando um grupo atacou um estudante de jornalismo com bastões de lâmpadas fluorescentes, chutes e socos; era o segundo ataque deles contra gays na região. Quatro dos cinco agressores estavam em idade escolar.

O que mudou no plano de SP

Meta 6.5

Como era: Fomentar a implementação de políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação à orientação sexual ou à identidade de gênero e étnico-racial, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão

Como ficou: Fomentar a implementação de políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação étnico-racial, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão

Meta 3.21

Como era: Difundir propostas pedagógicas que incorporem conteúdos sobre sexualidade, diversidade quanto à orientação sexual, relações de gênero e identidade de gênero, por meio de ações colaborativas da Secretaria Municipal de Direitos Humanos, da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, dos Conselhos Escolares, equipes pedagógicas das Unidades Educacionais e sociedade civil.

Como ficou: Promover ações contínuas de formação da comunidade escolar sobre relações étnico-raciais no Brasil e sobre história e cultura afro-brasileira, africana e dos povos indígenas através da Secretaria Municipal de Educação e em parceria com Instituições de Ensino Superior e Universidades, preferencialmente públicas, e desenvolver, garantir e ampliar a oferta de programas de formação inicial e continuada de profissionais da educação, além de cursos de extensão, especialização, mestrado e doutorado.

Meta 3.20

Como era: Promover ações contínuas de formação da comunidade escolar sobre sexualidade, diversidade, relações de gênero e Lei Maria da Penha, através da Secretaria Municipal de Educação e em parceria com Instituições de Ensino Superior e Universidades, preferencialmente públicas, e desenvolver, garantir e ampliar a oferta de programas de formação inicial e continuada de profissionais da educação, além de cursos de extensão, especialização, mestrado e doutorado, visando a superar preconceitos, discriminação, violência sexista, homofóbica e transfóbica no ambiente escolar

Como ficou: Promover ações de formação da comunidade escolar sobre a Lei Maria da Penha n° 11.340, de 7 de agosto de 2006, através da Secretaria Municipal de Educação.

Meta 3.19

Como era: Instaurar para as instituições escolares protocolo para registro e encaminhamento de denúncias de violência e discriminações de gênero e identidade de gênero, raça/etnia, origem regional ou nacional, orientação sexual, deficiências, intolerância religiosa, entre outras, visando a fortalecer as redes de proteção de direitos previstas na legislação.

Como ficou: Instaurar para as instituições escolares protocolo para registro e encaminhamento de denúncias de violências e discriminações de raça/etnia, origem regional ou nacional, deficiências, intolerância religiosa, e todas as formas de discriminação, visando a fortalecer as redes de proteção de direitos previstas na legislação.

Meta 3.17

Como era: Desagregar, cruzar e analisar anualmente todos os indicadores educacionais com relação à renda, raça/etnia, sexo, deficiências e aprimorar o preenchimento do quesito raça/cor e do nome social de educandos travestis e transgêneros no Censo Escolar de modo a conhecer e atuar de forma mais precisa em relação à permanência, transformações e desafios vinculados às desigualdades na educação

Como ficou: Desagregar, cruzar e analisar anualmente todos os indicadores educacionais com relação à renda, raça/etnia, sexo, campo/cidade, deficiências e aprimorar o preenchimento do quesito raça/cor no Censo Escolar de modo a conhecer e atuar de forma mais precisa em relação à permanência, transformações e desafios vinculados às desigualdades na educação.

Fonte: El País, 11 de junho de 2015

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Simone de Beauvoir explica "porque era feminista" em rara entrevista televisiva (1975)


Simone de Beauvoir Explains “Why I’m a Feminist” in a Rare TV Interview (1975)


In Simone de Beauvoir’s 1945 novel The Blood of Others, the narrator, Jean Blomart, reports on his childhood friend Marcel’s reaction to the word “revolution”:

It was senseless to try to change anything in the world or in life; things were bad enough even if one did not meddle with them. Everything that her heart and her mind condemned she rabidly defended—my father, marriage, capitalism. Because the wrong lay not in the institutions, but in the depths of our being. We must huddle in a corner and make ourselves as small as possible. Better to accept everything than to make an abortive effort, doomed in advance to failure.

Marcel’s fearful fatalism represents everything De Beauvoir condemned in her writing, most notably her groundbreaking 1949 study, The Second Sex, often credited as the foundational text of second-wave feminism. De Beauvoir rejected the idea that women’s historical subjection was in any way natural—“in the depths of our being.” Instead, her analysis faulted the very institutions Marcel defends: patriarchy, marriage, capitalist exploitation.

In the 1975 interview above with French journalist Jean-Louis Servan-Schreiber—“Why I’m a Feminist”—De Beauvoir picks up the ideas of The Second Sex, which Servan-Schreiber calls as important an “ideological reference” for feminists as Marx’s Capital is for communists. He asks De Beauvior about one of her most quoted lines: “One is not born a woman, one becomes one.” Her reply shows how far in advance she was of post-modern anti-essentialism, and how much of a debt later feminist thinkers owe to her ideas:

Yes, that formula is the basis of all my theories…. Its meaning is very simple, that being a woman is not a natural fact. It’s the result of a certain history. There is no biological or psychological destiny that defines a woman as such…. Baby girls are manufactured to become women.”

Without denying the fact of biological difference, De Beauvoir debunks the notion that sex differences are sufficient to justify gender-based hierarchies of status and social power. Women’s second-class status, she argues, results from a long historical process; even if institutions no longer intentionally deprive women of power, they still intend to hold on to the power men have historically accrued.

Almost forty years after this interview—over sixty since The Second Sex—the debates De Beauvoir helped initiate rage on, with no sign of abating anytime soon. Although Servan-Schreiber calls feminism a “rising force” that promises “profound changes,” one wonders whether De Beauvoir, who died in 1986, would be dismayed by the plight of women in much of the world today. But then again, unlike her character Marcel, De Beauvoir was a fighter, not likely to “huddle in a corner” and give in. Servan-Schreiber states above that De Beauvoir “has always refused, until this year, to appear on TV,” but he is mistaken. In 1967, she appeared with her partner Jean-Paul Sartre on a French-Canadian program called Dossiers.

Fonte: Open Culture, 23 de maio de 2013

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Excesso de Estado e de burocracia e poucos incentivos fiscais atrapalham a filantropia no Brasil

Stephen Schwarzman com Peter Salovey, o milionário doou US$ 150 milhões à universidade (Foto: Divulgação)
GENEROSIDADE: O milionário Stephen Schwarzman (à esq.) com
Peter Salovey, diretor de Yale. Ele doou US$ 150 milhões à universidade 
Para responder a pergunta de porque os milionários brasileiros não apoiam museus, universidades e outras instituições públicas, Fernando Schüler, em seu artigo abaixo, aponta, como causas, o excesso de Estado e de burocracia e pouco incentivo fiscal. Destaco:
De minha parte, desconfio da tese do caráter cultural. Ela é abstrata demais, difícil de mensurar e, pior, tende a levar à acomodação. Prefiro concentrar o foco na variável sobre a qual – ao menos em boa medida – temos controle. E essa variável é institucional. Minha tese é: o modelo institucional e de incentivos que adotamos simplesmente não favorece o desenvolvimento da filantropia. Ele incentiva que as pessoas esperem que o Estado resolva seus problemas. E é o que elas fazem, em geral. 
 Os Estados Unidos nem sequer têm um Ministério da Cultura. As doações e os incentivos são diretos, sem burocraciaPor isso, funciona.
 Por que os milionários brasileiros não doam suas fortunas a universidades?

Nos Estados Unidos, ricos ajudam museus e instituições de ensino superior. No Brasil, a burocracia atrapalha quem quer fazer o bem

Stephen Schwarzman costumava fazer suas refeições no Commons, quando estudante em Yale, em meados dos anos 1960. Sujeito tímido, vindo de escola pública, sentia-se bem naquele edifício de estilo neoclássico, situado no coração da universidade. Formado em 1969, Schwarzman percorreu passo a passo o sonho americano. Nos anos 1980, criou o grupo Blackstone, hoje um dos maiores fundos de investimento dos Estados Unidos. Consta como o 122º sujeito mais rico do planeta, na lista da Forbes. No último dia 11 de maio, anunciou uma doação de US$ 150 milhões para a conversão do velho Commons em um moderno centro de artes.

O centro levará o nome de Schwarzman. Há quem veja nisso um simples desejo de “imortalidade através do dinheiro”, como li em uma crítica. Pouco importa. Talvez alguém tenha pensado o mesmo quando Lenand Stanford criou a universidade que levaria seu nome, na década de 1880, na Califórnia. Ou quando resolveram dar o nome de Solomon Guggenheim, logo após sua morte, ao museu projetado por Frank Lloyd Wright, no coração de Manhattan. Quem sabe teria sido melhor, para os Estados Unidos, imitar o exemplo brasileiro. Por aqui, pouca gente tenta perpetuar o próprio nome, doando para universidades e museus. Talvez por isso lê-se, por estes dias, o anúncio de fechamento da Casa Daros, primoroso espaço de artes, no Rio de Janeiro, por falta de recursos.

O Guggenheim, em Nova York (Foto: Sean Pavone Photo/Getty Images)

O Guggenheim, em Nova York (Foto: Sean Pavone Photo/Getty Images)

Casa Daros, no Rio de Janeiro  (Foto: Monica Imbuzeiro/Ag. O Globo)

A tradição da filantropia americana vem de longe. É possível pensar que Andrew Carnegie seja seu maior ícone e, de certo modo, definidor conceitual. Imigrante pobre, Carnegie fez fortuna na siderurgia americana, na segunda metade do século XIX. Em 1901, aos 66 anos, vendeu suas indústrias ao banqueiro J.P. Morgan e tornou-se o maior filantropo americano. Uma de suas tantas proezas, não certamente a maior, foi construir mais de 3 mil bibliotecas, nos Estados Unidos. Em 1889, escreveu o artigo “The Gospel of Weath”, defendendo que os ricos deveriam viver com comedimento e tirar da cabeça a ideia de legar sua fortuna aos filhos. Melhor seria doar o dinheiro para alguma causa, ou várias delas, a sua escolha, ainda em vida. O Estado poderia dar um empurrãozinho, aumentando o imposto sobre a herança, mas deveria evitar a tributação das grandes fortunas. O melhor resultado, para todos, seria obtido se os próprios ricos distribuíssem sua riqueza, com cuidado e responsabilidade. Recentemente, foi o argumento usado por Bill Gates, o maior filantropo de nossa era, em oposição a Thomas Piketty e sua obsessão em tributar os mais ricos.

Gates não fala da boca para fora, nem é uma voz isolada. Em 2009, ele lançou, junto comWarren Buffett, o mais impressionante movimento de incentivo à filantropia já visto:The Giving Pledge. A campanha tem, até o momento, 128 signatários. Para participar, basta ser um bilionário e assinar uma carta prometendo doar, em vida, mais da metade de sua fortuna a projetos humanitários. Para boa parte dessas pessoas, doar 50% é pouco. Larry Elisson, criador da Oracle, comprometeu-se em doar 95% de sua fortuna, hoje avaliada em US$ 56 bilhões. Buffett foi além: vai doar 99%. Como bem observou o filósofo alemão Peter Sloterdijk, parece que, ao contrário do que acreditávamos no século XX, não são os pobres, mas os ricos que mudarão o mundo. Sloterdijt, por óbvio, não conhece bem o Brasil.

Nos Estados Unidos, o valor das doações individuais à filantropia chega a US$ 330 bilhões por ano. No Brasil, os números são imprecisos, mas estima-se que o montante não passa de US$ 6 bilhões por ano. Apenas 3% do financiamento a nossas ONGs vem de doações individuais, contra mais de 70%, no caso americano. Há, segundo a tradicional lista da revista Forbes, 54 bilionários no Brasil. Nenhum aderiu, até o momento, ao movimento da Giving Pledge. Consta que Jorge Paulo Lemann, o número 1 da lista, foi convidado. Não duvido que dia desses anuncie sua adesão. Seria um exemplo para o país.

Explicações não faltam para essa disparidade. Há quem goste de debitar o fenômeno na conta de nossa “formação cultural”. Por essa tese, estaríamos atados a nossas raízes ibéricas, sempre esperando pelos favores do Estado, indispostos a buscar formas de cooperação entre os cidadãos para construir escolas, museus e bibliotecas ou simplesmente para consertar os brinquedos e plantar flores na praça do bairro.

É possível que haja alguma verdade nisso. O rei Dom João III, lá por volta de 1530, dividiu o país em capitanias hereditárias e as dividiu entre fidalgos e amigos da corte portuguesa. Fazer o quê? Enquanto isso, os peregrinos do Mayflower desembarcaram nas costas da Nova Inglaterra, movidos pela fé e pelo amor ao trabalho, para construir um novo país. Uma bela história, sem dúvida. Muito parecida com a de meus antepassados alemães, que desembarcaram em 1824 nas margens do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Há muitas histórias, há muitos tipos de formação cultural, no Brasil, assim como nos Estados Unidos. Não é difícil escolher uma delas para justificar qualquer coisa.

De minha parte, desconfio da tese do caráter cultural. Ela é abstrata demais, difícil de mensurar e, pior, tende a levar à acomodação. Prefiro concentrar o foco na variável sobre a qual – ao menos em boa medida – temos controle. E essa variável é institucional. Minha tese é: o modelo institucional e de incentivos que adotamos simplesmente não favorece o desenvolvimento da filantropia. Ele incentiva que as pessoas esperem que o Estado resolva seus problemas. E é o que elas fazem, em geral.

Vamos a um exemplo: nossos sistemas de incentivo fiscal a doações. Nos Estados Unidos, se alguém quiser doar algum recurso para o MoMA (o Museu de Arte Moderna, em Nova York), poderá abater até 30% de seu rendimento tributável. Para algumas instituições, esse percentual sobe a 50%. No Brasil, seu abatimento é limitado a 6% do Imposto de Renda, se o contribuinte fizer a declaração completa.

O pior, no entanto, acontece do outro lado do balcão. Para receber a doação, o museu brasileiro deverá ter um projeto previamente aprovado pelo Ministério da Cultura, em Brasília. Serão meses em uma via crucis, listando minuciosamente o gasto futuro com o projeto, e depois mais alguns meses para a prestação de contas detalhada do que foi gasto com sua execução. Fico imaginando o que o MoMA faria se, para receber doações, tivesse de enviar previamente um projeto para ser analisado em Washington, linha a linha, por um grupo de funcionários públicos. Os Estados Unidos nem sequer têm um Ministério da Cultura. As doações e os incentivos são diretos, sem burocracia. Por isso, funciona.

Vamos a outro exemplo: os americanos adotam como principal estratégia de financiamento de suas instituições – sejam museus, universidades ou orquestras sinfônicas – os chamados “fundos de endowment”. A ideia é bem simples: uma poupança de longuíssimo prazo, destinada a crescer, ano a ano, da qual a instituição retira parte dos rendimentos para seu custeio. Simplesmente nenhuma grande instituição universitária ou cultural americana vive sem seu endowment. Há 75 universidades com fundos de mais de US$ 1 bilhão. O maior de todos, de Harvard, tem US$ 36 bilhões em caixa.

Pois bem, vamos imaginar que um milionário acordasse, dia desses, decidido a doar uma boa quantia para algum endowment no Brasil. Ele gosta de artes visuais e quer doar a um museu. Em primeiro lugar, ele não teria nenhum incentivo fiscal para fazer isso. O Ministério da Cultura simplesmente proíbe que um museu brasileiro apresente um projeto para receber doações para endowments. Em segundo lugar, não haveria nenhum endowment para ser apoiado. Nos Estados Unidos, ele encontraria milhares, e bastaria escolher algum, na internet. Em Pindorama, nenhum. As leis não favorecem, os incentivos inexistem, as instituições não estão organizadas para receber as doações. E a culpa segue por conta de nossa “formação cultural”.

Outra razão diz respeito ao modelo de gestão de nossas instituições. O Brasil teima, em pleno século XXI, a manter uma malha obsoleta de universidades estatais. Elas consomem perto de 30% dos recursos do Ministério da Educação, mas nenhuma se encontra entre as 200 melhores do mundo, no último levantamento da revista Times Higher Education. Enquanto isso, os Estados Unidos dispõem de 48 das 100 melhores universidades globais. Princeton, Yale, Columbia, MIT seguem, em regra, o mesmo padrão: instituições privadas, sem fins lucrativos, com largos endowments, cobrando mensalidades e oferecendo um amplo sistema de bolsas por mérito (em âmbito global), e ancoradas em uma rede de alumni e parcerias públicas e privadas. Não é diferente do que ocorre com museus e instituições culturais.

O ponto é que o Brasil pode mudar. Há exemplos de líderes empresariais que fazem sua parte. Há o caso exemplar do banqueiro Walter Moreira Salles, fundador do Instituto Unibanco, voltado à educação, e do Instituto Moreira Salles, voltado à cultura. Há a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, há o Museu Iberê Camargo, criado por Jorge Gerdau, e há a Fundação Roberto Marinho, à frente do maior projeto cultural do Brasil, nos dias de hoje, que é o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. Há uma imensa generosidade e espírito público, no país, ainda bloqueados pelo anacronismo dos modelos de gestão pública que adotamos. Instituições, mais do que a história. Incentivos, mais do que uma suposta genética cultural. Essa deve ser nossa aposta.

Fonte: Época, 07/06/2015

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