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terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Sobre o terror islâmico: Viva a falta de respeito, humor não é ofensivo

Viva a falta de respeito, humor não é ofensivo

por Gregorio Duvidier

Colunista da Folha defende cartunistas do jornal francês "Charlie Hebdo", que "morreram pela nossa liberdade"

Muitos dizem que charges eram islamofóbicas, porém embate não era entre franceses e não franceses, mas entre humor e fanatismo

Um dos problemas de morrer é esse: vão falar muita asneira a seu respeito. E você já nem pode se defender. Não bastou serem fuzilados, os cartunistas do "Charlie Hebdo" foram vítimas de um massacre póstumo.

Pessoas de todas as áreas de atuação lamentaram a tragédia, MAS (não entendo como alguém, nesse caso, consegue colocar um "MAS") lembraram que o humor que eles faziam era altamente "ofensivo".

Poucas coisas irritam mais do que a vagueza desse termo "ofensivo" quando usado intransitivamente. Ofensivo a quem? A mim, definitivamente, não era. "Eles não deviam ter brincado com o sagrado", alegam alguns. MAS (aqui sim cabe um "mas") o que define o humor é exatamente isso: a brincadeira com o sagrado.

Discordo de quem pede respeito pelo sagrado. Para começar, acho que a palavra respeito é uma palavra que não cabe. Uma vez, vi o Zé Celso pedir a um jovem ator que não o tratasse por "o senhor", mas por "você". O ator disse que não conseguia porque tinha muito respeito por ele. E ele respondeu: "Não me interessa o respeito. O que me interessa é a adoração.".

O espaço da arte não é o espaço do respeito, mas o espaço da subversão, ou então da reverência, do culto. Do respeito, nunca.

No mais, tudo é sagrado para alguém no mundo. A maconha, a vaca, a santa de madeira, o Daime, Jesus e Maomé: tudo merece a mesma quantidade de respeito, e de falta de respeito.

Esperava essa reação raivosa dos fanáticos religiosos. No Brasil, o fundamentalista prefere os meios oficiais: não usa metralhadoras, mas tem bancada no Congresso e milhões no exterior.

Muitos (dentre os quais o pastor Marco Feliciano) já externaram o desejo de que o Porta dos Fundos "brincasse com islamismo pra ver o que é bom pra tosse". Até nisso temos complexo de vira-lata: nosso fundamentalismo tem inveja do deles.

O que nunca imaginei era que a mesma reação de "fizeram por merecer" partiria da própria esquerda. Muitos condenaram as charges como sendo islamofóbicas e lembraram que os imigrantes islâmicos já sofrem preconceito demais na França.

Mas esses imigrantes não eram os alvos, definitivamente, do humor do cartunistas assassinados. O embate não era entre franceses e não franceses, mas entre humor e fanatismo.

O traço infantil talvez confunda o leitor desavisado, mas é bom lembrar que as charges do "Charlie Hebdo" não tinham nada de ingênuas: eram facas afiadas na goela do ódio.

As coletâneas de capas do semanário sobre islamismo fazem parecer que esse era o grande tema do jornal. Não era. O jornal atirava para todos os lados, mas o alvo preferido era justamente a extrema direita de Le Pen --esse sim, islamofóbico.

Os chargistas que, mesmo ameaçados, não baixaram o tom, não devem ser tratados como pivetes malcriados que "fizeram por merecer", mas como artistas brilhantes que morreram pela nossa liberdade. Nosso dever é continuar lutando por ela, sem fazer concessões nem perder aquele ingrediente essencial: a falta de respeito pelo ódio.

A questão por trás disso tudo é a mesma de sempre: existe limite para o humor? A questão é complexa, mas a melhor resposta parece ser a seguinte: o limite está no objeto do riso. Rir de quem está por baixo é covarde, rir de quem está por cima é corajoso. Deve-se rir do opressor, e não do oprimido.

O problema é que essa resposta gera novas perguntas. Quem é o oprimido? Quem é o opressor? Muitas vezes, essa distinção não é clara.

Uma dica: quando surgir a dúvida sobre quem é o oprimido e quem é opressor, em geral, o indivíduo que foi fuzilado é o oprimido.

Fonte: Folha de São Paulo, 11 de janeiro de 2015

Sobre o terror islâmico: Raqqa, aqui

Raqqa, aqui

Por Demétrio Magnoli
Enquanto, na França, dezenas de milhares saíam às ruas para dizer "Eu sou Charlie", professores universitários brasileiros saíam de suas tocas para celebrar o terror. Não começou agora: é uma reedição das sentenças asquerosas pronunciadas na esteira do 11 de setembro de 2001. São sinais notáveis da contaminação tóxica de nossa vida intelectual e, especificamente, da célere conversão de departamentos universitários em latas de lixo do pensamento.

A mensagem dos franceses foi um tributo à vida e à civilização. "Eu sou Charlie" não significa que concordo com qualquer uma das sátiras do Charlie Hebdo. Significa que concordo com a premissa nuclear das sociedades abertas: a liberdade de expressão é, sempre, a liberdade daquele com quem não concordo. Isso, porém, nunca entrará na cabeça de nossos mensageiros da morte.

Seu discurso padrão começa com uma condenação ritual do ato terrorista: "É claro que não estou defendendo os ataques", esclareceu de antemão uma dessas tristes figuras, antes de entregar-se à defesa, na forma previsível da condenação das vítimas "justiçadas". "Não se deve fazer humor com o outro", sentenciou pateticamente Arlene Clemesha, que ostenta o título de professora de História Árabe na USP, para concluir com uma adesão irrestrita à lógica do terror jihadista. É preciso, disse, "tentar entender" o significado do ataque: "um atentado contra um jornal que publicou charges retratando o profeta Maomé, coisa que é considerada muito ofensiva para qualquer muçulmano".

Clemesha é só uma, numa pequena multidão acadêmica consagrada à delinquência intelectual. No mesmo dia trágico, Williams Gonçalves, professor de Relações Internacionais na Uerj, esqueceu-se do cínico aceno prévio para expor logo sua aguda visão sobre o "controle social da mídia" e, de passagem, candidatar-se a porta-voz oficial do Estado Islâmico: "Quem faz uma provocação dessas", explicou, referindo-se aos cartunistas assassinados, "não poderia esperar coisa muito diferente". O curioso, nas Clemeshas e nos Gonçalves, é que eles rezam pela mesma cartilha que Marine Le Pen, apenas com sinal invertido. O nome dessa cartilha é "choque de civilizações".

Na onda de islamofobia que varre a França, surfam dois lançamentos recentes. O livro "Le suicide français", do jornalista ultraconservador Éric Zemmour, alerta contra a destruição da cultura francesa por vagas sucessivas de imigração muçulmana. O romance "Soumission", de Michel Houellebecq, imagina a França governada por um partido islâmico no ano agourento de 2022. Segundo a gramática do "choque de civilizações", o Islã não cabe na França: um muçulmano só pode ser um francês se, antes, renunciar à sua fé. Os nossos Gonçalves e Clemeshas estão de acordo com isso –mas preferem que, para acolher os muçulmanos, a França renuncie a suas leis e a seus valores, entre os quais a laicidade do Estado. E, no entanto, apesar de Zemmour, Houellebecq, Clemesha, Gonçalves e Le Pen, milhares de muçulmanos franceses exibiram nas ruas os cartazes com a inscrição "Eu sou Charlie"...

Karl Marx escreveu cartas elogiosas a Abraham Lincoln. Leon Trostsky contou com a colaboração inestimável do filósofo liberal John Dewey para demolir as falsificações dos Processos de Moscou. Entre um evento e outro, o socialista August Bebel qualificou o antissemitismo como "o socialismo dos idiotas". Em outros lugares e outros tempos, o pensamento de esquerda confundiu-se com o cosmopolitismo e produziu as mais comoventes defesas das liberdades civis. No Brasil de hoje, com honoráveis exceções, reduziu-se a um pátio fétido habitado por "black blocs" iletrados, mas fanaticamente antiamericanos e antissemitas.

"Não se deve fazer humor com o outro", está escrito na lápide definitiva que cobre o túmulo do humor. Raqqa, a sede do califado, é aqui. "Eu sou Charlie".

Fonte: Folha de São Paulo, 10/01/2015

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Sobre o terror islâmico: A primeira vítima é o humor

A primeira vítima é o humor

por Eugênio Bucci

O atentado contra a redação da revista Charlie Hebdo, ontem, em Paris, deixou para trás 12 cadáveres, 10 feridos e uma perplexidade do tamanho do mundo. O alvo dos terroristas foi a piada, o deboche. A vítima foi o humor. Dez dos 12 mortos trabalhavam na publicação, entre elas o diretor, Stephane Charbonier, que também era chargista (os outros dois mortos eram policiais, que não conseguiram deter os assassinos em fuga). A Charlie Hebdo fazia humor sobre o Islã e vinha sofrendo ameaças e agressões. Ontem foi finalmente dizimada. Testemunhas contaram que os atiradores teriam dito que "vingavam o Profeta" enquanto disparavam contra os cartunistas. Movidos por uma verdade absoluta qualquer, eles pretendiam silenciar e exterminar a ironia.

O sinal que mora dentro disso vem carregado de trevas. Muitos apontaram aí um crime contra a liberdade de imprensa e, portanto, um atentado contra os direitos humanos (embora muitos se esqueçam, a liberdade, que aparece no primeiro artigo da Declaração dos Direitos Humanos de 1948, é parte integrante e inseparável de qualquer entendimento que se possa ter das garantias fundamentais que cimentam a ideia que acalentamos de civilização). Mas é pior do que isso. Nessa tragédia concentrada, a vítima não é a imprensa em geral, não é a imprensa genérica. Estamos falando aqui da imprensa que faz rir, que falta com o respeito, que destroça a impostura de seriedade tão comum nos demagogos. Estamos falando de uma imprensa ainda mais arredia, que zomba da circunspecção dos circunstantes e rechaça a impostação e os salamaleques das autoridades, sejam elas religiosas, civis, militares ou simplesmente imbecis. Desta vez a vítima é a sátira. A vítima é a ironia.

Nada pode ser mais expressivo e mais aterrorizante. Matando a ironia, cortando-a pela raiz (e pelo pescoço), os autores da carnificina pretendiam matar o próprio espírito da modernidade. Se existe um traço distintivo da modernidade, é a ironia, essa sofisticação cética do espírito humano que passa pela recusa do argumento da autoridade - e pela ridicularização, mais ou menos ostensiva, da figura empolada da autoridade. A ironia duvida do poder porque sabe que o sujeito, em público e em privado, não governa todos os seus atos e todas as suas palavras. Enquanto uns batem continência e outros se ajoelham, a ironia ri. Não leva o ego tão a sério assim. Não dá crédito ao superego. Quando argumentam que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus, a ironia gargalha: se inventou esse tal de homem, Deus só pode ser mesmo um pastel. O melhor da ironia é rir de si mesma. Ela se sabe vã, embora se saiba também onipresente (mais onipresente do que Deus). Sabe-se presente, ainda que de forma involuntária, em tudo o que se move e em tudo o que fica parado na paisagem social e nas profundezas do psiquismo de cada um. Sem ironia o que é moderno fenece. Não há mundo moderno sem o arejamento da ironia e, no fundo, é exatamente esse arejamento que nos pode vacinar contra as catedrais do fundamentalismo e da intolerância, as forças malignas que nos tracionam para o passado.

Quem disparou contra os desenhistas corrosivos da revista francesa alimenta, sim, a fantasia tanática de aniquilar a democracia, a liberdade, a modernidade e, principalmente, a nossa ideia profana e fugidia de felicidade. Quem quer que tenha cometido tamanha brutalidade quer castrar a imaginação e o prazer, nos semelhantes e em si mesmo.

Além de monstruoso em todas as suas faces, o ataque terrorista à revista Charlie Hebdo é também um alerta sobre o lugar da liberdade de imprensa em tempos em que a imprensa parece não ter lugar no mercado. Os jornalistas acostumaram-se a pensar que ser independente se resume a não depender econômica e politicamente do governo, do Estado, de um grupo particular de anunciantes, das igrejas e do lobby cada vez mais poderoso das ONGs aparentemente boazinhas. Bem sabemos que, no Brasil, muita gente não assimilou metade dessa lição elementar, mas, de todo modo, ela continua sendo boa e necessária. Só tem um detalhe: ela não é mais suficiente. As agressões à liberdade de imprensa não partem mais apenas de juízes desavisados que impõem censura prévia em sentenças mal fundamentadas ou de governantes maliciosos que cooptam veículos fragilizados com o dinheiro ilimitado da publicidade oficial. A violência contra o direito à informação e a liberdade de expressão já não vem somente da cobiça dos endinheirados ou da ganância dos donos do poder. Agora quem se lança contra o espírito livre da crítica são gigantescas estruturas paraestatais e abertamente criminosas. Para não irmos longe, em comunidades da Colômbia e do México são grupos paramilitares, a mando de traficantes ou de milícias, que assassinam profissionais de imprensa e impõem às redações o pior dos regimes de terror. Quanto à polícia e quanto à Justiça, estas, muitas vezes compradas, se limitam a ser morosas ou aéreas. É o seu modo de ser cúmplice.

Hoje, em suma, o Estado não é deletério apenas quando move ataques contra a imprensa livre. Ele é ainda mais deletério quando não sabe (ou não quer) defendê-la.

Em Paris, o presidente François Hollande acertou ao ir prontamente a público para liderar a indignação da sociedade contra o gesto inominável. Mas a reação ainda é tímida. Na França, como no Brasil, ainda são numerosos os políticos que não perceberam que não poderiam existir sem a imprensa que zomba deles. Mais, muito mais do que antes o Estado é chamado a defender não apenas o instituto da reportagem investigativa e das críticas mais ácidas, mas também a irreverência, a sátira e a caçoada. Se a democracia não despertar para esse compromisso, será sucedida por um mundo em que o riso, a ironia e o gozo transgressor serão proibidos. E a política também.

* Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP
Fonte: O Estado de São Paulo, 08 de janeiro

Sobre o terror islâmico: El islam como problema

Maurício Rojas
El islam como problema

A comienzos de junio Tony Blair publicó un artículo a propósito del asesinato del soldado británico Lee Rigby en una calle del sur de Londres que causó gran revuelo. Su título era Un problema dentro del islam y en sus párrafos más destacados decía lo siguiente:
No hay un problema con el islam... Pero hay un problema dentro del islam –de parte de los adherentes a una ideología que es una rama dentro del islam–. Y esto tenemos que ponerlo sobre la mesa y ser honestos acerca de ello. Por supuesto que hay cristianos extremistas y también judíos, budistas e hinduistas que lo son, pero me temo que esta rama dentro del islam no sólo abarca a unos pocos extremistas. En su núcleo existe una concepción de la religión y de la relación entre religión y política, que no es compatible con las sociedades pluralistas, liberales y tolerantes.
Para muchos fue una declaración escandalosa, lo que simplemente indica el grado de incapacidad de hablar con franqueza a que se ha llegado en lo referente al islam. Al poco tiempo vino la crisis egipcia, confirmando una vez más que el islamismo, es decir, lo que Blair considera la rama problemática del islam, "no sólo abarca a unos pocos extremistas". Sin embargo, si bien para muchos la constatación de Blair parece osada la verdad es que elude lo más importante y problemático, a saber, que aquella "concepción de la religión y de la relación entre religión y política, que no es compatible con las sociedades pluralistas, liberales y tolerantes" es, en realidad, la esencia misma del credo instaurado por Mahoma.

Cabe recordar que la idea distintiva del islam es que su libro sagrado, el Corán, es la palabra eterna, exacta e inmutable de Dios que Mahoma, con la mediación del arcángel Gabriel, sólo se limitó a recitar (Corán, Qu’rān, significa "la recitación" y la ortodoxia plantea que el texto, ya en árabe clásico, existió en Dios desde siempre). Esto crea un obstáculo mayor para cualquier intento de interpretación alegórica, matización o reforma del mensaje coránico. Pero lo decisivo es que este mensaje inmutable, complementado por los hadices o hechos y dichos del Profeta, no se refiere exclusivamente a cuestiones espirituales o supraterrenales, sino que aspira a regir directamente el conjunto de la vida social y espiritual. Ésta es la raigambre "totalizante" del islam, ya que excluye la existencia de un orden secular separado o no regido por la religión. Pero aquí también radica su matriz predemocrática, ya que no reconoce la soberanía legislativa del pueblo sino sólo la divina. Por ello, cuando los Hermanos Musulmanes dicen "El Corán es nuestra Constitución", están, de hecho, diciendo una obviedad para todo musulmán que siga tomando en serio los pilares mismos de su fe.

Si hacemos una comparación con el cristianismo y su evolución hacia una aceptación de la modernidad secularizada vemos dos notables diferencias que harán una evolución semejante mucho más difícil en el caso del islam. Por una parte, el cristianismo no es fundacionalmente totalizante (si bien tendería a serlo al ser adoptado como religión de Estado) y por ello no se articula originalmente como una religión que pretenda regir los asuntos de este mundo. "Dad al César lo que es del César, y a Dios, lo que es de Dios" y "Mi Reino no es de este Mundo" son dos magníficas síntesis bíblicas de esta distancia respecto del orden social y político terrenal. Por otra parte, a diferencia de Mahoma, Cristo no fue ni pretendió ser un jefe político-militar ni tampoco el creador de un orden social determinado. En suma, mientras que el cristianismo nació para resistir al mundo o incluso apartarse de él, el islam nació para conquistarlo y gobernarlo, para ampliar contantemente la "Casa del Islam" (Dār al-Islām) hasta absorber completamente ese mundo exterior llamado la "Casa de la Guerra" (Dār al-Harb).

Así y todo, el camino del cristianismo hacia una aceptación plena de una sociedad abierta no fue fácil. Su retirada hacia la esfera privada y la pérdida de su monopolio ideológico fue un proceso largo y desgarrador. También lo fue aceptar la crítica de sus textos sagrados, la autonomía de la ciencia y, sobre todo, la libertad del individuo para elegir sus formas de vida y, finalmente, creer o no creer. Nada semejante ha ocurrido dentro del islam y por ello su enfrentamiento con la modernidad –que no surge como en el mundo cristiano de una evolución interior sino que irrumpe como una fuerza exterior– ha sido tan difícil y traumático, provocando finalmente una fuerte reacción defensiva que propone la reislamización plena de la sociedad y la vuelta a la pureza de los orígenes, encarnada por esa utopía arcaica que es la umma o comunidad de los creyentes instaurada por Mahoma.

Este es el sentido estrictamente reaccionario del fundamentalismo islámico, pero lo que hay que entender es que el mismo no se deriva de una interpretación atávica o delirante del mensaje original de Mahoma, sino que fluye de la esencia misma de ese mensaje. En ello reside la dificultad que hay que saber reconocer y enfrentar, no para satanizar al islam sino para entender a cabalidad tanto su encrucijada actual como la fuerza del islamismo en sus diversas variantes.

El futuro dirá si el islam va a seguir siendo una "religión del recuerdo", es decir, de la fidelidad a la tradición (sunna) y al pasado, o si será capaz de evolucionar hacia una religión del futuro. Los que deseamos que prevalezca esta última alternativa debemos empezar por reconocer que existe un problema no sólo dentro del islam sino con el islam.

Fonte: Libertad Digital, 07/01/2015

sábado, 17 de janeiro de 2015

Retrospectiva 2014: O Liberalismo, que nasceu à esquerda, precisa voltar às suas raízes.


Registro aqui parte do resgate, feito pelo colunista do site Mercado Popular, Rodrigo Viana, da história da doutrina liberal, que realmente nasceu à esquerda, embora hoje seja tida como de direita. Deixo link para o texto integral, intitulado Liberalismo, a primeira esquerda, ao fim do texto. 

Viana identifica o liberalismo à esquerda porque a ela se costuma atribuir, como filha do Iluminismo, o anseio por mudanças, a crença otimista na razão e na capacidade humanas de moldar o seu destino e construir uma vida social mais justa e próspera. Nesse sentido, o liberalismo comunga, em espírito ao menos, com o socialismo. Em oposição a ambos, estaria o conservadorismo, com seu pessimismo quanto a qualquer tipo de reforma ou inovação estrutural na sociedade que não esteja realmente firmado numa continuidade.

Concordo com o autor quanto à identificação do liberalismo como doutrina de esquerda por seu anseio de mudanças. Aliás, nem há como discordar com tal abordagem por tratar-se de fato histórico. Discordo, contudo, da tese de que só haveria, em política, ou esquerda ou direita, o que corresponderia aos temperamentos humanos ou otimista ou pessimista. Ele chega a afirmar que "Na filosofia política não tem espaço para centro. Ou é x ou y." Embora não tome essas dicotomia a ferro e fogo, Viana não consegue escapar do maniqueísmo que lhe é intrínseco.

De fato, entre os temperamentos otimista e pessimista existe o temperamento realista que corresponde ao centro político. Como na velha piada, enquanto o otimista celebra o fato do copo estar meio cheio e o pessimista lastima que esteja meio vazio, o realista examina o conteúdo do copo, constata que é potável e o toma. Vale lembrar que o liberalismo, com o advento de seu meio-irmão psicologicamente instável, o socialismo, foi empurrado para o centro do espectro político e de lá sequestrado pelos conservadores, de fato seus antônimos anímicos, daí a figurar hoje como de direita. Uma verdadeira heresia, na minha opinião.

Cabe portanto, resgatar sim as raízes de esquerda do liberalismo, mas para permitir-lhe ser uma alternativa de esquerda ao seu irmão socialismo, que perdeu a Razão, e ao conservadorismo medroso e pessimista que leva ao imobilismo. E não como forma de reatar laços com o socialismo devido à origem comum.

A influência dos movimento iluministas e contra-revolucionários

por Rodrigo Viana

É sabido que os pensamentos políticos que vieram a ser influenciados diretamente pelos movimentos iluministas (ou Era da Razão) podem ser descritos facilmente como “esquerdistas”. Isto é, pensamentos de caráter visionário e de natureza opositora à perspectiva pessimista, mais preocupado em mudanças reformadoras e/ ou inovadoras. Estes pensamentos deram novas formas de reflexão na relação entre o ser humano e a sociedade. Resultando em ideias, possibilidades e alternativas sobre o estado em que se encontra a sociedade. E o liberalismo não apenas se encaixa nessa perspectiva, como foi o primeiro pensamento político a inaugurar de fato o que vinha sendo produzido nos círculos iluministas.

Uma vez a filosofia liberal sendo obra destes movimentos, em maior parte dos que se seguiram nos séculos dezessete e dezoito e em menor no dezenove, é natural que o liberal defenda a ideia de que o ser humano possui os instrumentos necessários para guiar o seu próprio destino no alcance de uma vida social mais justa e próspera. A crença iluminista pela busca por um mundo melhor é também um importante componente muito presente no liberalismo. E o que responde esse questionamento senão premissas como o respeito ao indivíduo enquanto um ser único tendo fim em si mesmo; direitos inalienáveis sobre a vida, liberdade e propriedade; igualdade de autoridade; poder político limitado; e sociedade tolerante?

Ora, existe um aspecto ativo dentro de qualquer pensamento enraizado nos movimentos iluministas. Esse aspecto é o impulso que motiva o liberal a não aceitar o mundo da forma como se encontra. Ele deseja a mudança e isso o motiva a buscar o que pretende. E isso independe da vertente que o liberal se apoia, seja ela no liberalismo clássico de Robert Nozick e Ludwig von Mises, no liberalismo social de John M. Keynes e John Rawls ou no liberalismo radical de Murray Rothbard e David Friedman. O liberal deseja aprimorar, transformar e tornar mais justo as relações humanas.

Isso é notório ao comparar com uma outra importante filosofia política também de origem iluminista: o socialismo. Mas antes abro um parêntese: do mesmo modo que falo do liberalismo em uma maneira ampla e sem levar em conta suas vertentes internas, assim falo do socialismo. Quer dizer, a filosofia política que também gerou diversas teorias e correntes próprias para buscar soluções para as relações sociais.

Tudo isso significa que as bases do pensamento socialista são tranquilamente compartilhadas por liberais, uma vez que foram os movimentos iluministas quem as forneceram. Como e por qual fim utilizar tais ferramentas é o que também distingue estas filosofias políticas. Podemos ver isso na interpretação que cada filosofia (e suas correntes internas) dá às ideias de liberdade, igualdade ou justiça, por exemplo. Do mesmo modo que individualismo necessariamente não significa “supressão do indivíduo para com outro indivíduo”, assim também é em relação ao coletivismo com a ideia da “supressão do coletivo sobre o indivíduo”. Nem todo socialista é coletivista, como nem todo coletivista é anti-indivíduo. É muito importante mencionar tais fatores porque isso faz cair por terra a errônea crença popular de que “direita é pró-indivíduo e esquerda pró-coletivo”.

Bom, é sabido que liberais e socialistas são os descendentes dos iluministas e comungam da perspectiva otimista de interpretar o mundo enquanto entidade social. Então que movimento defendia a perspectiva pessimista e quem são seus descendentes hoje?

Quando analisamos o período histórico do nascimento das teorias políticas modernas entre o final da Idade Média e início da Idade Moderna, não podemos nos esquecer do não menos importante movimento político chamado Contra-revolução. Movimento este presente em vários países europeus, porém de atuação mais expressiva na França. As ideias desse movimento faziam parte do corpo teórico defendido pelo absolutistas monárquicos, dos quais são os antepassados diretos dos conservadores modernos.

Por terem um ceticismo perante as reivindicações “idealistas” defendidas pelos primeiros liberais e socialistas, os absolutistas eram “impedidos” pelo pessimismo característico de vislumbrar qualquer tipo de reforma ou inovação estrutural na sociedade que não estivesse realmente se firmado numa continuidade. Tanto a democracia liberal, quanto o socialismo de estado ou o anarquismo eram concepções vistas por muitos como uma forma artificial, pois contava com construções teóricas que exigiam um certo grau de confiança abstrata referente ao funcionamento da sociedade e/ ou da própria natureza humana. Por exemplo, para alguns absolutistas a simples ideia da não existência de um governo regido pela hereditariedade soava como “anti-natural”.

Vale comentar que, por diversas particularidades, a Inglaterra não teve um movimento tão expressivo em favor do absolutismo como foi em outras partes da Europa. A ideia de um estado absoluto não era muito bem vista até por aqueles que compartilhavam da perspectiva pessimista. Esse grupo de pessimistas influenciou enormemente o pensamento conservador atual, sobretudo o de origem anglo-saxônica, pois diferencia consideravelmente na forma de se fazer política (mas não as bases filosóficas) dos conservadores mais apegados às lições pelos antigos apoiadores do absolutismo. Da mesma forma que os iluministas tiveram suas diferenças, os contra-revolucionários também tiveram.

Hoje os tempos são outros. Não existe mais grupos defendendo um retorno ao regime absolutista. Os conservadores, que carregam o pessimismo dos contra-revolucionários, já aceitaram a democracia liberal como um sistema de governo estável. Estando o norte conservador na preservação de princípios civilizacionais e das instituições políticas, os meios de como eles serão alcançados pouco importa no âmbito filosófico, seja através de uma forte intromissão governamental ou pela defesa da autonomia e da liberdade das comunidades. Mudança moderada ou radical nunca foi empecilho para o conservador firmar o tradicionalismo, dado que a natureza de sua mudança visada é de caráter mantenedora e não inovadora. Então podemos ver que o conservadorismo pode tanto tender para o autoritarismo, típico dos absolutistas, quanto a uma versão mais tolerante, presente nas ideias dos whigs moderados da Inglaterra. Nível de presença do governo na sociedade não é fator determinante para o espectro político. Nunca foi.

Como as ideias liberais, de uma forma geral, prevaleceram no mundo, é natural que hoje os conservadores defendam muitas delas, dando a impressão de que, a partir de agora, eles “se tornaram liberais”. Não se tornaram. O DNA pessimista ainda é o fator que guia a defesa das estruturas sociais consolidadas e tradicionais do pensamento conservador e não o gene otimista. Ou por acaso social-democratas modernos se tornaram liberais só porque largaram de vez a ideia do estado proletariado para abraçar a democracia liberal? Indo direto ao ponto, um conservador “é tão liberal” quanto um social-democrata, embora este último esteja muito mais próximo da filosofia liberal do que o primeiro por assuntos já comentados anteriormente.

Um adendo

Querer resumir os movimentos iluministas como se fossem apenas “movimentos políticos” é uma interpretação que não se sustenta. Estes movimentos foram muito mais do que expressão política propriamente dita, foram a expressão viva do ser humano em todas as suas relações. Os iluministas influenciaram as ciências naturais, as artes, a educação e forma de passar conhecimento e muitas outras coisas. Ajudaram a florescer verdadeiros debates religiosos, literários e ajudou na ideia da disseminação do conhecimento, seja através do livro ou da imprensa. Suas ideias desafiantes mexiam com a opinião pública, esclareciam conceitos baseados apenas em meras tradições ao ponto de chocar e escandalizar a sociedade com suas opiniões diferenciadas.

Estes senhores (e senhoras também) mudaram o mundo de tal maneira que, em poucos séculos, toda a sociedade deu saltos gigantescos na civilização para melhor. O que não quer dizer que tudo ocorreu como planejado, mas ainda assim vivemos bem melhor do que qualquer época já registrada. Diferente de hoje, em que podemos ver o mundo de nossos avós bem diferente, em séculos passados o que prevalecia era a mesmice. Essa é a perspectiva atuante que gira o mundo. O mundo não é feito por covardes, mas por gente que se arrisca, que questiona ou que sonha. Esse é o grande legado deixado pelos iluministas.

Conclusão

O liberalismo, enquanto filosofia, ainda é uma ideia radical, visionária, inovadora e, em certas vertentes internas, revolucionária. Desde o seu surgimento ele vem propondo ideias e alternativas que colocam em xeque o modo de ver a sociedade baseada na continuidade tradicional. A alegação da ideia do indivíduo como senhor de si é ainda revolucionária mesmo hoje. Estes ensinamentos iluministas também se mantém bem presentes nas vertentes libertárias do socialismo (anarquismo).

Um problema que eu vejo hoje está em enxergar as teorias e tendências políticas de origem direta no marxismo ou não (socialismo fabiano) da era pós-comunismo, quase que de forma exclusiva como “a esquerda”. Não tenho nenhum problema em classificar esta ou aquela prática, vertente ou proposta política como “de esquerda ou de direita” para dar a noção de algo moderado ou radical, de pouco ou mais inovador ou coisa do tipo dentro da realpolitik.

O problema é quando esses conceitos superficiais se transformam em um tipo de regra que envolve as filosofias políticas em si, pois tendem a ficar deturpadas e viciadas. Dado que isso tende a renegar aspectos teóricos e históricos, um estudante com uma maior bagagem cultural sobre filosofia política poderá se atrapalhar e não entender pontos muito mais importantes. A divisão entre “proletariado x burguês” do pré-comunismo e o “capitalismo x socialismo” da Guerra Fria é tão somente um fator histórico que não deve ser levado tanto em conta para os estudos das filosofias políticas. A ciência política pode lidar com isso de uma forma mais elegante.

Se os liberais franceses, antes da ascensão dos partidos de raiz socialista, eram vistos como os progressistas, esquerdistas no século dezenove e hoje são visto como direitistas, muito se deve a ideias particulares deste ou daquele autor, como também das próprias formas como as propostas políticas foram empregadas. Independente ser de cunho liberal ou não. O fato dos liberais terem se aproximado dos conservadores no século vinte para a contenção do marxismo é tão somente um fator circunstancial.

Será mesmo que os liberais não se manteriam próximos dos socialistas caso as vertentes libertárias deste último tivessem se sobressaído como influência maior no mundo, empurrando o socialismo estatista de Marx para os becos da intelectualidade? Bem, a história mostra que liberais e socialistas ficaram juntos na França quando os dois ainda mantinham propostas parecidas. Dado que parte da tradição socialista se radicalizou em prol da liberdade no século dezenove e o liberalismo no século vinte, soa até previsível que estas duas linhagens mantenham novamente laços próximos no século vinte um.

Liberalismo e socialismo, enquanto filosofia, possuem um ancestral comum e a tendência que eu acredito hoje está neles se reatarem como em séculos atrás, visto que as ideologias fortemente estatistas e/ ou autoritárias tão presentes no século vinte tem estado perdendo força nas últimas décadas. Sim, os dois pensamentos surgiram em épocas próximas, embora o liberalismo tenha vindo antes. É por isso que o liberalismo foi a primeira esquerda.

Agradecimentos especiais pelas contribuições feitas por Adriel Santana.

Fonte: Mercado Popular, 02/06/2014, Liberalismo, a primeira esquerda

Publicado originalmente em 17/06/2014

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