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quarta-feira, 23 de abril de 2014

Pelo 117º aniversário de Pixinguinha, um doodle e muito Choro

Doodle do Google homenageia o grande mestre do choro Pixinguinha (Foto: Reprodução/Google)
O 117º aniversário de Pixinguinha, se ainda estivesse vivo, é o tema do Doodle do Google desta quarta-feira (23). Batizado como Alfredo da Rocha Vianna Filho, o músico nasceu em 23 de abril de 1897, no Rio de Janeiro. O famoso flautista, saxofonista, compositor e arranjador morreu em 17 de fevereiro de 1973 e é considerado um dos maiores nomes da música popular brasileira e do choro.

Em vida, contribuiu para a popularização do choro, cujo dia nacional é celebrado também no seu aniversário, no Brasil. No Doodle desta quarta-feira (23), a página principal do site de buscas mostra uma ilustração do artista tocando sax. Ao clicar nela, o usuário recebe uma série de resultados sobre suas músicas e obra. Ouça duas de suas obras mais famosas, Carinhoso e Rosa, nos vídeos abaixo. 

Carreira marcante desde menino

Alfredo da Rocha Viana Filho revolucionou o choro desde garoto. Logo aos 13 anos, em 1911, o jovem, filho de músico, entrou para a orquestra do rancho carnavalesco Filhas de Jardineira, e também estreou nos discos. Em paralelo, estudava no rigoroso Colégio São Bento e trabalhava em uma choperia na Lapa, bairro boêmio do Rio.

Em 1914, assinou sua primeira composição, Dominante, e entrou para o grupo Caxangá, com Donga e João Pernambuco. Três anos depois, gravou um disco do chamado Grupo do Pechinguinha, no Odeon. Em 1918, sua carreira decolou com o Oito Batutas, que tinha ele na flauta, Donga no violão, Nélson Alves no cavaquinho, entre outros.

Viajaram pelo Brasil, fizeram uma temporada em Paris, para a Argentina, e tornaram-se referência. Nos anos 30, Pixinguinha ainda gravou diversos discos como instrumentista, assinou arranjos expressivos para outros cantores e tornou-se ainda mais celebrado no cenário musical nacional por seu talento.

Mas, em 1942, decidiu abandonar a flauta e passou a investir no sax, instrumento com que lançou álbuns históricos com o flautista Benedito Lacerda. Funcionário da prefeitura do Rio de Janeiro desde a década de 30, ganhou o cargo de professor de música e canto orfeônico em 1951, honra concedida pelo então prefeito carioca João Carlos Vital.

Isso não acabou com sua carreira musical, que seguiu um sucesso nos anos 50. Em 54, fez história no Festival da Velha Guarda, em comemoração aos 400 anos de São Paulo, em 1954. Reuniu os amigos e fez apresentações antológicas à época. No ano seguinte, gravou seu primeiro long-play (LP).

Entretanto, os problemas de saúde começaram a afetá-lo por volta do ano de 58, quando sofreu um mal súbito. Em 63, teve um enfarto. Em fevereiro de 1973, veio a falecer, com outro enfarto, quando se preparava para um batizado na Igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema. A Banda de Ipanema, bloco tradicional do Carnaval, interrompeu o desfile quando soube da notícia.

O apelido Pixinguinha e os grandes parceiros

Seu primeiro apelido era Pinzidim, dado pela avó africana. Há duas interpretações para o "verbete" que são bem famosas: segundo o pesquisador e radialista Almirante, significava "menino bom" em um dialeto africano. Já o pesquisador e compositor Nei Lopes diz que, em Moçambique, a palavra "psi-di" significava algo como "comilão".

No entanto, ainda não havia uma grafia para o apelido, justamente por ser uma palavra de origem africana e não usada no Brasil, que se tornou "Pechinguinha" no disco que gravou em 1917, com o "Grupo do Pechinguinha". Foi só nos anos 20, quando realizou sua turnê internacional com o grupo Oito Batutas que definiu o nome que o consagrou: Pixinguinha.

Entre seus principais parceiros, pode-se citar o irmão China (Otávio Vianna), Donga, João Pernambuco, Nélson Alves e Vinícius de Morais. Os sucessos são muitos, como "Sofro porque queres", "Lamentos", "Vou vivendo", "1x0" e "Naquele tempo", além das já citadas "Rosa" e "Carinhoso".

Em 2005, a obra do artista foi tombada pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Fotografias, partituras, documentos e textos pertencentes ao músico passaram a ser parte do patrimônio cultural carioca, e muitos itens são exibidos até hoje na Cidade Maravilhosa, no Instituto Moreira Salles e no Museu da Imagem e do Som.

Legado para o choro e a música brasileira

Pixinguinha marcou época como flautista, compositor, saxofonista e arranjador. Desde muito menino, já participava das históricas rodas de choro da famosa casa da Tia Ciata, onde nasceu o primeiro samba gravado, "Pelo telefone", composto por Donga e Mauro de Almeida.

Pode ser considerado o primeiro maestro-arranjador contratado por uma gravadora no Brasil, a RCA Victor, nos anos 30. Tornou-se referência não só pelo talento como por sua polivalência, já que ele começou tocando cavaquinho, aos 12 anos, passou para a flauta e o bombardino aos 13, e encerrou a carreira como saxofonista.

Como músico, popularizou o choro para toda a população. O que era um tipo de música quase clássico, com Ernesto Nazareh, Chiquinha Gonzaga e os primeiros chorões, teve um novo sopro de vida misturado com ritmos africanos, europeus e americanos, fazendo surgir um novo estilo, com a cara do Brasil.

A sua importância foi tanta para o choro que coincide com o aniversário de Pixinguinha o Dia Nacional do Choro, homenagem pensada pelo bandolinista Hamilton de Holanda e os alunos da Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello. A lei aprovando a data foi sancionada em 4 de setembro de 2000 e até hoje a data é um marco para os amantes deste estilo musical.

Fonte: O Globo, Techtudo, Thiago Barros, 23/04/2014

domingo, 20 de abril de 2014

Os diamantes são os melhores amigos da mulher ou Como o feminismo se tornou refém do socialismo e como retomá-lo?


As únicas criaturas que acreditam que o feminismo é socialista são as feministas socialistas (de esquerda, em geral) e os conservadores, as socialistas porque acham que o socialismo é tudo de bom, e os conservadores porque acham que o socialismo é tudo de ruim. Como sempre digo, como se parecem ambos.

Entretanto, qualquer pessoa que não seja historica e politicamente analfabeta, sabe que o feminismo é filho das ideias liberais e com base nessas ideias é que as mulheres chegaram onde chegaram hoje. As ideias universalistas do liberalismo alavancaram o direito de TODAS as mulheres e não apenas das "trabalhadoras". Se dependesse das socialistas e - forçoso reconhecer - de algumas anarquistas, nem o direito ao voto teríamos conquistado, pois o voto seria burguês, blá-blá-blá. No afã de encaixar a realidade nas teorias e utopias, muita gente esquece que a vida se dá no aqui e agora e não num futuro utópico que, não raro, descamba para a distopia.

O fato é que as ideias liberais foram a base das chamadas primeira e segunda ondas do feminismo (neste último caso parcialmente), perdendo espaço progressivamente, a partir da década de 70 do século passado, para as correntes autodenominadas de esquerda em sua miríade de expressões. Para estas correntes, o feminismo liberal era (e é) apenas reformista, preocupado somente em inserir as mulheres dentro da economia de mercado, sem atacar as múltiplas outras formas de opressão que atingem o sexo feminino, inclusive e sobretudo as advindas do capitalismo.  Podemos dizer que, desde então, observamos uma hegemonia das correntes ditas de esquerda no movimento feminista, particularmente na América Latina às voltas com o advento do socialismo bolivariano. 

Daí que surpreende quando uma feminista socialista, como a do blog Escreva Lola Escreva, traduz um texto de uma sua congênere, Nancy Fraser, publicado no The Guardian, com o título Como o feminismo se tornou servente do capitalismo, e como retomá-lo. Sério? Um título mais realista, para o atual contexto histórico, seria Como o feminismo se tornou refém do socialismo e como retomá-lo?

Acontece que feministas socialistas e congêneres consideram - por serem socialistas - o capitalismo como um mal tão grande ou até maior que o patriarcado e se ressentem quando o mercado - plástico e flexível - se modifica para acolher as demandas sociais das mulheres e demais grupos oprimidos. Mas só se ressentem porque alternativa ao capitalismo elas não têm (aliás, a humanidade ainda não inventou outro sistema econômico mais eficaz), o que torna seu discurso e sua luta anticapitalista pura retórica.

Aliás, felizmente, não só sou eu que percebo que elas só são blá-blá-blá. Leitoras do artigo em questão deixaram os seguintes comentários (bem divertidos, aliás) sobre o mesmo:

Jessica disse...

Bom... Você elencou 3 pontos que, teoricamente, são muito interesssantes. Mas e na prática? Qual sua sugestão pra que haja a aplicabilidade real e material desses pontos?

Porque sempre encontramos críticas nesse sentido, de que o feminismo foi assimilado e etcs. No entanto, ninguém se propõe à prática. Talvez porque seja justamente a prática é que não problematizam e nem se traçam estratégias -práticas!

16 DE ABRIL DE 2014 12:41

mimimi disse...

eu acho muito mimimi, a luta contra o capitalismo é uma luta perdida, o capitalismo está aí e nada irá substitui-lo, o que devemos fazer é integrar juntamento ao capitalismo o apoio aos menos desfavorecidos. Todo mundo quer ganhar dinheiro e esta mentalidade não irá mudar, pelo menos nas proximas centenas de anos, a questão é como ganhar dinheiro sem destruir o próximo ou minimizar os danos. É possivel integrar o capitalismo com consciencia social, não é fácil, mas é infinitamente mais fácil do que tentar destruir o capitalismo (e substituí-lo sei lá pelo o que) e com efeitos maus mais rápidos e práticos

16 DE ABRIL DE 2014 12:58

 Anônimo disse...

Muito bem. Seu eu trabalhar para ter meu proprio dinheiro e não depender de macho, estou validando o capitalismo explorador de mulheres. Era so o que me faltava mesmo.

A solução é o que? er uma fazenda de agricultura biologica onde todos tenham direito a arar a terra e comer?

Sério: adoro o blog, mas tem hora que da no saco.
Luluzinha

De fato, ironicamente, as socialistas, que tanto reclamam das injustiças do capitalismo, querem é colocar as mulheres sob a tutela do Estado (logo o Estado que é o corolário do Patriarcado), onde buscam se aboletar e a partir de onde procuram impor sua agenda sobre toda a sociedade. O que chamam de democracia participativa - como os últimos anos de esquerdismo no Brasil bem demonstram - são elas reunidas com elas mesmas, autointitulando-se representantes das mulheres que nunca as viram mais gordas (nem magras).

Ninguém aqui é ingenuazinha de achar que o mercado é uma maravilha e não tenha suas artimanhas de poder sexista e outros, mas dar murro em ponta de faca não consta como estratégia de quem quer realmente mudar alguma coisa. Vale mais buscar mudanças dentro do sistema do que manter uma luta sem bússola por alguma quimera. Nesse sentido, mil vezes ler os conselhos da Sheryl Sandberg que é uma das mulheres mais ricas do mundo (e por conta própria), mas que se preocupa com as outras mulheres, do que os do blog da Lola cujo salário é pago pelo contribuinte.

Por fim, meu conselho para as mais jovens: "- Garotas, não se esqueçam que os diamantes continuam sendo os melhores amigos da mulher." Sei que me entendem.
 

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Divulgando uma possibilidade de tirar o PT do poder


A bem da verdade, fossem outras as circunstâncias, estivéssemos nós sem ameaças antidemocráticas, acho que não votaria em ninguém. O PSDB não soube ser a oposição imprescindível ao petismo, que deveria ter sido, e acabou cúmplice do estado de coisas lastimáveis (em todos os sentidos) no qual vivemos e que tem tudo para piorar. As razões para a notória incapacidade do PSDB como oposição podem residir no fato de o PT ter lhe usurpado o discurso (sem falar nos méritos), por também ter telhado de vidro ou simplesmente por ser o maior conjunto de bundões da história recente do país.

Sei lá. O fato é que, apesar disso tudo, o partido continua sendo uma possibilidade concreta de tirar o petismo do poder, razão pela qual divulgo o programa do PSDB, com o Aécio Neves, mais uma vez. Dentre as candidaturas apresentadas é também a que mais se aproxima de uma visão liberal de economia e política, a despeito do candidato ser social-democrata. Não existem outras possibilidades sequer razoáveis. A dupla Eduardo Campos-Marina parece ter sido inscrita nas pedras dos escombros do Muro de Berlim misturadas a uma versão esdrúxula de ecocrentelhismo avermelhado. Não dá para encarar.

Assim sendo e considerando que a oposição tem pouco tempo de TV, vamos colaborar na divulgação para ver se o mineiro decola. A esperança é a última que morre, né mesmo? Avante!
  

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Deixa ela falar! Porque eu, libertária, defendo o direito de expressão da conservadora Sheherazade

A liberdade de expressão não pode ser limitada sem ser perdida
Acho que o Brasil possui duas fontes de atraso eterno: de um lado, o conservadorismo, sobretudo o religioso, e, de outro, o esquerdismo jurássico, socialista bolivariano que tem como norte a relíquia comunista de Cuba. Embora arqui-inimigos, socialistas bolivarianos e conservadores são, de fato, farinhas do mesmo saco autoritário em eterna disputa para ganhar ou manter o poder de nos enfiar seus dogmas goela abaixo. 

Para citar um exemplo de como, ironicamente, esses antípodas se parecem, lembro que são eles que alimentam o fla-flu esquerda x direita, apesar do anacronismo dessa divisão tomada de maneira estanque. Enquanto ambos alimentam esse fla-flu, contudo, acusam-se mutuamente de querer negar a dicotomia esquerda x direita como estratégia de diluir as diferenças políticas a fim de garantir sub-repticiamente uma hegemonia sem oposição. 

Outro exemplo: ambos protestam contra o proselitismo ideológico nas escolas e universidades, mas apenas contra o proselitismo de quem não é das respectivas turmas. Conservadores acusam os bolivarianos de fazer lavagem cerebral marxista na cabeça das crianças, jovens e adolescentes, mas não veem nada demais em se fazer proselitismo cristão via ensino religioso em escolas públicas. Denunciam o aparelhamento do Estado de parte do petismo, mas não emitem um pio contra o uso de dependências governamentais para a realização de cultos evangélicos por deputados-pastores.

E vice-versa. Esquerdistas, em geral, protestam contra o que chamam de tentativa de teocratização do Brasil, sobretudo em função das ações da execrável bancada evangélica no Congresso Nacional, mas também do ensino religioso em escolas e da postura antidemocrática dos evangélicos em relação a outras religiões (como as de matriz africana), mas não veem problema algum em querer que apenas sua visão de mundo circule do ensino básico às universidades. Nem se incomodam de aparelhar até festa de batizado de criança, como se diz popularmente, numa patrulha permanente para caçar vozes dissonantes.

Poderia citar vários outros exemplos de que, embora o conteúdo da missa seja diferente, a forma de rezar de conservas e bolivarianos é a mesma, mas fico por aqui, pois não é esse o objetivo deste texto. Mas digo que, se existe diferença significativa entre os bregas de esquerda e os jecas de direita, essa diferença circunstancial consiste em quem está no poder atualmente, seja no poder de Estado seja no poder cultural. E quem está no poder é o esquerdismo jurássico bolivariano bananeiro. Nele estando, não se faz de rogado em exercê-lo com sua costumeira falta de senso democrático, aproveitando-se da oportunidade para tentar calar a boca de quem o critica.

O último exemplo desse conhecido modus operandi da esquerda bolivariana se deu pela pressão para tirar do ar a comentarista e âncora do telejornal SBT Brasil Rachel Sheherazade  por suposto "incitamento à violência". Em um de seus polêmicos comentários, desta feita em razão do caso de um garoto negro que foi preso a um poste e espancado por justiceiros, a jornalista afirmou que era "compreensível que, dada à insuficiência de segurança pública, a população estivesse buscando fazer justiça com as próprias mãos". Dizer que determinada situação tem causas compreensíveis não se confunde com avalizar essa mesma situação. Dizer que são compreensíveis os elementos sociais, políticos e econômicos que levaram à ascensão do nazismo, na Alemanha da década de 30 do século passado, não significa de forma alguma justificar a nefasta ideologia de Hitler. 

No geral, Sheherazade usou termos inadequados em sua análise do caso, fez de fato um comentário infeliz, mas não incitou à violência coisa nenhuma. Por mais que discorde das bobagens conservadoras que diz a comentarista, não posso honestamente concordar com a pressão, feita pela patrulha esquerdista (PCdoB e PSOL, apoiadores dos regimes totalitários de Cuba e Coreia do Norte, resolveram recorrer inclusive ao Ministério Público contra Sheherazade), a fim de censurá-la e que acabou por surtir efeito, ao menos parcialmente. 

Na segunda-feira, dia 14/04, o SBT soltou a seguinte nota: 
Em razão do atual cenário criado recentemente em torno de nossa apresentadora Rachel Sheherazade, o SBT decidiu que os comentários em seus telejornais serão feitos unicamente pelo Jornalismo da emissora em forma de Editorial. Essa medida tem como objetivo preservar nossos apresentadores Rachel Sheherazade e Joseval Peixoto, que continuam no comando do SBT Brasil”.
Em outras palavras, censura mesmo. Sílvio Santos tem muitas dívidas com os governos Lula-Dilma, aos quais Sheherazade nunca poupou críticas (ver uma delas no vídeo abaixo), e resolveu pagá-las. Quem perde, mais do que a âncora, somos nós, população brasileira, que nos privamos de ouvir os acordes dissonantes de Sheherazade para poder inclusive contestá-los com veemência, sendo o caso, como  convém a quem é de fato democrata e amante da liberdade em todos os sentidos.

O colunista Pedro Doria, de O Globo, escreveu um artigo exemplar sobre o caso que transcrevo abaixo. Destaco dois trechos do texto.
Thomas Jefferson, cuja data de nascimento foi celebrada domingo, disse que “a liberdade de expressão não pode ser limitada sem ser perdida”. Os EUA, país que ajudou a fundar, têm a legislação mais incisiva na defesa da livre expressão. Não quer dizer que seja absoluta. Mas que, antes de punir o discurso, pesam se vale o risco. Porque, a não ser que os critérios para punir o discurso sejam extremamente rigorosos, fica fácil demais. E a censura se estabelece.
 Pode não parecer intuitivo, mas é só quando garantimos o livre discurso dos mais radicais em uma sociedade, à direita e à esquerda, que realmente expomos seus vícios. Só assim somos realmente livres.
A liberdade de expressão não pode ser limitada sem ser perdida. Não resta dúvida de que a nossa, com o cala-boca dado na comentarista do SBT, foi seriamente ferida. Lamentavelmente a consciência democrática no Brasil é baixíssima. Ou mudamos isso ou seremos eternamente um país preso numa noite tempestuosa de arbítrio, iluminado apenas, vez ou outra, pelo clarão de algum raio de liberdade.

Deixa Sheherazade falar
Só quando garantimos o livre discurso dos mais radicais em uma sociedade é que realmente expomos seus vícios

Em fevereiro, a comentarista e âncora do telejornal SBT Brasil Rachel Sheherazade se tornou uma das mais conhecidas personagens das redes sociais. “No país que ostenta incríveis 26 assassinatos a cada 100 mil habitantes”, disse no ar, “a atitude dos vingadores é até compreensível.” Referia-se aos justiceiros cariocas que acorrentaram um adolescente de rua negro contra um poste, pelo pescoço, com uma tranca de bicicleta. Qual fora escravo. A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) pediu investigação à Procuradoria Geral da República. O Sindicato de Jornalistas do Rio publicou nota de repúdio. No início de abril, quando Sheherazade saiu de férias, circulou pela imprensa o rumor de que havia sido afastada pela emissora por pressão do governo. Houve quem celebrasse. É um erro.

Sheherazade é um fenômeno da internet que provavelmente não ganharia tanto espaço noutros tempos. A baixa audiência de seu telejornal é compensada por inúmeras cópias de seus comentários, quase sempre inflamatórios, no YouTube. Muitos a defendem. Assim como muitos por ela sentem repugnância. A jornalista não faz concessões ao bom gosto: é uma radical. Mas liberdade de expressão jamais é testada pelos razoáveis, pelos moderados, pelos de bom gosto.

O principal argumento contra Sheherazade parece partir do bom senso: faz apologia ao crime. Parece bom senso. Não é. Apologia ao crime é dos argumentos mais perigosos que se pode levantar contra a opinião de alguém. Há quem defenda o livre fumo de maconha. É crime. O aborto tem defensores. Igualmente crime. Defende-se a ocupação de propriedade privada por quem precisa de moradia e não a tem. Crimes todos. As duas primeiras defesas não costumam incomodar quem é liberal ou de esquerda. A última raramente perturba a esquerda. Considerar alguns crimes defensáveis ou não tem a ver com ideologia, não com o que é razoável. Nossa ideologia, claro, sempre nos parece razoável. O inferno são os outros.

Há um excelente argumento para permitir que Sheherazade fale, por mais desagradáveis que possam ser suas opiniões. Ela representa um pedaço do Brasil. Basta passar os olhos pelas discussões na rede. Um bom naco dos brasileiros vai para além do conservadorismo: é reacionário. Talvez seja aquele quarto da população que, segundo o Ipea, considera que a roupa da mulher justifica o estupro. Seus representantes talvez sejam os que defendem abertamente os justiceiros ou fazem justiçamentos. Este é um pedaço do Brasil. Se calamos uma voz que “os compreende”, desligamos um alerta. Sem este alerta, desaparecem as vozes e os argumentos contra.

Thomas Jefferson, cuja data de nascimento foi celebrada domingo, disse que “a liberdade de expressão não pode ser limitada sem ser perdida”. Os EUA, país que ajudou a fundar, têm a legislação mais incisiva na defesa da livre expressão. Não quer dizer que seja absoluta. Mas que, antes de punir o discurso, pesam se vale o risco. Porque, a não ser que os critérios para punir o discurso sejam extremamente rigorosos, fica fácil demais. E a censura se estabelece.

Incitação ao crime é critério para punir a fala. Mas é preciso provar que um crime ocorreu causado por ela. Uma coisa é desejar a morte de alguém numa conversa de bar. Outra é clamar pela morte da pessoa, em frente a sua casa, perante uma turba em fúria. Não se pune a mensagem. Punem-se os efeitos concretos da mensagem.

Pode não parecer intuitivo, mas é só quando garantimos o livre discurso dos mais radicais em uma sociedade, à direita e à esquerda, que realmente expomos seus vícios. Só assim somos realmente livres. A internet é uma máquina de livre expressão. Que seja amplamente usada.

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