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A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Debates libertários: qual o mínimo comum liberal?

Dois autores liberais chilenos discutem o que deve ser o mínimo denominador comum entre as diferentes correntes liberais. O segundo texto - a que se refere o primeiro - está no original em espanhol mas é bem acessível. Negritei os pontos que me pareceram mais interessantes. Um bom debate!

Mínimo comum liberal: a liberdade


Muitos liberais contemporâneos atuam em favor da igualdade, esquecendo que muitas assimetrias e desigualdades não tem origem no exercício da igualdade.

Jorge Gómez/El Mostrador - Chile

Em um artigo interessante (El Mínimo comum Liberal), Cristóbal Bellolio coloca uma série de respostas para esclarecer as dúvidas em torno daquilo que seria um projeto liberal no Chile e seu minimalismo teórico e programático. 

Gostaria de fazer algumas observações para contribuir com o debate. 

O liberalismo é metodologicamente individualista, ou seja, rechaça concepções orgânicas e coletivistas da sociedade. Isso – ao contrário daquilo em que erroneamente se acredita – não significa conceber indivíduos ilhados e sem laços com os outros, mas sujeitos que exercem sua vontade de modo autônomo e com respeito aos demais. 

Desta maneira, as pessoas são capazes de escolher, com base no exercício da vontade, onde se situa o valor da liberdade individual, segundo o qual cada pessoa é um fim em si mesma, e não um meio para os outros. Disso surge o direito de cada um a levar adiante seus projetos de vida sem interferência do Estado ou dos governantes; a sua liberdade de consciência (quer dizer, acreditar no que quiser); de associação; de movimento e de dispor de bens obtidos de maneira justa no exercício de sua vontade, mediante livres trocas com os demais. 

Como cada pessoa é dona de sua própria vontade e de seu corpo e, portanto, um fim em si mesma, ninguém, nem um rei, nem um líder supremo, nem um grupo de pessoas, nem sequer uma maioria, nem sequer em nome do Estado ou deus, ou o que for – pode submetê-la à obrigação de agir ou de pensar de determinada maneira. 

Nesse sentido, ao contrário do que Cristóbal Bellolio coloca, a liberdade individual deve prevalecer sempre, salvo quando um sujeito agride física ou psicologicamente o outro, transgredindo sua dignidade inerente. E justificar essa violação com base em questões duvidosas, como necessidades de coordenação ou demandas de justiça social, poderia abrir espaço para outra violação, a da liberdade pessoal de maneira ampla. Nem sequer “salvar a democracia” justificaria a ambiguidade de “restrições instrumentais da liberdade”. 

Foi isso o que aconteceu nos Estados Unidos anos atrás durante a chamada “guerra ao terror”, quando foram outorgados amplos poderes às polícias para invadir casas sem maiores justificativas; e no Chile, onde certas restrições para “salvar a democracia” terminaram com violência indiscriminada contra algumas pessoas. Isso seria transformar a democracia em uma religião do Estado.

O liberalismo como doutrina emergida em contraposição ao exercício arbitrário do monopólio da força sobre as pessoas e, portanto, desconfiada do poder concentrado, exige que este – que não é outro senão o poder político – atue sob altas restrições a fim de resguardar a integridade pessoal de cada um. 

A partir desse fundamento, deriva-se não apenas a necessidade de separar poderes para evitar sua concentração viciosa, mas também o princípio de que o Estado não deve impor um modo de vida ou uma crença sobre as pessoas, mas sim resguardar sua liberdade – que é a liberdade civil – para que possa exercer todo seu potencial. Essa limitação do poder estatal quanto a não impor um modo de vida também implica que, inclusive o Estado liberal, em seu afã progressista, não pode tentar impor uma moral secular e laica, varrendo tudo o que é considerado tradicional na sociedade. 

Como o absolutismo e seu regime econômico (o mercantilismo) violavam sistematicamente a liberdade de comércio e de propriedade de camponeses e artesãos (empobrecidos com os altos impostos para a guerra, confiscos e trabalho forçado), o liberalismo aumenta a defesa irrestrita do livre intercambio comercial como princípio ético e como instrumento para a paz entre os Estados, rejeitando o nacionalismo e o protecionismo com suas derivações coletivistas ou corporativistas, mas também as pretensões estadistas de planejamento econômico fascista e comunista.

Atualmente, muitos liberais contemporâneos atuam em pró da igualdade, esquecendo que muitas posições assimétricas e muitas desigualdades não têm origem no exercício da liberdade, mas sim no privilégio criado em torno do poder político, muitas vezes camuflado de regulações estatais nos mercados. 

O mercantilismo econômico moderno, vigente em nível mundial, é um exemplo claro disso, e sem dúvidas culmina em formas injustas de desigualdade ao inibir a livre competição quando o poder político favorece determinados grupos corporativos ou de interesse mediante leis, barreiras de entrada, concessões ou transferências judicialmente duvidosas. 

No cenário político chileno também existe uma série de barreiras de entrada que inibe a livre competição democrática e propicia estruturas oligárquicas, elitistas e de castas em todo o espectro político-partidário, que todo liberal deveria questionar. 

Em ambos os casos, o que temos é uma concentração de poder em contraposição à liberdade, que sempre é o primeiro problema que os liberais enfrentam. Essa é o primeiro fato que os que valorizam a liberdade devem encarar e, a partir daí, começar a erguer um projeto político que reúna forças, tendo consciência de que o principal inimigo da liberdade é sempre a concentração de poder político –inclusive se este se diz liberal–, e que a liberdade tem como base o respeito à dignidade das pessoas, donas de sua vontade e, por consequência, capazes de escolher.

* Não encontrei registro do(a) tradutor(a) no site da Carta Maior de onde retirei o artigo.

Fonte: El Mostrador, 05/04/2014

El Mínimo Comum Liberal

La renuncia de Lily Pérez –y otros parlamentarios– a Renovación Nacional, aduciendo que ese partido había girado hacia el conservadurismo, abre la discusión sobre qué significa el proyecto liberal en los tiempos que corren.

Fuerza Pública, Red Liberal, el Partido Liberal, Amplitud, Evópoli. Comienzan a proliferar los movimientos políticos que de una u otra manera se definen como “liberales”. Sin embargo, la etiqueta es controvertida. El ex presidenciable Andrés Velasco sostuvo recientemente que los liberales de derecha no eran propiamente liberales y que se “vestían con ropajes ajenos” al apropiarse del concepto. Reafirmó así la identidad centroizquierdista de su proyecto. El diputado electo Felipe Kast recogió el guante respondiendo que “las ideas de libertad son propias de la derecha”, añadiendo que es Velasco quien equivoca el camino al insistir en la convivencia con la Nueva Mayoría. Poco se puede construir sobre este tipo de intercambios, porque no despejan la pregunta de fondo: en qué consiste básicamente el proyecto liberal chileno y cuáles son los mínimos teóricos y programáticos que debieran acordarse antes de iniciar acercamientos estratégicos o incluso electorales. Este artículo intenta colaborar en la respuesta de esa pregunta.

La presunción a favor de la libertad

El corazón de la doctrina liberal es el individualismo normativo. Las personas tienen derecho a llevar adelante sus proyectos de vida de acuerdo a sus propias evaluaciones morales. Por tanto, el poder político debe justificar cada una de sus intervenciones. Los liberales operan mentalmente con una especie de presunción permanente a favor de la libertad. Esto no significa que la libertad individual prevalezca en todos los escenarios; significa que el Estado debe esgrimir buenas razones para restringirla o limitarla. El daño a terceras personas es el ejemplo prototípico. Pero bien puede haber otras buenas justificaciones –necesidades de coordinación, aseguramiento de bienes públicos, atender las demandas de la justicia social, etcétera. Piense, por ejemplo, en el fresco debate sobre la voluntariedad u obligatoriedad del voto. En principio, un liberal debiera estar a favor de un sistema que por defecto respete la decisión libre y soberana de las personas. Sin embargo, si la democracia está en riesgo podría perfectamente acceder a ciertas restricciones instrumentales de la libertad.
En el fondo, el liberalismo se abstiene de usar el espacio político para pontificar a los ciudadanos respecto de lo que es bueno para sus vidas. Eso lo hace esencialmente antipaternalista y antiautoritario. Cualquier entendimiento liberal chileno debiera ser desconfiado de la siempre ambiciosa pretensión punitiva de sus gobernantes. En consecuencia, los liberales debieran estar en contra de las concentraciones excesivas de poder en cualquier ámbito. Por lo anterior, también se ha dicho que los liberales defienden la idea de un Estado neutral, imparcial y respetuoso de los distintos proyectos de vida que asuman los ciudadanos en una sociedad cada vez más plural.

Mercado y desigualdad

El liberalismo contemporáneo –a diferencia del clásico– se toma muy en serio el problema de la desigualdad. La libertad formal o el derecho a elegir, se ha dicho, pierde parte importante de su valor cuando las alternativas están severamente restringidas por la condición social de la persona que aspira a ejercerla. Al respecto hay dos consideraciones relevantes que debieran estar en el piso básico de un diálogo liberal en Chile.

La primera es la diferenciación que básicamente hacen todas las teorías de justicia liberales entre desigualdades justas e injustas. Las primeras serían aceptables en tanto son producto de una competencia en la cual los individuos participan en relativa igualdad de condiciones. Las segundas, en cambio, serían gravemente problemáticas: no puede ser justo un resultado que viene determinado por posiciones de partida brutalmente asimétricas. Los esfuerzos de las instituciones del Estado deben, por tanto, estar volcados a atenuar esas diferencias que no tienen nada que ver con el mérito o el esfuerzo. Por eso, sería extraño que un liberal prefiriera destinar recursos a financiar la educación universitaria antes que hacerse cargo agresivamente de la educación primaria y preescolar.
Lo segundo es que los liberales siguen siendo entusiastas del libre mercado y no debiesen caer en la demonización generalizada del lucro cuando actúa como legítimo incentivo fuera del ámbito público. Hay suficiente evidencia empírica de que las economías descentralizadas en base a la competencia, el emprendimiento y la innovación son claves para generar crecimiento y mejorar los estándares generales de calidad de vida. Además, los liberales prefieren el mercado porque funciona mejor que sus alternativas como mecanismo de traspaso de información y conocimiento. Y, finalmente, porque las personas tienen derecho a disponer de sus bienes como estimen conveniente. La debida y exigente regulación de los mercados es totalmente consistente con los objetivos descritos.

Dios y la patria

Cualquier proyecto que se precie de liberal va acompañado de un cierto espíritu progresista. El concepto da para mucho, pero su aplicación en este punto es específica: el camino al desarrollo se pavimenta en el ensayo y en el error, a través de la deliberación pública y el cuestionamiento racional de las estructuras tradicionales. Poner en juego esta herencia ilustrada en un subcontinente como el nuestro no es fácil. Pero es inmensamente necesario. Aquí hay tres ideas que considero dignas de subrayar.

Primero, los grupos que quieran participar de esta conversación entre liberales tienen que comprender a cabalidad las exigencias de una auténtica separación de esferas entre la política y la religión. Lo menciono explícitamente dado que el Presidente Piñera ha sido negligente al respecto y algunos de estos movimientos pueden verlo como líder natural. Segundo, es imperativa una apertura al mundo –y a la región– que conecte con la mejor versión de la aspiración cosmopolita liberal. Valorar lo nuestro no puede significar nacionalismo trasnochado ni chauvinismo proteccionista. Tercero, desde la vereda del soñar no cuesta nada, labrar un ethos identitario que nos caracterice por participar en política evaluando rigurosamente la evidencia y cambiando de opinión si así lo exige la fuerza de los argumentos y la honestidad intelectual. No es sano legislar en base a mitos y dogmas.

Es imposible abarcar en una columna todos los elementos ideológicos y muchos menos las agendas concretas que podrían encarnar estos mínimos comunes. El objetivo es abrir un diálogo que dé suficiente espacio a las clarificaciones doctrinarias antes de pensar en el nombre y el timbre del eventual paraguas compartido. Esta discusión no despejará los obstáculos principales –la persistencia de dos culturas separadas entre liberales de izquierda y liberales de derecha, y la existencia de un sistema electoral poco amigable a terceras fuerzas que irrumpan por el centro– pero es ineludible para el éxito de largo plazo.

Fonte: Capital Online, 21/01/2014

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Romeu Tuma bomba no Roda Viva

Romeu Tuma bomba no Roda Viva
O Roda Viva desta última segunda (dia 3), com o ex-secretário de Justiça do governo Lula Romeu Tuma Junior, obteve o maior índice de audiência do programa em quase 14 anos. Alcançou a maior audiência desde a entrevista realizada com a então recém-eleita prefeita de São Paulo Marta Suplicy (PT), a 30 de outubro de 2000.

Tendo em vista o sucesso, segue o texto do site da Cultura sobre o programa e o vídeo do mesmo. Recomendo também o texto O “sincericídio” de Romeu Tuma Junior Confesso que não me animei ainda a ler o livro de Tuma, tendo visto opiniões pouco estimulantes sobre ele. Mas vamos à entrevista ao menos que parece ter sido interessante.

“Eu fiz uma peça de defesa e não de acusação”
Ex-secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, comenta as repercussões em torno do seu livro Assassinato de Reputações

O ex-secretário nacional de Justiça Romeu Tuma Júnior foi o entrevistado do Roda Viva de segunda-feira (3). Ele chefiou a secretaria entre os anos de 2007 e 2010, até que foi afastado por uma suposta ligação com integrantes de uma organização criminosa. Recentemente, Tuma lançou o Livro "Assassinato de Reputações - Um crime de Estado", no qual não só rebate as acusações de que foi alvo, como também faz graves acusações ao ex-presidente Lula e a autoridades federais - uma delas a de usar órgãos de segurança para conquistar objetivos políticos.

Entre os assuntos abordados, o livro trata do uso de dossiês forjados para prejudicar adversários, do assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, das tentativas de transformar a Polícia Federal em instrumento político e das investigações que envolvem o empresário Daniel Dantas. Hoje, Tuma já contabiliza mais de 60 mil exemplares vendidos.

Assim que o livro começou a ser vendido, o ex-secretário recebeu algumas ameaças de processos judiciais por parte das pessoas citadas na publicação. Porém, Tuma afirma até o momento não foi notificado oficialmente de que alguém o teria processado. Ele justifica: “É difícil você ser processado quando fala a verdade”.

Tuma revela que chegaram até ele algumas ameaças, que já estão sendo investigadas, e um e-mail enviado pela assessoria do banqueiro Daniel Dantas, solicitando alguns esclarecimentos.

No entanto, Tuma Júnior declara estar preparado para caso seja acionado na justiça. “Eu tenho várias provas no livro. Eu fui secretário nacional da Justiça, eu não seria nenhum louco, irresponsável, de acusar alguém injustamente por assassinato de reputação, no qual fui vítima. Eu fiz uma peça de defesa e não de acusação”.

O ex-secretário explica ainda que não foi omisso quanto aos supostos crimes dos quais revela no livro, e afirma que tentou por diversas vezes falar, mas não foi ouvido. “Eu fiquei três anos tentando me defender na justiça das falsas acusações que me foram imputadas, e não tinha esse espaço. Ninguém quis me ouvir, então fui obrigado a escrever. Tudo o que eu presenciei eu denunciei, mas eu tinha superiores. Eu jamais prevariquei”.

Filho do político Romeu Tuma (1931-2010), Romeu Tuma Júnior começou a carreira policial aos 18 anos como investigador. Foi delegado da Polícia Civil de São Paulo e deputado estadual paulista. Ocupou, entre 2007 e 2010, o cargo de Secretário Nacional de Justiça durante o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. À época, presidiu o Conselho Nacional de Combate à Pirataria.

Participaram da bancada do programa Ricardo Setti, colunista do site da revista Veja; Mario Cesar Carvalho, repórter especial da Folha de S. Paulo; Eugênio Bucci, professor e colunista do jornal O Estado de S. Paulo e da revista Época; Cristine Prestes, repórter da área jurídica; e Fernando Gallo, repórter do jornal O Estado de S. Paulo. O Roda Viva ainda teve a participação do cartunista Paulo Caruso.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O conservadorismo é antagônico ao liberalismo

Não creio que seja necessário ler muita coisa sobre liberalismo (veja uma abordagem sucinta aqui) e conservadorismo para perceber que - de fato - eles são até antagônicos, mesmo quando se trata do tal conservadorismo liberal (um paradoxo de fato). 

Conservadores liberais são aqueles caras que incorporaram alguns princípios do liberalismo econômico e político, tais como o livre mercado, a defesa da propriedade privada e do Estado de Direito, mas que nem querem ouvir falar em liberdades individuais. Ou então são muito liberais no que diz respeito a seus próprios direitos mas bem conservadores no que diz respeito aos direitos alheios.

Sobretudo, o liberalismo e o conservadorismo são distintos em espírito, e a aliança, entre os dois, com vistas a vencer o inimigo comum (o socialismo), é um equívoco, pois os conservadores se apropriam das teorias econômicas e de governo que não tem e, em troca, dão ao liberalismo apenas a sombra de sua tacanhice e seu desamor pela liberdade. No texto abaixo, o economista Carlos Góes, que escreve para o site Mercado Popular, explora os antagonismos entre essas duas visões de mundo de fato bem diferentes.

Não se engane: o conservadorismo é antagônico ao liberalismo

Carlos Goés

No senso comum brasileiro é normal confundir liberais com conservadores. Nada poderia ser mais distante da realidade. Em termos de política objetiva, liberais e conservadores discordam radicalmente. Enquanto conservas vão falar contra as drogas e o casamento gay, liberais vão ter propostas radicais como a legalização de todas as drogas e a desestatização do casamento. Mas liberais e conservadores se antagonizam em algo mais profundo: em seus princípios.

O foco fundamental dos conservadores é na tradição, nos costumes e na continuidade. Eles partem da ideia de que as gerações passadas, presente e futuras se ligam através de um contínuo histórico de uma “ordem moral”. Por isso, esse elo intrageracional deteria uma superioridade moral que deveria ser preservada. Eles dizem que não são teorias metafísicas que justificariam suas escolhas – mas a “experiência”. As mudanças, embora necessárias “para a nossa sobrevivência”, são vistas como um mal inevitável. A ode é ao status quo.

Antes de mais nada, é importante lembrar que o liberalismo surgiu em oposição àqueles que queriam conservar a velha ordem. O bom e velho Adam Smith falava em favor do livre comércio e pela abolição das leis protecionistas do trigo e milho numa Inglaterra em que tanto o mercantilismo quanto essas leis eram a tradição e estavam lá desde sempre.

Um estranho vício dos conservadores é não perceber o quanto a economia de mercado foi e é revolucionária – e quanto ela abalou as estruturas da sociedade tradicional. A economia de mercado acabou com as posições tradicionais – a ideia de que você sempre seguiria a profissão de seus pais – e libertou as classes mais desfavorecidas para experimentar e tentar buscar uma vida melhor.

As desigualdades objetivas e de status (embora não as desigualdades de renda) foram significativamente reduzidas com a economia de mercado. Até um Rei passou a estar debaixo da lei. Como dizia Mises, a diferença entre um pobre e um rico numa sociedade pré-economia de mercado era a diferença entre possuir ou não possuir sapatos. A diferença entre um pobre e um rico na sociedade de mercado é entre ter um carrão e ter um fusca.

Isso vai contra toda a tradição. Isso vai contra tudo o que sempre esteve aí. A economia de mercado é uma revolta contra o estado natural da humanidade. É uma boa revolta, porque o estado natural da humanidade sempre foi a pobreza.

Embora os conservadores achem que não se justificam baseados em “fórmula mágica feita por um estudioso”, de fato não percebem que a derivação de legitimidade dos costumes é em si uma teoria racionalizada. Os costumes, por si só, não justificam nada. É preciso um corpo teórico para derivar legitimidade moral dos costumes.

Os costumes podem ser bons ou ruins. Racionais ou irracionais. Os costumes já impuseram a dominação e propriedade masculina sobre as mulheres; a escravidão de negros por brancos; a divisão de pessoas em classes imóveis de aprendizes e profissões; a impossibilidade de se ter mobilidade religiosa; e a ainda persistente lealdade irracional a um desenho em um mapa e uma bandeira – e tantas outras arbitrariedades. Para um liberal, um costume que infringe a justiça e a liberdade deve ser mudado.

Outro erro da maioria dos conservadores é não perceber que as instituições sociais estão em permanente revolução, em um processo evolutivo e dinâmico. Elas mudam o tempo todo rumo aos novos desígnios que a sociedade lhes dá. Eles acham que o simples fato delas existirem (o status quo) é que o lhes garante legitimidade, quando a legitimidade deriva precisamente da utilidade social delas. É a sociedade que escolhe o que é útil e o que não é útil através de suas trocas e do encontro de suas preferências subjetivas.

Quando algo deixa de ser útil, a ordem é contestada e alternativas são providas. A contestação da ordem faz parte do processo de mudança social necessária a uma sociedade inovadora. A mudança derivada da contestação da ordem não vem por definição “acompanhada de prudência”. A mudança é uma luta constante contra o status quo.

Contestação, também, faz parte essencial da preservação da liberdade individual. Como conservadores abraçam uma visão comunitarista de mundo, eles acabam ignorando o valor intrínseco do indivíduo, relegando-o a mera engrenagem na máquina da tradição. Para o liberal, o importante é a preservação da capacidade de expressão das individualidades – inclusive quando, para isso, se torna essencial subverter a ordem vigente. Em diversas situações, o que um conservador chamaria de “prudência” em favor das tradições prevalentes um liberal chamaria de “tirania da maioria“.

São nas tentativas de mudar o status quo que se molda o futuro. A gente não sabe qual vai ser o futuro, nem a velocidade das mudanças. Ele é fruto da livre experimentação social e da competição do mercado de ideias. Ao conservador, isso dá calafrios; ao liberal, regozijo. Para o liberal quem deve moldar o futuro são as pessoas – e não as elites presunçosas, seja de direita ou esquerda. Quem acredita em mudança derivada de ordem espontânea, sem direcionamento nem gurus, são os liberais.

O liberal vê a evolução social não como fruto de superioridade moral de costumes, mas como fruto da livre experimentação e competição de ideias. Ele não se foca na estática do passado, mas na dinâmica do presente e nas potencialidades do futuro. Como escreveu brilhantemente Hayek: “antes de mais nada, os liberais devem perguntar não a que velocidade estamos avançando, nem até onde iremos, mas para onde iremos.”

Um liberal olha para o futuro e almeja o progresso. A bem da verdade, não há nada menos conservador do que um liberal.

Carlos Góes é analista econômico é co-fundador da rede Estudantes pela Liberdade no Brasil e da Aliança pela Liberdade.

Fonte: Mercado Popular, 28/01/2014

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Incrível Beleza: pinturas ganham vida em vídeo de cineasta italiano


O cineasta italiano, Rino Stefano Tagliafierro, teve a brilhante ideia de animar 100 obras-primas da pintura mundial em um vídeo chamado Beleza. O vídeo se inicia com uma sequência de encantadoras paisagens e outras pinturas, sobretudo as do pintor francês Français William Adolphe Bouguereau, conhecido por descrever a infância e as relações familiares.

Das cenas delicadas de Bouguereau e de outros píntores, cenas bucólicas, cândidas, sensuais, passa-se, contudo, a partir dos 4:50, a pinturas lúgubres e violentas, com destaque para as de Caravaggio, tais como a famosa Davi com a Cabeça de Golias e a Medusa. No vídeo, as pinturas parecem ganhar vida, e os efeitos são realmente impressionantes. Vale a audiência.


B E A U T Y - dir. Rino Stefano Tagliafierro from Rino Stefano Tagliafierro on Vimeo.

Pinturas pela ordem de entrada

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Sem programa e incompetentes, os neobolcheviques só sabem avacalhar as instituições democráticas


O texto abaixo, do Arnaldo Jabor, é do começo do mês, mas, dada a sua pertinência, vale o registro. Impressiona mesmo essa onda vermelha retrô que se encontra por toda a parte, ridícula pelo anacronismo de suas ideias destinadas a repetir os mesmos fracassos. Destaco:
Mas, além dessas mímicas brasileiras do bolchevismo, os erros que querem repetir os comunistas já praticavam na época do leninismo e stalinismo: a mesma postura, o mesmo jargão de palavras, de atitudes, de crimes justificados por mentiras ideológicas e estratégias burras. Parafraseando Marx, um espectro ronda o Brasil: a mediocridade ideológica.
No Brasil, a palavra “esquerda” continua o ópio dos intelectuais. Pressupõe uma “substância” que ninguém mais sabe qual é, mas que “fortalece”, enobrece qualquer discurso. O termo é esquivo, encobre erros pavorosos e até justifica massacres.  
De cara, temos de assumir o fracasso do socialismo real. Quem tem peito? Como abrir mão deste dogma de fé religiosa? A palavra “socialismo” nos amarra a um “fim” obrigatório, como se tivéssemos que pegar um ônibus até o final da linha, ignorando atalhos e caminhos novos. 
A verdade tem de ser enfrentada: infelizmente ou não, inexiste no mundo atual alternativa ao capitalismo. Isso é o óbvio. Digo e repito: uma “nova esquerda” tem de acabar com a fé e a esperança — trabalhar no mundo do não sentido, procurar caminhos, sem saber para onde vai. 
O ‘perigo vermelho

É necessário alertar a população pensante para essa mediocridade ideológica anacrônica e fácil para cooptar jovens sem cultura política

Retiraram o corpo de João Goulart da sepultura para examiná-lo. Coisa deprimente, os legistas examinando ossos de 40 anos atrás para saber se foi envenenado. Mas, havia também algo de um ritual de ressurreição encenada. Jango voltava para a turma que está no poder e que se considera vítima de 1964 até hoje. Só pensam no passado que os “legitima” com nostalgia masoquista de torturas, heranças malditas, ossadas do Araguaia, em vez de fazerem reformas no Estado paralítico e patrimonialista.

Querem continuar a “luta perdida” daqueles tempos ilusórios. Eu estava lá e vi o absurdo que foi aquela tentativa de “revolução” sem a mais escassa condição objetiva. Acuaram o trêmulo Jango, pois até para subversão precisavam do Governo. Agora, nossos governantes continuam com as mesmas ideias de 50 anos atrás. Ou mais longe. Desde a vitória bolchevique de 1921, os termos, as ilusões são as mesmas. Aplica-se a eles a frase de Talleyrand sobre a volta dos Bourbons ao poder: “Não aprenderam nada e não esqueceram nada”.

É espantosa a repetição dos erros já cometidos, sob a falácia do grande “teólogo” da História, Hegel, de que as derrotas não passam de “contradições negativas” que levam a novas teses. Esse pensamento justificou e justifica fracassos e massacres por um ideal racional. No PT e em aliados como o PC do B há um clima de janguismo ou mesmo de “brizolismo”, preferência clara da Dilma. Brizola sempre foi uma das mais virulentas e tacanhas vozes contrárias ao processo de desestatização.

Mas, além dessas mímicas brasileiras do bolchevismo, os erros que querem repetir os comunistas já praticavam na época do leninismo e stalinismo: a mesma postura, o mesmo jargão de palavras, de atitudes, de crimes justificados por mentiras ideológicas e estratégias burras. Parafraseando Marx, um espectro ronda o Brasil: a mediocridade ideológica.

É um perigo grave que pode criar situações irreversíveis a médio prazo, levando o país a uma recessão barra pesada em 2014/15. É necessário alertar a população pensante para esse “perigo vermelho” anacrônico e fácil para cooptar jovens sem cultura política. Pode jogar o Brasil numa inextrincável catástrofe econômica sem volta.

Um belo exemplo disso foi a recusa do Partido Comunista Alemão a apoiar os socialdemocratas nas eleições contra os nazistas, pois desde1924 Stalin já dizia que os “socialdemocratas eram irmãos gêmeos do fascismo”. Para eles, o “PSDB” da Alemanha era mais perigoso que o nazismo. Hitler ganhou e o resto sabemos.

Nesta semana li o livro clássico de William Waack “Camaradas”, sobre o que veio antes e depois da intentona comunista de 1935 (livro atualíssimo que devia ser reeditado), e nele fica claro que há a persistência ideológica, linguística, dogmática e paranoica no pensamento bolchevista aqui no Brasil. A visão de mundo que se entrevê na terminologia deles continua igual no linguajar e nas ações sabotadoras dos aloprados ao mensalão — o fanatismo de uma certeza. Para chegar a esse fim ideal, tudo é permitido, como disse Trotsky: “a única virtude moral que temos de ter é a luta pelo comunismo”. Em 4 de junho de 1918, declarou publicamente: “Devemos dar um fim, de uma vez por todas, à fábula acerca do caráter sagrado da vida humana”. Deu no massacre de Kronstadt, em 21.

No Brasil, a palavra “esquerda” continua o ópio dos intelectuais. Pressupõe uma “substância” que ninguém mais sabe qual é, mas que “fortalece”, enobrece qualquer discurso. O termo é esquivo, encobre erros pavorosos e até justifica massacres. Temos de usar “progressistas e conservadores”.

Temos de parar de pensar do Geral para o Particular, de Universais para Singularidades. As grandes soluções impossíveis amarram as possíveis. Temos de encerrar reflexões dedutivas e apostar no indutivo. O discurso épico tem de ser substituído por um discurso realista, possível e até pessimista. O pensamento da velha “esquerda” tem de dar lugar a uma reflexão mais testada, mais sociológica, mais cotidiana. Weber em vez de Marx, Sérgio Buarque de Holanda em vez de Caio Prado, Tocqueville em vez de Gramsci. Não tem cabimento ler Marx durante 40 anos e aplicá-lo como um emplastro salvador sobre nossa realidade patrimonialista e oligárquica.

De cara, temos de assumir o fracasso do socialismo real. Quem tem peito? Como abrir mão deste dogma de fé religiosa? A palavra “socialismo” nos amarra a um “fim” obrigatório, como se tivéssemos que pegar um ônibus até o final da linha, ignorando atalhos e caminhos novos.

A verdade tem de ser enfrentada: infelizmente ou não, inexiste no mundo atual alternativa ao capitalismo. Isso é o óbvio. Digo e repito: uma “nova esquerda” tem de acabar com a fé e a esperança — trabalhar no mundo do não sentido, procurar caminhos, sem saber para onde vai.

No Brasil, temos de esquecer categorias ideológicas clássicas e alistar Freud na análise das militâncias. Levar em conta a falibilidade do humano, a mediocridade que se escondia debaixo dos bigodudos “defensores do povo” que tomaram os 100 mil cargos no Estado.

Além de “aventureirismo”, “vacilações pequeno burguesas”, “obreirismo”, “sectarismo”, “democracia burguesa,” “fins justificando meios”, “luta de classes imutável” e outros caracteres leninistas temos de utilizar conceitos como narcisismo, voluntarismo, onipotência, paranoia, burrice, nas análises mentais dos “militantes imaginários”.

Baudrillard profetizou há 20 anos: “O comunismo hoje desintegrado tornou-se viral, capaz de contaminar o mundo inteiro, não através da ideologia nem do seu modelo de funcionamento, mas através do seu modelo de des-funcionamento e da desestruturação brutal”, (vide o novo eixo do mal da A. Latina).

Sem programa e incompetentes, os neobolcheviques só sabem avacalhar as instituições democráticas, com alguns picaretas-sábios deitando “teoria” (Zizek e outros). Somos vítimas de um desequilíbrio psíquico. Muito mais que “de esquerda” ou “ex-heróis guerrilheiros” há muito psicopata e paranoico simplório. Esta crise não é só politica — é psiquiátrica.

Fonte:

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