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Aserá,

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sexta-feira, 29 de março de 2013

Consciências fragmentadas: direitos humanos x direitos dos manos

Fla-flu esquerda x direita gera esquizofrenia política *
Nas últimas semanas, muita gente foi às ruas e a sessões da Câmara Federal protestar contra a indicação do pastor Marco Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal. Obscurantista profissional, com falas absurdas contra negros e homossexuais, sua nomeação faz parte do festival de escárnios com que a classe política dos país nos brinda cotidianamente. Cumpre ressaltar, aliás, antes de seguir adiante, que essa nomeação é fruto da saída do PT (da comissão da qual sempre foi titular) e de outros partidos, em benefício do PSC, partido de Feliciano, como resultado das negociatas entre os integrantes da base aliada do governo Dilma.

Mas voltando ao festival de escárnios, só para listar alguns dos últimos insultos ao povo brasileiro,  também foram nomeados para a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara), os mensaleiros João Paulo Cunha (PT-SP) e José Genoino (PT-SP), condenados, pelo STF, a anos de prisão por formação de quadrilha. 

Para a presidência da CMA (Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor, Fiscalização e Controle do Senado) foi indicado o ex-governador do Mato Grosso Blairo Maggi (PR-MT), tido como um devastador do meio-ambiente por muitos ecologistas. 

Para a Comissão de Finanças, o deputado João Magalhães (PMDB/MG) que responde a três inquéritos no Supremo Tribunal Federal – por peculato, tráfico de influência e crime contra o sistema financeiro, tendo por isso os bens bloqueados. 

E, na presidência do Senado, ficou Renan Calheiros (PMDB-AL), denunciado pelo procurador da república, Roberto Gurgel, ao Supremo Tribunal Federal (STF), por desvio de dinheiro público, falsidade ideológica e uso de documento falso. Segundo o Ibope, que ouviu mil pessoas entre os dias 3 e 4 de março, 74% dos brasileiros gostariam que o Senado exigisse a renúncia de Calheiros da presidência do órgão, mas até hoje isso ainda não resultou em qualquer ação concreta. 

Como se não bastasse, agora a Procuradoria da Câmara quer controlar a internet para tirar do ar vídeos e comentários que desagradam aos parlamentares, particularmente o conteúdo publicado no portal Blogger e no site de vídeos Youtube, duas das maiores marcas pertencentes ao Google. 

Em resumo, nossa democracia está muito ruim das pernas e protestar é mesmo preciso. Mas por que esses protestos são tão seletivos? Por que os que agora protestam contra a presidência de Feliciano também não protestam contra a participação dos mensaleiros na comissão de justiça e cidadania e, em geral, nunca participaram das marchas contra a corrupção? Por que os que nessas manifestações contra Feliciano levantaram cartazes com os dizeres "Eu tenho fé. Eu tenho fé nos direitos humanos" não estiverem presentes também na defesa da blogueira cubana Yoani Sánchez, quando em visita ao Brasil, impedida de falar em várias ocasiões por uma turba de brucutus autoritários? 

Yoani Sánchez defende os direitos humanos em seu país, às voltas com a mais antiga ditadura da América Latina. Pelo contrário, registrou-se inclusive a presença de ativistas LGBT, como uma tal de Yasmim Nóbrega (que afirmou pertencer à Liga Brasileira de Lésbicas), na manifestação da livraria Cultura, em SP, contra o direito da blogueira falar. Seguramente essa mesma ativista é contrária à presidência de Feliciano na comissão de direitos humanos da Câmara por este ser contra os direitos humanos (sic). Aliás, alguém viu “feministas” se manifestarem contra esses ataques fascistóides que atingiram uma mulher como elas? Alguém viu a Ministra da Justiça, Maria do Rosário, se pronunciar contra os ataques à blogueira? E a OAB e a ABI? Algum comentário? Nada. Silêncio gritante. 

Contra o acossamento a Yoani Sánchez se pronunciaram apenas a chamada direita liberal, alguns poucos da esquerda democrática, os simplesmente civilizados e os oportunistas. Alguns conservadores também encheram a boca para falar na vergonha alheia que sentiam pelo tratamento dado à ilustre visitante cubana, embora os mais extremistas não concordassem em apoiá-la por considerá-la agente de desinformação comunista (há mais estupidez entre a esquerda e a direita do que sonham as vãs filosofias). 

Por outro lado, agora diante da kafkiana nomeação de um paladino contra os direitos humanos para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, alguns dos que se horrorizaram com o tratamento dado a Yoani defendem as falas absurdas de Feliciano, negando, à revelia dos fatos, que sejam racistas ou homofóbicas, alegando que o pastor é vítima da esquerda, dos gays e dos politicamente corretos. O colunista do site da Veja, Reinaldo Azevedo, cada vez mais incoerente, chegou ao ponto de acusar de intolerantes os que foram às ruas protestar contra o descalabro de um discriminador numa comissão destinada a combater a discriminação contra minorias. Para ele, a verdade é que os manifestantes querem cassar a liberdade de expressão (sic) do pastor, tadinho.

É necessário reaglutinar os setores realmente democráticos da sociedade brasileira sob a bandeira do conceito de universalidade dos direitos humanos, aqueles direitos inerentes a quaisquer indivíduos, não importando sua doutrina ou ideologia, a que partido pertença, em que país viva, seu sexo, etnia, orientação sexual ou crença religiosa.

Vale salientar que o conceito de liberdade de expressão se transformou, na boca de muitos ditos conservadores, num termo bombril que, entre suas mil e uma utilidades, também se presta a passe livre para o incitamento ao ódio a segmentos da população mais vulneráveis, sobretudo os homossexuais. Incitamento ao ódio que conspira – diga-se de passagem - contra a harmonia social e resulta em ações contra os direitos civis de parte da população brasileira. Não custa lembrar que foi com discursos de ódio que os totalitários nazifascistas e comunistas pavimentaram o caminho rumo aos campos de concentração e às execuções em massa de populações por eles estigmatizadas. Palavras não são meras bolhas de sabão. Muitas funcionam como cimento na construção das barbáries várias que mancham a história da humanidade. Basta que elas cheguem ao poder de Estado para que se transformem de opiniões que devemos respeitar, por mais que as detestemos, em ações concretas contra  bodes-expiatórios de ocasião. Há que se refletir sobre isso. 

É certo que o clima para o debate civilizado sobre liberdade de expressão em nosso país está anuviado pelas permanentes ameaças contra a imprensa vindas do PT, de setores da esquerda autoritária e de seus movimentos sociais amestrados, com os tais “marcos regulatórios da mídia”, “democratização das comunicações”, toda essa novilíngua que tenta esconder a simples intenção de censura. Fora todo o contexto latino-americano de claro cerceamento à liberdade de opinião. Entretanto, também é certo que muitos obscurantistas estão se valendo desse mau tempo para sair desopilando seus fígados cirróticos às custas de segmentos da população a que se acostumaram a ver como Genis, contra os quais se pode jogar josta impunemente, sob a desculpa esfarrapada de que o autocontrole imprescindível à vida em sociedade é de fato um cerceamento à liberdade de expressão. Não, não é não. 

Em resumo, a sociedade brasileira engajada em política vive um quadro esquizofrênico. Os direitos humanos foram substituídos pelos direitos dos manos. Se uma causa ou a vítima de alguma violência é tida como de “esquerda”, protestam os que se identificam como de “esquerda”. Os de “direita” se omitem contra os abusos (sobre o caso Feliciano, ouvi de um mané :“essa briga é entre evangélicos e gays, não é minha”,) ou buscam banalizar a violência, ou até justificá-la, ou desmerecer a causa em questão. Se uma causa ou a vítima de alguma violência é tida como de “direita”, protestam os que se identificam como de “direita”. Os de “esquerda” se omitem ou buscam banalizar a violência, ou até justificá-la, ou desmerecer a causa em pauta (“essa Yoani Sánchez é porta-voz da mídia de direita, agente da CIA, mercenária, por isso que se dane se a impedem de falar”). 

Enfim, de verdadeiros defensores dos direitos humanos esses opostos que quase se tocam não têm nada. São consciências fragmentadas atuando em curraizinhos doutrinários e ideológicos na defesa apenas de seus manos de “direita” ou de “esquerda”. Chama a atenção como criticam nos seus opostos o comportamento que é comum a ambos, buscando justificar sua parcialidade no trato da questão dos direitos humanos com base na igual parcialidade de seus inimigos políticos. Esse posicionamento pareceria simples birra de criança mimada não tivesse consequências nada pueris: “como você não é da minha turma, não pensa como eu, não vou defender nada do que você defende”. Se o que um lado ou outro defende tem fundamento não importa porque, como quadrúpedes, os defensores dos direitos dos manos levam viseira e só enxergam numa direção. 

Faz tempo que a consciência dessa esquizofrenia vem crescendo em minha mente e me deixando angustiada pela falta de alternativas a que ela leva o Brasil. Felizmente, parece que não estou sozinha nessa percepção. Nesta última sexta-feira, o jornalista Fernando Gabeira escreveu um artigo para o Estadão, intitulado É o fundo do poço, é o fim do caminho que vai na mesma direção da minha reflexão. Diz o jornalista sobre a nomeação de Feliciano (atentar para meus sublinhados): 

“Não foi um relâmpago em céu azul, mas resultado de um longo processo de degradação que transformou o Congresso desenhado por Niemeyer numa espécie de caverna sombria, com lógica oposta à da sociedade, que a mantém. Ao longo desses anos a comissão sempre foi dirigida pela esquerda. Partidos de outros matizes não se interessam por ela, associando, erradamente, direitos humanos à esquerda. A longa hegemonia de um setor acabou enfraquecendo o tema, uma vez que o viés ideológico tende a enxergar humanidade apenas no seu campo político.

Um grande mérito dos direitos humanos é sua universalidade. São direitos de um indivíduo, não importa a que partido pertença, em que país tenha nascido ou viva. Quando Lula comparou os presos políticos de Cuba aos traficantes do PCC, o movimento não reclamou. Quando comparou os opositores em luta no Irã a torcidas de futebol, novo silêncio. Há pouca solidariedade com as populações que vivem sob o controle armado do tráfico. E uma tendência histórica é ver o policial apenas como um transgressor dos direitos humanos, ignorando até os que morrem em atos de bravura. 

Abandonada pelos grandes partidos, a comissão foi, finalmente, rejeitada pelo PT. A esquerda não compreendeu integralmente o conceito de universalidade e a direita, ao ignorar os direitos humanos, joga fora o bebê com a água de banho.

Não foram nossos erros no movimento de direitos humanos que trouxeram Feliciano ao centro da cena. Ele não chegou ao topo à frente de uma onda racista e anti-homossexual, apesar de suas declarações bombásticas. Ele triunfou porque é cafajeste, e essa condição hoje é indispensável para o ascender no Congresso. Expressa um longo processo de degradação impulsionado pelo PT. 

Exato. Repito e acrescento: a longa hegemonia da esquerda sobre a área dos direitos humanos acabou enfraquecendo o tema, uma vez que o viés ideológico tende a enxergar humanidade apenas no seu campo político. A esquerda não compreende integralmente o conceito de universalidade, e a direita, ao ignorar os direitos humanos, joga fora o bebê com a água suja da bacia. Toda essa situação expressa um longo processo de degradação impulsionado pelo PT, de fato o grande beneficário de toda essa fragmentação das consciências que leva à corrosão das estruturas democráticas.

Basta ver que, por trás das agressões à Yoani Sánchez, esteve o petismo em conluio com o embaixador cubano em nosso país, num atentado à soberania nacional. Basta ver também que foi, principalmente graças à vacância do PT da comissão de direitos humanos, da qual o partido sempre foi titular, em benefício do PSC de Feliciano, que o dito chegou à presidência dessa instância. Que petistas estejam agora participando de protestos contra a presença de Feliciano na comissão de direitos humanos não espanta. À parte seu proverbial cinismo, essas participações também funcionam como cortina de fumaça a escamotear as nomeações dos mensaleiros petistas Genoíno e Paulo Cunha, para a comissão de Justiça e Cidadania, e sobretudo como forma de não perder o controle sobre os movimentos sociais a quem encabrestraram faz tempo. (Nas fotos das manifestações contra Feliciano, viram-se também cartazes contra Renan e Baggi, mas nada sobre Genoíno e Paulo Cunha).

Gabeira termina seu texto desconsolado, dizendo desconhecer como reconstruir a ruína em que se transformou o Congresso Nacional e que estreita o horizonte do país. Concordo que a situação é desoladora, mas prefiro apontar para uma possível solução a mergulhar na desesperança: é necessário reaglutinar os setores realmente democráticos da sociedade brasileira sob a bandeira do conceito de universalidade dos direitos humanos, aqueles direitos inerentes a quaisquer indivíduos, não importando sua doutrina ou ideologia, a que partido pertença, em que país viva, seu sexo, etnia, orientação sexual ou crença religiosa. Salientando que o conceito de universalidade dos direitos humanos não é mero blá-blá-blá a fim de mascarar as desigualdades para eternizá-las e fomentar o conformismo entre os discriminados. Buscar igualdade de oportunidades para todos perante a vida e igualdade perante a lei são essenciais para a efetivação do ideal da universalidade dos direitos humanos.

É imprescindível, portanto, lançar uma ponte sobre as consciências fragmentadas dos participantes desse fla-flu de bregas de esquerda versus jecas de direita, pois estes apenas se retroalimentam dos próprios excessos, hipocrisia, ódio e discórdia às custas do futuro da sociedade brasileira. Não há outra saída.

* Fotomontagem a partir da capa do livro La mente dividida, La Epidemia de los trastornos psicosomáticos

quinta-feira, 28 de março de 2013

Tradição e Liberdade combinam tanto quanto gaiola e passarinho


Não existe tal coisa chamada casamento "tradicional". Essa instituição, como todas as outras, evoluiu em compasso com a mudança de outros fatores sociais. A concepção de casamento de uns 50 e poucos anos atrás não mais existe. 

Por mais que os conservadores não queiram, por sua índole covarde e mesquinha, tudo muda o tempo todo no mundo, na sociedade, nas pessoas. É inevitável! Querer impedir as mudanças é como querer controlar o vento. Melhor navegar, voar a favor do vento. Deixá-lo girar as pás dos moinhos, as hélices dos geradores eólicos. Deixar que ele nos indique as direções e nos divirta com os cataventos.

Conservadores não querem somente preservar a memória do passado cultural, religioso, sócio-político, ideológico, patrimonial, arqueológico, etc. Esse tipo de preservação é mais do que saudável, é imprescindível. Precisamos conhecer o passado para aprimorar o presente. 

Não, o que eles querem é manter o passado vivo, querem que as sociedades vivam numa espécie de pretérito presente. Por isso, historicamente, conservadores sempre se opuseram e continuam se opondo às mudanças, sobretudo, aquelas que lhes tiram privilégios, mesmo que sejam privilégios meramente formais, como o de não mais monopolizar o conceito de família e de casamento. 

A tirinha acima sintetiza - como toda a boa imagem - todas as tradições que os conservadores defenderam pelos tempos e pelos países ocidentais afora, tradições que, de fato, simplesmente revelam a incapacidade dessa gente de aceitar a igualdade entre todos os seres humanos. Foram contra a abolição da escravatura e, posteriormente, contra o fim da segregação racial. Foram e continuam sendo contra todas as duras conquistas que as mulheres obtiveram nos últimos dois séculos e meio. E agora são contra a igualdade entre pessoas hétero e homossexuais.

Quando falam de liberdade (alguns deles ao menos), referem-se apenas à liberdade de mercado, liberdade importante também mas bem menor do que a liberdade humana em seus múltiplos sentidos. De fato, quem realmente ama a liberdade a deseja para todos os seres vivos. Tradição e liberdade não combinam. A tradição é uma gaiola; a liberdade, um passarinho.

Mas para desopilar nossos fígados de todas as toxicinas produzidas por essa gente de mente e alma estreitas, vamos cantar uma antiga canção que lhes serve de antídoto. (Escrevo sob o impacto da PEC que deu a conservadores religiosos poder de obstar (ainda não definitivo) decisões tomados pelo STF. Dá para imaginar a Idade das Trevas que virá se esse troço passar em plenário).

Atualização: Outro antídoto (vamos assinar contra o avanço fundamentalista no Brasil): Abaixo-assinado | Irmãos na Discordância: Rejeitem a PEC99 em nome da Laicidade Constitucional | Change.org http://chn.ge/10n5y63

quarta-feira, 27 de março de 2013

Ameaças à democracia não vem só da esquerda autoritária: Ensino religioso é obrigatório em 49% de escolas públicas, contra lei

A., de 13 anos, segura sua guia sobre a saia baiana, símbolos do candomblé.
Ela tem aulas obrigatórias de cristianismo numa escola municipal de São João de Meriti 
Laura Marques

RIO - Na maioria das escolas públicas brasileiras, para passar de ano, os alunos têm que rezar. Literalmente. Levantamento feito pelo portal Qedu.org.br a partir de dados do questionário da Prova Brasil 2011, do Ministério da Educação, mostra que em 51% dos colégios há o costume de se fazer orações ou cantar músicas religiosas. Apesar de contrariar a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), segundo a qual o ensino religioso é facultativo, 49% dos diretores entrevistados admitiram que a presença nas aulas dessa disciplina é obrigatória. Para completar, em 79% das escolas não há atividades alternativas para estudantes que não queiram assistir às aulas.

A., de 13 anos, estuda numa escola municipal em São João de Meriti em que o ensino religioso é confessional, e a presença nas aulas, obrigatória. Praticante de candomblé, ela diz sofrer discriminação por parte de três professoras evangélicas, que tentam convertê-la. Com medo de retaliações, a menina pede que nem seu nome nem o de seu colégio sejam identificados. Ela relata que é obrigada não só a frequentar as aulas, como também a fazer orações.

— A professora manda eu rezar “Ó pai bondoso, livra-nos de todo espírito do mal, para quem é da macumba entrar para a igreja”, porque eu sou do candomblé. Se eu não repetir a oração, ela me manda para a sala da direção. E a diretora diz que a professora tem que ensinar o que ela acha que está certo. Não posso faltar, senão, ela disse que vou ser reprovada — conta a aluna do 5º ano do ensino fundamental.

A. recorda o constrangimento por que passou uma amiga sua candomblecista em 2012. Como parte de um ritual de iniciação na religião, a menina havia raspado o cabelo e tinha que usar vestes brancas durante um período:

— Quando a professora viu, rezou “tira todo o capeta do corpo dessa menina, que ela tem que ir para a igreja”. Depois disso, minha amiga trocou de colégio. Quando eu fizer o santo (ritual de iniciação), nem vou poder ir à escola.

Pós-graduada em Orientação Educacional e Supervisão Escolar, a professora Djenane Lessa incluiu o caso de A. como objeto de estudo em sua pesquisa de campo para a pós-graduação em Ensino da História e da Cultura Africana e Afrodescendente no Instituto Federal de Educação do Rio de Janeiro (IFRJ). Ela analisa a situação e lembra que a LDB veda qualquer tipo de proselitismo.

— A escola é um espaço laico. Em uma aula de religião confessional com um grupo misto, de várias orientações religiosas, uma oração direcionada pode ser entendida como proselitismo, já que obriga a quem não tem interesse a ouvir ou mesmo repetir a mesma — explica Djenane.

Já no colégio estadual em que Y. cursa o 1º ano do ensino médio, em Engenho de Dentro, as aulas de ensino religioso são facultativas, mas não há atividades alternativas para quem não quiser frequentá-las. A estudante de 15 anos é umbandista e diz que o professor, católico, fala sobre várias religiões, mas reza orações como Pai Nosso e Ave Maria, além de cantar músicas gospel.

— Fico quieta durante as orações, mas todo mundo reza. Tem vezes que o professor me chama de macumbeira, e tenho que corrigi-lo. Outros alunos ficam rindo de mim, dizendo que a “má cumba” é pra fazer o mal. Mas não ligo. Adoro minha religião e vou continuar nela — afirma ela, sem querer revelar sua identidade.

Especialistas criticam aulas da rede pública

Sobre a ausência de atividades alternativas ao ensino religioso, Luiz Antônio Cunha, professor titular da Faculdade de Educação da UFRJ e coordenador do Observatório da Laicidade do Estado, evoca a lei.

— A escola não pergunta aos pais se querem ensino religioso ou outra alternativa: ficar na rua, zanzando pela escola, no recreio jogando bola etc. Só seria facultativo se houvesse alternativas pedagógicas. Como não há, torna-se obrigatório o que a Constituição diz que é facultativo — argumenta Cunha.

Os irmãos X. e Z., de 7 e 9 anos, optam por não revelar que são umbandistas por medo de serem discriminados pela maioria dos estudantes católicos da escola municipal onde estudam, em Água Santa.

— Todo mundo lá é da igreja. Tenho vergonha porque acho que vão me chamar de macumbeiro — diz X.

— Tenho medo de contar, porque a maioria é católica. A professora sempre faz aquela reza que todos os católicos fazem — completa Z.

Também umbandista, a professora de Artes da rede municipal do Rio Christiane Ribeiro diz que alguns seus alunos de 7 a 13 anos começaram a revelar que tinham a mesma religião que ela após virem sua tatuagem com a inscrição "Eparrei, Oyá" (Salve Iansã!, em yourubá).

— Tanto o calar quanto o fingir que não se sente incomodado com o deboche são formas de engolir o preconceito. Eles têm medo de ficar à margem — relata Christiane.

Pesquisadora do tema há mais de 20 anos, a professora da faculdade de Educação da Uerj Stela Guedes Caputo acompanhou a infância e adolescência de candomblecistas, que foram vítima de discriminação religiosa na escola. O estudo, do mestrado ao pós-doutorado, virou o livro “Educação nos terreiros: e como a escola se relaciona com o candomblé”. Stela faz um balanço das consequências do impacto da discriminação a longo prazo.

— Ele ouve uma professora dizer que ele é filho ou filha do Diabo. Esse aluno tem o corpo, a alma cindida. Ele tem orgulho da religião dele, mas na escola ele sofre, e a maioria esconde a religião que ama. Isso é sofrimento, e sofrimento marca para sempre, diminui a autoestima, compromete o aprendizado, a subjetividade, a vida — resume Stela.

Para o economista Ernesto Martins Faria, coordenador de projetos da Fundação Lemann e responsável pela tabulação dos dados, a divulgação é importante para a discussão do tema:

— Auxiliamos para que essas informações cheguem às pessoas que discutem e estudam o tema, ajudando para que o debate seja mais qualificado.

Fonte: Jornal O Globo 

terça-feira, 26 de março de 2013

Vovó viu a vulva


Mulheres postam fotos de suas genitálias como reação à falsa estética da indústria pornô e às plásticas
Denise Mota

Mulheres de várias partes do mundo alimentam um blog com fotos de suas vulvas, em especial se são tidas como grandes e assimétricas.

Trata-se do "Large Labia Project" (projeto lábios grandes), criado pela australiana "Emma P.", 24, a primeira a publicar a própria vulva com riqueza de detalhes, depois de assistir a um documentário mostrando que lábios vaginais protuberantes eram considerados indesejáveis por censores responsáveis pela liberação de material pornográfico em seu país.

"Tomei como algo pessoal. Meus lábios são grandes e normais. Mas, se fosse uma daquelas modelos em uma revista pornô, minha anatomia teria sido cortada digitalmente", conta a autora à Folha sem revelar o sobrenome.

"Não sou antipornô, mas as garotas comparam sua vulva com a falsa visão que está na tela e acham que algo está errado", diz ela.

O objetivo do blog é reunir a maior diversidade de lábios vaginais grandes como uma espécie de "terapia de grupo" em que as internautas se sintam confortáveis para compartilhar histórias.

Na página, é permitida a publicação de fotos íntimas (sem a exibição do rosto) de mulheres acima de 18 anos.

"O blog dá às mulheres a chance de expressar medos e, às vezes, a raiva que têm de seus lábios vaginais."

ORGULHO E MILITÂNCIA

Na internet pululam páginas com o objetivo de derrubar a noção de genitália perfeita. É o caso do movimento "Pussy Pride" (orgulho da periquita), uma "celebração da beleza que repousa entre as coxas da mulher", como diz sua idealizadora, Molly Moore, escritora e fotógrafa britânica bem conhecida na cena erótica do Reino Unido.

Nesses fóruns de militância em prol da coisa como ela é, sempre aparece o desejo de algumas mulheres de se submeter a uma labioplastia.

"Se a labioplastia é feita por razões genuínas, sou a favor. Mas muitas optam pelo procedimento só por achar seus lábios grandes, feios ou diferentes dos que aparecem no mundo pornô", diz Emma.

As propostas de "orgulho da vulva" são bem-vindas, comenta a sexóloga brasileira Carmen Janssen.

"Algumas mulheres se sentem incomodadas com a flacidez nos grandes lábios e optam por cirurgia. Em alguns casos pode ajudar, mas elas precisam se informar mais sobre a sexualidade e o corpo. Assim como os lábios do rosto não são iguais em todas, vulvas também não."

Nesses fóruns, a presença masculina é vista de forma positiva, mesmo que a motivação deles seja a excitação provocada pelas imagens. "Homens gostam de vulvas grandes e pequenas e do que estiver entre uma coisa e outra. Enquanto elas estão obcecadas sobre forma ou tamanho perfeitos, eles só querem estar em algum lugar próximo à vulva", diz Emma.

Antes de fazer uma plástica, a pessoa deve avaliar se há questões não estéticas por trás da sua insatisfação, adverte Janssen. "Nosso aparelho reprodutor é semelhante ao das flores. Ninguém diz que as pétalas das orquídeas devem ser padronizadas."

Nessa sintonia trabalha a artesã norte-americana Jessica Marie, que defende a diversidade da vulva como um símbolo da singularidade feminina. Ela difunde suas convicções em uma loja virtual, a Vulva Love Lovely.

Jessica confecciona anéis, colares, canecas e espelhos alusivos à genitália feminina. Também vende bonecos em forma de útero. "Somos todas diferentes e perfeitas", diz. "As vulvas da indústria pornô são como os dragões: não existem no mundo natural."

SAIBA MAIS
PUSSY PRIDE PROJECT http://mollysdailykiss.com
VULVA LOVE LOVELY http://www.vulvalovelovely.com

Nota da blogueira: Ver também Vulvas Flores
E The Great Wall of Vagina Exhibition do Artista Plástico Jamie McCartney. Abaixo uma mostra de sua exposição de vaginas. Aqui seu site.

sábado, 23 de março de 2013

Ponha o racismo no seu devido lugar

Com inteligência se combate melhor o racismo. Vejam que ótimo o clipe abaixo!
 

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