8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

sábado, 16 de março de 2013

Brasil cai de 84° para 85° no Índice de Desenvolvimento Humano



Por Thor Weglinski, da redação.

O Brasil cresceu 24% em relação ao IDH de 1990, 0,590, para o atual, 0,730. A taxa de crescimento nesse período é maior que a de Chile (40ª posição), Argentina (45ª) e México (61ª). No entanto, o país está abaixo da média de 0,741 dos países da América Latina e do Caribe. O IDH brasileiro em 2012 também encontra-se abaixo da média de 0,758 para os países do grupo de Desenvolvimento Humano Alto.

O Relatório de Desenvolvimento Humano 2013 – Ascensão do Sul: progresso humano num mundo diversificado, feito pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e lançado nesta quinta-feira (14), destacou o Brasil como um dos países que mais conseguiram reduzir o déficit no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre 1990 e 2012, o que o coloca no grupo de “alto desempenho” em desenvolvimento humano.

Em 2011, o país registrou IDH 0,728 e em 2012 seu índice aumentou para 0,730, mas caiu uma posição, de 84° para 85° entre 187 países, porque os métodos e dados subjacentes mudaram. O IDH é medido por indicadores de saúde, educação e renda.

A classificação de “alto desempenho” foi dada aos países que tiveram desenvolvimento humano significativo pois, além de obterem um aumento do rendimento nacional, registraram valores superiores à média nos indicadores de saúde e educação, reduziram o hiato necessário para tentar alcançar o máximo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – igual a 1 – e tiveram desempenho melhor em relação a seus pares – países que se encontravam em patamares semelhantes em 1990.

As políticas estruturais de longo prazo adotadas pelo Brasil, como a universalização do bem-estar social, foco na redução das desigualdades, redução da pobreza e distribuição de renda, inserem o país em posição de destaque no relatório deste ano, ao lado de outras nações em desenvolvimento como China e Índia.

Redução da pobreza e desenvolvimento econômico

Tanto no Brasil quanto na China e na Índia, houve redução drástica da porcentagem de pessoas em situação de pobreza: de 17,2% em 1990 para 6,1% em 2009 no Brasil; na China a redução foi de 60,2% em 1990 para 13,1% em 2008, enquanto na Índia de 49,4% em 1983 para 32,7% em 2010, segundo dados do relatório.

O desenvolvimento econômico dessas três nações do BRICS também foi destacada: “Pela primeira vez em 150 anos, o produto combinado das três principais economias do mundo em desenvolvimento – o Brasil, a China e a Índia – é aproximadamente igual ao PIB combinado das antigas potências industriais do Norte: Canadá, França, Alemanha, Itália, Reino Unido e Estados Unidos”, diz o relatório. “Até 2050, prevê-se que Brasil, China e Índia, em conjunto, sejam responsáveis por 40% do produto mundial, contra 10% em 1950.”

A maior integração brasileira e de outros países na economia mundial permitiu melhorias no IDH, segundo o estudo. As nações em desenvolvimento que registraram melhorias nos índices de desenvolvimento humano entre 1990 e 2012 tiveram um aumento da proporção comércio/produto que excede em 13 pontos percentuais a dos países em desenvolvimento com avanços mais modestos no IDH. Para o relatório, “o dado é coerente com conclusões anteriores, de que os países tendem a abrir mais as suas economias à medida que se desenvolvem”.

Estagnação em diferentes quesitos

A renda per capita brasileira saiu de 6,756 dólares em 1985 para 10,152 dólares em 2012. Apesar dos progressos e programas de distribuição de renda e bem-estar social, o Brasil é o 97° mais desigual do mundo entre 132 países, segundo ranking do IDH que considera a desigualdade.

Conforme o relatório do IDH sobre a América Latina e Caribe de 2010, “pelo menos um quarto das desigualdades de remuneração no país estão associadas às situações dos agregados familiares, como o sucesso escolar, a raça ou a etnia, ou o local de nascimento dos pais”.

Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento destaca redução nacional da pobreza e programas sociais e de bem-estar social. Mesmo com os progressos, país é 97° mais desigual do mundo entre 132 nações.

O relatório fez elogios aos progressos na educação, em especial ao Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Primário, “criado em 1996 e que garantiu um nível mínimo nacional de despesa por aluno no ensino primário, aumentando os recursos para os alunos do ensino primário
nos estados do Nordeste, Norte e Centro-Oeste e, particularmente, nas escolas administradas pelos municípios”, afirmou.

Mesmo com os avanços, a média de escolaridade em 2012 permaneceu estagnada – 7,2 anos, a mesma de 2010 e 2011 – e a expectativa dos anos de escolaridade é igual desde 2000, 14,2 anos.

Sobre a saúde, a expectativa de vida do brasileiro aumentou de 73,5 em 2011 para 73,8 anos em 2012. O relatório destacou o movimento sanitarista de profissionais que, segundo o documento, “desempenhou um papel central no desenvolvimento do sistema público de cuidados de saúde do Brasil e no alargamento dos serviços às populações pobres”.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Brasileiros também querem fim dos testes em animais na indústria de cosméticos

Façam testes nas senhoras suas mães
Apóie a campanha “Liberte-se da Crueldade” assinando a declaração da Humane Society International (HSI), uma das mais importantes organizações de proteção animal no mundo, que pede ao governo brasileiro a proibição de testes em animais feita pela indústria de cosméticos do país.  

Queremos cuidar do visual sim, mas sem dor e sangue nos produtos, sem peso na consciência. Não queremos ser cúmplices à revelia de monstruosidades que - sempre soubemos - nunca foram necessárias.

Brasileiros também querem fim dos testes em animais na indústria de cosméticos
13 de março de 2013 às 11:40

Por Rafaela Pietra (da Redação)

Foto: Divulgação

Depois da recente decisão da União Européia de proibir a comercialização de cosméticos testados em animais, a Humane Society International (HSI), uma das mais importantes organizações de proteção animal no mundo, pede ao governo brasileiro a proibição de testes em animais para a indústria de cosméticos do país com a campanha “Liberte-se da Crueldade”.

Uma pesquisa, realizada pela HSI, conduzida pelo IBOPE, revela que dois terços da população apoia a mudança na legislação. Cerca de 66% dos brasileiros se diz favorável à proibição nacional dos testes em animais para cosméticos e seus ingredientes no Brasil, que seja compatível com as proibições já em vigor na União Europeia e Israel. Essa mesma porcentagem acredita que as empresas de cosméticos que dizem estar comprometidas com a sustentabilidade, proteção do meio ambiente e uso de ingredientes naturais ou orgânicos também devam garantir que eles não testam seus produtos em animais.

“Os testes em animais para cosméticos são desnecessários e desumanos”, disse Helder Constantino, gerente da campanha “Liberte-se da Crueldade” no Brasil. “A proibição dos testes acabará com o sofrimento de inúmeros animais de laboratório que são submetidos a doses altíssimas de produtos químicos que são aplicados nos olhos ou na pele desses animais. Se esses testes forem proibidos, os consumidores poderão escolher e comprar cosméticos estando seguros de que não estarão apoiando esse tipo de crueldade”, diz.

Ação

Ativistas fantasiados de coelhos e roedores se reunirão em frente ao Ministério da Saúde, hoje, ao meio dia, como parte da campanha nacional “Liberte-se da Crueldade”, para acabar com testes em animais para cosméticos no Brasil. Coelhos e outros roedores são as espécies mais comumente usadas em testes de cosméticos.

Com a colaboração da ProAnima, a HSI levará o ato público e pacífico como marca da semana mundial Liberte-se da Crueldade.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), continua a depender fortemente de testes de toxicidade envolvendo coelhos, porquinhos da índia e outros animais para a avaliação da segurança de ingredientes e até mesmo alguns produtos acabados. No entanto, em outras partes do mundo, incluindo o maior mercado mundial de cosméticos (a União Europeia) os testes animais para cosméticos estão proibidos, o que mostra claramente que a experimentação animal não é necessária para a produção de produtos de beleza seguros.

“Os coelhos e os reodores da HSI e da ProAnima trazem uma mensagem séria para o governo: o sofrimento e as mortes dos animais em laboratórios no Brasil são desnecessários e cruéis. Proibir os testes em animais para cosméticos irá acelerar o desenvolvimento de métodos alternativos mais seguros e éticos. Europa e Israel já fizeram isso, a Índia está prestes a fazer o mesmo. O que o Brasil espera?”, declara Helder.

Os voluntários estão engajados em campanhas para promover a conscientização da população para o respeito a todos os animais, a aplicação da legislação existente e o avanço em legislação e políticas públicas para o fim da exploração, crueldade e abuso destes seres.

Simone de Lima, diretora da ProAnima, acredita que a falta de informação é a culpada de tanto sofrimento. “Creio que quase ninguém, em sã consciência, defenda a necessidade de testes cruéis em animais para poder usar um xampu, um batom ou um creme. Basicamente, o uso de produtos testados em animais decorre da falta de conhecimento sobre como são estes testes e sobre as alternativas existentes. Estamos muito felizes com a proibição dos testes na Europa e trabalharemos para que no Brasil a indústria evolua e siga o exemplo de tantas empresas que já aderiram à beleza sem crueldade”, diz.

Você pode participar da campanha “Liberte-se da Crueldade” assinando a declaração, para mostrar que você apoia a proibição dos testes de cosméticos em animais no Brasil.

Compre produtos livre de crueldade e não compre produtos que foram testados em animais.

A consciência é a única saída.

Fonte: ANDA 

terça-feira, 12 de março de 2013

A ideologia das aspas

por Roberto Romano
Outro bom texto do filósofo Roberto Romano. Aprecie sem moderação.

Jean-Pierre Faye, linguista e autor de fina análise do discurso totalitário, mostra a troca e a circulação das palavras nas formas ideológicas. Termos gerados no uso social da direita no espectro político não raro integram falas e textos da esquerda. O contrário também ocorre com frequência. Ao trânsito de vocábulos ou slogans Faye chama "ferradura ideológica", a qual prende as falas no itinerário sinistro cujo fim é a perda de sentido lógico ou ético. A expressão "nacional-bolchevismo", cunhada para acolher um movimento que pretendia unir elementos do fascismo e do comunismo, mostra à saciedade a pertinência da proposta elaborada por Faye (no livro Linguagens Totalitárias).

As expressões verbais enunciam sentimentos, raciocínios, verdades ou mentiras. A dissimulação dos corpos se amplia nos artifícios retóricos e surgem os que ludibriam e os enganados. O realismo político define-se como arte de tratar com má-fé a própria mente para depois iludir os tolos com mágica oracular. Instalados no poder, os truculentos costumam ser francos entre seus pares, camaleões ou raposas diante da massa humana que os aplaude ou apupa. Na praça eles defendem nobres ideais, mas nos palácios empregam a tortuosa razão de Estado.

Nuclear na ética, a consciência nos conduz acima das feras, orienta a razão, que sem ela ignora a diferença entre o bem e o mal (Rousseau). A sua expulsão da ordem política deveria prevenir os que hoje se alimentam do poder concedido pelas urnas. Recordemos: "Às favas, sr. presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência". Assim falou o ministro do Trabalho e da Previdência Social na edição do AI-5, em 1968. Comprovando o itinerário proposto por Faye, parte da esquerda brasileira assume atitude idêntica e joga hoje no lixo a consciência. Ela trairia um falso moralismo. Nos extremos ideológicos a recusa da consciência se arrima na salus populi, outro item da ardilosa razão de Estado.

Como agem os que, no poder, ironizam quem ainda sente o que os gregos chamavam aidós, ou seja, vergonha de praticar coisas erradas? Eles começam desacreditando a consciência ética. Como não sentem rubor, dizem que a política não se faz sem colocar as mãos na torpeza (uso ignaro das teses enunciadas por Sartre, o autor de As Mãos Sujas). Certa feita, em réplica à luta pela moralidade no Brasil, um realista afirmou que apelar para a noção de consciência era algo irrelevante e ridículo. Mengele, escreveu ele, também possuía consciência. A mesma pessoa afirmou rir às escâncaras quando escuta alguém invocando a consciência como critério de ação e juízo. As vítimas de Mengele não riram, com certeza, diante de seus atos e palavras. Nem as vítimas das ditaduras que amestraram o Brasil no século 20.

Com a zombaria os realistas (no poder ou na sarjeta, não raro os dois lugares se confundem) sempre usam aspas para desqualificar quem ainda não se deixou prender pelo cinismo ou pela tibieza. Aspas foram inflacionadas na propaganda fascista, nazista e comunista. É preciso arrancar um indivíduo da vida pública? Aspas no seu nome, em seus títulos, nacionalidade, condição humana!

Victor Klemperer, outro estudioso que observou técnicas fascistas da fala, nota o uso das aspas no extermínio dos que desafiam oficialismos. "A língua do Terceiro Reich tem horror da neutralidade, porque ela sempre precisa de um adversário e sempre precisa derrubar este adversário." Se os revolucionários espanhóis têm uma vitória, se possuem oficiais ou um quartel-general, eles são ditos "vitoriosos" ou "oficiais". A mesma regra foi usada contra os russos que teriam uma "estratégia". A Iugoslávia teria um "marechal", Tito. Chamberlain, Churchill, Roosevelt eram "estadistas"; Einstein, um "pesquisador científico"; Rathenau, "um alemão"; e Heine, escritor "alemão".

O uso das aspas, para expor os inimigos ao ridículo, generalizou-se no fascismo de tal modo, diz Klemperer, "que nenhum artigo de jornal ou discurso impresso deixava de estar delas apinhado (...). As aspas pertencem tanto à língua impressa do Terceiro Reich quanto à entoação de Hitler e Goebbels, elas são intrínsecas às duas" (LTI: Lingua Tertii Imperii). É bom recordar tais frases quando militantes e teóricos do poder usam aspas para desqualificar seus críticos. O mais comum na língua do governismo brasileiro é escrever que a corrupção imaculada não é aceita pelos "ditos intelectuais". Semelhante tática eivada de misologia mostra que de libertário e democrático o discurso e a prática nada têm.

Outro vezo fascista era negar aos intelectuais de certa origem (racial, política, ideológica, religiosa) os títulos acadêmicos. Quando as aspas se mostravam insuficientes, era proibido nomear alguém (professores, médicos, advogados, juízes em desgraça) segundo os seus diplomas universitários. Os judeus foram os mais humilhados. Mas a técnica foi aplicada a outros inimigos do Reich (Bruno Bettelheim, The Informed Heart: the Human Condition in Modern Mass Society). O método não vicejou apenas entre os fascistas de direita. Os da esquerda também usaram aspas para desacreditar inimigos. As formas de governo liberais eram ditas "democráticas", os professores não ortodoxos em termos de stalinismo eram "intelectuais", etc. Comunhão negra dos nada santos militantes, diria Merleau-Ponty. A técnica da desqualificação é a mesma, porque é o mesmo estilo de fazer política: aniquilar quem pensa diferente. Tal é a regra dos que agora ovacionam os palácios brasilienses.

Quando Stalin discursava, era proibido interromper os aplausos. Quem parasse primeiro era julgado inimigo do povo. As mãos dos companheiros ficavam inchadas, quentes e doloridas. O problema resolveu-se com funcionários no fim da sala carregando baldes de água fria. Haja gelo para acalmar a fúria bajulatória dos que seguem os poderosos de plantão!
Fonte: O Estado de S.Paulo. Roberto Romano é filósofo, professor de Ética e Filosofia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é autor, entre outros livros, de 'O caldeirão de Medeia' (Perspectiva)

segunda-feira, 11 de março de 2013

A morte do caudilho

por Mário Vargas Llosa
O renomado escritor peruano, Mário Vargas Llosa, faz uma boa radiografia do caudilho Hugo Chávez (e de toda a herança caudilhesca da América Lat(r)ina) e aponta para o fim do chavismo. Torçamos para que esteja certo!

O comandante Hugo Chávez Frías pertencia à robusta tradição dos caudilhos que, embora mais presentes na América Latina que em outras partes, não deixaram de se assomar a toda parte, até em democracias avançadas, como a França. Ela revela aquele medo da liberdade que é uma herança do mundo primitivo, anterior à democracia e ao indivíduo, quando o homem ainda era massa e preferia que um semideus, ao qual cedia sua capacidade de iniciativa e seu livre-arbítrio, tomasse todas as decisões importantes de sua vida.

Cruzamento de super-homem e bufão, o caudilho faz e desfaz a seu bel prazer, inspirado por Deus ou por uma ideologia na qual, quase sempre, se confundem o socialismo e o fascismo - duas formas de estatismo e coletivismo - e se comunica diretamente com seu povo mediante a demagogia, a retórica, a espetáculos multitudinários e passionais de cunho mágico-religioso.

Sua popularidade costuma ser enorme, irracional, mas também efêmera, e o balanço de sua gestão, infalivelmente catastrófico. Não devemos nos impressionar em demasia pelas multidões chorosas que velam os restos de Hugo Chávez. São as mesmas que estremeciam de dor e desamparo pela morte de Perón, de Franco, de Stalin, de Trujillo e as que, amanhã, acompanharão Fidel Castro ao sepulcro.

Os caudilhos não deixam herdeiros e o que ocorrerá a partir de agora na Venezuela é totalmente incerto. Ninguém, entre as pessoas de seu entorno, e certamente em nenhum caso Nicolás Maduro, o discreto apparatchik a quem designou seu sucessor, está em condições de aglutinar e manter unida essa coalizão de facções, de indivíduos e de interesses constituídos que representa o chavismo, nem de manter o entusiasmo e a fé que o defunto comandante despertava com sua torrencial energia nas massas da Venezuela.

Uma coisa é certa: esse híbrido ideológico que Hugo Chávez urdiu chamado revolução bolivariana ou socialismo do século 21, já começou a se decompor e desaparecerá, mais cedo ou mais tarde, derrotado pela realidade concreta: a de uma Venezuela, o país potencialmente mais rico do mundo, ao qual as políticas do caudilho deixaram empobrecido, dividido e conflagrado, com a inflação, a criminalidade e a corrupção mais altas do continente, um déficit fiscal que beira a 18% do PIB e as instituições - as empresas públicas, a Justiça, a imprensa, o poder eleitoral, as Forças Armadas - semidestruídas pelo autoritarismo, a intimidação e a submissão.

Além disso, a morte de Chávez coloca um ponto de interrogação na política de intervencionismo no restante do continente latino-americano que, num sonho megalomaníaco característico dos caudilhos, o comandante defunto se propunha a tornar socialista e bolivariano a golpes de talão de cheques. Persistirá esse fantástico dispêndio dos petrodólares venezuelanos que fizeram Cuba sobreviver com os 100 mil barris diários que Chávez praticamente presenteava a seu mentor e ídolo Fidel Castro? E os subsídios e as compras de dívida de 19 países, aí incluídos seus vassalos ideológicos como o boliviano Evo Morales, o nicaraguense Daniel Ortega, as Farc colombianas e os inúmeros partidos, grupos e grupelhos que por toda a América Latina lutam para impor a revolução marxista?

O povo venezuelano parecia aceitar esse fantástico desperdício contagiado pelo otimismo de seu caudilho, mas duvido que o mais fanático dos chavistas acredite agora que Maduro possa vir a ser o próximo Simon Bolívar. Esse sonho e seus subprodutos, como a Aliança Bolivariana para as América (Alba), integrada por Bolívia, Cuba, Equador, Dominica, Nicarágua, San Vicente e Granadinas, Antígua e Barbuda, sob a direção da Venezuela, já são cadáveres insepultos.

Nos 14 anos que Chávez governou a Venezuela, o preço do barril de petróleo ficou sete vezes mais caro, o que fez desse país, potencialmente, um dos mais prósperos do planeta. No entanto, a redução da pobreza nesse período foi menor que a verificada, por exemplo, no Chile e no Peru no mesmo período. Enquanto isso, a expropriação e a nacionalização de mais de um milhar de empresas privadas, entre elas 3,5 milhões de hectares de fazendas agrícolas e pecuárias, não fez desaparecer os odiados ricos, mas criou, mediante o privilégio e o tráfico, uma verdadeira legião de novos ricos improdutivos que, em vez de fazer progredir o país, contribuiu para afundá-lo no mercantilismo, no rentismo e em todas as demais formas degradadas do capitalismo de Estado.

Chávez não estatizou toda a economia, como Cuba, e nunca fechou inteiramente todos os espaços para a dissidência e a crítica, embora sua política repressiva contra a imprensa independente e os opositores os reduziu a sua expressão mínima. Seu prontuário no que respeita aos atropelos contra os direitos humanos é enorme, como recordou, por ocasião de seu falecimento, uma organização tão objetiva e respeitável como a Human Rights Watch.

É verdade que ele realizou várias consultas eleitorais e, ao menos em algumas delas, como a última, venceu limpamente, se a lisura de uma eleição se mede apenas pelo respeito aos votos depositados e não se leva em conta o contexto político e social no qual ela se realiza, e na qual a desproporção de meios à disposição do governo e da oposição era tal que ela já entrava na disputa com uma desvantagem descomunal.

No entanto, em última instância, o fato de haver na Venezuela uma oposição ao chavismo que na eleição do ano passado obteve quase 6,5 milhões de votos é algo que se deve, mais do que à tolerância de Chávez, à galhardia e à convicção de tantos venezuelanos que nunca se deixaram intimidar pela coerção e as pressões do regime e, nesses 14 anos, mantiveram viva a lucidez e a vocação democrática, sem se deixar arrebatar pela paixão gregária e pela abdicação do espírito crítico que o caudilhismo fomenta.

Não sem tropeços, essa oposição, na qual estão representadas todas as variantes ideológicas da Venezuela está unida. E tem agora uma oportunidade extraordinária para convencer o povo venezuelano de que a verdadeira saída para os enormes problemas que ele enfrenta não é perseverar no erro populista e revolucionário que Chávez encarnava, mas a opção democrática, isto é, o único sistema capaz de conciliar a liberdade, a legalidade e o progresso, criando oportunidades para todos em um regime de coexistência e de paz.

Nem Chávez nem caudilho algum são possíveis sem um clima de ceticismo e de desgosto com a democracia como o que chegou a viver a Venezuela quando, em 4 de fevereiro de 1992, o comandante Chávez tentou o golpe de Estado contra o governo de Carlos Andrés Pérez. O golpe foi derrotado por um Exército constitucionalista que enviou Chávez ao cárcere do qual, dois anos depois, num gesto irresponsável que custaria caríssimo a seu povo, o presidente Rafael Caldera o tirou anistiando-o.

Essa democracia imperfeita, perdulária e bastante corrompida, havia frustrado profundamente os venezuelanos que, por isso, abriram seu coração aos cantos de sereia do militar golpista, algo que ocorreu, por desgraça, muitas vezes na América Latina.

Quando o impacto emocional de sua morte se atenuar, a grande tarefa da aliança opositora presidida por Henrique Capriles será persuadir esse povo de que a democracia futura da Venezuela terá se livrado dessas taras que a arruinaram e terá aproveitado a lição para depurar-se dos tráficos mercantilistas, do rentismo, dos privilégios e desperdícios que a debilitaram e tornaram tão impopular.

A democracia do futuro acabará com os abusos de poder, restabelecendo a legalidade, restaurando a independência do Judiciário que o chavismo aniquilou, acabando com essa burocracia política mastodôntica que levou à ruína as empresas públicas. Com isso, se produzirá um clima estimulante para a criação de riqueza no qual empresários possam trabalhar e investidores, investir, de modo que regressem à Venezuela os capitais que fugiram e a liberdade volte a ser a senha e contrassenha da vida política, social e cultural do país do qual há dois séculos saíram tantos milhares de homens para derramar seu sangue pela independência da América Latina. 

Fonte: Estadão, 10/03/2012, tradução de Celso Paciornik de artigo do Nobel de Literatura Mário Vargas Llosa (escritor peruano)

quinta-feira, 7 de março de 2013

8 de março: Canteiro de obras humanizado

Maria Beatriz Kern
Os mais de 20 anos de trabalho em coordenação de eventos e uma boa remuneração não foram suficientes para satisfazer Maria Beatriz Kern. A falta de capacitação profissional na área de construção civil e a insatisfação de mulheres que não conseguiam suprir as carências de suas famílias motivaram a gaúcha, de 48 anos, a dar vida a um projeto desafiador: a ONG Mulheres em Construção, em Porto Alegre.

A qualificação de mulheres de baixa renda na prática de pequenos reparos domésticos logo tomou maiores proporções. Com o apoio da iniciativa privada, o projeto de Maria Beatriz já profissionalizou gratuitamente mais de três mil mulheres. O interesse do público feminino é surpreendente. “Em 2006, para 25 vagas oferecidas para o curso de pintura predial, surgiram mais de 300 interessadas”, conta. No ano passado, outra surpresa: a prefeitura de Canoas, no Rio Grande do Sul, doou um terreno para o projeto, futura sede da primeira escola profissionalizante de construção civil para mulheres.

Leia a entrevista abaixo

Mulheres em Construção: aulas práticas
Instituto Millenium – O que motivou a senhora a iniciar o projeto?

Maria Beatriz Kern – Ao longo da minha experiência de trabalho no Terceiro Setor, percebi a insatisfação das mulheres com projetos que não traziam resultados efetivos para a vida delas. Não traziam salários para atender suas carências e as de suas famílias. A minha vontade de entender mais sobre pequenos consertos domésticos uniu essa percepção ao fato de que não existia oferta de cursos dessa natureza exclusivos para mulheres. Além disso, busquei mostrar que a mulher tem a mesma capacidade de trabalhar na construção civil que o homem. Apesar de não possuir a mesma força física, as mulheres têm outras qualidades que lhe são peculiares e que são necessárias nas obras.

Imil – Por exemplo…

Bia Kern - Organização, comprometimento, dedicação e capricho.

Instituto Millenium – Quando você deu início ao projeto, sentiu algum tipo de preconceito ou estranheza, inclusive por parte das próprias mulheres?
Bia Kern – Muitas pessoas acharam uma ideia ousada demais, no entanto, quando iniciei a divulgação do projeto nas comunidades a adesão foi imediata. Até me surpreendi com a vontade delas de aprenderem o ofício. Em 2006, para 25 vagas oferecidas para o curso de pintura predial, surgiram mais de 300 interessadas. Depois veio o “Cimento de Batom”, oficina com objetivo de cadastrar mulheres dispostas a fazer cursos na área. Somente num dia reunimos 1.250 inscrições. Os homens estranharam um pouco, mas já estão mudando suas atitudes. Todos acabam ganhando. O canteiro de obra está mais humanizado e as arquitetas e engenheiras sentem mais segurança com a presença de mais mulheres nas construções.

Imil – Dados do IBGE mostram que a quantidade de pedreiras mulheres no país subiu 119% nos últimos cinco anos. Em 2007, eram 109 mil. Em julho de 2012, já passava de 239 mil. A que você atribui esse crescimento?
Bia Kern – Ao grande salto no número de mulheres chefes de família. Segundo o próprio IBGE, a proporção de famílias comandadas por mulheres cresceu mais do que quatro vezes nos últimos dez anos. Somada a isso, a falta de mão de obra fez com que as construtoras reavaliassem o conceito de ter apenas o sexo masculino nas obras.

Atitudes como a nossa de estímulo à capacitação feminina fez com que elas abandonassem os bicos, os trabalhos com menos remuneração e partir para um salário mais digno e mais bem remunerado. Trabalho pesado não as assusta. Grande parte delas já trabalhava na roça, recolhia sucata ou auxiliava em pequenas obras. Outras viviam de faxinas que também demanda esforço físico.

Imil – Em geral, a eficiência das mulheres em obras têm sido reconhecida?
Bia Kern - Sim. Elas são caprichosas e determinadas. Conquistam, cada vez mais, este espaço tradicionalmente masculino. Elas lutam pelos mesmos direitos e é natural que queiram exercer todo o leque de profissões. O reconhecimento dos empresários da construção civil é tanto que as profissionais empregadas por eles recebem porcentagem para indicar mais mulheres dispostas a entrar no ramo.

Imil – A vida dessas mulheres que aderiram ao projeto melhorou? Como viviam e como vivem hoje?
Bia Kern - São muito positivos os retornos das mulheres que fazem estes cursos, pois se formam e ingressam no mercado de trabalho. Se ontem a frase mais ouvida era: “Vendo almoço para comprar janta”, hoje, a realização dos sonhos toma outra dimensão. Houve crescimento da autonomia e conquista da independência financeira. Muitas mulheres recebiam o Bolsa Família e agora sustentam seus lares com mais dignidade. Essas mulheres valorizam as conquistas propiciadas pelo trabalho, lotam o carrinho de supermercado, estão integradas à comunidade, viajam com a família, são livres para investir e realizar sonhos.

Imil – E os benefícios materiais vêm acompanhados de autoconfiança…
Bia Kern - Cada participante é uma “Mulher em Construção”. É normal iniciarem cabisbaixas e tímidas; no final, é visível a transformação em resposta a todo tratamento multidisciplinar que lhes é apresentado. Formamos uma rede de apoio com parcerias públicas e privadas, fundamentais no processo. As mulheres têm se mostrado muito satisfeitas em serem protagonistas na história da construção.

Fonte: IMIL

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