8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

quinta-feira, 18 de março de 2010

A Pequena Censora

No início de 2009, fui convidada pela "pesquisadora" Rita Colaço a escrever sobre as memórias do Movimento LGBT, no blog Memórias do MHB/MLGBT, definido por ela como espaço a vir a ser o ponto de partida para uma recuperação sistemática e coletiva desses percursos - para além de personalismos, disputas, capitalizações.” Obviamente, tendo meu próprio blog e o site da Um Outro Olhar para escrever não precisava desse “espaço”, mas aceitei a proposta para dar uma força, para colaborar mesmo. A bem da verdade, fui a única pessoa que de fato colaborou com o projeto e até tentou incentivar outras pessoas a ajudarem na empreitada.

Entretanto, embora a "pesquisadora" adore falar em projetos coletivos (tem outro blog onde também fala em nutrir-se em coletivo, comunitária, alegre e despojadamente..rsss), na prática a coisa é bem outra. O coletivo de que fala a moça só pode ser formado por quem pensa como ela, caso contrário ele se desfaz.

Em uma lista LGBT de que participamos, em setembro de 2009, um participante comunista (as listas do movimento são esquerdilófilas até a medula dos ossos) enviou uma mensagem espinafrando o José Serra por conta de um projeto do governador de parceria com empresas privadas para a gestão de hospitais públicos. Na verdade, uma expansão de um projeto já em exercício para hospitais mais recentes. A iniciativa foi denunciada, pelo comunista, como o Serra vendendo a saúde pública, naquele estilo honestíssimo de ser desse pessoal. Ponderei que não necessariamente uma privatização parcial desse tipo seria algo nocivo, que dependendo das circunstâncias, sobretudo se pudesse sanar os problemas imediatos dos hospitais (como carências de todo o tipo) poderia ser bom. Afirmei que não era necessariamente contra privatizações se elas podiam melhorar, no aqui e agora em que de fato se vive, a situação de hospitais, telefonias, estradas.

A "pesquisadora" Rita Colaço enviou um e-mail, em resposta ao meu, dizendo, a grosso modo grosso, que não gostava da “lógica privatista”, que nós já pagamos imposto demais e outros tantos dogmatismos. Respondi que eu não tinha receitas para mudar o mundo e que inclusive gostava de um papo-aranha (de ficar tecendo elocubrações teóricas), mas que, em política, era pragmática e gostava de coisas que funcionavam. Se privatizações podem funcionar (e o exemplo da telefonia e da Petrobrás estão aí para confirmar) porque não utilizá-las?

A moça se sentiu ofendida pelo meu “papo-aranha”, ou posou de ofendida, pôs a carapuça que achou que tinha jogado para ela (provavelmente achou que era para ela porque muita gente da lista já havia se queixado de seu jeito barroco de se expressar), disse que isso era técnica desqualificatória (ai, ai!) e que era bom saber como eu pensava (como se não demonizar privatizações fosse alguma falha de caráter). E eu até expliquei claramente, na lista, que a expressão “papo-aranha” não era dirigida a ela, mas sim um termo que uso corriqueiramente referente a conversas um tanto quanto bizantinas. Em PVT, depois disso, cheguei a responder a um e-mail, que ela havia me enviado anteriormente à suposta ofensa, sobre um programa de resgate de memórias lgbt de outro país, mas ela não retornou, demonstrando não querer mais conversa.

Desde então, nossas diferenças ideológicas só fizeram aumentar. Ela defendeu a ação do governo Lula, em Honduras, que considera até hoje exemplar (sic), e outras tantas coisas do gênero das quais discordei. Saliento, contudo, que discordei dela como discordei de outros e outras, na lista, que pensavam como ela. Como também costuma ser meio implicante com outras pessoas, alguns a alcunharam de ressentida e rancorosa, e eu cheguei a brincar com isso, mas numa boa.

Enquanto isso, continuei a postar no tal blog para o qual ela me convidou, esparsamente, pois, no semestre passado, andei meio devagar com as postagens, às voltas com problemas técnicos no site da UOO e outras questões pessoais. De qualquer forma, como a moça sempre falou na “convivência das idéias diferentes”, achei que nossas discordâncias poderiam coabitar, já que o blog se dizia “coletivo”.

Entretanto, o ano de 2010 começou com a chegada a público do famigerado Programa Nacional de Direitos Humanos-3 e suas Comissões da Verdade (sic), com tentativas de rever a lei de anistia, propostas de censura à imprensa, abolição do direito de propriedade, desarmamento da população (mas já não houve um plebiscito sobre isso?) entre outras pérolas de arbitrariedade. Naturalmente, sou contra tudo isso, mas a "pesquisadora" Rita Colaço é a favor. Andou passando abaixo-assinados contra “a anistia a torturadores” (não faz referência aos torturados e assassinados pelas guerrilhas que lutavam contra os militares) e inclusive postou no blog sobre isso.

Nesse ínterim, apareceu na imprensa (janeiro), um vídeo sobre uma das vítimas dos guerrilheiros-terroristas que, ao contrário destes, nunca havia conseguido uma indenização decente, apesar de ter perdido a perna em um dos atentados da época, enquanto o cara que o havia mutilado recebera uma boa bolada por ter sido preso político (veja o vídeo aqui).

Num primeiro momento publiquei o vídeo no blog da "pesquisadora", pois ela havia postado sobre o mesmo tema de outra perspectiva. Embora o texto fosse OT, como ela havia decidido falar do assunto, achei que não havia problema em postar a visão de outras pessoas. De imediato, a "pesquisadora" postou um outro texto quilométrico, que tirou o vídeo fora de vista. Um pouco depois, estava escrevendo um outro texto, sobre o Movimento LGBT e as esquerdas, na própria área de postagem do blog, quando, de repente, saí do ar. Pois, é, vejam o ridículo: a imperadora do blog estava de plantão para censurar qualquer texto que não condizesse com sua ideologia.

A princípio cheguei a pensar que fosse erro técnico, mas depois me dei conta que era censura mesmo. Escrevi para a "pesquisadora" que, como havia censurado o texto, e eu não aceito censura, queria a retirada de todos os meus textos do seu blog. Quase em seguida, chegou uma mensagem da pequena censora dizendo que “eu havia conseguido meu intento”. Coméqueé? Sim, a Divisão de Censura do blog “coletivo” estava me responsabilizando por seus atos. E não ficou por aí. Veio dizer, quando a chamei de censora, que não se tratava de censura não, mas sim de reação contra uma suposta perseguição que eu estaria movendo contra ela. Transcrevo literalmente: “Sabe, portanto, exatamente como, onde, por que e com quais objetivos vem agindo em relação à minha pessoa, desde meu posicionamento a respeito do golpe em Honduras e o abrigo do presidente deposto na embaixada brasileira (sic ?!!).” Então, o fato de eu discordar da pequena censora– como discordei de outras pessoas na lista de que participamos – configuraria um ato de perseguição contra ela. É mole? De qualquer forma, supondo que a paranóia da "pesquisadora" tivesse uma simples sombra de verdade, restaria saber o que o texto que ela censurou e pelo qual me expulsou daquele “coletivo”, onde só ela reina e manda, teria a ver com isso. Vejam aqui o texto que ela censurou e vejam se ele tem alguma coisa a ver com a dita. O texto se refere a um fato ocorrido na cidade de São Paulo em 1981, no início do Movimento Homossexual, do qual ela não participou, que não a cita em qualquer momento.

Ela simplesmente não gostou de eu falar dos podres da esquerda “viúva do muro de Berlim”, com a qual  compactua (é abertamente favorável ao chamado “controle social” da mídia, eufemismo para censura, tanto que a pratica num reles blog que vive às moscas). Aliás, esse pessoal esquerdofrênico sempre mantém o discurso do estuprador: culpa a vítima pela violência que ela sofreu. Seja em bloguezinhos ou no BancooPT, quando se apontam seus arbítrios e suas falcatruas, sempre se saem com a história de que são perseguidos, que a imprensa conspira contra eles, que querem extinguí-los. Sem falar nessa última do Lula, culpando os presos políticos de Cuba, em greve de fome, por sua própria morte, além de compará-los a bandidos comuns.

Então, a culpa é sempre da vítima. Eles querem censurar a imprensa porque não conseguem conviver com a democracia, são os arautos do pensamento único, do partido único, da estupidez única, mas os responsáveis pela situação são sempre suas vítimas. O cinismo e a hipocrisia dessa gente não têm limites. A pequena censora em questão vive dando sermão em todo mundo, como um padre no púlpito (que na sacristia "come" as devotas e o coroinha), sobre a capacidade de diálogo que se deve ter, que se deve discutir temas e não pessoas, que é necessário maturidade, blá-blá-blá, e não consegue viver sequer uma vírgula do que diz.

Fiz questão de revelar essa história, como já havia dito que o faria na postagem sobre o Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, pois ela é um bom exemplo do espírito do tempo em que estamos vivendo, tempo de gente de pequena estatura moral e intelectual, mas cheia de si como um napoleão de brinquedo. Dizem que, para se conhecer o caráter de uma pessoa, basta vê-la numa situação de poder ou de desespero. Geralmente, napoleões de brinquedo trocam rapidinho as mãos pelos pés nessas circunstâncias. E eu acrescentaria que, quanto menor o poder, mais revelador é da "alma" d@s que por ele se conspurcam. Além disso, obviamente os que censuram nas mínimas mídias, censurarão na grande imprensa também, basta lhes dar uma chance. E claro dirão que a censura não é motivada pelo que são e pelo que pensam mas pelo comportamento da vítima da tesoura.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Predadores: Eles estão de volta!

Para quem, como eu, gosta de filmes de ficção e terror, bom saber que logo chegará às telas um novo filme da série Predador. Gostei do primeiro e do segundo, com o Arnold Schwarzenegger (1987) e o Danny Glover (1990) respectivamente, e da última sequência em que o Predador se vê as turras com um bando de Aliens (2004). Na categoria monstro, ninguém bate o Alien, aquela força bruta destrutiva que se instala no peito das pessoas e depois explode esse útero improvisado, matando o hospedeiro. O primeiro Alien é uma obra-prima do gênero.

O Predador, apesar da aparência, é mais próximo de nós, é mais humano, racional, um caçador poderoso e cruel que gosta de se afirmar matando. Humanos têm sido suas presas prediletas quando eles aportam na Terra ou quando, como na sequência em pauta, são levados para o planeta dos alienígenas a fim de divertí-los.

Na próxima sequência, estão Alice Braga, nossa conterrânea que já esteve em Eu sou a Lenda, Lawrence Fishburne (Matrix), Adrien Brody (King Kong), Topher Grace, Danny Trejo, Walton Goggins, Oleg Taktarov, Mahershalalhashbaz Ali e Louiz Ozawa.

O estúdio do filme já liberou algumas sequências como aperitivo. Veja abaixo.

terça-feira, 16 de março de 2010

Pela libertação dos presos políticos cubanos!

A política externa do governo Lula é um dos maiores absurdos desse governo que não cansa de produzir shows de mediocridade, corrupção e autoritarismo diariamente.

Agora mesmo, em Israel, Lula iniciou sua visita se recusando a depositar flores no túmulo do fundador do país, o sionista Theodor Herzl, enquanto assumia que iria colocar flores no túmulo de Asser Araft da Palestina. Mesmo que mude de ideia, a gafe já foi cometida.

Em Honduras, foi aquela palhaçada de aceitar a presença de Manuel Zelaya, esbirro do ditador venezuelano Hugo Chávez, na embaixada brasileira, e de condenar a deposição constitucional de Zelaya sob a falsa acusação de que ele teria sido vítima de golpe. Nesse caso, Lula não viu problema algum de interferir nos assuntos internos de um país estrangeiro.

Já em Cuba, quando esteve no começo deste mês, Lula, que havia se recusado a receber a carta de dissidentes que lhe solicitaram ajuda para interceder pela libertação do preso político Orlando Zapata em greve de fome por melhores condições de encarceramento, afirmou que não podia se meter em assuntos internos de outros países. Zapata morreu exatamente quando da chegada de Lula que novamente se recusou a ter contato com os dissidentes do país e ainda culpou a vítima pela própria morte. Em declarações recentes para a imprensa internacional, Lula chegou ao cúmulo de comparar os presos políticos cubanos com presos comuns de São Paulo.

Claro que presos políticos diferem de presos comuns, e greves de fome são recursos extremos a que prisioneiros recorrem em situação desesperadora. Por isso, todos nós, brasileiras e brasileiros, que repudiamos a mentalidade de Lula e nos importamos com os direitos humanos, em qualquer lugar, devemos aderir à campanha pela libertação dos presos políticos em Cuba. Reproduzo o texto da campanha abaixo. Eu já assinei. E só clicar no link e seguir até a página de assinaturas, deixando seu apoio às vítimas da tirania cubana. Na coluna do blog, também manterei o logo da campanha, para que tod@s @s visitantes possam abaixo-assiná-la. Democracia sempre.

Pela libertação imediata e sem condições de todos os presos políticos das prisões cubanas; pelo respeito ao exercício, promoção e defesa dos direitos humanos em qualquer parte do mundo; pelo decoro e o valor de Orlando Zapata Tamayo, injustamente preso e brutalmente torturado nas prisões cubanas, morto após greve de fome por denunciar estes crimes e a falta de liberdade e democracia no seu país; pelo respeito à vida dos que correm o risco de morrer como ele para impedir que o governo de Fidel e Raul Castro continue eliminando fisicamente aos seus opositores pacíficos, levando-os a cumprir condenações injustas de até 28 anos por "delitos" de opinião; pelo respeito à integridade física e moral de cada pessoa, assinamos esta carta, e encorajamos a assiná-la também, a todos os que elegeram defender a sua liberdade e a liberdade dos outros.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Prisioneiros da democracia: 25 anos de Nova República - José Serra

O governador de São Paulo, senhor José Serra, marca o aniversário do início da Nova República com um belo texto que transcrevo abaixo. Foi publicado originalmente no Estado de São Paulo

Sejamos todos cativos da democracia. É a única prisão que presta tributo à liberdade. Repudiemos a sugestão de que menos democracia pode implicar mais justiça social.

O Brasil comemora hoje os 25 anos da Nova República. Isso quer dizer que celebra um quarto de século de estabilidade política e de plena vigência do Estado de Direito, o mais longo período da fase republicana com essas características. Na primeira década da restauração da normalidade institucional, a democracia de massas firmou-se e afirmou-se no bojo da nova Constituição. E isso se deu apesar da morte do presidente eleito Tancredo Neves, da superinflação, do sufoco externo e do impeachment do primeiro presidente eleito pelo voto direto desde 1960.

A partir da estabilidade de preços conquistada pelo Plano Real, a credibilidade externa foi sendo reconquistada, nosso setor produtivo tornou-se mais competitivo interna e externamente, as fronteiras do comércio se expandiram e, acima de tudo, deflagrou-se um processo cumulativo de acesso das camadas mais pobres a um nível mínimo de bem-estar social. E essa mudança não caiu, como diria alguém, da árvore dos acontecimentos. Foi uma construção.

Durante muito tempo, a imagem do Brasil como o país do futuro foi para nós uma bênção e uma condenação. Se ela nos ajudava a manter a esperança de que um dia transformaríamos nosso extraordinário potencial em felicidade vivida, também nos condenava a certo conformismo, que empurrava, sempre para mais tarde, os esforços e sacrifícios necessários para a superação de limites. Durante um bom tempo, o gigante que um dia acordaria serviu mais à má poesia do que à boa política. E tivemos de dar o primeiro passo, aquele que, pode-se dizer agora, decorridos 25 anos, foi um ato de fato inaugural. E não que a fronteira tenha sido rompida sem oposições de todos os lados.

Certo convencionalismo pretende que a história dos povos se dê numa alternância mecânica de ruptura e acomodação; a primeira engendraria mudanças que acelerariam a história, conduzindo a um patamar superior de civilização; a segunda concentraria as forças da conservação ou mesmo do reacionarismo, sendo fonte de perpetuação de injustiças.

A nossa história de país livre não endossa esse mecanicismo. Sucedendo à monarquia constitucional, a República entrou em colapso em menos de 40 anos. Somente nos anos 90 tivemos o primeiro presidente, Fernando Henrique Cardoso, que, eleito pelo voto universal, transmitiu o poder a um presidente igualmente escolhido em eleições livres e que concluiu seu mandato. Em pouco mais de um século de República, o Brasil teve dois presidentes constitucionais depostos, um que se suicidou para evitar a deposição, um que renunciou e outro que foi afastado de acordo com as disposições da Constituição no período, o país experimentou duas ditaduras: a do Estado Novo e a militar.

Como se nota, experimentamos mais rupturas do que propriamente acomodação e boa parte delas não pode ser considerada um bem. Enquanto aquele futuro mítico nos aguardava, as irresoluções foram se acumulando. Quando o Brasil, na década de 80, se reencontrou com a democracia, era visto como uma das sociedades mais desiguais do planeta, com uma dívida externa inadministrável, uma economia desordenada e uma moeda que incorporara a inflação como um dado da paisagem.

A Nova República teve a coragem da conciliação sem, no entanto, ceder nem mesmo os anéis ao arbítrio. E isso só foi possível porque o povo brasileiro não se deixou iludir pela miragem de uma mudança por meio da força. Entre a democracia e a justiça social, escolhemos os dois. Nem aceitamos que a necessidade da ordem nos impedisse de ver as óbvias injustiças nem permitimos que, para corrigi-las, fossem solapadas as bases da liberdade. O povo ficou ao lado das lideranças que tiveram a clarividência de escolher a transição negociada. Aqueles eventos traumáticos que marcaram os 10 primeiros anos da Nova República não chegaram nem sequer a arranhar a Constituição. Ao contrário: curamos as dores decorrentes da democracia com mais democracia; seguimos Tocqueville e respondemos aos desafios da liberdade com mais liberdade.

Essa vitória da mudança gradual sobre as ilusões da ruptura não se fez sem lutas. Milhões de brasileiros foram para as ruas, em ordem e sem provocações, exigir o voto popular direto para a Presidência e para todos os cargos eletivos. O movimento das Diretas-Já não foi imediatamente vitorioso, mas mostrou sua legitimidade e levou setores que apoiavam o "antigo regime" a perceber que uma nova ordem estava nascendo: a ordem democrática.

Assistimos à Constituinte, às eleições diretas e à plena restauração da soberania popular. Esse tripé da consolidação democrática, com seus corolários, alternância no poder e transição pacífica, são a base institucional que distingue o Brasil do presente daquele da fase da instabilidade. Foi a crença nesses valores que nos permitiu superar a ilusão de soluções radicais e imediatistas. A democracia, tornada um valor inegociável, permitiu que os sucessivos governos pudessem aprender com os erros de seus antecessores e os seus próprios, corrigindo-os, o que concorre para o aperfeiçoamento das políticas públicas.

Não foram erros pequenos nem triviais. Alguns foram monumentais, como o confisco da poupança e a tentação, de um cesarismo doidivanas, de acabar com a inflação "num só golpe", confiscando a poupança popular. A democracia que nos permitia errar de modo fragoroso também nos permitiu um acerto histórico: a implementação, nos governos Itamar Franco e Fernando Henrique, do Plano Real. Ele nasce, sem dúvida, de uma engenharia econômica ímpar, de um rigor técnico até então desconhecido no Brasil nos planos de estabilização, mas acredito que uma das razões de seu sucesso nunca foi suficientemente considerada: ele foi amplamente negociado com a sociedade, com um razoável período de transição entre os dois regimes monetários. Mais uma vez, o gradualismo mostrava a sua sabedoria.

A inflação não morreu com um golpe. Ela morreria com inteligência e democracia.

O significativo avanço das condições sociais e a redução do nível de pobreza no Brasil, hoje exaltados em várias línguas, só se deram por conta de políticas que foram se aperfeiçoando ao longo de duas décadas, como a universalização do Funrural, os ganhos reais no salário mínimo e os programas de transferência de renda para famílias em situação de extrema pobreza. O atual governo resolveu reforçar essas políticas quando percebeu que "inovações" como o Fome Zero e o Primeiro Emprego fracassaram. Também é um dado da realidade que as balizas da estabilidade, cuja régua e compasso são o Plano Real, foram mantidas (mais no primeiro do que no segundo mandato).
O crescimento, o desenvolvimento e o bem-estar não são manifestações divinas. Não estão garantidos por alguma ordem superior, a que estamos necessariamente destinados. Existem em função das escolhas que fazemos. Sou muito otimista sobre as possibilidades do Brasil. Se, antes, parecíamos condenados a ter um futuro inalcançável, hoje já se pode dizer que temos até um passado bastante virtuoso. Mas é preciso cercar as margens de erro para que continuemos num ciclo virtuoso. Dados recentes divulgados pelo IBGE demonstram que voltamos a ter um déficit externo preocupante e que a taxa de investimento está bem abaixo do desejável, especialmente no caso do setor público, para assegurar no futuro a expansão necessária da economia e do consumo. Afinal, os desafios que o Brasil tem pela frente ainda são imensos.
Com a Nova República, o Brasil fez a sua escolha pela democracia e pelo Estado de Direito. É essa a experiência que temos de levar adiante, sem experimentalismos e invencionices institucionais. Porque foi ela que nos ensinou as virtudes da responsabilidade inclusive a fiscal. Fazemos, sim, a nossa história; fazemos as nossas escolhas, mas elas só são virtuosas dentro de um desenho institucional estável.

Sejamos todos cativos da democracia. É a única prisão que presta seu tributo à liberdade. Assim, repudiemos a simples sugestão de que menos democracia pode, em certo sentido, implicar mais justiça social. Trata-se apenas de uma fantasia de espíritos totalitários. Povos levados a fazer essa escolha acabam ficando sem a democracia e sem a justiça.

domingo, 14 de março de 2010

Morte besta: Glauco (1957-2010)

Glauco teve uma longa trajetória como cartunista e chargista, e o Brasil fica mais pobre sem ele. No meio de tanta mediocridade reinante, cada pessoa talentosa que se vai, nos deixa mais tristes. Embora talvez não seja um bom momento para comentar, mas que morte besta essa, que história mal-contada. Quem sabe futuramente não se conheçam os detalhes desse imbróglio de fim tão trágico.

Particularmente, acho que religião e drogas, lícitas ou ilícitas, simplesmente não combinam. De repente, alguém surta, numa viagem, e sai aprontando besteiras como essa que vitimou o Glauco e seu filho. Uma coisa é o uso de drogas alucinógenas por tribos indígenas, dentro de seu contexto cultural; outra é o uso de drogas, por "civilizados" ocidentais, fora de contexto. Como diria o Capitão Nascimento, vai dar merda. E deu!

A charge é do Novaes.

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