segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Diferenças entre a esquerda e os liberais no aspecto social e econômico

Marcos Lisboa
A esquerda e os liberais  

O caso recente da energia é um exemplo da estratégia à esquerda. A realidade tem o mau hábito de decorrer de dificuldades técnicas

A discussão sobre as abordagens de política econômica frequentemente se escora em estereótipos: a direita seria autoritária na política e liberal na economia; a esquerda, democrática e desenvolvimentista. Este artigo propõe um contraponto.

A clivagem usual pode ter origem na ditadura militar, uma escolha trágica que, na retórica, tem sido utilizada para esconder a semelhança entre os principais projetos políticos à esquerda e à direita no período. Ambos compartilhavam o autoritarismo e o diagnóstico econômico que enfatizava a relevância da intervenção pública, o estímulo à produção doméstica, a proteção de setores estratégicos pouco competitivos e a normatização minuciosa das regras para as decisões privadas.

A divergência não ocorreu tanto sobre a estratégia econômica, mas mais sobre quem deveria liderá-la. A esquerda apoiava uma aliança política alternativa, porém compartilhava o projeto nacional-desenvolvimentista e a pouca ênfase em políticas sociais como educação. Por isso mesmo era apenas aparente o paradoxo do elogio ao 2º PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) do governo Geisel.

A abordagem liberal se diferencia de ambos os projetos pela ênfase nas regras e procedimentos para a análise e a deliberação das políticas públicas. Na economia, implica tratamento similar a grupos semelhantes e exposição à concorrência, tendo como resultado a desigualdade que decorre do mérito, e não do acesso privilegiado ao governo. Benefícios podem ser concedidos desde que transparentes, com metas de desempenho e avaliação independente.

O debate sobre política social no Brasil nos anos 2000 reflete a divergência entre liberais e a esquerda. Não se tratava de controvérsia sobre a sua relevância, mas de como melhor utilizar os recursos. De um lado, defendia-se a sua transferência para os grupos de menor renda, com incentivos à educação dos jovens. De outro, políticas sociais universais, paradoxalmente combinadas com o nacional-desenvolvimentismo, que escolhe os setores econômicos beneficiados. De um lado, o Bolsa Família; de outro, o Fome Zero.

Para a esquerda, os desafios econômicos devem ser enfrentados pela barganha e intervenções discricionárias. Para os liberais, a desigualdade de renda e os custos mais altos de produção são decorrentes de políticas sociais ineficazes, do excesso de distorções econômicas e da proteção a empresas ineficientes.

A diferença de diagnóstico decorre dos objetivos e regras de debate. À esquerda, a discussão é pautada pela visão de mundo, selecionando os resultados e conclusões por afinidade ideológica. Os liberais são céticos sobre verdades intrínsecas e restringem a discussão aos procedimentos da análise dos dados. De um lado, a leniência com práticas e compromissos, desde que garantido o rumo ideológico. De outro, a tolerância com crenças e políticas, desde que respeitados os processos e procedimentos. A dominância dos fins em contraposição à disciplina dos meios. Por isso, a abordagem liberal é compatível com políticas diferentes e mesmo confrontantes com o seu estereótipo, como políticas sociais focadas em grupos de menor renda e incentivos ao desenvolvimento tecnológico.

O caso recente da energia é um exemplo da estratégia à esquerda. Com discurso indignado pelas condições de mercado, adotou-se uma medida intervencionista com a promessa de queda dos preços. A realidade tem o mau hábito de decorrer de dificuldades técnicas, e não apenas da vontade ou da barganha política, e o resultado foi frustrante. Para manter a promessa, foram concedidos subsídios. A regulação equivocada afetou a expansão da oferta e o conjunto da obra é o preço recorde da energia, além da já aventada estimativa de gastos públicos de R$ 18 bilhões em 2014.

Para os liberais, o debate democrático deve ser resolvido por meio da transparência, para que a sociedade delibere sobre as políticas públicas e, à luz do sol, enfrente dilemas mais difíceis do que o proposto pela retórica da indignação.

Fonte: Folha de São Paulo, Marcos Lisboa, 14/02

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