quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O conservadorismo é antagônico ao liberalismo

Não creio que seja necessário ler muita coisa sobre liberalismo (veja uma abordagem sucinta aqui) e conservadorismo para perceber que - de fato - eles são até antagônicos, mesmo quando se trata do tal conservadorismo liberal (um paradoxo de fato). 

Conservadores liberais são aqueles caras que incorporaram alguns princípios do liberalismo econômico e político, tais como o livre mercado, a defesa da propriedade privada e do Estado de Direito, mas que nem querem ouvir falar em liberdades individuais. Ou então são muito liberais no que diz respeito a seus próprios direitos mas bem conservadores no que diz respeito aos direitos alheios.

Sobretudo, o liberalismo e o conservadorismo são distintos em espírito, e a aliança, entre os dois, com vistas a vencer o inimigo comum (o socialismo), é um equívoco, pois os conservadores se apropriam das teorias econômicas e de governo que não tem e, em troca, dão ao liberalismo apenas a sombra de sua tacanhice e seu desamor pela liberdade. No texto abaixo, o economista Carlos Góes, que escreve para o site Mercado Popular, explora os antagonismos entre essas duas visões de mundo de fato bem diferentes.

Não se engane: o conservadorismo é antagônico ao liberalismo

Carlos Goés

No senso comum brasileiro é normal confundir liberais com conservadores. Nada poderia ser mais distante da realidade. Em termos de política objetiva, liberais e conservadores discordam radicalmente. Enquanto conservas vão falar contra as drogas e o casamento gay, liberais vão ter propostas radicais como a legalização de todas as drogas e a desestatização do casamento. Mas liberais e conservadores se antagonizam em algo mais profundo: em seus princípios.

O foco fundamental dos conservadores é na tradição, nos costumes e na continuidade. Eles partem da ideia de que as gerações passadas, presente e futuras se ligam através de um contínuo histórico de uma “ordem moral”. Por isso, esse elo intrageracional deteria uma superioridade moral que deveria ser preservada. Eles dizem que não são teorias metafísicas que justificariam suas escolhas – mas a “experiência”. As mudanças, embora necessárias “para a nossa sobrevivência”, são vistas como um mal inevitável. A ode é ao status quo.

Antes de mais nada, é importante lembrar que o liberalismo surgiu em oposição àqueles que queriam conservar a velha ordem. O bom e velho Adam Smith falava em favor do livre comércio e pela abolição das leis protecionistas do trigo e milho numa Inglaterra em que tanto o mercantilismo quanto essas leis eram a tradição e estavam lá desde sempre.

Um estranho vício dos conservadores é não perceber o quanto a economia de mercado foi e é revolucionária – e quanto ela abalou as estruturas da sociedade tradicional. A economia de mercado acabou com as posições tradicionais – a ideia de que você sempre seguiria a profissão de seus pais – e libertou as classes mais desfavorecidas para experimentar e tentar buscar uma vida melhor.

As desigualdades objetivas e de status (embora não as desigualdades de renda) foram significativamente reduzidas com a economia de mercado. Até um Rei passou a estar debaixo da lei. Como dizia Mises, a diferença entre um pobre e um rico numa sociedade pré-economia de mercado era a diferença entre possuir ou não possuir sapatos. A diferença entre um pobre e um rico na sociedade de mercado é entre ter um carrão e ter um fusca.

Isso vai contra toda a tradição. Isso vai contra tudo o que sempre esteve aí. A economia de mercado é uma revolta contra o estado natural da humanidade. É uma boa revolta, porque o estado natural da humanidade sempre foi a pobreza.

Embora os conservadores achem que não se justificam baseados em “fórmula mágica feita por um estudioso”, de fato não percebem que a derivação de legitimidade dos costumes é em si uma teoria racionalizada. Os costumes, por si só, não justificam nada. É preciso um corpo teórico para derivar legitimidade moral dos costumes.

Os costumes podem ser bons ou ruins. Racionais ou irracionais. Os costumes já impuseram a dominação e propriedade masculina sobre as mulheres; a escravidão de negros por brancos; a divisão de pessoas em classes imóveis de aprendizes e profissões; a impossibilidade de se ter mobilidade religiosa; e a ainda persistente lealdade irracional a um desenho em um mapa e uma bandeira – e tantas outras arbitrariedades. Para um liberal, um costume que infringe a justiça e a liberdade deve ser mudado.

Outro erro da maioria dos conservadores é não perceber que as instituições sociais estão em permanente revolução, em um processo evolutivo e dinâmico. Elas mudam o tempo todo rumo aos novos desígnios que a sociedade lhes dá. Eles acham que o simples fato delas existirem (o status quo) é que o lhes garante legitimidade, quando a legitimidade deriva precisamente da utilidade social delas. É a sociedade que escolhe o que é útil e o que não é útil através de suas trocas e do encontro de suas preferências subjetivas.

Quando algo deixa de ser útil, a ordem é contestada e alternativas são providas. A contestação da ordem faz parte do processo de mudança social necessária a uma sociedade inovadora. A mudança derivada da contestação da ordem não vem por definição “acompanhada de prudência”. A mudança é uma luta constante contra o status quo.

Contestação, também, faz parte essencial da preservação da liberdade individual. Como conservadores abraçam uma visão comunitarista de mundo, eles acabam ignorando o valor intrínseco do indivíduo, relegando-o a mera engrenagem na máquina da tradição. Para o liberal, o importante é a preservação da capacidade de expressão das individualidades – inclusive quando, para isso, se torna essencial subverter a ordem vigente. Em diversas situações, o que um conservador chamaria de “prudência” em favor das tradições prevalentes um liberal chamaria de “tirania da maioria“.

São nas tentativas de mudar o status quo que se molda o futuro. A gente não sabe qual vai ser o futuro, nem a velocidade das mudanças. Ele é fruto da livre experimentação social e da competição do mercado de ideias. Ao conservador, isso dá calafrios; ao liberal, regozijo. Para o liberal quem deve moldar o futuro são as pessoas – e não as elites presunçosas, seja de direita ou esquerda. Quem acredita em mudança derivada de ordem espontânea, sem direcionamento nem gurus, são os liberais.

O liberal vê a evolução social não como fruto de superioridade moral de costumes, mas como fruto da livre experimentação e competição de ideias. Ele não se foca na estática do passado, mas na dinâmica do presente e nas potencialidades do futuro. Como escreveu brilhantemente Hayek: “antes de mais nada, os liberais devem perguntar não a que velocidade estamos avançando, nem até onde iremos, mas para onde iremos.”

Um liberal olha para o futuro e almeja o progresso. A bem da verdade, não há nada menos conservador do que um liberal.

Carlos Góes é analista econômico é co-fundador da rede Estudantes pela Liberdade no Brasil e da Aliança pela Liberdade.

Fonte: Mercado Popular, 28/01/2014

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