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quinta-feira, 10 de março de 2022

Guerra da Ucrânia aproximou a esquerda jurássica da direita bolsonarista no apoio ao ditador Putin


Invasão da Ucrânia pela Rússia lembra o discurso e a política insana de Hitler

No texto abaixo, originalmente intitulado A esquerda da Guerra Fria e a invasão da Ucrânia, Wilson Gomes, doutor em Filosofia e professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA, tenta explicar porque boa parte da esquerda brasileira apoia, lado a lado com Bolsonaro & Cia, a infame guerra do autocrata Putin contra a soberana vizinha Ucrânia.

Com esse objetivo, ele salienta o fato de que parte expressiva da esquerda é profundamente autoritária e, na mesma medida, dogmática. Que a contragosto "aceitou" a democracia liberal porque sua "revolução" naufragou pelas mãos dos socialismos reais fracassados, mas  que permanece presa à ideia dimperialismo capitalista como o grande inimigo geopolítico da humanidade. Essa ideia não deixa de ser gozada, pois a Rússia atual é um país capitalista governado por um sujeito que, embora tenha sido da polícia política da URSS comunista, a sinisttra KGB, tem um perfil de direitista conservador.

Pessoalmente, acho que a esquerda brasileira é majoritariamente anacrônica, retrógrada, mofada,  autoritária e brega. Mesmo os movimentos sociais que, nos idos dos anos 70 e 80, como o feminista, gay e negro, tinham um caráter libertário e destoavam dessa esquerda "Guerra Fria", descambaram para a patrulha ideológica da sociedade, sempre buscando cancelar quem discorda de sua agenda, impor uma espécie de novilíngua e a reescritura da História. Parecem mais um capítulo perdido da obra-prima de George Orwell, 1984, que foi encontrado recentemente e anexado ao original.

Então, hoje é a esquerda democrática que ocupa a periferia do conjunto da esquerda local e subsiste na base da honrosa exceção que apenas confirma a regra do autoritarismo como parte do DNA da turma.

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várias esquerdas e cada vez mais diversas entre si. É um fato, não um juízo de valor. Afinal, o que faz alguém se colocar à esquerda no espectro ideológico não uniformiza cada compreensão do mundo, cada valor ou cada princípio.

Como já disse outras vezes, a esquerda é aquela posição em um regime republicano que responde a duas decisões fundamentais:
  • A igualdade política, base da democracia, precisa produzir também (mais) igualdade social;
  • A forma institucional da comunidade política, o Estado, é um instrumento básico para a promoção da justiça social.
Se você defende a todo custo a liberdade e a igualdade políticas, é um democrata. Se você, além disso, não abre mão de direitos e garantias fundamentais, nem de viver em um Estado de Direito, então é um liberal-democrata. Mas se, enfim, considera que uma sociedade justa é aquela em que, além disso, a igualdade social é uma meta essencial, você é de esquerda. Quanta igualdade social é imprescindível haver, quanto o Estado precisa considerar isso a sua prioridade, se afinal se trata de igualdade de bens ou igualdade de oportunidades, é discutível, e daí decorrem variações, mas ninguém é de esquerda se achar que as desigualdades fazem parte da paisagem ou não podem ou devem ser resolvidas.

Fora esse combinado social, o resto são diferenças. E enganos. Há quem ache, por exemplo, que uma vez que a esquerda, por definição, é a favor da mudança social e contra qualquer tipo de injustiça, todo indivíduo de esquerda é progressista. Não é. Uma fração da esquerda é muito conservadora do ponto de vista moral. Outros gostam de pensar que, posto que a esquerda é uma posição que naturalmente atrai os intelectuais e descende do Iluminismo, todo mundo na esquerda tem mente aberta, é flexível e confia na força dos argumentos como forma de persuasão. Nada mais falso. Uma parte expressiva da esquerda é profundamente autoritária e, na mesma medida, dogmática.

Por fim, dado que a esquerda em geral está sempre pronta para defender liberdades civis e políticas, ou para se bater pela igualdade entre as pessoas, nos acostumamos a imaginar que as pessoas que se dizem de esquerda sejam todas convictamente democráticas. Um constrangedor engano, pois uma franja da esquerda, se tiver que escolher a igualdade econômica e a democracia, escolherá sempre pelo socialismo. Muitos são democratas relutantes, na espera de uma “coisa melhor” que nunca chegou, outros abrem facilmente mão da democracia, de alguns ou vários dos princípios que a constituem, desde que alguns dos valores da própria esquerda se materializem.

Isso é particularmente notável na esquerda de 2ª geração (2G) marxista, que acrescentou aos dois combinados fundamentais da esquerda pré-maxista mais um par de convicções. Esta esquerda, nascida no século 19, mas cujo imaginário foi lapidado no século 20, entre a Revolução Bolchevique e a Guerra Fria, é mais socialista que republicana. É uma esquerda que só aceitou com resignação e relutância a democracia liberal quando a Revolução não veio e/ou quando os socialismos reais fracassaram.

Pois na esquerda 2G toda democracia autêntica tem que ser direta (contra o Governo Representativo); todas as genuínas forças da sociedade estão na base social (basismo); propriedade e lucro são anátemas, vez que são frutos do sangue do trabalhador (anticapitalismo); tem que haver alinhamento e simpatia automáticos com as formas de luta dos trabalhadores (trabalhismo); a igualdade política e as liberdades são menos importantes do que a igualdade social; o imperialismo capitalista é o grande inimigo geopolítico do homem (anti-imperialismo seletivo).

Claro, a esquerda gosta de pensar que a direita é um campo fértil para o conservadorismo. E é verdade. Ou que a direita é que facilmente descamba para a autocracia, que acolhe as posições mais autoritárias e mais dogmáticas e coisas do gênero. Também é verdade. Mas é só aparecer uma oportunidade e as tendências conservadoras, autoritárias, dogmáticas e até autocráticas que também estão presentes na esquerda vão escorrer pela esfera pública, à vista de todos.

A guerra na Ucrânia tem sido um bom experimento para isso, e uma parte da esquerda, justamente a esquerda 2G, está penosamente mostrando as suas dificuldades. Anos e anos em que foi lavrada a convicção de que o capitalismo e o imperialismo são os problemas políticos centrais da humanidade, tornou uma geração da esquerda incapaz de condenar com nitidez e decisão a invasão da Ucrânia pela Rússia.

E quando falo “geração de esquerda”, me refiro ao software em funcionamento no aparelho mental das pessoas, não à idade dos envolvidos. Nesse sentido, Lula e Leonardo Boff são da mesma geração que Guilherme Boulos e Manuela D’Ávila, por exemplo.

Pois bem, a esquerda 2G acha que invadir um país é uma coisa deplorável, todos fizeram questão de afirmar isso. Isto posto, alguma coisa no seu DNA lembra que os russos estão associados ao bem e os norte-americanos ao mal, que a Otan é o imperialismo ocidental, que o capitalismo do Ocidente quer só explorar os povos.

Aí, pronto, como condenar a Rússia, coitada, espremida em seu espaço vital, sob constante avanço e provocação do Oeste Europeu e dos Estados Unidos? Como aceitar embargos contra a Rússia sem que a memória ative automática e inconscientemente os sentimentos e convicções sobre o embargo a Cuba? Então, dá-lhe racionalizações para evitar a dissonância cognitiva entre algumas das suas mais arraigadas crenças – pelas quais, inclusive, orientam o seu afeto – e os fatos desconcertantes de uma invasão brutal e moralmente injustificada, que Putin levou a termo como parte de um sombrio projeto de poder.

Em um de seus discursos insanos, Putin diz que a guerra é para salvar a Ucrânia
Foi assim que depois das ressalvas que agora são obrigatórias, sobre o erro da invasão russa, Leonardo Boff declarou no Twitter:
A OTAN incorporou a Polônia, os países bálticos e outros da área do Pacto de Varsóvia. É o expansionismo dos USA usando os vassalos europeus. Por trás da crise da Crimeia estão estas traições. Se ela entrar na OTAN os mísseis da OTAN alcançarão a Rússia em segundos. E a segurança?”.
E quando a ONU condenou a invasão e sanções foram aplicadas, Boff protestou e admoestou:
Estimo que o Ocidente (USA/NATO) está exagerando nas sanções c/a Rússia. Cuidado que o autoritário líder russo possa se sentir uma fera acuada e se defenda com todos os meios até com os mais letais para a humanidade. A Rússia não é um Iraque ou Afeganistão, fracos. É uma potência nuclear”.
E mesmo Lula, que retardou o máximo possível um juízo sobre o conflito, provavelmente escutando seus consultores de confiança, foi claro na desaprovação da invasão, mas o fez em nome do pacifismo, dos custos da guerra, da confiança na cooperação. E não esqueceu do essencial doisladismo de quem precisa ao mesmo tempo condenar o imperialismo norte-americano:
É inadmissível que um país se julgue no direito de instalar bases militares em torno de outro país. E é absolutamente inadmissível que um país reaja invadindo outro país”.
Alguém notou que nenhuma palavra foi dita sobre a Ucrânia, apenas geopolítica realista, mas com uma repreensão ao imperialismo que instalou bases “em torno” da pobre Rússia. Mesmo argumento de Boff:
Vocês tolerariam um canhão diante da porta de sua casa?”.
Causa espécie, a este ponto do conflito e do que nós sabemos sobre ele, o esforço de explicar os feitos de Putin como reação, uma vez que estava acossado pela Otan e pelo poder militar do Ocidente Europeu, que chegou ao ponto de colocar mísseis no jardim do pobre homem.

Mas a racionalização alcança também a desqualificação da Ucrânia pelas mais variadas e coloridas razões. Houve quem destacasse o fato de o presidente do país invadido ser um comediante profissional, um ator, um populista, de pouco valor. Houve quem, como Guilherme Boulos, destacasse que a Ucrânia está do outro lado da batalha ideológica:
 Mas é fato que, desde 2014 a Ucrânia tem forças políticas relevantes de extrema-direita. A principal facção delas se chama Movimento Azov, organização paramilitar integrada por células neonazistas acusadas de tortura, saques, estupros e limpeza étnica”.
E houve quem sublinhasse o fato de que o país não podia ter provocado Putin fazendo amizade com a Otan.

Com isso, estava pronto o discurso para uma condenação, relutante, seguida de uma conjunção adversativa: Tudo bem, Putin não devia ter jogado mísseis nem invadido, mas, contudo, porém, todavia… e aí segue a lista do que justifica mísseis sobre criancinhas e tanques varrendo o país. O que que não faltou foi gente da esquerda 2G sublinhando o infame mas, que oferece uma desculpa ao indesculpável, uma atenuante ao que só poderia ser condenado.

Questões relacionadas à contraposição entre a tirania de Putin e a liberdade dos ucranianos, o direito de autodeterminação dos povos, o perigo do aumento das autocracias no Leste Europeu e na Ásia, a expansão da extrema-direita, nada disso entra na conta.

A mola que move o julgamento é o sentimento anticapitalista e adversário do imperialismo norte-americano (o imperialismo russo não cabe na equação). A paixão desta franja da esquerda pela democracia demonstra-se mais uma vez, principalmente, nominal, pois quando se trata de defendê-la concretamente, a convicção fraqueja se há outros valores e outras memórias a que a esquerda da Guerra Fria continua apegada.

Por sorte, nem toda a esquerda se esgota aqui. Mas essa é já uma outra história.

Clipping A esquerda da Guerra Fria e a invasão da Ucrânia, por Wilson Gomes, Cult, 04/03/2022

terça-feira, 1 de março de 2022

Rússia (merecidamente) sitiada na economia

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, se reúne com autoridades da área econômica do país para discutir os efeitos das sanções do Ocidente | Alexey NIKOLSKY / SPUTNIK / AFP

Míriam Leitão
A jornalista Míriam Leitão explica abaixo como as sanções contra a Rússia estão fazendo efeito. Ao final, entrevista da jornalista Renata Lo Prete com a colega Míriam sobre o mesmo assunto.

O ataque do Ocidente à Rússia de Vladimir Putin, na área financeira, foi sem precedentes, e o país foi arremessado de volta à crise de 1998, quando as moedas dos países emergentes sofreram colapsos seriais. Certamente o presidente Vladimir Putin subestimou a reação dos grandes países, nos quais depositou suas reservas. No fim do dia, o quinto da guerra que declarou contra a Ucrânia, seu Exército estava às portas de Kiev, seu Banco Central estava de joelhos, e sua população estava numa corrida contra o rublo. Putin acumulou US$ 630 bilhões de reservas para descobrir que o Manifesto Comunista, que deve ter lido nos tempos de espião soviético, continha o melhor alerta: “Tudo o que era sólido desmancha no ar”.

Mas como desmancham-se as reservas? Dados do próprio Banco Central russo mostram que US$ 463 bilhões das reservas, ou 73% do total, estão em moeda estrangeira, e apenas 14% desse valor estão em moeda chinesa, yuan. Pelo menos 60% das reservas estão em dólar, libra esterlina, euro. Em ouro, ela tem US$ 132 bilhões, mas ainda não está claro como pode transacionar o metal se as principais economias do mundo — à exceção da China — estão fechadas com as sanções contra a Rússia. Há depósitos em papéis do FMI, que foram bloqueados. A decisão de mirar o Banco Central russo e congelar esses ativos deixa o BC sem acesso à artilharia que acumulou para enfrentar este momento. Putin teve êxito nas duas vezes em que atacou países, na Geórgia, em 2008, e na anexação da Crimeia, em 2014, porque, após a desvalorização do rublo, a moeda se estabilizou. Mas agora houve uma mudança quantitativa e, portanto, um salto qualitativo nas sanções. Desta vez atingiram o país.

A reação foi clássica. O BC russo mais que dobrou a taxa de juros e determinou que as empresas exportadoras convertam em rublos 80% de suas receitas. Ou seja, entreguem os dólares. Estão forçadas a aceitar o rublo. Nas ruas, contudo, longas filas se formaram em frente aos bancos e os correntistas tentavam tirar a maior quantidade de dólares possível. Nas crises de confiança que atingem moedas, empresas e famílias querem um porto seguro, em geral, dólar, dinheiro na mão.

Reservas são depósitos em bancos de outros países, em dinheiro ou aplicações em títulos emitidos pelos governos ou por empresas privadas. Os preferidos como reserva de valor são os títulos do Tesouro americano. Quando tantos países grandes impedem o país, dono das reservas, de transacionar com aqueles papéis ou depósitos, o que parecia sólido desmancha-se.

Nas últimas horas houve uma avalanche de decisões. A Suíça aderiu às sanções, a Noruega, que tem o maior fundo soberano do mundo, avisou que sairá de ativos russos, a S&P classificou os papéis como lixo. Sucessivas empresas — Shell, BP, Daimler, Equinor — anunciaram o rompimento de parcerias com empresas russas. O país foi sendo cortado do espaço aéreo, do sistema financeiro, da economia produtiva, dos esportes. Quando Putin ameaçou usar o seu arsenal nuclear, os governos ocidentais superarem suas divisões sobre a suspensão ou não da Rússia do Swift e adotaram algo mais pesado: acertar direto o Banco Central russo. O BCR ainda mantém ferramentas para acalmar o mercado. Pode aumentar mais os juros, fornecer liquidez aos bancos, fazer um controle explícito de capitais, impor feriados bancários.

Apesar de todo o embargo, a Rússia continua recebendo dólares do canal das exportações de energia e justamente para a Europa, seu principal mercado. Além disso, a Rússia tem a China. Única grande economia a não impor sanções e, em certa medida, a apoiá-la. Mas até que ponto? Economistas e empresários que falam com os chineses avaliam que a China não quer ser o fiador de Vladimir Putin. A visão é a de que “não há nada que a China possa ganhar”. Vai ajudar, vai aliviar o sufoco, mas não resgatá-la.

A elite russa mostrou sinais de fissura. Celebridades, empresários, pessoas ligadas a famílias de assessores de Putin começaram a falar publicamente contra a guerra. O conflito no front econômico não interessa a nenhum dos oligarcas que sustentam Putin, centenas deles diretamente atingidos. A Rússia está sangrando financeiramente. Numa situação assim todos perdem. Mas não fica barato também para quem impõe as sanções. Não há um lugar longe o suficiente desta guerra de Vladimir Putin.

Com Alvaro Gribel (de São Paulo)

Clipping Rússia sitiada na economia, por Míriam Leitão, coluna do Globo, 01/03/2022


terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Nara Leão: a tímida revolucionária da Bossa Nova que marcou toda a música brasileira.

Nara e seu violão

A série O Canto Livre de Nara Leão ficou bem legal. A Nara era de uma geração anterior a minha. Quando estava inaugurando a Bossa Nova, eu era uma menina, mas como ela percorreu várias décadas de cantorias, acabou sendo minha contemporânea também.

O que não sabia sobre ela - e aprendi com a série - é que, por trás da aparência frágil e tímida - Nara era cheia de personalidade e pioneirismo. Era eclética e furava as bolhas dos movimentos musicais, sendo considerada traíra de muitos. Largou a Bossa Nova pra ir cantar música de protesto e dos cantores do morro. Depois, pra horror dos nacionalistas puristas da MPB, se aproximou da Jovem Guarda e gravou disco com músicas do Roberto e do Erasmo Carlos. Em seguida desembocou na Tropicália, ostentando seu lado disruptor. E no fim da vida voltou à Bossa Nova, fechando um ciclo. Revelou inúmeros cantores, cantoras e compositores importantes para a cultura brasileira.

A série é uma aula de História não só da MPB mas também do Brasil através da trajetória artística e pessoal de uma mulher notável. Foi feita com colaboração do neto dela, José Bial, filho da cineasta Isabel Diegues, filha de Nara, com o jornalista Pedro Bial. Isabel também colaborou com a produção que ficou a cargo do Conversa.Doc e teve a direção do Renato Terra.

Me emocionei bastante principalmente pelo canto da Nara ser em boa parte trilha sonora da minha própria vida. Mas as novas gerações também precisam conhecer a Nara e sua importância para nossa música, hoje em dia tão avacalhada (como tudo o mais neste país aliás). Certamente vão gostar dela e saber que o Brasil já foi bem mais criativo e inteligente. A discografia e mais informações sobre a cantora podem ser acessados em seu site oficial (aqui).

A série está no Globoplay.


quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Feliz 1984: o Ministério da Verdade começou no Brasil

As pessoas que compraram a história absurda de um Lula defensor da democracia contra o fascista do Bolsonaro que ameaçava o Estado democrático de direito - e não falo de petistas - meteram o país numa narrativa orwelliana.

Lembram do lema do partido Socing (socialismo inglês) “Guerra é Paz; Liberdade é Escravidão; Ignorância é Força”? Na obra-prima, "1984", sempre citada por sua brilhante análise do caráter autoritário, os paradoxos abundam: o Ministério do Amor combate o desejo e os amantes; o da Paz administra a Guerra; o da Fartura administra a Fome e o Ministério da Verdade se encarrega de censurar notícias e de criar mentiras a serviço do Partido.

Lula, um notório amigo íntimo de ditadores mundo a fora, e seu partido defensor da hegemonia, conceito que nunca rima com democracia, nunca poderiam ter sido travestidos de defensores de algo que abominam. Juntaram-se a um STF temeroso de ser impichado por um futuro governo Bolsonaro e que, em particular na pessoa de Alexandre de Moraes, vem prendendo gente sem o devido processo legal, sem que as pessoas saibam do que estão realmente sendo acusadas e sem que seus advogados tenham acesso aos processos, fora censurar a mídia e a rede social de bolsonaristas. Um festival de arbítrios de dar inveja aos generais da ditadura de 64. Me contraponho a essa nojeira citando Voltaire: “Posso não concordar com uma única palavra do que diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-la”.

Todavia, como uma sociedade idiotizada resolveu dar endosso à farsa de defensores da democracia dos lulopetistas, agora eles se sentem à vontade para estabelecer seu Ministério da Verdade a fim de censurar notícias e criar mentiras a serviço do Partido e em nome da democracia. 

O abjeto Renan Calheiros, aliado de Lula, já se saiu com seu projeto orwelliano autoritário chamado "Pacotão da Democracia" que visa amordaçá-la. E o governo - sim o governo - já aparece com a “Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia”, a "Secretaria de Políticas Digitais" e a "Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade".

Enquanto isso, o grupo Prerrogativas (advogados petistas) quer levar Bolsonaro à justiça para poder torná-lo inelegível. Sou favorável à igualdade de todos perante a lei, inclusive no referente aos picaretas: se Lula está solto e presidente, Bolsonaro tem que continuar livre e concorrente O fato é que - gostemos ou não dos bolsonaristas - eles foram os únicos, com seu aloprado Presidente, que configuraram real oposição ao sonho petista de se eternizar no poder para reescrever a História, acabar com a democracia e roubar até o osso dos cachorros.

No editorial do Estadão abaixo, o jornal detalha o projeto petista de criar sua polícia do pensamento e seu Ministério da Verdade. Parabéns aos envolvidos. 

𝐎 𝐦𝐨𝐧𝐨𝐩ó𝐥𝐢𝐨 𝐥𝐮𝐥𝐨𝐩𝐞𝐭𝐢𝐬𝐭𝐚 𝐝𝐚 𝐯𝐞𝐫𝐝𝐚𝐝𝐞
(Editorial Estadão,05/01/2023)

Levou apenas um par de dias para que o cacoete autoritário do governo lulopetista se manifestasse – revestido, é claro, e como sempre, das melhores intenções.

No dia 2 passado, ao tomar posse como ministro-chefe da AGU, Jorge Rodrigo Messias anunciou a criação de uma tal “Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia”, que tem entre suas competências “representar a União, judicial e extrajudicialmente, em demandas e procedimentos para resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas”. Trata-se de perigosa formulação, pois nada impede, a não ser escrúpulos éticos, que o governo classifique como “desinformação” o que é mera opinião. Abre-se uma avenida para o constrangimento de críticos do governo, a título de impedir a disseminação de mentiras tendentes a prejudicar o funcionamento do Estado e, no limite, a democracia.
Tudo é ainda mais estupefaciente porque o próprio advogado-geral da União reconheceu que não há lei que defina o que é desinformação. Mesmo assim, Messias achou que era o caso de não apenas criar a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia – como se já não houvesse o Ministério Público para fazê-lo –, mas também de tomar para a AGU a prerrogativa de definir o que é desinformação. Tomem nota: “Mentira voluntária, dolosa, com o objetivo claro de prejudicar a correta execução das políticas públicas com prejuízo à sociedade e com o objetivo de promover ataques deliberados aos membros dos Poderes com mentiras que efetivamente embaracem o exercício de suas funções públicas”. Tudo vago o suficiente para servir de base a qualquer coisa – bem ao gosto de governos arbitrários.

Em outra frente, o secretário de Comunicação Social da Presidência, deputado Paulo Pimenta, anunciou a criação da Secretaria de Políticas Digitais, uma estrutura que funcionará no Palácio do Planalto para “combater a desinformação e o discurso do ódio nas redes sociais”. Ora, não cabe a um governo determinar o que é desinformação, muito menos ter uma estrutura devotada a “combater” o que chama de “discurso de ódio” – nome genérico que os petistas certamente usarão, como já o fazem, para qualificar as críticas de opositores.

É claro que, como de hábito, os petistas prometem que tudo isso será precedido de “amplo debate”, mas já se sabe com quem – a patota de sempre. Se é para valer, essa polícia do pensamento deve começar enquadrando o próprio secretário Paulo Pimenta, que é um adepto da lunática teoria segundo a qual o atentado a faca sofrido por Jair Bolsonaro foi uma armação – uma clássica fake news.

Por sua vez, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, anunciou em seu discurso de posse a criação da Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade. Nada menos. Não há razão para duvidar da boa intenção do ministro, um jurista respeitável e com reconhecido histórico de defesa dos direitos humanos, mas causa apreensão que um governo pretenda estabelecer a “verdade” e a “memória” de um país, pois é exatamente assim que regimes autoritários se consolidam.
Não se sabe o que mais virá por aí, mas apenas esses exemplos bastam para concluir que o lulopetismo parece empenhado em reescrever a história, na qual se destacam os muitos crimes cometidos durante os governos de Lula e de Dilma Rousseff, e em determinar como o novo governo petista será descrito agora e no futuro, criminalizando opiniões contrárias.

Decerto movido pelo rancor de quem se julga injustiçado, o PT arreganha os dentes, sem qualquer gesto de distensão nem, muito menos, de conciliação. Pelo contrário: conforme já era esperado, os petistas, nem bem Lula esquentou a cadeira presidencial, põem em prática sua conhecida estratégia de demonizar os opositores e de reivindicar o monopólio absoluto da verdade. Para o presidente e sua turma, convictos de que encarnam o “povo” em toda a sua “diversidade”, só é válida a opinião de quem reconhece Lula como o redentor dos pobres. Considerem-se avisados: aos que não aceitarem o credo petista, resta a danação. 

terça-feira, 19 de outubro de 2021

Dia do professor foi criado por iniciativa de Antonieta de Barros, primeira deputada negra do Brasil

Antonieta foi a primeira mulher a ocupar um cargo no Legislativo em Santa Catarina — Foto: Reprodução/ NSC TV
A partir de 1963 o Dia do Professor passou a ser comemorado oficialmente em 15 de outubro em todo o Brasil. Mas a data já era celebrada em Santa Catarina desde 1948 por iniciativa de Antonieta de Barros, a primeira mulher negra a ser eleita deputada no país. Professora por formação e filha de uma ex-escrava, ela teve papel fundamental na luta pela igualdade racial e pelos direitos das mulheres.

O dia 15 de outubro foi escolhido como Dia do Professor em referência à data em que o imperador D. Pedro I instituiu o Ensino Elementar no Brasil, em 1827. No ano de 1947, o professor paulista Salomão Becker já havia proposto a criação de um dia de confraternização e homenagem aos professores. No ano seguinte, Antonieta de Barros apresentou à Assembleia Legislativa catarinense o projeto de lei que criava o Dia do Professor. Somente 15 anos depois é que a data passou a ser oficializada em todo o Brasil, após a assinatura de um decreto do presidente João Goulart.

Projeto de lei de Antonieta de Barros — Foto: Reprodução Alesc/Divulgação

A trajetória de vida de Antonieta de Barros é admirável. Nascida em Florianópolis, em 1901, ela teve uma infância difícil. Após ser libertada da escravidão, sua mãe trabalhou como lavadeira e, para completar o orçamento, transformou sua casa em pensão para estudantes. O pai de Antonieta, um jardineiro, morreu quando ela ainda era menina.

Foi convivendo com os estudantes na pensão de sua mãe que Antonieta se alfabetizou. Aos 17 anos, entrou na Escola Normal Catarinense, concluindo o curso em 1921. No ano seguinte, fundou o Curso Particular Antonieta de Barros, voltado para a educação da população carente.

Antonieta também trabalhou como jornalista, sendo fundadora do periódico A Semana, que circulou entre 1922 e 1927. Por meio de suas crônicas, divulgava ideias ligadas às questões da educação, dos desmandos políticos, da condição feminina e do preconceito.

Em 1934, na primeira vez em que as mulheres brasileiras puderam votar e se candidatar, filiou-se ao Partido Liberal Catarinense, elegendo-se deputada estadual. Uma das principais bandeiras de seu mandato foi a concessão de bolsas de estudo para alunos carentes. Ela exerceu o mandato até 1937, quando começou o período ditatorial de Getúlio Vargas. No mesmo ano, sob o pseudônimo Maria da Ilha, escreveu o livro Farrapos de Ideais.

Em 1947, após o fim da ditadura Vargas, ela se elegeu deputada novamente, desta vez pelo Partido Social Democrático, cumprindo o mandato até 1951. Antonieta nunca deixou de exercer o magistério. Ela dirigiu a escola que levava seu nome até morrer, em 1952.

Clipping Primeira deputada negra do Brasil criou o Dia do Professor em 1948, History, sem data. 

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