8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

quinta-feira, 18 de março de 2021

As mulheres samurais do Japão

Tomoe Gozen
A sociedade japonesa até os dias atuais têm uma forte hierarquia patriarcal, a história dos grandes feitos em todo mundo é sempre narrado na perspectiva masculina, por isso, não é muito comum ouvir falar de mulheres samurais.

Porém, elas exerceram grande papel no período do Japão feudal e foram decisivas nas batalhas.

Onna Bugeishas

As mulheres samurais, chamadas de Onna Bugeishas, lutavam batalhas defensivas, protegendo castelos e vilas, porém, não era incomum encontrar mulheres na linha de frente, com honra ao lado de homens.

Arqueólogos já encontraram em escavações, evidências de mulheres no campo de batalha.

BATALHA DE SENBON MATSUBARU

Testes de DNA em 105 corpos revelaram que 35 eram femininos. Em duas outras escavações, o resultado foi semelhante.

As Onna Bugeisha, além de exímias guerreiras, eram educadas em ciências, matemática e literatura.

O treinamento de armas das Onna Bugeishas chamava arte da Naginata,
destinado para combates em locais abertos (ver vídeo abaixo)

Armas e habilidades

Suas armas eram conhecidas, como Ko-Naginata, uma versão menor das usadas pelos homens, a O-Naginata, foi desenvolvida para melhorar o balanço e dar mais velocidade e força.

Outra arma que elas utilizavam era a adaga Kaiken, utilizada para combates em espaços pequenos e fechados, também utilizado para autodefesa. Outa característica da Kaiken era servir para o ritual de Seppuku.

Além das armas, as mulheres samurais treinavam Tantōjutsu, um sistema de luta tradicional do Japão e praticado até os dias atuais.

Treinadas profissionalmente por alguma figura patriarca, elas eram preparadas para proteger a si e a família durante qualquer ataque.

Imperatriz Jungu Kogo

Imperatriz Jungu Kogo

A imperatriz Jungu Kogo, foi uma guerreira que não só liderou, como organizou e planejou a conquista da Coréia, no ano 200 D.C.

Tomoe Gozen

Tomoe Gozen
Tomoe Gozen foi uma samurai excepcional, uma mulher muito bela, intelectual e com habilidades de batalha inquestionáveis.

Exímia arqueira e amazona, mestra com a Katana e uma competente política. Os mestres do clã de Minamoto afirmavam, que Tomoe Gozen, foi a primeira verdadeira general do Japão.

Gozen, provou suas habilidades de combates em muitas ocasiões, em uma delas, liderou 300 samurais contra mais de 2000 guerreiros e foi uma dos 5 sobreviventes da batalha.

Em 1184, na batalha de Awazu, venceu e decapitou Honda no Moroshige, um famoso guerreiro do clã Musashi.

Hangaku Gozen

Hangaku Gozen
Outra guerreira fenomenal foi Hangaku Gozen, uma bela e habilidosa comandante que liderou mais de 3 mil homens na defesa do forte Torisakayama, ao lado de seu sobrinho Jo Sukemori.

Nessa ocasião, Hojo, seu oponente, contava com uma força de mais de 10 mil homens, até o forte ser invadido.

Durante a batalha Hangaku foi ferida, mesmo assim, montada em um cavalo e armada com sua ko-naginata, lutou com ferocidade.

Nanako Takeko

Nanako Takeko
No final do século 18, houve uma guerra entra o clã Tokugawa e os membros da Corte Imperial.

Nanako Takeko, era muito habilidosa com a ko-naginata, extremamente inteligente e mestra nas artes marciais. Ao assumir o comando da nova força de combate de Onna Bugeishas, se juntou aos samurais na batalha.

Seu exército foi chamado de Joshitai. Takeko, morreu em batalha com um tiro no coração, antes de morrer, matou a maior quantidade de inimigos com sua ko-naginata.
Sua irmã, Nanako Yuko decapitou sua cabeça, para que o inimigo não a levasse como troféu. A cabeça está enterrada nas raízes de um pinheiro, no templo Aizu Bangemachi e um monumento foi construído em sua homenagem.

Durante o período Sengoku, a imagem das guerreiras mudou bastante, dando lugar ao status das mulheres conhecidas nos dias atuais.

As Onna Bugeishas acabaram por se tornar apenas esposas de nobres, generais e lordes da guerra. Os samurais se tornaram simples burocratas na hierarquia do império.

Clipping Conheça a história das mulheres samurais, por Kelly Kajiwara, Coisas do Japão

terça-feira, 16 de março de 2021

As obras revisitadas das artistas Julieta de França, Georgina de Albuquerque e Abigail de Andrade


'Canto do Rio', de Georgina Albuquerque (1926). Acervo Museu Antônio Parreiras
Discriminadas por seus pares, Julieta de França, Georgina de Albuquerque e Abigail de Andrade têm suas obras revisitadas

Anita Malfatti, Djanira, Tarsila do Amaral, Lygia Clark, Tomie Ohtake, Lygia Pape, Beatriz Milhazes, Abigail de Andrade, Adriana Varejão. Postas assim, lado a lado, parecem muitas as brasileiras que alcançaram fama internacional no mundo das artes plásticas.

Mas, para cada uma das que furaram o teto de vidro imposto às mulheres nesta área, há um exército de outras que permaneceram invisíveis.
Existe uma névoa que acoberta a lembrança de outras artistas anteriores a Tarsila e Anita Malfatti, como se antes das modernistas simplesmente não tivessem existido artistas do então denominado ‘sexo frágil’. Existiriam artistas mulheres no século XIX? Se sim, quem foram elas? E por que sabemos tão pouco sobre elas?”, escreve a pesquisadora e professora do Instituto de Estudos Brasileiros da USP Ana Paula Simioni na abertura de sua ampla pesquisa de doutorado sobre mulheres esquecidas pela historiografia dominante na arte brasileira.
O problema de fundo, avalia Simioni, na verdade tem duas pernas: no Brasil, tudo o que se produziu antes da Semana de Arte Moderna de 1922 tende a ser visto como “menor”, “pouco nacional”; em outras palavras, uma cópia do que chegava da Europa.

Além disso, e apesar da presença esporádica de mulheres na Escola Nacional de Belas Artes, do Rio de Janeiro – praticamente, única instituição existente para o estudo da matéria na virada do século XIX para o XX –, elas eram consideradas eternamente amadoras e preteridas nos prêmios e salões.

Na sua pesquisa, a professora resgatou três grandes artistas, pioneiras que enfrentaram o machismo do seu tempo com estilo e persistência. E, sem surpresa, comprovou que, com suas criações, elas ajudaram a retratar e definir a sociedade brasileira.

Julieta de França

Nascida em Belém em 1870, esta escultora foi uma das primeiras mulheres admitidas na Escola Nacional de Belas Artes (que abriu suas portas a elas apenas em 1889). Também foi a primeira a conseguir uma vaga numa das prestigiosas viagens ao exterior promovidas pela instituição.

Se, no Brasil, trilhava um caminho promissor como discípula de Rodolfo Bernardelli, em Paris teve aulas com ninguém menos que Auguste Rodin.

Mocidade em flor', de Julieta de França (1902)
De volta ao Rio, em 1908, inscreveu uma maquete sua no concurso para a escolha de um monumento que celebraria o centenário da Independência do Brasil. Foi desclassificada sem maiores explicações. Inconformada, voltou à França por conta própria e colheu depoimentos favoráveis ao seu projeto, inclusive do próprio Rodin.

Pediu a revisão da decisão, mas foi novamente rejeitada. Mais: sua fama de “brigona” lhe valeu uma passagem só de ida para o ostracismo.

A maquete rejeitada de Julieta de França
Desafiados, os cânones da Academia brasileira nunca perdoaram a audácia de uma outsider que tentou se equiparar aos homens – e cuja própria história de vida ilustra bem o papel então reservado às mulheres, nas artes e, em virtualmente, qualquer outro setor da vida pública.

Georgina de Albuquerque

A paulista de Taubaté foi uma das primeiras mulheres a receberem o prêmio principal da Escola Nacional de Belas Artes pela sua pintura Sessão do Conselho de Estado.

Georgina provocou toda uma revolução na pictografia brasileira ao retratar um momento – provavelmente muito mais realista – do processo de independência do país que em nada recorda a triunfal caracterização de Pedro I com a espada às margens do riacho Ipiranga.

'Sessão do Conselho de Estado', de Georgina Albuquerque (1922)
Na cena, a mulher dele, a futura imperatriz Leopoldina, ocupa o centro da narrativa e ouve conselhos de ministros e parlamentares (todos homens, naturalmente).

O tema do quadro também é uma declaração de intenções em si. Apesar de aceitas, paulatinamente, nos círculos de criação, às mulheres se reservavam temas menos "nobres", como cenas domésticas, íntimas, além de naturezas mortas e paisagens.

Albuquerque desafia os padrões ao pintar um quadro político, hoje integrante do acervo do Museu Histórico Nacional, no Rio.

Abigail de Andrade

O pouco (quase nenhum) acesso das mulheres à vida pública na segunda metade do século XIX levou esta carioca a se especializar em autorretratos. Premiada no Salão Imperial de 1864, gozou de relativa fama e prestígio.

Mas cometeu o pecado máximo de uma mulher do seu tempo: envolveu-se com seu professor Angelo Agostini, então casado, e engravidou dele.

"Interior de Ateliê" de Abigail Andrade (1889). Coleção Hecilda e Sérgio Fadel, Rio de Janeiro
Proscrita na conservadoríssima sociedade brasileira do século XIX, precisou se refugiar com ele em Paris, onde criou, nos seus primeiros anos, a filha de ambos, Angelina Agostini, ela própria uma pintora reconhecida.'Estrada do Mundo Novo com Pão de Açúcar ao Fundo', de Abigail de Andrade (1888)

Andrade morreu em 1890, em Paris, e, ao longo das décadas seguintes, foi sendo pouco a pouco apagada dos registros artísticos brasileiros, até sua recente reabilitação. Poucas das suas obras sobreviveram até os nossos dias, e a maioria pertence a coleções privadas.

Clipping 3 artistas plásticas quase esquecidas que ajudaram a retratar a sociedade brasileira, por Alessandro Soler, 01/01/2021, Doméstika

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

História do voto feminino no Brasil em eBook gratuito


História do voto feminino no Brasil é contada em eBook gratuito

Livro da historiadora Teresa Cristina, professora do Departamento de História da Universidade de Brasília, pode ser baixado gratuitamente.

“O voto feminino no Brasil”, da historiadora Teresa Cristina de Novaes Marques, professora do Departamento de História da UnB, foi lançado em 2018 pela Edições Câmara, da Câmara dos Deputados, e chegou em 2019 a sua segunda edição. Com distribuição gratuita (clique aqui para fazer o download), o livro conta a história do sufrágio feminino no Brasil, uma história de muita luta e de contornos internacionais.
Este livro mostra os momentos em que o Legislativo brasileiro discutiu a admissão das mulheres na vida política do país. Destina-se ao jovem leitor que começa a interessar-se por política e pode servir de apoio pedagógico a professores responsáveis por ministrar conteúdos de história política, especialmente quanto às ideias e práticas relativas ao exercício do voto no Brasil”, afirma a autora na apresentação do livro, que traz ilustrações fantásticas da designer e ilustradora Fabrizia Posada.
Ao destacar personagens notáveis como Bertha Lutz, Celina Guimarães, Josefina Álvares de Azevedo, Júlia Barbosa, Leolinda Daltro e Nísia Floresta, importantes mulheres que imprimiram força e personalidade, marcaram época e inspiram gerações, a autora revisita os principais momentos em que as ideias de participação feminina na vida política foram debatidas pelo Poder Legislativo.

Abordando a questão da igualdade de gênero na política, um tema bastante atual, essa é uma obra sobre democracia e coragem civil que convida as mulheres a continuarem a lutar, resistir, elevar a voz e se fazer ouvir.

Se você utiliza o Kindle, da Amazon, também pode baixar o arquivo no formato compatível com o aplicativo ou dispositivo da empresa.

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Boudicca, a icônica rainha britânica que botou medo no Império Romano e inspirou feministas do século XX

Há 2000 anos, Boudicca liderou uma revolta e quase derrotou os poderosos romanos
 no que hoje é a Inglaterra.
 
Boudicca - também conhecida como Boadicea na forma latina - é uma figura icônica, mas controversa.

Vista por uns como uma das primeiras combatentes feministas pela liberdade e por outros como uma assassina brutal e sanguinária, ela tem sido uma presença constante na história da Europa.

Cerca de 2 mil anos atrás, essa aristocrata da Idade do Ferro liderou uma revolta e quase derrotou os poderosos exércitos romanos que invadiram sua terra natal, no que seria hoje East Anglia, no nordeste da Inglaterra.

Seja amada ou odiada, Boudicca tem um lugar na história como uma pioneira, com a capacidade de reunir um grande número de tropas de tribos diferentes com seu talento natural para comandar.

Então, que lições de liderança podem ser aprendidas com essa rainha guerreira?

1. Se vestir para a ocasião funciona

Vestida para impressionar - Boudicca sempre foi retratada como
uma guerreira destemida.
Todos sabem a importância de se vestir para a ocasião - mas Boudicca é uma das poucas que perceberam como isso faz diferença.

Ela é comumente descrita como uma mulher feroz e poderosa, dirigindo sua própria carruagem e brandindo uma lança, com seu cabelo selvagem voando ao vento.

Não temos como saber como a rainha realmente era, mas o historiador romano Cassius Dio - escrevendo décadas depois da morte dela - oferece esta descrição:
Na estatura, ela era muito alta, na aparência, aterrorizante, no relance de seu olhar, feroz. (...) Uma grande massa de cabelos negros caía sobre seus quadris, em volta do pescoço havia um grande colar de ouro e ela usava uma túnica de diversas cores, sobre a qual um grosso manto estava preso com um broche."
Há poucas dúvidas de que Boudicca tenha sido uma das primeiras a adotar o poder das roupas para passar uma mensagem - ela sabia como aproveitar esse recurso ao máximo, deixando uma impressão duradoura em seus inimigos.

2. Um nome forte pode te levar longe

Fiel a seu nome, que significa vitória, Boudicca foi bem-sucedida 
nas primeiras batalhas. 
O nome Boudicca é derivado da antiga palavra britônica "boud", que significa vitória.

Boudeg significa portador da vitória, e Boudega - a alternativa feminina -, quem traz a vitória.

Podemos seguramente presumir que esse não era o nome que a rainha guerreira recebeu ao nascer, mas sim um que ela adotou mais adiante.

O nome forte parece ter ajudado na mobilização de um exército.

3. Nunca subestime as habilidades de alguém

Boudicca é ainda lembrada na cidade inglesa St Albans, onde lutou contra os romanos. 
O marido de Boudicca, Prasutagus, era o governante da tribo Iceni de East Anglia. Ele foi tolerante com os romanos invasores e por isso foi autorizado a continuar governando seu povo.

Eles tomaram terras e, quando Boudicca se recusou a pagar grandes impostos, foi publicamente açoitada e forçada a assistir ao estupro de suas duas filhas, com ao redor de 12 anos na época.

Eles também subestimaram a ira de uma rainha desprezada: Boudicca decidiu revidar, reunindo tropas de sua própria tribo e de outras.

Os soldados reunidos derrotaram a Nona Legião Romana, destruindo a capital da Grã-Bretanha romana, Colchester, além das cidades de Londres e St Albans.

4. Treinamento efetivo é mais valioso do que uma grande força de trabalho
Mesmo após seguidas vitórias, Boudicca perdeu a derradeira batalha para os romanos
Após a queda de Londres e St Albans, o governador romano decidiu reunir suas tropas e confrontar o exército de Boudicca.

Embora ela parecesse ter uma vantagem numérica, os homens indisciplinados e mal equipados da rainha não eram páreo para a habilidade de tropas romanas, treinadas profissionalmente e bem armadas.

Mesmo com dez vezes mais soldados, como hoje se imagina, Boudicca foi derrotada pelo exército romano. Ela morreu logo após seu fracasso, depois de supostamente envenenar-se.

5. Destaque-se na multidão

Os romanos não estavam acostumados com mulheres desobedecendo ordens
O ataque liderado por Boudicca não foi o único contra a ocupação romana, mas sua rebelião se destaca na história em grande parte porque ela era mulher.

A arqueóloga britânica Jane Webster, da Universidade de Newcastle, diz que "mulheres líderes ofendiam as sensibilidades romanas".
Não era a ordem das coisas. É por isso que sabemos muito mais sobre essa rebelião do que sobre muitos outras contra Roma."
A professora Miranda Aldhouse-Green, também arqueóloga e autora britânica, acha que Boudicca "é uma figura icônica, porque ela foi uma das poucas mulheres a enfrentar o poder de Roma".

Na verdade, ela continua sendo a única mulher a ter liderado forças combinadas da Grã-Bretanha contra um exército de ocupação.

Os registros históricos que temos sobre Boudicca são escassos, faltam detalhes e os que existem são muitas vezes contraditórios, mas Webster diz que "ela permaneceu na literatura e persistiu como um bom exemplo de rebeldia porque era mulher".

6. É importante ter um modelo

O movimento sufragista se inspirou na rainha guerreira em sua luta pelo voto. 
Durante o século 16, as pessoas voltaram a se interessar por escritores clássicos, e o relato do historiador romano Tácito sobre a rebelião de Boudicca foi ressuscitado.

Outra mulher importante e poderosa no mundo de um homem foi a rainha britânica Elizabeth 1ª, que diz ter se inspirado bastante na história de Boudicca.

Muito mais tarde, os vitorianos reinventaram Boudicca como uma figurona do imperialismo britânico.

Talvez a rainha guerreira tenha sido mais apropriadamente reivindicada pelo movimento sufragista e pelas mulheres que lutam pelos direitos femininos.

Ela se tornou um modelo importante para uma geração que lutou contra o patriarcado e conquistou o voto para as mulheres.

O professor Richard Hingley, arqueólogo da Universidade Durham, no Reino Unido, explica que, por sabermos tão pouco sobre ela, Boudicca "é uma figura muito flexível e ambígua que pode representar muitas coisas diferentes para pessoas diferentes".

Clipping 6 lições de liderança da rainha guerreira que aterrorizou os romanos, 06/01/2021, BBC. Crédito Imagens: Getty Images

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

PM recebe ‘Oscar do Serviço Público’ por criação de Patrulha Maria da Penha de assistência a mulheres

Claudia Moraes Foto: Ana Branco / Agência O Globo

 Claudia Moraes, de 47 anos, despertou o olhar para a causa ao analisar estatísticas e pensar políticas públicas

Na primeira aula de equitação na Academia de Polícia Militar Dom João VI, em Sulacap, Claudia Moraes caiu do cavalo. Hoje tenente-coronel, ela lembra que imediatamente levantou e subiu de novo no animal. E não esquece o nome da égua: Estrela. “Nossa, você tem coragem”, disse o instrutor. Responsável por lançar o programa Patrulha Maria da Penha — Guardiões da Vida, que em um ano e quatro meses de funcionamento já assiste a mais de dez mil mulheres, ela acaba de ganhar o prêmio Espírito Público — uma espécie de Oscar para servidores do país — por sua trajetória.

Nascida na Vila Kennedy, estudante de escolas públicas e ex-funcionária de call center, a oficial de 47 anos ingressou na Academia da PM aos 26, após prestar vestibular para a Uerj. A meta era conquistar a tão sonhada estabilidade do serviço público e poder ajudar a família. Na PM, já enfrentou tiroteio e correu atrás de bandido no meio da rua vestindo uniforme de passeio (usado para eventos da corporação), com salto e saia. Mas sua carreira na PM se destaca pela atuação em gestão. No Instituto de Segurança Pública (ISP), ela foi analista criminal e coordenadora dos conselhos comunitários.

“Meu olhar despertou”

Com a voz rouca depois de um dia inteiro de aula on-line de Direitos Humanos e Sociologia para alunos do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (Cfap), ela revela uma passagem traumática da vida: conta que sofreu abuso na adolescência, aos 14 anos, dentro de um ônibus, quando ia para a escola. Apesar dessa marca que carrega, diz que foi sua participação na organização do Dossiê Mulher, de 2010 a 2018, no ISP, que a fez se engajar de corpo e alma no tema da prevenção da violência contra a mulher.
 Meu olhar despertou para a violência contra a mulher a partir do trabalho com estatística. Via a cada ano os números se acumulando e me perguntava: Como reduzi-los através de políticas públicas? — conta Claudia, que ali deu uma guinada na carreira: — Queria aprender mais e comecei a me especializar. Fiz mestrado em Ciências Sociais na Uerj e fui da primeira turma de pós em Gênero e Direito da Escola de Magistratura.
Em agosto de 2019, ela criou, com o apoio da instituição, a Patrulha Maria da Penha, que fiscaliza hoje o cumprimento de medidas protetivas de 10.472 mulheres no Estado do Rio. Nesse tempo, foram 231 agressores presos por descumprimento das decisões judiciais e nenhum feminicídio. Algumas vítimas têm contato diário com as equipes, seja por WhatsApp e telefone ou presencialmente, através de visitas das equipes, sempre com um PM homem e uma policial mulher.Tropa, que tem sempre uma mulher, garante execução de medidas protetivas para vítimas Foto: Agência O Globo

Casada com o coronel da reserva Robson Rodrigues, ex-chefe do Estado-Maior da PM do Rio, Claudia dedica o prêmio à equipe da patrulha — há 250 policiais capacitados — e diz:
Atendemos desde mulheres pobres e desempregadas a estudantes e pessoas com perfil de classe média alta. A vida delas é o verdadeiro prêmio.
Pelos últimos levantamentos da Patrulha Maria da Penha, aumentou a adesão de mulheres ao programa na pandemia: entre agosto e novembro, a média diária de ingresso chegou a 30, sendo que, no primeiro ano de funcionamento do projeto, a taxa era de 23.

Mais confiança na polícia

Uma das vítimas a entrar para o programa nesse período foi uma consultora de marketing de 37 anos, mãe de dois filhos, que sofria constantes ameaças, agressões verbais e tortura psicológica do ex-marido e pai das crianças.
Só nunca apanhei. Todo resto teve — conta ela, que, tomada pelo medo, não conseguia mais trabalhar.
Após conseguir a medida protetiva, que proibiu a aproximação do ex-marido, que deve ficar a uma distância mínima de 200 metros, ela recebeu por WhatsApp mensagem da patrulha, que atua em rede com outros órgãos, incluindo o Judiciário.

A vítima diz que o programa não só fez ela se sentir segura, como derrubou preconceitos em relação à PM.
Meu ex-marido ainda é devedor de pensão. Por isso eu digo: para mim, a única coisa que funciona nesse Brasil é a Patrulha Maria da Penha. Quando a polícia entrou, ele, parou até de me mandar mensagens — conta, que já acionou o grupo para ajudar um amigo gay.
Todos os batalhões do estado e mais três UPPs — Rocinha, Andaraí e Barreira do Vasco — têm equipes da patrulha. Enquanto na PM as mulheres são apenas 11% do efetivo — 4.990 de 44.648 policiais —, dentro do programa a presença é menos desigual. Entre os capacitados, elas são 47%. Para fazer parte, tem que ser voluntário, ou seja, precisa querer.

Referência na área, a juíza Adriana Ramos de Mello, titular do I Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital, define Claudia como uma profissional de excelência e uma mulher inspiradora:
É uma verdadeira ativista dos direitos humanos das mulheres. Na PM, com sua força, criou a Patrulha Maria da Penha, que é extremamente completa, abrange todo o Rio. Claudia se dedica pessoalmente.

Um dos organizadores do prêmio Espírito Público, Eloy Oliveira, diretor da Republica.org, ONG voltada para a melhoria do serviço público, também elogia Claudia:
Ela passou por muitos lugares na PM do Rio, uma corporação extremamente machista. Ainda assim, o trabalho dela se destacou.
Clipping ‘Oscar do Serviço Público’ premia PM que criou a Patrulha Maria da Penha, que assiste mais de 10 mil mulheres, por Ludmilla de Lima, Globo, 19/12/2020

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