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A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Carpinteiras constroem minicasas para mulheres sem-teto em Seattle

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Minicasas construídas por carpinteiras para mulheres sem-teto em Seattle (EUA)
O texto abaixo é da Débora Spitzcovsky, do site The Greenest Post, falando sobre a iniciativa de carpinteiras da cidade de Seattle, nos EUA, de construir minicasas para mulheres sem-teto em 2018. Aqui, no Brasil, também tivemos iniciativa assemelhada quando arquitetas foram à periferia ensinar mulheres de baixa renda a construir suas próprias casas. Iniciativas como essas precisam ser conhecidas e multiplicadas também no Brasil que tem tanta gente em situação de rua.
💗


"Sabe aquelas iniciativas que só de saber a respeito já dá um quentinho no coração? Ser mulher em um mundo onde uma série de vieses machistas imperam a todo momento não é nada fácil para nenhuma de nós. E, quanto mais vulneráveis estamos, pior fica. Dá para imaginar o quão difícil é para uma mulher viver na rua?

Tendo essa consciência, um grupo de carpinteiras, o Women4Women, se voluntariou para construir uma vila de casas minimalistas em Seattle, nos EUA, para que mulheres sem-teto da cidade pudessem morar e, assim, deixar a situação de rua para trás.

Ao todo, foram construídas 15 moradias de 30 m² que, juntas, formam a comunidade Whittier Heights Village. O lugar, que a partir de agora será administrado pelo Instituto de Habitação de Baixa Renda de Seattle, ainda conta com uma área comum, que possui cozinha, banheiros e lavanderia.
Resultado de imagem para Whittier Heights Village."
Minicasas construídas por carpinteiras para mulheres sem-teto em Seattle (EUA)
As novas moradoras já estão ocupando as casas, felizes da vida! Mas talvez o mais incrível dessa história é o fato de que, por meio de seu trabalho voluntário, as carpinteiras do Women4Women conseguiram ajudar a outras mulheres e a si mesmas.

Isso porque o grupo foi criado com o intuito de divulgar a competência das mulheres para realizar trabalhos braçais na construção civil. Alice Lockridge, fundadora do movimento, ao lado de todas as outras integrantes do coletivo, luta há anos pela causa, decidida a tornar esta uma carreira viável para as mulheres. Atualmente, nos EUA, apenas 10% das 10,3 milhões de vagas de emprego na construção civil são ocupadas por pessoas do sexo feminino – que ainda têm que provar a todo tempo sua competência.

Para divulgar a causa, além de ir às escolas fazer palestras de sensibilização, o grupo atua como voluntário na construção e reparação de casas para pessoas que precisam, mostrando sua competência. Esta foi a primeira vez que se envolveram com a população de rua e a repercussão foi pra lá de grande, exatamente por se tratar de mulheres beneficiando a outras mulheres.

Alguém ainda duvida de que juntas somos muito mais fortes? ♥

Clipping De mulheres para mulheres! Grupo de carpinteiras constrói vila de casas minimalistas para mulheres sem-teto morarem, por Débora Spitzcovsky, The Greenest Post  

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Livro "Mulheres Filósofas na História" para baixar gratuitamente

De Hipátia a Simone de Beauvoir
História da filosofia geralmente significa a história dos homens filósofos, situação que a academia respalda ao focar a atenção apenas neles. As mulheres não filosofam? Não existem filósofas? Filosofar é uma necessidade e uma capacidade humana, não um privilégio masculino.
Folheei pelo menos três enciclopédias filosóficas e, entre todos os nomes encontrados (exceto Hipátia ), não encontrei sequer vestígios do de filósofas. Não é que não houvesse mulheres que filosofassem. É que os filósofos preferiram esquecê-las, talvez depois de se apropriarem de suas ideias  (Umberto Eco)
O livro Mulheres Filósofas na História pretende dar conta da jornada histórica (da Antiguidade ao século XXI) de algumas pensadoras e suas contribuições. A maioria delas não teve as mesmas possibilidades econômicas e simbólicas que seus contemporâneos homens. Muitas foram ridicularizadas por setores masculinos cultos, ameaçadas, silenciadas e até torturadas.

A escritora Ingeborg Gleichauf apresenta quarenta e quatro pensadoras de diferentes origens, ambientes e disciplinas, em seus contextos sociopolíticos e filosóficos (índice abaixo). Isso mostra que, superando muitos obstáculos, elas sempre filosofaram, desenvolvendo seu pensamento paralelamente ao de filósofos reconhecidos e estudados.

Índice do livro:

Mulheres filósofas na antiguidade:

  • Crotone Theano
  • Aspasia
  • Diotima
  • Fintis
  • Perictione
  • Hypatia
Filósofas cristãs da Idade Média
  • Hildegard von Bingen
  • Mechthild von Magdeburg
  • Marguerite Porete
  • Catarina de Siena
  • Christine de Pizan
A era renascentista
  • Tullia d'Aragona
  • Isabel de Villena
  • Teresa de Ávila
  • Marie Le Jars de Gournay
Século XVII
  • Margaret Cavendish
  • Anne Finch Conway
  • Mary Astell
  • Juana Inés da Cruz
A Era da Iluminação
  • Gabrielle Émilie de Breteuil
  • Olympe de Gouges
  • Mary Wollstonecraft
  • Johanna Charlotte Unzer
  • Harriet Hardy Taylor-Mill
Romantismo
  • Bettine von Arnim
  • Karoline von Günderrode
  • Rahel Varnhagen
  • Germaine de Stael
O século 19 e o fim do século
  • Hedwig Dohm
  • Concepção Arenal
  • Helene Stocker
  • Leonore Kuhn
  • Helene von Druskowitz
  • Hedwig Bender
  • Harriet Martineau
  • Mary Whiton Calkins
Filosofia do século XX
  • Hedwing Conrad-Martius
  • Edith Stein
  • Simone Weil
  • Hannah Arendt
  • Simone de Beauvoir
  • Gertude Elizabeth Margaret Anscombe
  • Agnes Heller
  • Sarah Kofman
  • Martha C. Nussbaum
  • Maria Zambrano

Este livro oferece a possibilidade de completar uma história tantas vezes silenciada, uma história fragmentada da filosofia, sendo um excelente ponto de partida para pesquisas adicionais.

Para baixar Mulheres Filósofas na História em PDF, basta clicar aqui . Pode-se lê-lo on-line ou fazer o download gratuitamente para seu PC ou qualquer dispositivo móvel.

Tradução Míriam Martinho de Libro sobre Mujeres filósofas en la historia en PDF ¡Gratis!, Cultura Filosófica, 21/11/2019

Ver também A Presença das Mulheres na Filosofia (livros para baixar em português)

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Frances “Poppy” Northcutt, a única mulher na sala de controle da Apollo 8

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Poppy Northcutt, a única mulher na sala de controle do Apollo 8
Ainda hoje a engenheira é uma voz ativa pelos direitos das mulheres na ciência. Conheça a história da norte-americana que rompeu diversas barreiras na astronomia

A astronomia ainda é majoritariamente masculina: menos de 11% das pessoas que já foram ao espaço são mulheres, segundo a Nasa. Mas, na década de 1960, uma engenheira de 25 anos conseguiu fazer história em meio ao clube do bolinha da agência espacial. Frances “Poppy” Northcutt foi a única mulher na sala de controle da Apollo 8, a primeira missão que orbitou a Lua e retornou à Terra.

Conheça alguns fatos sobre a carreira desta engenheira americana, que acompanhou todas as missões do programa:

De calculadora humana a engenheira espacial

Até se tornar a única mulher em uma sala cheia de homens, Northcutt trabalhou em ambientes exclusivamente femininos. Formada em matemática, começou a carreira aos 23 anos como calculadora humana, executando cálculos baseados no trabalho dos engenheiros — todos homens. Por sua vez, as calculadoras humanas eram todas mulheres. O esforço e a curiosidade que a engenheira demonstrou no trabalho acabaram servindo para que fosse promovida para o time técnico da Apollo 8.

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Aos 76, Northcutt ainda está à frente da Organização Nacional de Mulheres do Texas
Advogada dos direitos das mulheres

Enquanto trabalhava como engenheira espacial, Northcutt decidiu fazer outra graduação, desta vez em Direito, para se tornar promotora. O foco de seu trabalho eram os direitos das mulheres.
Eu me vejo como uma cientista de foguetes em um certo período, uma ocasional advogada e uma defensora dos direitos das mulheres em tempo integral”, afirmou em entrevista ao jornal Los Angeles Time.
Ainda hoje, aos 76 anos, Northcutt está à frente da Organização Nacional de Mulheres do Texas e luta por direitos reprodutivos.

Direitos iguais, salários iguais

Apesar de conquistar um assento na sala de controle, a engenheira ganhava menos que seus colegas de equipe. Mesmo com todo o esforço do gerente de operações para igualar o salário de Northcutt ao dos engenheiros homens, a diferença continuava. Na visão dela, a equiparação salarial era difícil de acontecer quando ela havia começado com uma diferença de valores tão significativa.

Ainda que os salários se equiparassem, isso não resolveria outras questões, como os benefícios a que se tem direito na aposentadoria. Mas ela reconhecia a posição privilegiada em comparação às outras mulheres, e procurou ter uma voz ativa por direitos que favorecessem todas, como benefícios de saúde melhores.

Apollo 13 e o retorno à Terra

Foi na sétima missão do projeto que Northcutt vivenciou um dos momentos mais tensos como engenheira especial. O Apollo 13 sofreu um acidente com a explosão de um dos tanques de oxigênio, comprometendo a viagem de três astronautas. Por sorte, Northcutt e a equipe já trabalhavam há anos em planos alternativos para o caso de algo dar errado. Com a suspensão dos programas pela Nasa, a engenheira passou a trabalhar em outras missões, como estudos para chegar a Marte.

Homenagem nos palcos

A peça de teatro “Sizzle Sizzle Fly” foi escrita por Susan Bernfield em homenagem a Poppy Northcutt. A produção estreou em 2017, como um monólogo da autora. Bernfield conta que desde jovem sentia-se atraída pela história de Northcutt e pela sua participação em programa de missões, que ganhou as manchetes na época.

Clipping Poppy Northcutt, a única mulher que esteve na sala de controle do Apollo 8, por Jéssica Ferreira, Galileu, 24/01/2020

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

75% de todo o trabalho de cuidados não remunerado do mundo é feito por mulheres

Uma corrida desleal
Estudo da Oxfam mostra que a força de trabalho feminina é invisível para o mercado.

Há hábitos e rotinas que não escravizam, como usualmente. Em vez disso, devem ser mantidos, para que a hipótese de constância possa ampliar uma rede de pensamentos e boas informações. Todos os anos, um dia antes de começar o Fórum Econômico Mundial (21 a 24 de janeiro), reunião de líderes e empresários abastados, a ONG Oxfam publica um relatório mostrando uma das múltiplas faces de seu tema de abrangência: a desigualdade social.

Este ano não foi diferente. Ontem (19) à noite saiu do forno o relatório “Tempo de cuidar”, em que os estudiosos se debruçaram, mais uma vez, sobre um conteúdo que mostra o lado mais perverso do atual sistema econômico. Em resumo, 2.153 pessoas têm agora mais dinheiro do que os 4,6 bilhões de pessoas mais pobres do planeta.

Mas quando se reflete sobre desigualdade, nada pode ser resumido. O relatório traz múltiplas informações, e eu busquei me deter naquela que dá título ao estudo. Tenho pensado muito sobre o trabalho das cuidadoras, não só por causa de visitas regulares a uma clínica geriátrica onde está a mãe de um amigo, como porque moro num bairro que, felizmente, tem bastante cabecinhas brancas, e elas são muito bem cuidadas.

A tecnologia está nos proporcionando uma vida mais longa, e é preciso saber lidar com algumas privações que um corpo idoso oferece, oferecendo a ele mãos seguras que o amparem nos momentos de necessidade.

A questão é que esta é uma das faces da desigualdade que vem se perpetuando no tempo. O trabalho das mulheres que cuidam, não só dos idosos como das crianças, embora seja crucial para o desenvolvimento de um país – como imaginar um alto executivo sem alguém na retaguarda, cuidando de sua casa e família, dando-lhe tranquilidade para tomar decisões importantes? – vem sendo recorrentemente subestimado.

E o problema deve se agravar na próxima década conforme a população mundial aumenta e envelhece. Estima-se que 2,3 bilhões de pessoas vão precisar de cuidados em 2030 – um aumento de 200 milhões desde 2015. No Brasil, em 2050, serão cerca de 77 milhões de pessoas a depender de cuidado (pouco mais de um terço da população estimada) entre idosos e crianças, segundo dados do IBGE.

A Oxfam calculou que esse trabalho agrega pelo menos US$ 10,8 trilhões à economia e que a maioria desses benefícios financeiros reverte para os mais ricos, que em grande parte são homens, avalia o estudo.

No texto de apresentação à imprensa, a diretora executiva da Oxfam Brasil, Katia Maia, lembra que “milhões de mulheres e meninas passam boa parte de suas vidas fazendo trabalho doméstico e de cuidado, sem remuneração e sem acesso a serviços públicos que possam ajudá-las nessas tarefas tão importantes”.

A senhora é assistida por três cuidadoras e uma enfermeira na casa em que
mora sozinha em Bauru — Foto: Reprodução/TV TEM
As mulheres fazem mais de 75% de todo o trabalho de cuidado não remunerado do mundo e, frequentemente, segundo os dados do relatório da Oxfam, “elas trabalham menos horas em seus empregos ou têm que abandoná-los por causa da carga horária com o cuidado. Em todo mundo, 42% das mulheres não conseguem um emprego porque são responsáveis por todo o trabalho de cuidado – entre os homens, esse percentual é de apenas 6%”.
Esses dados foram veiculados, na abertura do Fórum, para os ricos e empoderados senhores que se reuniram na gélida cidade suíça de Davos. Será que desta vez, ao menos, sairá dali alguma resolução que possa ajudar a dar os primeiros passos num problema que há décadas está estagnado?

No apagar das luzes do século XX, o embaixador de carreira e representante do Irã nas Nações Unidas Majid Rahnema, compilou no livro “The post-development reader”, ainda sem tradução no Brasil, mais de trinta artigos de estudiosos do mundo todo, com o objetivo de oferecer aos estudantes dados que pudessem ampliar o conhecimento sobre os mitos e as realidades a respeito do desenvolvimento.

No artigo escrito por Pam Simmons, chamado “Mulheres no desenvolvimento, uma ameaça à liberação”, a autora conta que já em 1975, na Conferência das Mulheres convocada pelas Nações Unidas no México, fez-se a denúncia de que as mulheres têm sido recorrentemente ignoradas em todas as políticas desenhadas para o desenvolvimento. Quase meio século depois o não reconhecimento permanece.

Quem primeiro escreveu sobre este estado de invisibilidade das mulheres para o mundo do progresso foi a economista dinamarquesa Ester Boserup, em 1970. No livro “Woman´s Role in Economic Development” (O papel da mulher no desenvolvimento econômico”, em tradução literal), também sem tradução no Brasil, Boserup foca o trabalho na agricultura.

E questiona o pensamento estagnado (olhem aí o lado nocivo do hábito) que considera “natural” a divisão de tarefas de trabalho, sobretudo na agricultura, que leva em conta o sexo. E faz uma provocação, lembrando que em algumas culturas a carga de trabalho segue regras completamente diferentes daquela em que ao homem são destinadas tarefas ditas pesadas, como caçar, e às mulheres restam todo o trabalho restante, não só de limpar o ambiente como de cozinhar e organizar a casa.

Mas, em geral, de fato no mundo agrícola quem aprende a lidar com as máquinas é o homem, enquanto as mulheres permanecem fazendo o trabalho com as mãos. Ester Boserup se preocupa bastante com os países pobres, foca a situação das mulheres em locais, como na Índia, onde o trabalho feminino cresceu na construção civil porque são elas que se subjugam a fazer tarefas como carregar cimento na cabeça por baixos salários.

Mas cita também os Estados Unidos, onde o uso das máquinas vem sendo preferido ao uso de mãos humanas na agricultura, mas, em proporção, aumenta o número de mão de obra feminina - e mal paga – nos campos.

Não são dados contemporâneos, certamente, mas conhecer o trabalho de Ester Boserup dá a dimensão de quão ignoradas são as recomendações para que se tire da invisibilidade a mão de obra feminina no mundo. Uma nova visão é preciso, alertou Pam Simmons em seu artigo escrito há pouco mais de duas décadas.

Ela denuncia a opressão, feita por um poderoso grupo de homens, sobre as mulheres em todas as áreas, quer seja em países pobres como nos ricos. E fala às mulheres de países ricos: “É preciso combater a dominação ‘em casa’”.
No fim das contas, são os homens do Primeiro Mundo que possuem as maiores empresas, controlam as organizações internacionais, dominam os ‘think-tanks’ e visitam os bordéis nos centros de turismo do Terceiro Mundo e esperam deferência por parte de quem eles, financeiramente, ‘suportam’”, escreve ela.
Fazer contato é o caminho que pode começar a desestruturar esta dramática realidade. Para isto, Simmons se reuniu com outras mulheres e conseguiu facilitar a comunicação entre a força feminina de países pobres e ricos. Eis a conclusão de uma estudante indiana que participou do encontro:
Sempre pensei que os valores ocidentais eram bons para o povo do Ocidente e que os valores orientais eram bons para o povo do Oriente. Agora eu sei que os valores ocidentais não são bons para o povo do Ocidente”.
Muita coisa está fora da ordem, não só no mundo feminino, e não só no Ocidente, não só no Oriente. Por isso é preciso transpor fronteiras e espraiar mais e mais conhecimento, informação, dados, estudos. É no que acredito.

Clipping Mulheres fazem 75% de todo o trabalho de cuidados não remunerado do mundo, por Ameliza Gonzalez, G1, 20/01/2020

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Até a Segunda Guerra Mundial, menino vestia rosa e menina vestia azul

Pinturas de um menino usando rosa e uma menina usando azul
As discussões sobre gênero (modelos de mulher e de homem) sempre estiveram presentes em nossa História. No ano passado, algo que veio à tona foi a reafirmação dos padrões de cores entre meninos e meninas, sob o discurso de Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos “menino veste azul e menina veste rosa”. Mas o que poucos sabem é que essas cores foram impostas em um passado recente, o que demonstra as bases fluidas sob as quais estão assentadas.

Se uma mãe que criou seus filhos no início do século 20 entrasse em uma loja infantil hoje em dia, ficaria horrorizada com as roupas destinadas às garotinhas: em sua época, o rosa lembrava o vermelho do sangue, simbolizando força e masculinidade. Por mais estranho que nos pareça, esse padrão só se modificou com a industrialização dos EUA no pós-guerra.

No princípio era o Branco

Para entender essa história, precisamos voltar a um passado anterior à associação entre cores e gênero. Na Inglaterra vitoriana, a cor branca e tons pastéis eram o padrão das vestimentas infantis, como foi descrito por Jo B. Paoletti, professora da Universidade de Maryland, em seu livro Pink and Blue: Telling the Boys from the Girls in America. 

Isso não acontecia por existir uma maior democratização em relação aos estereótipos de gênero, mas sim por questões econômicas: na época, a indústria da moda infantil com consumidores sedentos por roupas específicas era quase inexistente. E como era caro produzir roupas com tinturas, as cores eram destinadas às pessoas mais velhas e camadas nobres da população.

Roosevelt à moda vitoriana, de vestido / Crédito: Reprodução
Outra característica intrigante sobre as roupas infantis da época era o uso de vestido. Ambos os sexos tinham esse item como essencial, provavelmente pela facilidade na higiene e movimentação dos pequenos - um belo exemplo disso é a foto do estadista Franklin Delano Roosevelt aos 2 anos de idade, mostrando a adesão dos EUA aos padrões vitorianos. A partir dos cinco anos, os padrões de roupas começaram a se diferenciar para ambos os sexos.

Cores trocadas
Barão d'Holbach pelas mãos do pintor Louis Carmontelle. Já no século 18 o rosa era uma cor máscula. Crédito: Reprodução
Entre o fim do século 19 e o início do século 20, passou-se a definir as cores "certas" para cada gênero, de acordo com padrões que vinham do século 18 que eram contrários ao atuais.

Segundo Gavin Evans, escritor e especialista em cores, o azul sempre foi associado à Virgem Maria e a delicadeza das mulheres, enquanto o rosa estava ligado ao vermelho, visto como uma cor forte e enérgica que traria mais masculinidade aos garotos.

Essas questões, puramente sociais, que vinham desde séculos anteriores, determinavam um suposto “padrão psicológico” para o uso das cores.

Foi apenas na esteira da Segunda Guerra Mundial que o cenário mudou. Entre 1920 e 1950, com a crescente industrialização dos EUA, o azul passou a ser subitamente comercializado por varejistas como a cor perfeita para homens, enquanto marcas de moda afirmavam que o rosa era a cor mais delicada.

Com o tempo, essa dicotomia foi se espalhando para brinquedos, acessórios, berços e desenhos animados, agitando a indústria infantil e gerando os padrões que hoje temos como verdade.

Com a industrialização, padrões sociais passaram a ser como hoje.
 Crédito: National Geographic
Segundo a psicanalista Fani Hisgail,
A afinidade com alguma cor não determina personalidade ou sexualidade”. Pelo contrário: ter afinidade com algo não supostamente pertencente ao seu sexo determina apenas o modo como nossa sociedade ressignifica valores e crenças através dos tempos.
Aliás, é sempre bom lembrar da diferença entre gênero e sexualidade: enquanto orientação sexual é a atração por pessoas do mesmo sexo, de sexo diferente ou ambos, gênero é o modelo de mulher ou de homem com o qual a pessoa se identifica, não dependendo de sexualidade ou do sexo com o qual a pessoa nasceu.

É pelo fato de serem socialmente construídos (como bem demonstram as cores azul e rosa) que os gêneros podem ser criados, modificados e transformados, gerando inúmeras possibilidades de "ser humano".

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