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A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Mude o mundo: Seja amiga de uma mulher

De Míriam Martinho e Lúcia Nóbrega

Certeiro o texto da Ruth Manaus abaixo, menos o título, embora entenda o sentimento que tenta passar. Mulheres são adestradas pela educação patriarcal a ser inimigas umas das outras (claro, dividir para melhor governar), e infelizmente, a maioria segue o script aprendido de forma automática. E não me refiro apenas àquelas patéticas mulheres conservadoras, meras bonecas de ventríloquo conservador (os homens falam por suas bocas) que escrevem páginas tipo "eu não sou obrigada a ser feminista" ou outras tantas de mesmo (baixo) nível. Refiro-me até a feministas de carteirinha mais preocupadas em provar que sua corrente é a  portadora da verdade e da luz - inclusive somando-se a marmanjos para rachar outras mulheres que delas discordam - do que em garantir a fundamental solidariedade feminina.

A amizade masculina é o cimento do patriarcado, esse sistema que há uns 5000 anos, segundo pesquisadores, detona as mulheres de tantas formas que fica difícil listá-las de cabeça. É tão significativa que até inventaram um termo para ela: trata-se do bromance, do inglês "brother" mais "romance", ou seja, relacionamentos de amizades tão fortes entre homens que se parecem com um romance, embora sejam platônicos. De fato, nossa sociedade é anti-homossexual, punindo o sexo entre homens, mas homossocial, valorizando os laços masculinos acima de tudo.

As mulheres precisam aprender a fazer o mesmo. Como diz a Ruth Manaus, "já é hora de virar o jogo." A nova geração de feministas brasileiras parece mais preocupada com esse nó que ata as mulheres à prisão patriarcal tanto que ressuscitaram o termo sororidade, tradução do inglês sisterhood, muito usado pelo feminismo da segunda onda. Precisam de fato colocá-lo em prática. Se o conseguirem, podem jogar toda a teoria feminista na lata do lixo porque o sistema que nos oprime estará com seus dias contados. Não que tudo tenha que ser um mar de rosas entre mulheres, mas como diz a autora do texto abaixo: "Amigas, as mulheres nem sempre serão. Mas inimigas presumidas, isso elas nunca (mais) haverão de ser." 


Mulheres não são inimigas
A quem interessa toda essa competição?

É assim desde que somos crianças: você é mais bonita que a Dudinha. E mais esperta do que a Manu. A Lelê não faz contas tão bem quanto você, querida. E seu sapato é mais bonito que o da Maria. Enquanto isso os meninos estão em paz, correndo juntos, dando risada por aí.

Somos ensinadas a competir. A nos incomodar com a presença de novas garotas. A procurar defeitos nelas, desde o momento em que aparecem na porta. Somos incentivadas a excluir mulheres, seja porque elas supostamente nos ameaçam ou porque supostamente não sejam “tão boas quanto nós”.

Essa rivalidade, tão boa e tão interessante para o machismo e para toda a imensa parcela do mundo que tem medo de mulheres unidas, é potencializada pelo beijinho prazinimiga, pelo beijinho pras falsianes e pelo beijinho pras recalcadas. Não estou dizendo que não haja inimizade, falsidade e recalque sobrando por aí. Mas se nossa língua machista sempre torna o sujeito masculino, ainda que no caso haja mil mulheres e um único homem, por que deixar as inimigas, falsianes e recalcadas no feminino? Não há homens traiçoeiros soltos por aí?

Quando vemos Melania Trump plagiar o discurso de Michelle Obama, devemos nos indignar. Devemos achar tão absurdo e ridículo quanto é. Isso não quer dizer que devemos achar que as duas são inimigas e que deveriam entrar num ringue para puxar cabelos enquanto berram xingamentos estapafúrdios. Trump e Obama não fariam isso. Por que as mulheres haveriam de fazer? Um plágio entre mulheres é tão grave e sério quanto um plágio entre homens. E só.

A inimizade entre mulheres dá ibope, manchete e dinheiro. Parece ser divertida, cômica e sanguínea. Ver uma mulher cair do salto alto parece ter graça, enquanto ver um homem pisar no cadarço não. Parece que ela merece e que ele deu azar. Mas isso tudo é uma grande cilada.

Mulheres deveriam ser as primeiras a não julgar a roupa de uma mulher. A promoção de uma mulher. Os medos de uma mulher. Os defeitos de uma mulher. Porque, como dizem por aí, com a mesma severidade com a qual julgamos, seremos um dia condenados. E a vida de uma mulher é ser condenada diariamente: por estar gorda, por ser bonita demais, por chegar muito tarde, por não ser mãe, por trabalhar demais, por não casar. Precisamos colaborar com essa dinâmica errada?

Mário Quintana dizia que só acreditava na amizade entre duas mulheres se uma delas fosse muito velha ou muito feia. Ele apenas verbaliza a competição que nos imputam desde o princípio. Mas já é hora de virar o jogo. Amigas, as mulheres nem sempre serão. Mas inimigas presumidas, isso elas nunca haverão de ser.

Porque mulheres não são inimigas. Mulheres são as que passam papel higiênico por cima da porta quando o papel da sua cabine acabou. Mulheres são as que podem te oferecer um absorvente numa emergência ou um peito para seu filho. São as que entendem suas dores. São aquelas que deveriam ser as primeiras a estender a mão e nunca as primeiras a apontar o dedo.

Fonte:
Estadão, 27/07/2016

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Momento novo, instituições velhas e falta de lideranças que nos apontem para onde ir

O historiador Marco Antonio Villa descreve o cenário brasileiro pós-petismo (de terra arrasada) e aponta para a difícil tarefa de reconstrução nacional sem lideranças que nos apontem rumos a seguir. Destaco do artigo:
A reconstrução nacional terá de passar também pela reforma dos Três Poderes da República. O petismo levou ao máximo a crise de representação política, da administração pública e do funcionamento da Justiça. Não é tarefa fácil. Pode levar várias gerações. Mas é inexorável. E urgente. A indignação popular é dirigida ao conjunto dos poderes da República. Nada funciona de forma eficaz. Por toda parte, o cidadão encontra corrupção e injustiça. É como se o país fosse uma república de salteadores. E quem cumpre as leis faz papel de idiota.
Há uma fratura entre os cidadãos e a Praça dos Três Poderes, em Brasília. Toda aquela estrutura cara e carcomida por ações antirrepublicanas de há muito não representa os sentimentos populares. A crise é muito maior do que se imagina — e se fala.  
[mas..] 
Vivemos um momento novo. O terrível é que as instituições estão velhas. E não há intérpretes que consigam desenhar cenários do que somos e para onde poderemos ir — as universidades perderam a capacidade de exercer o papel de consciência crítica; hoje, não passam de instituições corporativas, sem papel relevante.

Para além da derrota do PT
A reconstrução nacional terá de passar também pela reforma dos Três Poderes da República

Não há dúvida de que o Brasil vive a mais grave crise do período republicano. O país aguarda a conclusão do processo de impeachment para iniciar o longo e penoso processo de reconstrução nacional. O PT esgarçou os tecidos social e político a um ponto nunca visto. Transformou o Estado em correia de transmissão dos interesses partidários. E desmoralizou as instituições do estado democrático de direito.

O projeto criminoso de poder deixou rastros, por toda parte, de destruição dos valores republicanos. Transformou a corrupção em algo rotineiro, banal. A psicopatia petista invadiu, como nunca, o mundo da política nacional. Mesmo com as revelações das investigações dos atos criminosos que lesaram o Estado e os cidadãos, o partido e suas lideranças continuaram a negar a existência do que — sem exagero — pode ser considerado o maior desvio de recursos públicos da história da humanidade.

Não há qualquer instância do Estado sem a presença petista. Por toda parte, o PT foi instalando seus militantes e agregados. Transformou o governo em mero aparelho partidário — e isso sem que tenha chegado ao poder pela via revolucionária. Esta é uma das suas originalidades. Usou de todas as garantias da democracia para solapá-la. Desprezou a Constituição e todo o arcabouço legal. Considerou-os mero cretinismo jurídico. Jogou — e até agora, ganhou — com a complacência da Justiça. Nada justifica, por exemplo, que a Lei 9096/96, que trata do registro dos partidos políticos, até hoje não tenha sido aplicada nos casos envolvendo o PT e os desvios de recursos públicos. Como é possível ter dois tesoureiros sentenciados — e outro processado — sem que o partido tenha o registro cassado, como dispõe o artigo 27 da citada lei?

A reconstrução nacional terá de passar também pela reforma dos Três Poderes da República. O petismo levou ao máximo a crise de representação política, da administração pública e do funcionamento da Justiça. Não é tarefa fácil. Pode levar várias gerações. Mas é inexorável. E urgente. A indignação popular é dirigida ao conjunto dos poderes da República. Nada funciona de forma eficaz. Por toda parte, o cidadão encontra corrupção e injustiça. É como se o país fosse uma república de salteadores. E quem cumpre as leis faz papel de idiota.

Enfrentar este estado de coisas não é uma tarefa de um poder. É evidente que o novo governo que vai surgir da aprovação do processo de impeachment tem de fazer a sua parte, aquela que cabe ao Executivo. Mas os outros dois poderes também estão podres. Ninguém confia nas representações parlamentares. Mas também ninguém confia na Justiça. Se o Parlamento é patético, o que podemos dizer do STF que considerou “grave ameaça à ordem pública” o boneco representando o ministro Ricardo Lewandowski?

Há uma fratura entre os cidadãos e a Praça dos Três Poderes, em Brasília. Toda aquela estrutura cara e carcomida por ações antirrepublicanas de há muito não representa os sentimentos populares. A crise é muito maior do que se imagina — e se fala. Se a grave situação econômica pode ser enfrentada e vencida pelo novo governo a partir do ano que vem, se a aprovação de uma legislação mais severa pode coibir os atos de corrupção, se alguma reforma eleitoral pode melhorar a qualidade da representação popular, a tarefa mais complexa será a do enfrentamento de uma nova realidade social produzida nas metrópoles, por um Brasil desconhecido, pouco conhecido e que não faz parte das interpretações consagradas, como aquelas dos anos 1930, como “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda, que ainda retratava um país rural. De um Brasil que necessita ser desvendado, de dilemas complexos e que precisam ser compreendidos para serem enfrentados. E que não passa pela fraseologia barata de fundir citações de letristas de canções populares com velhos explicadores da “civilização brasileira.”

Vivemos um momento novo. O terrível é que as instituições estão velhas. E não há intérpretes que consigam desenhar cenários do que somos e para onde poderemos ir — as universidades perderam a capacidade de exercer o papel de consciência crítica; hoje, não passam de instituições corporativas, sem papel relevante.

A edificação da democracia, com a promulgação da Constituição de 1988, ignorou as profundas contradições sociais que foram gestadas com a urbanização selvagem que se intensificou nos anos 1980. Foi elevado um edifício moderno tendo como base uma antiga estrutura que se manteve intocada. E, pior: com o desconhecimento do solo social. E deu no que deu, numa crise sem fim.

Derrotar o projeto criminoso de poder foi uma grande vitória. Ele agravou as mazelas brasileiras. Ou melhor, foi consequência do rápido apodrecimento das instituições. O desafio será enfrentar a herança maldita do leninismo tropical que, além de tudo, desmoralizou a democracia. E isto é grave, especialmente em um país com a nossa triste tradição autoritária. Por isso, processar, julgar e condenar — pois os crimes são evidentes — o chefe do petrolão terá um enorme (e benéfico) papel pedagógico, uma demonstração inequívoca que o crime não compensa e que a lei é igual para todos.

O impeachment de Dilma Rousseff — que é muito importante — precisa ser complementado por ações que levem a uma reestruturação do Estado, das suas instituições e, principalmente, de suas práticas. Não podemos continuar a ser um país que parece que está de cabeça para baixo, onde as imagens vivem se confundindo, onde passamos, em instantes, do claro ao escuro, da verdade ao engano, do sublime ao patético.

Fonte: Blog do Villa, 12/07/2016 0:00

sábado, 9 de julho de 2016

Por que 9 de julho é feriado em São Paulo? Revolução Constitucionalista de 1932

Hoje é feriado aqui em São Paulo, mas mesmo paulistas muitas vezes não sabem a razão da data comemorativa, apesar da Av. 9 de julho, uma das mas extensas da cidade. Decidi então transcrever texto do UOL que explica porque comemora-se a data na terra dos bandeirantes. Também posto dois vídeos sobre o tema, um curtinho, da ANAVIDEO e AVXPRO.FILMES, e outro de Sylvio Rocha, Pro Brasilia Fiant Eximia, mais extenso e detalhado,  lançado em 2012, durante as comemorações do 80º aniversário do levante (ver ao fim da postagem).

Vale mencionar que, embora derrotados militarmente, os paulistas conseguiram, dois anos depois da revolta, o que queriam: uma nova constituição para o Brasil.

Sempre é bom lembrar ou conhecer esses fatos. Somos todos muito ignorantes a respeito do passado de nosso país, dificultando inclusive nosso entendimento  do presente. O texto é do Luis Indruinas, colunista do site How stuff works.

Revolução Constitucionalista de 1932

Até 1930, o Brasil passou por um período conhecido como República Velha. A principal característica dessa fase política era a alternância de poder entre as elites paulistas e mineiras, o que criou a chamada “política café com leite”, em alusão aos dois principais produtos destes estados. Assim, a cada quatro anos, ou um paulista ou um mineiro tornava-se presidente da República.

No final da década de 1920, essas forças políticas se tornaram débeis por causa de fatos como as greves operárias da década e o movimento tenentista (dissidência de oficiais do exército). Com a crise na Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, essa elite que dependia economicamente das exportações se enfraqueceu ainda mais.

Na época, havia eleições “diretas” para presidência. Esses votos, no entanto, não eram universais. Além das mulheres não poderem votar, as eleições eram amplamente fraudadas, com a utilização do chamado “voto de cabresto” (quando os líderes políticos vigiavam os votos dos seus eleitores, que não eram secretos). Disputaram o pleito o paulista Júlio Prestes e o gaúcho Getúlio Vargas.

Prestes “ganhou”, mas não levou. Antes da saída do então presidente Washington Luiz do poder, houve o assassinato do candidato a vice-presidência na chapa de Getúlio, João Pessoa, provavelmente fruto de um crime passional. A morte foi o estopim para a Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas tomou o poder.

O governo provisório de Getúlio prometeu uma nova constituição, mas nada ocorreu no primeiro ano. Enquanto isso, principalmente em São Paulo, a resistência ao governo continuou. O movimento se ampliou depois que quatro manifestantes foram mortos por policiais durante um protesto pró-constituição no dia 23 de maio. Mário Martins de Almeida, de 31 anos; Euclydes Bueno Miragaia, de 21; Dráusio Marcondes de Souza, 14 anos, e Antônio Américo de Camargo Andrade, de 30, acabaram tornando-se símbolos do movimento. As iniciais dos seus nomes mais usados formaram a sigla M.M.D.C. (Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo) e batizou a campanha.

No dia 9 de julho, o ex-candidato Júlio Prestes, com apoio do interventor de São Paulo Pedro de Toledo, deu o estopim para a revolução. O Estado se mobilizou, milhares de pessoas tornaram-se voluntárias, moradores chegaram a doar jóias e ouro pela causa e a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) determinou que várias indústrias produzissem material bélico. No final, São Paulo tinha 40 mil soldados, divididos em três frentes principais de combate: as fronteiras com o sul de Minas Gerais e o norte do Paraná e o Vale do Paraíba.

A desigualdade entre as tropas constitucionalistas e as getulistas era grande. Além de um arsenal menor, o número de soldados paulistas era pequeno em relação aos adversários. O governo federal fez uma campanha contra o movimento difundindo a ideia de que São Paulo queria se separar do Brasil, o que ajudou a angariar voluntários.

A intenção dos paulistas era receber apoio de setores insatisfeitos de outros Estados como Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso. Esses movimentos, no entanto, foram rapidamente inibidos. Em 3 de outubro, as tropas se renderam, após serem negociadas a anistia para os soldados e o exílio para as lideranças.

Com mais de 600 mortos, principalmente paulistas, a revolução acabou, mas teve como fruto uma nova constituição, promulgada em 1934.



Ficha do vídeo
Introdução do Projeto Audiovisual SP 32
Resumo Histórico 3 min.
Narração: Renato Callandria
Pesquisa e Texto: Cássio Martin
Produção: ANAVIDEO e AVXPRO.FILMES



Créditos:
Direção e montagem: Sylvio do Amaral Rocha
Direção de fotografia e câmera: Eduardo Colesi
Assistente de fotografia: André Borgo
Finalização e arte: John D. Branco
Trilha original, mixagem e edição de som: Vicente Falek

Músicos:
Richard Fermino - Trompete, Trombone, Tuba, Clarinete e Flauta
Micaela Marcondes - Violino
Pedro Bevilaqua de Castro - Cello
Guilherme Marques - Percussão
Vicente Falek - Piano e Acordeão

segunda-feira, 20 de junho de 2016

O atentado à boate gay em Orlando foi um ataque homofóbico de terrorismo islâmico

O fla-flu esquerda-direita não atrofia os cérebros só no Brasil, associado ou não ao politicamente correto, ao multiculturalismo ou ao raio que os parta. O fenômeno é mundial. Por ocasião do horrendo ataque à boate LGBT em Orlando (12/06), nos EUA, esquerdistas e direitistas mundiais passaram a encaixar a complexidade do fenômeno em suas estreitas caixinhas narrativas. Os de esquerda buscaram reduzir o massacre a um ataque homofóbico assim por acaso cometido por um sujeito espiritual e inclusive praticamente (a confirmar) ligado ao famigerado Estado Islâmico. Ah! e, claro, a dissociar mais esse ataque contra ocidentais, em nome de Alá, da religião que o inspira. Tudo seria culpa apenas de extremistas islâmicos que não representam a massa de muçulmanos que é pacífica (até prova em contrário). Sem falar na responsabilização das armas de fogo pela tragédia, como se armas tivessem vida própria e pudessem sair por aí cometendo massacres. O que não quer dizer que concorde com a venda de armas, inclusive pesadas, como se comercializa coca-cola.

Os de direita passaram a reduzir o atentado a mais um ataque islâmico a ocidentais, onde a homofobia estaria apenas sendo usada como desculpa para desviar a atenção da raiz do problema. As notícias de que o criminoso também poderia ser homossexual, por ter sido visto antes do atentado na boate e por usar aplicativo de encontros para gays, alimentaram o reducionismo. Afinal, se o cara era gay, não se poderia identificar o crime como homofóbico. Não fosse um islâmico o autor do atentado, a versão direitista seria a da "apenas mais uma briguinha sangrenta e desta vez de grandes proporções 'entre eles'."
O crime de homofobia é aquele motivado pelo ódio à homossexualidade real ou presumida da vítima.
Primeiro, cumpre salientar que o cara poderia frequentar a boate exatamente para ver como melhor cometer o atentado. Segundo, mesmo que mantivesse relações sexuais com homens, com certeza tal fato não se dava tranquilamente em sua cabeça, considerando a visão islâmica sobre o tema (ver a propósito fala de um xeique no vídeo abaixo). Terceiro, o crime de homofobia não tem a ver exclusivamente com a orientação sexual do criminoso nem da vítima, embora, em geral, sejam héteros os criminosos e homossexuais as vítimas. O crime de homofobia é aquele motivado pelo ódio à homossexualidade real ou presumida da vítima. Pessoas heterossexuais podem ser vítimas de homofobia, bastando ser confundidas com homossexuais. Deixo dois exemplos, à guisa de ilustração: 'Não pode nem abraçar o filho', diz homem que teve orelha cortada e Mantida prisão preventiva de homem acusado de agredir irmãos gêmeos por considerá-los homossexuais. E pessoas homossexuais podem ser tão mal resolvidas e alienadas a ponto de odiar a si mesmas e a seus pares e apoiar gente como o homofóbico deputado Jair Bolsonaro.

Felizmente, não me senti só desta vez na análise não maniqueísta de mais essa tragédia provocada por um extremista islâmico. Não só aqui no Brasil como em outros países, ainda há aquelas e aqueles entre nós que pensam além das caixinhas de narrativas ideológicas e buscam ver a realidade como de fato se apresenta. Destaco abaixo o texto de uma colunista portuguesa, do site Observador, que vai bem ao encontro dessa perspectiva não reducionista. Como sabemos, o atentado de Orlando foi homofóbico e de terrrorismo islâmico. Ao fim do texto, deixo também o vídeo de um desses clérigos islâmicos, por ocasião de uma palestra que deu em Sanford, Flórida, em 2013, e sua ideia de matar homossexuais por compaixão (sic).  Em recente viagem à Austrália, o famigerado xeique teve que deixar o país pelas absurdas ideias que professa e corre o risco de ter seu visto cancelado. O exemplo australiano precisa ser seguido em todo o mundo civilizado.

Vários níveis de tragédia
Maria João Marques

Subimos mais um patamar de tontice: os atentados terroristas islâmicos já não são atentados terroristas islâmicos. O que significa que subimos também um degrau na ineficácia da contenção do terrorismo.

... impressionou-me particularmente desta vez ( sobre o atentado de Orlando), a tremenda propensão que tantas pessoas têm para catalogar um evento complexo e arrumá-lo numa caixinha pequenina onde fica reduzido a ocorrência monotemática.

O criminoso que matou em Orlando era muçulmano, avisou que fazia o atentado em nome do ISIS, declarou as imbecilidades do costume (estava tão incomodado com as mortes de inocentes provocadas pelo Ocidente no Iraque e na Síria que ia matar mais gente inocente como protesto), vários relatos colocam-no como simpatizante do extremismo islâmico, já tinha ido duas vezes à Arábia Saudita (esse país encantador e moderado). Mas não, o atentado de Orlando não é terrorismo islâmico, onde é que eu fui buscar esta ideia?

Só por acaso aquela criatura que matou gente em Orlando era muçulmano. Tal como só por acaso os atiradores do Charlie Hebdo e do supermercado judaico eram muçulmanos. Ou o casal que matou uma dúzia e picos em San Bernardino. Ou os terroristas do Bataclan. Ou mais outras dezenas de exemplos. Tudo acasos curiosos. Improbabilidades estatísticas a ocorrerem inexplicavelmente. De resto, tenho a certeza que todos comentaram com alguém ‘já sabe que houve um atentado terrorista islâmico em Orlando?’ e receberam de resposta ‘Terrorismo islâmico? A sério? Não estava nada à espera.’

Já era frequente ouvirmos a tontice ‘o islã não tem nada a ver com terrorismo’. Tem. Os muçulmanos não são psicopatas, evidentemente, e a maioria é pacífica. Mas a religião é belicosa e inaceitavelmente bárbara para os padrões civilizados europeus. Agora subimos um patamar de tontice: os atentados terroristas islâmicos já não são atentados terroristas islâmicos. Como combater um problema costuma começar pela identificação do problema, subimos também um degrau na ineficácia da contenção do terrorismo.

A criatura de Orlando – que podia ele próprio ser gay – atacou um bar LGBT. Ora este fato leva a dois tipos de reações. Uns dizem que afinal foi só um ataque homofóbico. O primeiro-ministro Costa, num deplorável tuite – que parecia tirado de um livro de autoajuda para pessoas com QI abaixo de 95 – já veio culpar a ‘homofobia’ pelo atentado. Uma alma da Isquierda Unida de Espanha concluiu que as mortes eram resultantes do ‘heteropatriarcado’. Viram? Afinal era só ódio a gays, nada de terrorismo islâmico. Aquelas tiradas sobre o ISIS foram um momento de humor, daquele afiado e seco, do criminoso antes de matar gente.

Se algum dia um muçulmano, declarando fidelidade a uma qualquer organização terrorista, entrar numa conferência de feministas e matar mulheres, vai ser só um ataque machista – ponto. O extremismo islâmico nem costuma acumular com ódio à igualdade dos sexos. Já a ocupação de uma escola em Beslan, por terroristas tchetchenos, também não teve nada de terrorismo islâmico. Segundo a lógica, foi contra as crianças. Vai-se a ver e era só algum jovem pai revoltado por ter de mudar as fraldas ao seu filho recém-nascido a meio da noite.

Outros recusam que o ataque a um bar LGBT tenha sido um ataque homofóbico. Como se espantasse alguém que o radicalismo islâmico (e o islã moderado, já agora) contenha homofobia. Como se o repúdio pelas liberdades sexuais do Ocidente – sobretudo das mulheres e dos homossexuais – não fosse uma pedra basilar do fundamentalismo muçulmano. Como se não pudesse ser simultaneamente homofobia e terrorismo islâmico. Os mortos de Orlando foram escolhidos por serem gays, não por serem uns americanos ao calhas. Este ataque homofóbico reforça a índole antiocidental do terror islâmico, não a anula.

Mas há espíritos que não aceitam que uma realidade possa ser complexa e multifacetada. Nem um atentado terrorista. Se formos então para manifestações mais insidiosas, como um mayor de Londres muçulmano a proibir anúncios nos transportes públicos com mulheres despidas, prevemos que vários cérebros curto-circuitem. De fato, cada vez mais as rígidas imposições islâmicas às indumentárias femininas se aproximam do puritanismo da esquerda progressista que clama contra a objetivação das mulheres.

Bom, nisto de islã, celebremos uma pequena redenção desta semana: os clérigos do Paquistão decretaram que os assassínios ditos de honra (de mulheres, claro) são anti-islâmicos. Está, assim, desfeita a magna dúvida sobre a bondade de regar de gasolina e a seguir incendiar uma mulher que casou com quem a família não aprovou.

Texto na íntegra aqui. 15/06/2016


sexta-feira, 10 de junho de 2016

A doutrinação mais perigosa é a conservadora pois tenta se passar por algo natural

O psicanalista e colunista da Folha, Contardo Calligaris (foto) escreveu o texto abaixo sobre o famigerado Escola sem Partido que comentei aqui no blog na semana passada.

Destaco, do texto, alguns trechos e parágrafos que ilustram bem o perigo desse infame projeto. Em meio às muitas falácias da estrovenga autoritária, uma que se sobressai é a falsa ideia de neutralidade. Não existe a menor possibilidade de discurso neutro. Todo discurso, incluindo o conservador, é uma forma de ver o mundo, uma ideologia. Não existe neutralidade nem na área científica quanto mais nas das ciências humanas.

Os conservadores, contudo, tentam vender a ideia de que sua visão de mundo, que norteia esse projeto autoritário, não é ideológica e sim natural, derivada de alguma ordem natural, de alguma luz divina. A visão conservadora sempre tenta se vender como natural para que seus preceitos não sejam alvo de críticas, pois o natural é tido como inerente ao ser, como unha e carne, e não passível, portanto, de questionamento. Obviamente, trata-se de um argumento enganador, de uma falácia monumental. Não compre.

Sou contra doutrinação, de todo tipo. Justamente por isso, parece-me bom que os professores proponham conteúdos diferentes do que os pais já pensam e já tentam impor às crianças. Sem isso, ir para a escola para o quê? Aluno bom é o que critica a casa graças ao que aprende na escola, e a escola graças ao que aprendeu em casa.
A maior garantia contra conteúdos "invasivos" deveria ser a variedade das ideias que uma criança encontra na escola. Minha lembrança é que, longe de aderir à ideologia de um ou outro (professor), foi discordando que aprendemos mais –discordando deles e dos nossos pais.

Aqui vem um problema mais sério. ...Como proteger as crianças contras as ideologias que se apresentam como jeitos "naturais" de pensar? Como evitar que elas aceitem ingenuamente os clichês que são transmitidos como "naturais"?

Os próprios doutrinadores, nesse caso, sequer acham que estão doutrinando, porque concebem os clichês do seu pensamento como expressão da "natureza humana".

A doutrinação mais perigosa

Na adolescência, os contos de Hemingway eram meu modelo de estilo, e eu tentava imitá-lo: frases curtas, coordenadas, repetições frequentes etc. Imaginava que, dessa forma, eu escreveria sem retórica: só os fatos, sem a tentativa de convencer ninguém de nada.

Eu estava errado: o estilo dos contos de Hemingway é tão retórico quanto a escrita de um bacharel em direito do século 19. A retórica do bacharel incluía a vontade de falar diferente do povo e de se diferenciar dele. A de Hemingway, ao contrário, incluía a vontade de parecer espontâneo e "natural".

Em geral, a gente quase sempre acha que nossa escrita e nossa fala são "naturais", enquanto as dos outros são infestadas pela retórica. Na verdade, não há escrita ou fala que não sejam retóricas.

Guardemos essa constatação e vamos ao tema de hoje. Como assinala e discute o editorial da Folha de 15 de maio, na Câmara dos Deputados, em várias Assembleias Legislativas estaduais e Câmaras Municipais, "tramitam projetos contra a 'doutrinação ideológica' [das crianças] em matéria política, religiosa ou sexual".

Em Alagoas, onde a legislação já foi adotada, o professor deve evitar conteúdos que estejam "em conflito com as convicções morais, religiosas ou ideológicas dos estudantes ou de seus pais ou responsáveis".

O movimento Escola sem Partido chega a oferecer um modelo de notificação anônima para os pais denunciarem os professores que pratiquem "doutrinação" na escola.

Sou contra doutrinação, de todo tipo. Justamente por isso, parece-me bom que os professores proponham conteúdos diferentes do que os pais já pensam e já tentam impor às crianças. Sem isso, ir para a escola para o quê? Aluno bom é o que critica a casa graças ao que aprende na escola, e a escola graças ao que aprendeu em casa.

Não gostaria que meus filhos fossem doutrinados em marxismo (qual marxismo, aliás?), mas me parece impensável que eles não entendam nada e não leiam nada de um pensamento que foi a maior paixão intelectual do século 19 e do século 20. Também não gostaria que meus filhos fossem doutrinados em Bíblia (qual Bíblia, aliás?), mas me parece impensável que eles não leiam nada do livro que foi a referência central da cultura ocidental durante séculos.

A maior garantia contra conteúdos "invasivos" deveria ser a variedade das ideias que uma criança encontra na escola. No meu ginásio, o professor de filosofia era trotskista. Eu, na época, estava fundando o círculo estudantil Piero Gobetti (liberal e anti-fascista italiano). O professor de latim era monarquista: admirávamos seus poemas, mas éramos todos republicanos. Minha lembrança é que, longe de aderir à ideologia de um ou outro, foi discordando que aprendemos mais –discordando deles e dos nossos pais.

Aqui vem um problema mais sério. É fácil inventar sistemas de controle contra a transmissão de ideologias reconhecíveis. Por exemplo, era fácil se proteger do marxismo do professor de filosofia ou do monarquismo do professor de latim. Bem mais difícil era se proteger contra o professor de italiano, o qual não tinha "ideias" para "doutrinar" ninguém: ele apenas distribuía trivialidades como se, por serem triviais, elas não merecessem nossa atenção crítica. É o exemplo do começo: assim como não tem escrita que não seja retórica, não tem pensamento que não seja ideológico.

Como proteger as crianças contras as ideologias que se apresentam como jeitos "naturais" de pensar? Como evitar que elas aceitem ingenuamente os clichês que são transmitidos como "naturais"?

Receio que, retirando as ideologias explícitas (que podem ser combatidas, discutidas e recusadas), só reste para as crianças a ideologia do círculo da padaria, que é a mais perniciosa, porque parece ser o pensamento "espontâneo" de "todos".

Os próprios doutrinadores, nesse caso, sequer acham que estão doutrinando, porque concebem os clichês do seu pensamento como expressão da "natureza humana".

Você se pergunta quais são os conteúdos dessa ideologia implícita que contamina nossas crianças às escondidas? Seria bom voltar ao "Dicionário das Ideias Feitas", de Gustave Flaubert (Nova Alexandria).

PUDOR: mais belo ornamento da mulher. GOZO: palavra obscena. DEUS: o próprio Voltaire o afirmou: "Se Deus não existisse, precisaríamos inventá-lo". DEICÍDIO: indignar-se contra, embora seja um crime pouco frequente.

Fonte: FSP, 19/06/2016

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