8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

terça-feira, 19 de maio de 2015

O Brasil não pode ficar à mercê dos interesses e incoerências partidários. Precisa-se urgente de quem realmente se importe com o país

Denis Lerrer Rosenfield
Destaque:
O país vive uma grave crise e, no entanto, os partidos políticos estão se comportando como se só os seus interesses propriamente partidários estivessem em jogo. As questões nacionais passam a segundo plano, servindo apenas de pretexto para os jogos cada vez mais brutos de poder. Governistas atuam como se oposição fossem, enquanto a oposição age como o PT de antanho, renegando, inclusive, as suas próprias ideias. É como se o país tivesse de testar o abismo para logo recuar. Destaca-se, neste cenário, o PMDB que, mal ou bem, está contribuindo decisivamente para a aprovação das medidas provisórias do ajuste fiscal, absolutamente necessário enquanto etapa preliminar do saneamento das contas públicas.
O Brasil e os partidos

Se essa primeira etapa de aprovação do ajuste fiscal não for levada a cabo, se ela não for seguida de iniciativas subsequentes de crescimento responsável, o próprio Brasil pode ser o maior prejudicado

O país vive uma grave crise e, no entanto, os partidos políticos estão se comportando como se só os seus interesses propriamente partidários estivessem em jogo. As questões nacionais passam a segundo plano, servindo apenas de pretexto para os jogos cada vez mais brutos de poder. Governistas atuam como se oposição fossem, enquanto a oposição age como o PT de antanho, renegando, inclusive, as suas próprias ideias. É como se o país tivesse de testar o abismo para logo recuar. Destaca-se, neste cenário, o PMDB que, mal ou bem, está contribuindo decisivamente para a aprovação das medidas provisórias do ajuste fiscal, absolutamente necessário enquanto etapa preliminar do saneamento das contas públicas.

O PT, a partir dos dois últimos anos do governo Lula e dos quatro do governo Dilma, levou o Brasil a uma situação econômica e ética insustentável. A tal “nova matriz econômica”, eivada de posições estatizantes e esquerdizantes, conduziu ao descontrole da inflação, ao PIB negativo, às contas fiscais em desajuste extremo e, agora, ao desemprego. Neste meio tempo, apoderou-se cada vez mais da máquina estatal, colocando-a a serviço dos seus interesses partidários e eleitorais, como se só isso valesse. O país, enquanto bem maior, bem coletivo, não entrou neste cálculo, sendo apenas um meio de consecução dos objetivos propriamente partidários. A conta desta irresponsabilidade finalmente chegou e o partido, assim como o seu governo, tem imensas dificuldades em reconhecer os seus próprios erros. Continua apostando no marketing e em discursos de esquerda cada vez mais radicais, como se aqui se encontrasse a sua saída.

A esquizofrenia partidária, neste contexto, só tende a aumentar. Sua expressão mais manifesta consiste na oposição que o PT faz a seu próprio governo, tendo chegado, inclusive, inicialmente, a rejeitar demagogicamente as medidas do ajuste fiscal, condição mesma para que o país saia de seu atual atoleiro. Comporta-se como se o governo não fosse seu, como se essas medidas fossem coisas apenas do ministro Joaquim Levy, um “neoliberal”. Note-se que “neoliberal” significa, no atual contexto, a qualificação de uma política que tem como objetivo colocar as contas em dia. Ser neoliberal significa tão somente ser responsável. A esquerda perdeu o discurso.

O PSDB, que deveria ser o partido líder da oposição, não faz melhor figura. Adotou a atitude do PT de antanho, vindo a criticar as medidas de ajuste fiscal como se essas fossem prejudiciais ao país. Ora, essas medidas seriam muito parecidas com as que Aécio Neves viria a implementar caso tivesse sido eleito. É bem verdade que as medidas seriam mais abrangentes e teriam também um forte componente de crescimento. Em qualquer caso, um ajuste fiscal deveria ser feito. Neste sentido, os tucanos são contraditórios consigo mesmos, vindo a renegar o que eles mesmos defendiam na disputa eleitoral. Exercem uma oposição irresponsável, apostando também no fracasso. Acontece que um fracasso das atuais medidas econômicas, mais do que uma disputa partidária, mostrar-se-ia extremamente daninho para o país. É como se os partidos brasileiros não tivessem a menor noção do significado de “oposição responsável”, voltada para o bem coletivo. Cada um olha apenas o seu próprio umbigo!

O PMDB, apesar de seus conflitos internos e a voracidade fisiológica de boa parte dos seus membros, está se saindo melhor do que os seus partidos concorrentes. Graças às novas funções de articulação política assumidas pelo vice-presidente Michel Temer, o partido está se colocando como aquele que melhor expressa os interesses nacionais. Sua atitude de defesa do ajuste fiscal, coerente com uma posição governista e reconhecendo, implicitamente, os erros que foram cometidos, sinaliza para uma postura voltada para o bem coletivo, embora possa, evidentemente, usufruir dos seus dividendos políticos em caso de êxito. O vice-presidente tem clara consciência de que a não aprovação dessas medidas poderia vir a criar um quadro econômico e político extremamente maléfico para o país. Reconhece os limites do jogo político, reconhece aquilo que o país pode ou não suportar. E um downgrade das agências de avaliação de risco poderia ser insuportável!

O enquadramento do PT é um fato também novo nestes 12 anos de governos petistas. O partido sempre se comportou como se o governo fosse exclusivamente seu, colocando os demais partidos aliados em uma posição claramente subalterna. Agora, tentou fugir de suas responsabilidades e foi enquadrado. Procurou, mesmo, votar contra o ajuste fiscal como se não fosse coisa de seu governo, jogando, como se diz, para a plateia. Foi obrigado a fechar questão pelo vice-presidente e pelo PMDB que, por sua vez, teriam ameaçado não levar essas medidas de ajuste fiscal à votação. Forçado a recuar, o PT terminou aprovando essas mesmas medidas com as quais professa não concordar. A desorientação é total. Na hora decisiva, teve medo das consequências de sua irresponsabilidade. Foi impelido a ser governo, apesar de si mesmo.

Ocorre, porém, que o país não pode ficar a mercê das vicissitudes desses mais distintos posicionamentos partidários. Se essa primeira etapa de aprovação do ajuste fiscal não for levada a cabo, se ela não for seguida de iniciativas subsequentes de crescimento responsável, o próprio Brasil pode ser o maior prejudicado, o que significa dizer que o ônus recairá sobre o conjunto dos cidadãos. O país não pode ficar refém das disputas partidárias, como se essas fossem um mero jogo de substituição de posições. O governo age como se não tivesse sido oposição e a oposição age como não se tivesse sido governo. É como se contassem somente os interesses particulares de cada um. É como se nos pleitos eleitorais o bem coletivo e as propostas que poderiam a ele conduzir fossem um mero pretexto. Falta a escritura de um texto, de uma verdadeira narrativa, chamada Brasil.

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Fonte: O Globo, 18/05/2015

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Fachin acredita que os juízes têm a prerrogativa de inventar a lei e podem substituir o mandato dos deputados e senadores.

Fachin expoente radical do neoconstitucionalismo,
a árvore teórica de um ativismo judicial ilimitado
Rendição
por Demétrio Magnoli

Max Weber distinguiu a "ética da convicção" da "ética da responsabilidade". Na sabatina de terça, Luiz Edson Fachin invocou a segunda para envernizar uma peculiar "ética da conveniência" –e passou 11 horas declarando sua adoração pelo que criticou ao longo da vida. O jurista atacou o direito de propriedade em 1986. Mas vale a pena discutir 1986? O jurista não aprecia a proteção especial à família nuclear. E daí? A diversidade de opiniões informadas enriquece o STF. Conversa inútil. Nenhum senador desviou-se dos rumos óbvios para inquiri-lo sobre o que interessa: a fonte das leis. Fachin acredita que os juízes têm a prerrogativa de inventar a lei. Se seu nome for aprovado em plenário, os senadores estarão assinando um termo de rendição do Poder Legislativo.

Fachin é da corrente de pensamento de outro Luís, Roberto Barroso, que já está no STF. Eles são expoentes da vertente radical do neoconstitucionalismo, a árvore teórica de um ativismo judicial ilimitado. Nesse campo ideológico, a norma formal deve ceder lugar à norma axiológica, isto é, a valores morais genéricos que serviriam de régua na interpretação dos códigos legais. A Constituição proclama as metas da igualdade, do bem-estar e da justiça? Sob a ótica deles, é o suficiente para varrer a letra das leis pelo sopro purificador do juiz-ativista.

Tudo que está escrito pode ser lido pelo avesso –eis a mensagem de Luís e Luiz. Na "nova dogmática da interpretação constitucional" de Barroso, a filtragem do Direito escorrega da norma objetiva para o terreno do arbítrio subjetivo. A Constituição abriga o princípio da igualdade perante a lei? Basta reinterpretá-la à luz do imperativo de justiça histórica –e concluir pela recepção de leis raciais na ordem jurídica nacional. A letra constitucional proíbe a discriminação de cor no acesso à educação superior? Basta atribuir um significado paradoxal à palavra –e explicar que a meta axiológica da igualdade demanda a "discriminação positiva".

O neoconstitucionalismo nasceu no pós-guerra como reação progressista ao formalismo excludente da ordem liberal. "A lei tem que ser legítima, alinhando-se aos princípios constitucionais!", gritaram os juristas indignados com o novelo de artimanhas de uma legalidade meticulosamente construída para negar direitos. Contudo, nas margens dessa revolta modernizante, surgiu uma escola jacobina que prega a reforma social pelo Direito e, não por acaso, repete incessantemente o mantra da "carência de legitimidade" dos atuais parlamentos.

Os fundadores da arquitetura moderna queriam "mudar a cidade para transformar a sociedade". Os juristas jacobinos cultivam o mesmo sonho exagerado, mas escolheram a ferramenta do Direito, o que os coloca em rota de colisão com o poder encarregado de fazer as leis. Fachin não é petista, a não ser num sentido puramente circunstancial. Mais que um partido, precisa de alianças com o "povo organizado": movimentos sociais, entidades corporativas, ONGs. A reengenharia da ordem jurídica, por cima dos representantes eleitos, deve ser vista como produto da vontade da sociedade civil. Fachin compartilha com o PT o objetivo de anular os direitos do Congresso, isto é, do "povo desorganizado".

"Uma Constituição se faz Constituição no desenrolar de um processo constituinte material de índole permanente", pelo recurso a "ações afirmativas" e pelo "resgate de dívidas históricas", escreveu Fachin em 2011. A "revolução permanente" do Direito, pelo ativismo do jurista iluminado –eis o núcleo do seu pensamento. Numa sabatina intelectualmente preguiçosa, os senadores nem mesmo roçaram no tema relevante. Família? Propriedade? Não: Fachin quer transferir para "os juristas que têm lado" o mandato dos deputados e senadores. Alvaro Dias tem razão numa coisa: essa decisão "não é uma questão partidária".

Fonte: Folha de São Paulo, 16/05/2015

quinta-feira, 14 de maio de 2015

A princesa Isabel foi ovacionada por brasileiros de todas as cores e classes pela assinatura da Lei Áurea

Princesa Isabel: Abolição que lhe custou o trono

Destaque:
Na Corte, esperavam o casal de príncipes, mais de dez mil pessoas. Delírio na praça em frente ao paço imperial. Uma explosão de alegria sacudiu a multidão quando a princesa recebeu a legação para a assinatura. Vestida de branco pérola e rendas valencianas, ela assinou a lei com uma caneta cravejada de brilhantes. José do Patrocínio, ajoelhado, beijou-lhe as mãos e foi seguido por outros membros da Confederação Abolicionista. Nabuco discursou, enquanto parte do público dançava. “Tão bom como tão bom” era o grito de guerra dos emancipados, embriagados de liberdade. Isabel ganhou um buquê de camélias e violetas. Depois, foi para o balcão apoiada pelo antigo ministro Cotegipe. Ao perguntar-lhe o que achava do gesto, o velho político respondeu: “Redimiste, sim, Alteza, uma raça; mas perdeste vosso trono…”. Eram cerca de 15 horas.
O troco foi uma ovação. Eram as vozes dos zungús, dos quilombos, das senzalas, dos cafés e redações de jornais da Rua do Ouvidor, da boemia literária. De velhos e jovens, homens e mulheres de todas as classes e condições. A popularidade da família imperial bateu todas as expectativas. Anos mais tarde, o escritor Lima Barreto que tinha sete anos, lembraria das palmas, dos acenos com lenços e vivas. Em todo o império, comoção. “Aclamações populares”, no Maranhão. “Delírio”, no Recife. “Estrondosas manifestações de regozijo popular” em Fortaleza.

A princesa Isabel e a Lei Áurea

A assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, se deu durante a regência da princesa Isabel, enquanto seu pai, D. Pedro II, estava ausente do país para cuidar da saúde na Europa. A princesa tinha razões políticas e religiosas que a aproximaram do movimento abolicionista. Passado o entusiasmo inicial, entretanto, a resistência a um terceiro reinado, com Isabel como imperatriz, voltou. O império cairia pouco tempo depois, perdendo os seus últimos apoiadores – o senhores de escravos. Acompanhe a narrativa dos acontecimentos de Mary del Priore, em “O Castelo de Papel”.

Junto com a opinião pública, Isabel já estava convencida: “Deus me ajude e que a questão da emancipação dê breve o último passo que tanto desejo ver chegar! Há muito a fazer. Mas isto antes de tudo”, escreveu ao pai. Como de praxe, o Barão de Cotegipe (presidente do Conselho de Ministros) perguntou a Regente a quem devia chamar para substituí-lo. Tinha esperanças de indicar um sucessor. Mas ela não lhe deu tempo. Pediu que João Alfredo, conservador e senador por Pernambuco, que apoiava a causa abolicionista, tomasse seu lugar. A escolha foi interpretada como um sinal verde para a causa. Cauteloso, antes de aceitar o cargo, João Alfredo foi pedir a benção a Cotegipe que lhe prometeu: “conte com os meus amigos”.

11 de Março de 1888: o novo gabinete foi acolhido com manifestações de alegria em toda a parte. Do Conselho dos Ministros fazia parte Antônio Prado, na pasta dos negócios Estrangeiros. Até a província do Rio de Janeiro, reduto dos mais influentes de senhores de escravos, dobrou-se. Alguns senhores alforriavam os seus, seguindo o exemplo dos paulistas. Em Minas Gerais, libertações voluntárias se juntaram à iniciativa dos cativos que deixavam pacificamente as fazendas.

A 17 do mesmo mês, Gastão (o conde D’Eu) escrevia à França comentando que a principal tarefa do novo gabinete seria “de votar, ao longo do ano, a abolição definitiva”. Afinal, os escravos por si sós ou por alforrias, iam abandonando senzalas. Faltando apenas três semanas para a assinatura da Lei Áurea, ele escreveu à tia Francisca, externando sentimentos contraditórios em relação ao assunto:

“Conta-se que, brevemente, será votada a abolição completa da escravidão, o que já é uma necessidade, pois quase ninguém a quer mais. E é de se esperar que a maior parte dos negros, apesar de libertos, continuem a trabalhar nas fazendas”.

Mas, abolição já? Segundo Gastão “só com medidas rigorosas e destinadas a satisfazer a lavoura, obrigando os libertos à residência fixa e a procurar ocupação”. Mas ele sabia também que isso seria difícil. Melhor “confiar na Providência que até hoje tem protegido o Brasil e na boa índole da gente”. Ninguém sabia o que ia acontecer menos ainda o novo ministro: haveria ou não indenização pelos libertos? A libertação seria imediata ou haveria um prazo, talvez dois anos? Afinal a colheita de café estava para começar no vale do Paraíba… E não faltava quem prognosticasse: “O que é a emancipação para o Brasil? É a Revolução!”.

Na Fala do Trono, proferida no dia 3 de maio, Isabel mencionou a “extinção do elemento servil pelo influxo do sentimento nacional [...] aspiração aclamada por todas as classes [...] para que o Brasil se desfaça da infeliz herança”. Aplausos e simpatia. Mas, não se falava em data. Porém magistratura, classes armadas, funcionalismo público, imprensa, mocidade das escolas, agricultores, todos se agitavam e cabalavam pela sorte dos cativos.

Em resposta à crescente pressão, almoçaram no palácio imperial, quatorze africanos fugidos de fazendas vizinhas em Petrópolis – anotou o abolicionista André Rebouças. E no mesmo diário, a 12 de maio, acrescentou: “Excedem a mais de mil os escravizados acolhidos a Petrópolis, hospedados pela Comissão Libertadora sob os auspícios de Isabel, a Redentora”. A comissão devia ter alguma relação com a Confederação Abolicionista. Quem a compunha? Pouco se sabe. Rebouças não esclarece e Gastão não a menciona nenhuma vez na abundante correspondência que mantém com a França.

Mal assumiu o governo, João Alfredo recebeu uma representação dos deputados de São Paulo: queriam abolição imediata, incondicional e sem cláusula de serviço. Nada de gradualismos para manter a quietação no país. Na abertura da nova sessão legislativa, o ministro da agricultura, Rodrigo Antonio da Silva, premido pelos paulistas apresentou um projeto de abolição incondicional. Nabuco exortou os parlamentares a esquecer as disputas partidárias diante da importância da questão. Importava conciliar liberais e conservadores contra o escravismo. Uma aliança, ainda que efêmera. Palmas dentro e fora da Câmara, cercada por cerca de cinco mil pessoas. O regime de urgência para a votação foi adotado. Os membros da casa votaram: 83 contra 9. Uma onda de entusiasmo garantiu sua assinatura em sete dias.

Isabel contribuiu. Veio de Petrópolis num domingo, 13 de maio, a fim de transformar, com sua assinatura, o projeto em lei. Exultava: seria aquele um dos mais belos dias de sua vida, se não fosse saber estar o pai doente. Mas, Deus permitiria que D. Pedro voltasse “para tornar-se, como sempre, tão útil à nossa pátria”. A ele, escreveu dizendo-lhe da alegria de “ter trabalhado para ideia tão humanitária e grandiosa”, apesar das noites curtas e excitações de todo o gênero. Estava cansada – rezingava.

Na Corte, esperavam o casal de príncipes, mais de dez mil pessoas. Delírio na praça em frente ao paço imperial. Uma explosão de alegria sacudiu a multidão quando a princesa recebeu a legação para a assinatura. Vestida de branco pérola e rendas valencianas, ela assinou a lei com uma caneta cravejada de brilhantes. José do Patrocínio, ajoelhado, beijou-lhe as mãos e foi seguido por outros membros da Confederação Abolicionista. Nabuco discursou, enquanto parte do público dançava. “Tão bom como tão bom” era o grito de guerra dos emancipados, embriagados de liberdade. Isabel ganhou um buquê de camélias e violetas. Depois, foi para o balcão apoiada pelo antigo ministro Cotegipe. Ao perguntar-lhe o que achava do gesto, o velho político respondeu: “Redimiste, sim, Alteza, uma raça; mas perdeste vosso trono…”. Eram cerca de 15 horas.

O troco foi uma ovação. Eram as vozes dos zungús, dos quilombos, das senzalas, dos cafés e redações de jornais da Rua do Ouvidor, da boemia literária. De velhos e jovens, homens e mulheres de todas as classes e condições. A popularidade da família imperial bateu todas as expectativas. Anos mais tarde, o escritor Lima Barreto que tinha sete anos, lembraria das palmas, dos acenos com lenços e vivas. Em todo o império, comoção. “Aclamações populares”, no Maranhão. “Delírio”, no Recife. “Estrondosas manifestações de regozijo popular” em Fortaleza.

Poetas declamavam em público versos que exaltavam o momento. Panfletos eram distribuídos entre a população: “Arcanjo da liberdade. Da pátria loura esperança. Mimosa flor de Bragança. Celeste núncio de amor [...] vê que os corações humanos, têm todos a mesma cor”, cantava Artur Azevedo. Nos versos de um, Isabel era “uma grande e santa mulher”. Outro celebrava “a era luminosa”. Outro ainda: “rasgou-se a folha negra”. E não faltava quem comemorasse, pedindo em rimas: “Deem-me ai um copo de cerveja”, bebida na moda que substituiu a cachaça. Vez por outra, ouviam-se gritos de “Viva a República”!

Sobre a data, Gastão diria que “o momento psicológico tinha chegado”. Que “a natureza impressionável das raças deste país dava lugar a um entusiasmo sem limites e tocante”. Segundo ele, o sucesso para a monarquia era colossal. Nela se reconhecia “o agente principal de transformação tão ardentemente reclamado”. Voltaram para casa por ruas atapetadas de flores. Em Petrópolis foram recebidos com lanternas chinesas, música, foguetes, um séquito de trinta ex-escravos e chuva. Todos direto para a igreja “rezar o mês de Maria”. Segundo um poético Rebouças, Deus teria visto tudo, “iluminando a cena com relâmpagos e derramando lágrimas de infinito júbilo”. No dia seguinte, “um dia tranquilo”, receberam apenas mais “visitas do que de costume”. Para Gastão, tudo ia bem, “salvo as espoliações tão inevitavelmente impostas aos proprietários retardatários”.

Nos dias subsequentes, houve missa na igreja do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos e o secretário da irmandade, um maçom, expressou sua vontade: “que ao lado de santa Isabel de Portugal, figurasse santa Isabel, a brasileira”.

Fonte: História Hoje, 13/05/2015, por Márcia Pinna Raspanti

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Intervenção militar configura golpe. Entenda porquê.

Para o historiador Marco Antonio Villa, a única saída para a crise política deve ser executada no rigor da lei e estrita à Constituição. Durante as manifestações nos últimos meses, algumas pessoas pediram por uma intervenção militar, mas o historiador explica com datas históricas que qualquer envolvimento dos militares com o comando do país seria um golpe. 

terça-feira, 5 de maio de 2015

Contracultura e o decálogo do partido político desejável sem governante e revolucionário

Luiz Carlos Maciel no lançamento de seu
livro "O Sol da Liberdade" em novembro de 2014
Contracultura foi o nome dado pela imprensa americana, dos anos 60, ao conjunto de mudanças sócio-políticas ensejadas pelas gerações de meados dos anos 50 até à decada de 70 do século passado. Revolução cultural, sobretudo na área dos costumes, deixou como herança desde relações mais horizontais entre os sexos, pessoas mais livres em atitudes e indumentárias, concepção de política como ação cotidiana dos indivíduos, até a criação dos computadores pessoais.

No Brasil, teve o jornalista Luís Carlos Maciel como uma de suas figuras mais expressivas. Maciel manteve uma coluna no jornal O Pasquim (do qual foi um dos fundadores), entre os anos 60 e 70, chamada Underground, onde falava exatamente sobre a revolução contracultural do período. 

Abaixo seguem um vídeo onde Luiz Carlos Maciel apresenta o "Decálogo do Político do Partido Político Desejável sem Governante e Revolucionário!" no programa "Abertura" de Glauber Rocha (TV TUPI, 1979). E outro, de novembro do ano passado, quando lançou seu livro "O Sol da Liberdade"

10 ítens da plataforma de um Partido Político Desejável sem Governante e Revolucionário!de Luiz Carlos Maciel

1. Queremos liberdade. Queremos que todas as pessoas tenham o poder de determinar o seu próprio destino;

2. Queremos justiça. Queremos o fim de qualquer repressão política, cultural ou sexual sobre todos os oprimidos do mundo. Especialmente a repressão contra as mulheres, os negros e todas as minorias;

3. Queremos uma transformação completa do chamado ‘Sistema Legal’, de maneira que as leis, os tribunais e a polícia atuem unicamente em função dos interesses do povo. Queremos o fim de toda e qualquer violência contra o povo; 

4. Queremos uma economia mundial livre, baseada na livre troca de energia e dos materiais, e o fim do dinheiro; 

5. Queremos um sistema educacional livre que ensine a todos os homens, mulheres e crianças da terra exatamente o que todos nós devíamos saber para sobreviver e crescer com todo o nosso potencial de seres humanos;

6. Queremos libertar todas as estruturas do domínio das grandes companhias e transferir todos os edifícios e a terra para o povo; 

7. Queremos um planeta limpo, queremos um povo são; 

8. Queremos acesso livre a todas as informações, a todos os meios de comunicação e a toda a tecnologia; 

9. Queremos a liberdade de todos os prisioneiros mantidos injustamente em prisões e em estabelecimentos penitenciários, queremos que todos os perseguidos sejam devolvidos a comunidade; 

10. Queremos um planeta livre, uma terra livre, comida, teto e roupas para todos, queremos arte livre, cultura livre, meios de comunicação livres, tecnologia livre, educação livre, assistência médica livre, corpos livres, pessoas livres, tempo e espaço livre, tudo livre, para todos.

Compartilhe

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites