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Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Plataformas de autopublicação para lançar seu livro

Publique seu Livro

Diz a sabedoria popular que três coisas o ser humano deve fazer na vida: plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Para aqueles que se aventuram nesse terceiro projeto, mais desafiador do que passar uma boa história para o papel foi, até agora, conseguir publicá-la. Mas isso está mudando. A internet propiciou o aparecimento das chamadas plataformas de autopublicação, que facilitam o processo para os pequenos autores.

Basta cadastrar-se online e converter arquivos em programas de edição de texto, como o Word, para o formato de livro eletrônico (e-book). O processo inclui instruções para que o próprio autor defina a capa e o preço da obra. Feito isso, o livro eletrônico pode ser vendido online para interessados no mundo todo.

Algumas plataformas de autopublicação oferecem também a venda de exemplares impressos, sob pedido (on demand). Não há exigência de tiragem mínima e os royalties para o autor variam de 35% a até 70% do valor de capa, substancialmente mais do que os 10% geralmente oferecidos no mercado editorial convencional. É um caminho novo para quem pretende deixar a história da família para os netos, editar contos eróticos ou distribuir apostilas de um curso.

A Bookess, uma das pioneiras na autopublicação no Brasil, oferece serviços extras, como revisão, elaboração do projeto gráfico e da ficha catalográfica. Mesmo com todos os trâmites, o escritor pode ver seu livro pronto em até 30 dias, a um custo sete vezes mais baixo do que o vigente pelas vias tradicionais.

A nova modalidade atraiu a atenção de grandes empresas como Amazon e Saraiva, que lançaram suas plataformas de autopublicação em português, em dezembro de 2012 e em junho de 2013, respectivamente. O diretor-geral da Amazon.com.br, Alex Szapiro, destaca a importância do novo caminho para obras que antes ficariam engavetadas, uma vez que as editoras convencionais têm capacidade limitada para revisar manuscritos.

Os livros publicados pela plataforma gratuita Kindle Direct Publishing (KDP) alcançam, por semana, em média, 20% dos mais vendidos no Brasil pela Amazon.com. Mas é um sistema que está só começando por aqui. Na Alemanha já atinge 50%; na França e na Espanha, 40%. Nos Estados Unidos, editoras tradicionais têm recorrido à autopublicação para garimpar novos autores, a exemplo de E. L. James, que começou pela KDP, antes de se tornar campeã de vendas com o título “50 tons de cinza”.

Deric Guilhen, diretor de produtos digitais da Saraiva, enxerga na autopublicação mais uma opção para os leitores. “Temos o maior site de venda de livros do Brasil, não podíamos ficar de fora desse movimento. Mas não nos esquecemos da importância do processo de curadoria convencional para as editoras”, pondera. Dos 25 mil títulos à venda na loja digital da Saraiva, cerca de 10% são da plataforma Publique-se, que possui 11,5 mil autores cadastrados.

“A falta de um trabalho editorial profissional prejudica a qualidade do texto final”, afirma Susanna Florissi, coordenadora da Comissão do Livro Digital da Câmara Brasileira do Livro (CBL). Para Marcelo Cazado, diretor executivo da Bookess, a tendência é a de que a autopublicação domine o mercado: “Muitos escritores têm recusado convites para migrar para grandes editoras por terem mais flexibilidade na autopublicação e mais autonomia para definir seus próprios preços e políticas de direitos autorais”. / COLABOROU DANIELLE VILLELA

COMO FUNCIONA:

Bookess

Escritores recebem 50% do valor de capa das suas obras, sem exigência de exclusividade. As obras podem ser publicadas no formato de livro eletrônico ou impressas sob pedido.

KDP (Amazon)

O autor é remunerado com até 70% do valor de capa de obras exclusivas na plataforma da Amazon ou com 35% para obras disponíveis em outras lojas. Apenas no formato e-book.

Publique-se (Saraiva)

Remuneração para o autor de até 35% do valor de capa da obra, sem exigência de exclusividade. Apenas no formato e-book.

Fonte: Estado de São Paulo, Celso Ming, 04/04/2014

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Encerrando o resgate sobre o regime militar em 3 partes: queda de Jango; período ditatorial; abertura, anistia e redemocratização

Presidentes Militares
Em meio a avaliações muito ideologizadas do período militar, a Jovem Pan trouxe um resgate mais equilibrado e bem didático desta página de nossa História que precisamos conhecer com a devida imparcialidade. Ninguém pode negar que os militares instituíram um regime autoritário que, no período do AI-5 (1968-1978), tornou-se francamente ditatorial, promovendo a censura aos meios de comunicação e à cultura em geral, prendendo, torturando e matando até gente que nada tinha a ver com lutas armadas ou congêneres. Em texto e áudio (mas o áudio é imperdível). Muito bom.

Conjuntura que levou à queda de Jango




Pré-Golpe


 O golpe militar começou a ser desenhado bem antes de 1º de abril de 1964, curiosamente o "dia da mentira". Em 25 de agosto de 1961, o então presidente Jânio Quadros renunciava ao posto mais alto da República, com menos de 7 meses à frente da Presidência, fomentando uma grave crise política. Quadros esperava que o Congresso não aceitasse sua renúncia por causa do vice, João Goulart, que era de esquerda, mas a legalidade foi cumprida e Jânio caiu.

Os militares até tentaram já em 1961 impedir que Jango assumisse. Mas o parlamentarismo foi uma das saídas encontradas na época para acalmar os ânimos. O sistema de governo durou pouco mais de um ano, até 24 de janeiro de 1963, quando o povo decidiu nas urnas que queria a volta do presidencialismo.

Um ano depois, com os poderes restaurados e praticamente isolado politicamente, Jango convocou um grande comício em 13 de março de 1964, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, “pela emancipação econômica, pela justiça econômica e ao lado do povo, pelo progresso do Brasil”. João Goulart defendia as reformas de base, mas tinha cada vez menos força política. Ele era acusado de tentar instaurar o comunismo no País com um golpe. Em 19 de março, veio a resposta conservadora ao comício, com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que levou milhares à Praça da Sé, em São Paulo.

O Golpe

“Atenção, Brasil! Atenção, Minas Gerais! As tropas do segundo exército já sitiaram o estado da Guanabara”, anunciava o locutor num tom urgente. Entre 31 de março e 1º de abril de 1964, as tropas do General Olímpio Mourão Filho deixavam Juiz de Fora em direção ao Rio de Janeiro. Acuado, João Goulart foi para o Rio Grande do Sul.

O presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarou então, aos berros a vaga aberta de Jango. "Numa hora gravíssima da vida brasileira, (João Goulart) abandonou o governo, e esta comunicação faço ao Congresso Nacional. Assim sendo declaro vaga a Presidência da República”, delara Auro, como pode ser ouvido no áudio original acima, para delírio dos presentes.

Professor emérito da UFRJ, José Murilo de Carvalho classifica o golpe de civil-militar. “Ninguém previu a natureza do golpe”, argumenta. Boris Fausto, historiador da USP, concorda: "Houve toda uma corrente que jamais imaginou que o episódio de 1964 fosse dar no que deu", diz.

Erguendo o regime

O Congresso Nacional elegeu, então, o general Humberto de Alencar Castello Branco como presidente. Ele prometia entregar o cargo em janeiro de 1966, como é possível ouvir no áudio original da época.

Logo estabeleceu os dois primeiros Atos Institucionais, que legitimaram o arbítrio, as cassações e a eleição indireta para presidente. Vários partidos foram extintos, permanecendo apenas o ARENA, representante governista e o MDB, de oposição. Castelo cassou o mandato de Juscelino Kubitschek, ex-presidente e senador pelo PSD, um nome forte para a esperada - e prometida - sucessão em 1965. Juscelino era acusado de corrupção e até de ser comunista, algo que nunca desmonstrara em seu governo de 1956 a 1961.

O biógrafo do político mineiro, Ronaldo Costa, diz que Castello Branco cometeu uma traição, pois tomou posse dizendo que passaria o poder para quem fosse eleito nas eleições diretas programadas para outubro de 1965, mas não cumpriu a palavra.

Outro forte concorrente ao Palácio do Planalto era Carlos Lacerda, da UDN, que apoiou o golpe, mas, deixado de lado, tornou-se um dos mais ferrenhos críticos do governo de Castelo, que prorrogou o próprio mandato por mais um ano. “Se em 1964, o perigo era o comunismo, nesse momento o perigo é entregar o Brasil a grupos econômicos americanos, como entregou o Governo Castelo Branco”, diz ainda Lacerda.

Mesmo com as cassações, para o historiador Marco Antonio Villa, o Brasil ainda não vivia uma Ditadura propriamente. "Uma falácia que diz que tem 21 anos. A Ditadura Militar, entre 1964 a 1968, foi um regime autoritário, mas não ditatorial. E por quê? Nós tivemos ainda um período de relativa liberdade de imprensa, uma grande explosão cultural, os festivais de música, o teatro, o cinema", argumenta. Para Villa, o período autoritário estava prestes a começar e duraria apenas 10 anos, de 1968 a 1978.

Próximo capítulo

Em 1967, tomava a conta o segundo presidente militar, Artur da Costa e Silva. “Prometo manter, defender e cumprir a constituição”, dizia também ao tomar posse. Os militares denominavam o Golpe de Revolução de 31 de março. “Nossa revolução foi justamente o coroamento de uma aspiração popular irreversível e impossível de deixar de atender”, proclamava Costa e Silva.

A Ditadura parecia, de fato, irreversível. E tornar-se-ia ainda mais em dezembro de 1968, sem nenhuma aspiração popular, com a promulgação do Ato Institucional nº 5, como veremos no próximo capítulo da série de 50 anos da Ditadura Militar.

AI 5, tortura e Milagre Econômico




O período militar brasileiro até 1968, mesmo sendo um regime imposto pela força, ainda contava com um certo grau de liberdade, especialmente no campo da liberdade de expressão. No entanto, após protestos estudantis, rebeliões em setores das forças armadas e ataques ao governo, o jogo se inverteu e a repressão a opositores se enrijeceu como nunca fora visto.

"O presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores por ato complementar em estado de sítio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo presidente da República", anunciava a rádio da época, como é possível ouvir acima, com todos os áudios aqui descritos resgatados do período.

O quinto AI

O AI 5, editado em 13 de dezembro de 68 pelo governo Costa e Silva, representou o "golpe dentro do golpe" e inaugurava os "anos de chumbo" do Regime Militar. Entre os pretextos para o ato, estava o discurso do deputado Márcio Moreira Alves, que chamou o exército de "valhacouto de torturadores". Os militares queriam que o Congresso Nacional punisse o parlamentar.

Da tribuna da Câmara, ele rebatia: "Não se julga aqui um deputado. Julga-se uma prerrogativa essencial do poder legislativo, livre como o ar, livre como o pensamento a que dá guarida deve ser a tribuna do povo". Moreira Alves não foi punido, mas o país sim. Com o AI-5, o Congresso ficou fechado por 10 meses.

O ex-ministro Delfim Neto não demonstra constrangimento por ter participado da assinatura do ato institucional. "Se as condições fossem as mesmas e o futuro não fosse opaco, eu repetiria", disse durante sessão da Comissão da Verdade de São Paulo em 2013. "Eu não só assinei o Ato 5, como assinei a Constituição de 1988", tenta justificar-se Delfim.

"Baixaram as trevas sobre o País", decreta o jornalista Zuenir Ventura. Era o fim de direitos essenciais como o habeas corpus, a liberdade de expressão, a liberdade de reunião. "(O AI 5) acabou com tudo", diz Ventura. O país das ilusões deu lugar ao país do arbítrio, da censura aos meios de comunicação e da tortura.

O historiador da USP, Boris Fausto, diz que "foi um golpe dentro do golpe" e também lamenta o período de tortura e violência que prosseguiu ao Ato: "Foi um dos períodos mais tristes da história brasileira", avalia.

Junta militar

Em agosto de 1969, o presidente Costa e Silva sofreu um derrame cerebral. O incidente foi um divisor de águas dentro do regime. A linha dura não deixou que o vice-presidente, o civil Pedro Aleixo, tomasse posse. Uma junta militar ficou no poder por dois meses, período em que movimentos revolucionários sequestraram o embaixador americano Charles Elbrick.

Elbrick ficou detido por dois dias e foi liberto após os governantes cumprirem o pedido dos sequestradores, de libertar 15 presos políticos do Regime.

Médici

Ainda em 1969, o Congresso Nacional elegia o novo presidente, o terceiro do Regime Militar. "Mais um grande momento histórico com a posse do novo presidente da República Federativa do Brasil, General Emílio Garrastazu Médici e do vice-presidente, almirante Augusto Rademaker", anunciavam as ondas do rádio.

Médici gostava de evocar a palavra paz, que não combinava com os tempos vividos pelo Brasil. "Seja esse primeiro momento um momento de fé e confiança (...) para o bem estar de nossos povos e confiança comum na causa da justiça, do progresso e da paz", disse Emílio em discurso no primeiro encontro com o Presidente Richard Nixon, dos Estados Unidos da América, em 7 de dezembro de 1971.

"Milagre Econômico"

Neste encontro com Nixon, o Brasil já era tricampeão mundial de futebol, título alcançado pela seleção canarinho um ano antes, no México. Os feitos de Pelé e Cia. foram amplamente utilizados na esfera política para, junto com o grande crescimento econômico que o País vivia, validar o governo regente.

"O presidente Médici inaugurou oficialmente o trabalho de construção da rodovia Transamazônica e uma das obras essenciais do Programa de Integração Nacional elaborado pelo atual Governo", dizia a rádio. Os militares afirmavam que o "Brasil Grande" tinha três obras: a Transamazônica (que nunca foi concluída), a Ponte Rio-Niterói e o tricampeonato mundial de futebol.

O ufanismo fabricado tomou conta do Brasil: a economia crescia a passos largos. Em 1973 foi registrada uma expansão do PIB de 14%: um "milagre".

Tortura

Já nos porões dos orgãos de repressão como DOPS e Doi-Codi, os opositores, os considerados subversivos e a luta armada sofriam com a tortura. O irritado tenente-coronel Brilhante Ustra comtemporizava: "Ninguém foi morto lá dentro do Doi. Todos foram mortos em combate", esbraveja em depoimento à Comissão da Verdade, que apura os crimes da época, em Brasília. "Não faço acareação com ex-terrorista, não faço!", disse ainda em maio do ano passado em referência a Gilberto Natalini.

Já o ex-ministro Jarbas Passarinho, que apoiou o AI-5, não tinha como negar: "Reale júnior me faz a pergunta: 'o sr. acha que teve ou não tortura no Brasil'. Eu digo: 'eu acho'", depôs Jarbas.

O autor da biografia de Carlos Marighella, o jornalista Mário Magalhães, lembra que o regime transformou os gerrilheiros em inimigos públicos: "O então ministro da justiça (Luiz Antonio) Gama e Silva declarou Carlos Marighella, um dos líderes da luta armada do Brasil, inimigo público número um".

Carlos Marighella foi morto em uma emboscada feita pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, na Alameda Casa Branca, em São Paulo.

A luta pela anistia - próximo capítulo

Em 1974, tomava posse Ernesto Geisel, o quarto presidente militar. "Prometo manter, defender e cumprir a constituição", disse Geisel, de maneira protocolar, em sua posse.

Ainda sob a égide do AI-5, a oposição com o MDB ganhava força e o presidente Geisel prometia a distenção gradual e segura, mas lenta, muito lenta. No terceiro e último capítulo da série "O passado que não passa", veremos a lei da anistia, a abertura do regime e os avanços do Brasil durante os 21 anos de ditadura.

A redemocratização e os legados cultural e econômico





Esta é a terceira parte do especial Jovem Pan de resgate à memória sonora do Regime Militar, cujo golpe que o instaurou completa 50 anos no dia primeiro de abril. Depois das deposições políticas que deram início ao governo autoritário e da violenta repressão imposta pelo AI-5, era chegado finalmente o momento da reabertura política e da transição democrática. O presidente Ernesto Geisel prometia, sim, a abertura do regime, de forma "gradual e segura", mas lenta, muito lenta.

"Sem violência"

O milagre econômico já não era mais tão milagroso assim - a crise do petróleo pressionava a inflação e exigia habilidade do chefe militar. Geisel pronunciava que "o Brasil soube amadurecer suficientemente para em horas que exigem decisão e objetividade (...) superar situações transitórias", como é possível ouvir no áudio acima, assim como todos os áudios abaixo descritos.

Aos poucos, a oposição do MDB foi ganhando espaço, o que provocou divisões dentro do exército, que não sabia conviver com a política. A morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, é até hoje simbólica, e aumentou as cobranças pela abertura, como defendia Dom Frei Paulo Evaristo Arns. "Não queremos nunca mais uma revolução semelhante àquela" pregava o religioso. "Gostaríamos de que a transição fosse discutida com o povo, mas sem violência", pedia o então arcebispo de São Paulo.

O debate sobre a abertura política passou longe da população, mas os tempos eram outros: Ernesto Geisel revogou o AI5 e os demais atos, em outubro de 1978.

Anistia

O novo presidente, general João Batista Figueiredo, assumiu o cargo no ano seguinte.

Pela primeira vez um presidente militar falava abertamente em redemocratização: "Por um regime político em que há liberdade de todos", dizia o líder. "Espero ver os anistiados reintegrados na vida nacional", proclamou Figueiredo.

João Batista Figueiredo assinou a lei da anistia, nem tão ampla e irrestrita como queria o senador Paulo Brossard, congressista do MDB. "Votado hoje o projeto da anistia restrita", bradava Brossard, "o da anistia mesquinha, da anistia calúnia, o da anistia paralítica!".

O ano de 1979 foi marcado pela anistia, pelo início da formação de novos partidos e a maior participação popular com as greves no ABC paulista. "Existe um trabalho a ser feito nos bairros e, o que é mais importante, ninguém ir até a porta da fábrica", dizia um certo Luiz Inácio Lula da Silva, para o brado do povo que o escutava.

A inflação subia e faltava gasolina. A extrema direita, contrária a abertura, promovia atentados, como o cometido contra a sede da OAB carioca. Em 1981, a quase tragédia no Rio Centro ampliou ainda mais o abismo entre os próprios os militares.

Legado

Os 21 anos do regime deixaram legados para ou bem ou para o mal. O Brasil virou um país urbano. O historiador Marco Antônio Vila cita a evolução econômica: "No ano de 1973, o Brasil cresceu 14%, portanto nós tivemos um processo de industrialização intenso (...) e uma revolução na infraestrutura", avalia.

O jornalista Etevaldo Siqueira, especialista em telecomunicações, destaca que o Brasil foi interligado. "O país não tinha telecomunicações", diz. "O fato de ligarem o Brasil ao mundo via satélite e via cabos submarinos foi realmente um grande avanço", confirma Etevaldo.

Apesar do arbítrio e da violência, o escritor e jornalista Zuenir Ventura ressalta a intensa produção cultural do período, justamente em contraposição ao regime instaurado. "Teve uma vitalidade muito grande no sentido de resistir à Ditadura. É aquela coisa de 'apesar de você'", diz Ventura, lembrando a música de Chico Buarque que tentava trazer esperança de dias melhores em meio à perseguição política.

O passado que não passa e o futuro que se vislumbra

"Nunca em nossa história que vemos tanta gente nas ruas para reclamar a recuperação dos direitos de cidadania e manifestar seu apoio aos candidatos", bradava Tancredo Neves em 1985, durante a campanha pelas Diretas. Votos diretos que o elegeriam.

E o primeiro baque pós-Regime Militar veio logo em seguida, com o doloroso anúncio da morte do presidente eleito: "Lamento informar que o excelentíssimo senhor Presidente da República Tancredo de Almeida Neves faleceu nesta noite", dizia o secretário de imprensa da Presidência da República, o jornalista Antônio Britto, na sala de imprensa do Instituto do Coração. Sarney assumiu, prometendo "manter, defender, cumprir a Constituição".

E a nova Constituição, que fechava de vez com o ciclo autoritário legal, foi proclamada com muita comemoração pelo presidente da Assembleia Nacional Constituinte, em 1988, o deputado Ulysses Guimarães: "Declaro promulgada (fortes aplausos) o documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil". Apesar de ainda conviver com um passado sombrio e que custa a passar, o país já aprendeu a olhar para o futuro. "Que Deus nos ajude e que isso se cumpra", finaliza Ulysses.

Fonte: Jovem Pan, 27/03/2013

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Estado brasileiro: muito imposto e pouco retorno em serviços e qualidade de vida


Brasil é o pior em retorno de imposto à população, aponta estudo
     
Pela quinta vez consecutiva, o Brasil é o país que proporciona o pior retorno de valores arrecadados com tributos em qualidade de vida para a sua população.

A conclusão consta de estudo do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação) que compara 30 países com maior carga tributária em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) e verifica se o que é arrecadado por essas nações volta aos contribuintes em serviços de qualidade.

Estados Unidos, Austrália e Coreia do Sul ocupam respectivamente as primeiras posições do ranking. O Brasil está em 30º lugar, atrás da Argentina (24º) e do Uruguai (13º), quando se analisa o retorno de tributos em qualidade de vida para a sociedade.

Para medir esse retorno, o instituto criou em 2009 o Irbes (Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade). No Brasil, ele é de 135,34 pontos; nos EUA, 165,78.

O indicador de retorno é resultado da soma de dois outros parâmetros usados pelo IBPT: a carga tributária em relação ao PIB (soma das riquezas de um país), com ponderação de 15% na composição do índice, e o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), calculado com base em dados sobre educação, renda e saúde e que serve para medir o grau de desenvolvimento econômico. Esse indicador tem peso de 85% na composição do Irbes.

Para a carga tributária, o estudo considera as informações da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). Os dados de IDH usados são da ONU (Organização das Nações Unidas). Ambos são de 2012, último dado disponível.

No Brasil, a carga fiscal em 2012 foi de 36,27%, segundo mostra o levantamento do instituto, que atua no setor.

FISCO

A Receita Federal informou que não comentaria o assunto. Para o Fisco, a carga tributária do Brasil em 2012 foi de 35,85%. O resultado de 2013 ainda não foi divulgado.

Os percentuais do IBPT e da Receita são diferentes porque o instituto considera no cálculo os valores pagos com multas, juros e correção, contribuições e custas judiciais.

Para o presidente do IBPT, João Eloi Olenike, o estudo reforça e mostra a necessidade de cobrar dos governos de todas as esferas -federal, estadual e municipal- a melhor aplicação dos recursos pagos pelos contribuintes.

"Os brasileiros foram às ruas recentemente em protestos em que as faixas também mostravam a insatisfação com a elevada carga tributária e o pouco retorno em qualidade de vida", diz.

RANKING

Na edição anterior do levantamento, o Japão ocupava a quarta posição. Neste ano, passou para sexta. Já a Bélgica estava em 25º lugar e passou para a 8ª colocação.

Fonte: Claudia Rolli, Folha de São Paulo, 03/04/2014

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Esquerda autoritária tem dupla moral: quer punição para militares de uma ditadura extinta há 30 anos, mas apoia a ditadura comunista de Cuba e a tirania chavista na Venezuela


Nesses últimos dias, por ocasião dos 50 anos da deposição de Jango Goulart da Presidência da República, em 31/03/1964, oficializada em 02/04/1964, assistimos a um verdadeiro show de hipocrisia e vigarice intelectual da atual autodenominada esquerda socialista bolivariana. Está  bem claro, para quem não é analfabeto político, que essa esquerda não está apenas em busca da memória, da justiça e muito menos da verdade. Sua busca é por vendetta e sua intenção reescrever a História na base dos filmes de faroeste onde ela, esquerda, seria o mocinho e os militares os bandidos simplesmente. E essa visão distorcida e maniqueísta desse conturbado período de nossa história tem sido multiplicada pela imprensa, em geral, com raras exceções. Uma dessas exceções fica por conta dos textos do historiador Marco Antonio Villa que recentemente lançou o livro 
Ditadura à Brasileira. 1964-1985. A Democracia Golpeada à esquerda e à direita’. Villa aborda o período militar e as condições que o engendraram de uma forma mais objetiva e imparcial do que a vista nas páginas dos jornais nos últimos dias.

Na entrevista e texto abaixo, o historiador fala do regime militar e se dedica a apontar a hipocrisia dessa esquerda que tanto demoniza os militares e sua ditadura embora quisesse impor a sua ao país. Vale lembrar também que até hoje essas viúvas do Muro de Berlim continuam tendo como Meca a relíquia comunista dos Castro de Cuba. E que defendem a tirania de Nicolás Maduro, na Venezuela, embora esta em tudo se assemelhe à ditadura dos tempos dos generais. Um peso e duas medidas sempre.

“A ditadura foi do AI-5 até 31 de dezembro de 1978″, afirma Marco Antonio Villa
Em entrevista exclusiva ao Portal Vox, historiador comenta o livro “Ditadura à Brasileira”, o legado do positivismo e a Comissão da Verdade.

Portal Vox – “Ditadura à Brasileira” defende a tese de que o regime militar brasileiro não durou 21 anos, mas sim o período compreendido pelo Ato Institucional 5. Algumas resenhas sobre a publicação questionaram essa afirmação porque ela desqualifica a tortura praticada nos períodos entre 1964 e 1968 e 1979 a 1985. Você concorda com essa crítica?
Marco Villa – Digo que a ditadura foi do AI-5 (13 de dezembro de 1968) até 31 de dezembro de 1978. Com a entrada em vigência da Emenda Constitucional nº 11 a 1 de janeiro de 1979, que restabeleceu as imunidades parlamentares, não é possível falar em ditadura. Explicando melhor: de 1964 a 68 temos a realização, em 1965, de eleição em 11 estados para os governos estaduais. Eleições diretas, livres e com o antigo quadro partidário (UDN, PSD, PTB etc). Tivemos a enorme explosão musical (os célebres festivais), do teatro, literatura, inúmeras publicações editoriais no campo da política, especialmente. Além de eleições em novembro de 1966 e 1968 (aí já em outro quadro partidário). Deve ser lembrada a passeata dos cem mil (junho de 68), impensável em uma ditadura. De 1968 a 1978, obviamente, foi ditadura. Já de 1979 para frente, não. Tivemos a anistia de 1979 (que ditadura fez isso?), a eleição de 1982 (com a vitória oposicionista em estados chaves, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, a campanha das diretas). Tudo isso é possível em uma ditadura? Com relação ás torturas, estas, infelizmente, sempre existiram no Brasil. Teve vários casos entre 1964 e 1968, mas em quantidade infinitamente menor. E hoje as torturas continuam aí, só que em relação aos “presos comuns”.

Portal Vox -O Brasil de 1964 era politicamente repartido e estava estagnado social e economicamente. Esse cenário não foi uma exclusividade dos anos 1960. Mesmo após a redemocratização, o país viveu períodos semelhantes. Por que só em 1964 um golpe de Estado foi desencadeado?
Marco Villa – É que as contradições e a tensão política tinham atingido um nível nunca alcançado na história republicana. 

Portal Vox - Em geral, João Goulart é apresentado nas salas de aula como um político competente, vítima do destino e da direita. Como você avalia essa visão e a abordagem aplicada pelos professores do Ensino Médio quando abordam a ditadura brasileira?
Marco Villa – Puro panfleto, sem qualquer base histórica. Reconheço que sou dos poucos que tentam remar contra a corrente e apresentar o Jango histórico e não aquele construído pelos hagiógrafos.

Portal Vox -Tanto a direita pré-Vargas como o Partido Comunista Brasileiro demonstravam antipatia pela estrutura democrática. O positivismo é a resposta para essa divisão? Há resquícios do positivismo na política brasileira moderna?

Marco Villa – O positivismo é o fantasma que rondou o século XX brasileiro. A direita brasileira – da qual o getulismo é parte integrante – teve no positivismo o principal instrumento ideológico. E a esquerda brasileira também “bebeu” nesta fonte. Lembre-se que uma grande leva de militares nos anos 20, 30 e 40, de forma positivista, como Prestes, aderiram ao PCB.

Portal Vox - João Goulart bancou um ministro de Guerra que aceitou entregar uma carta de demissão assinada – algo pouco usual. Logo depois, aproveitou as insinuações de golpe militar de Carlos Lacerda para decretar o estado de sítio. O Brasil de 1964, na prática, conviveu com tentativas de golpe da esquerda, da direita e do presidente em exercício?

Marco Villa – Sim. A direita tinha vários golpes em preparação e a esquerda também. Demonstro isso no meu “Ditadura à Brasileira”, logo no primeiro capítulo.

Portal Vox - Quando Goulart saiu de cena, Castelo Branco foi submetido a uma eleição de via única. Tancredo Neves não aceitou votar. Juscelino Kubitschek, celebrado como um ícone da democracia, seguiu caminho diferente, concedendo apoio ao militar. O que explica essa controversa decisão?

Marco Villa – JK pensava garantir a eleição de outubro de 1965. Imaginava que venceria. Para ele, Castelo seria uma espécie de Lott. Em 1955, Lott garantiu a posse de JK com um golpe de estado (em novembro). Mas 1964 não repetiu 1955, como sabemos. Ou seja, a leitura da conjuntura foi absolutamente errada.

Portal Vox - O livro cita a concessão da liberdade cultural e o financiamento de projetos de arte como meios de aproximação entre a ditadura e a elite intelectual. O elo com a classe média era mantido apenas com o milagre econômico?

Marco Villa – O crescimento econômico garantiu apoio da classe média. Enquanto a economia cresceu, o regime teve apoio popular. A partir de 1979 houve a somatória da crise econômica e do enorme desgaste político do regime. O trágico governo Figueiredo representou muito bem este momento. 

Portal Vox - A ditadura sofreu uma tentativa de golpe arquitetada por Sylvio Frota, ministro do Exército entre 1974 e 1977. Outras ditaduras da América do Sul sofreram com “revoluções internas”?

Marco Villa – A derrota de Frota foi fundamental para que o Brasil não virasse a Argentina. O 12 de outubro de 1977 acabou sendo uma data essencial para o processo de distensão de Geisel. Se Frota tivesse vencido, a repressão anterior – que já tinha sido violenta – iria parecer brincadeira de criança.

Portal Vox - Em 2009, comentando as escaladas de Chávez e Fujimori, a Folha foi muito criticada ao classificar a ditadura brasileira como uma “ditabranda”. Na comparação com as ditaduras da América do Sul promovidas nos últimos 50 anos, a instituída no Brasil foi a mais moderada? Em que os regimes dos demais países diferiam do nosso?

Marco Villa – Ditabranda é uma expressão infeliz. É necessário entender – e o meu “Ditadura á Brasileira” desenvolve extensamente esta questão – que a ditadura no Brasil teve características distintas daquelas dos países do Cone Sul. Uma delas, por exemplo, foi sobre a presença do Estado na economia. No Brasil, o regime estatizou amplos setores da economia, na Argentina ocorreu o processo inverso. Isto deve ser explicado pela formação ideológica distinta dos exércitos brasileiro e argentino. E aqui voltamos à questão do positivismo e sua forte influência no Brasil. 

Portal Vox - Em 17 de abril de 1980, o governo Figueiredo enquadrava Lula e mais dez dirigentes sindicais por desordem. Lançado em dezembro de 2013, “Assassinato de Reputações”, livro de Romeu Tuma Junior, cita o ex-presidente como informante da ditadura. Você acredita nessa informação?

Marco Villa – Não li o livro do Tuma. Mas é inegável que Lula recebeu um tratamento VIP quando foi detido por 4 semanas no DOPS. Ele mesmo conta isso em várias entrevistas que deu sobre o tema. 

Portal Vox - Na redemocratização, o país ficou dividido entre o PMDB e a Arena. É possível afirmar que a inabilidade política de Paulo Maluf, que tentou de todas as maneiras ser candidato a presidente, cooperou para a derrota da Arena tanto quanto o trabalho de Tancredo Neves?

Marco Villa – A candidatura Maluf acabou caindo como uma luva. Uniu a oposição, especialmente após a derrota da emenda Dante de Oliveira. Ele representava o que havia de pior no regime. Neste caso, por vias transversas, Maluf colaborou para a redemocratização do Brasil.

Portal Vox - No dia 22 de março, em São Paulo, centenas de pessoas se reuniram para reproduzir a “Marcha da Família com Deus”. Isso não acaba fortalecendo a esquerda?

Marco Villa – As marchas, hoje, não têm qualquer significado. Participaram uns gatos pingados. Fato, portanto, sem qualquer significação política. No Rio tentaram repetir o comício da Central: foram 150 pessoas ao ato! O Brasil vive um momento radicalmente distinto, ainda bem.

Portal Vox - Os partidos brasileiros costumam evitar o rótulo da direita. Isso é uma herança da ditadura ou imaturidade ideológica?

Marco Villa – É difícil saber porque a direita não quer saber de ser chamada de direita. Faria muito bem para o país um verdadeiro partido Liberal, por exemplo. Mas no Brasil a ideologia morreu – e faz tempo. Todo mundo quer um naco do poder. E só. Programa político, de direita ou de esquerda, ninguém quer saber.

Portal Vox - Em uma das reuniões da Comissão Nacional da Verdade, a “Internacional Socialista” foi executada. A esquerda criou uma visão excessivamente romântica a respeito de 1964?
Marco Villa –A Comissão da Verdade não deve chegar a nenhum resultado. Escrevi sobre quando ela foi criada. Sempre dou como exemplo positivo o que ocorreu na África do Sul. Nelson Mandela criou a Comissão da Verdade e Reconciliação. O objetivo não era vingança – e não faltam motivos para isso. Era que todos conhecessem o passado. E assim foi feito. Viu-se os dois lados e a população pode chegar - cada um – a sua interpretação do que tinha ocorrido. Mas no Brasil não tivemos um Mandela, tivemos Dilma.

Fonte: Portal Vox, 31/03/2014

Esquerda tinha ditaduras como modelo

Marco Antonio Villa

Durante a ditadura, a oposição de esquerda transformou a experiência dos países socialistas em referência de democracia. A ditadura do proletariado foi exaltada como o ápice da liberdade humana e serviu como contraponto ao regime militar. A falácia tinha uma longa história. Desde os anos 1930 brasileiros escreveram libelos em defesa do sistema que libertava o homem da opressão capitalista.

Tudo começou com URSS, Um Novo Mundo, de Caio Prado Júnior, publicado em 1934, resultado de uma viagem de dois meses do autor pela União Soviética. Resolveu escrevê-lo, segundo informa na apresentação, devido ao sucesso das palestras que teria feito em São Paulo descrevendo a viagem. À época já se sabia do massacre de milhões de camponeses (a coletivização forçada do campo, 1929-1933) e a repressão a todas os não bolcheviques.

Prado Júnior justificou a violência, que segundo ele “está nas mãos das classes mais democráticas, a começar pelo proletariado, que delas precisam para destruir a sociedade burguesa e construir a sociedade socialista”. A feroz ditadura foi assim retratada: “O regime soviético representa a mais perfeita comunhão de governados e governantes”. O autor regressou à União Soviética 27 anos depois. Publicou seu relato com o título O Mundo do Socialismo. Logo de início escreveu que estava “convencido dessa transformação (socialista), e que a humanidade toda marcha para ela”.

Em 1960, Caio Prado não poderia ignorar a repressão soviética. A invasão da Hungria e os campos de concentração stalinistas estavam na memória. Mas o historiador exaltava “o que ocorre no terreno da liberdade de expressão do pensamento, oral e escrito”, acrescentando: “Nada há nos países capitalistas que mesmo de longe se compare com o que a respeito ocorre na União Soviética”. E continua escamoteando a ditadura: “Os aparelhos especiais de repressão interna desapareceram por completo. Tem-se neles a mais total liberdade de movimentos, e não há sinais de restrições além das ordinárias e normais que se encontram em qualquer outro lugar.”

Seguindo pelo mesmo caminho está Jorge Amado, Prêmio Stalin da Paz de 1951. Isso mesmo: o tirano que ordenou o massacre de milhões de soviéticos dava seu nome a um prêmio “da paz”. Antes de visitar a União Soviética e publicar um livro relatando as maravilhas do socialismo – o que ocorreu em 1951 -, Amado escreveu uma laudatória biografia de Luís Carlos Prestes. A União Soviética foi retratada da seguinte forma: “Pátria dos trabalhadores do mundo, pátria da ciência, da arte, da cultura, da beleza e da liberdade. Pátria da justiça humana, sonho dos poetas que os operários e os camponeses fizeram realidade magnífica”.

A partir dos anos 1970, o foco foi saindo da União Soviética e se dirigindo a outros países socialistas. Em parte devido aos diversos rachas na esquerda brasileira. Cada agrupamento foi escolhendo a sua “referência”, o país-modelo. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) optou pela Albânia. O país mais atrasado da Europa virou a meca dos antigos maoistas, como pode ser visto no livro O Socialismo na Albânia, de Jaime Sautchuk. O jornalista visitou o país e não viu nenhuma repressão. Apresentou um retrato róseo. Ao visitar um apartamento escolhido pelo governo, notou que não havia gás de cozinha. O fogão funcionava graças à lenha ou ao carvão. Isso foi registrado como algo absolutamente natural.

O culto da personalidade de Enver Hoxha, o tirano albanês, segundo Sautchuk, não era incentivado pelo governo. Era de forma natural que a divinização do líder começava nos jardins de infância onde era chamado de “titio Enver”. As condenações à morte de dirigentes que se opuseram ao ditador foram justificadas por razões de Estado. Assim como a censura à imprensa.

Com o desgaste dos modelos soviético, chinês e albanês, Cuba passou a ocupar o lugar. Teve papel central neste processo o livro A Ilha, do jornalista Fernando Morais, que visitou o país em 1977. Quando perguntado sobre os presos políticos, o ditador Fidel Castro respondeu que “deve haver uns 2 mil ou 3 mil”. Tudo isso foi dito naturalmente – e aceito pelo entrevistador.

Um dos piores momentos do livro é quando Morais perguntou para um jornalista se em Cuba existia liberdade de imprensa. A resposta foi uma gargalhada: “Claro que não. Liberdade de imprensa é apenas um eufemismo burguês”. Outro jornalista completou: “Liberdade de imprensa para atacar um governo voltado para o proletariado? Isso nós não temos. E nos orgulhamos muito de não ter”. O silêncio de Morais, para o leitor, é sinal de concordância. O pior é que vivíamos sob o tacão da censura.

O mais estranho é que essa literatura era consumida como um instrumento de combate do regime militar. Causa perplexidade como os valores democráticos resistiram aos golpes do poder (a direita) e de seus opositores (a esquerda).

Fonte: Blog do autor e Estadão, 28 de março de 2014 | 17h 18 

segunda-feira, 31 de março de 2014

FHC analisa o regime militar e afirma que ainda não acreditamos na democracia


‘Ainda não temos crença na democracia’

Lamenta o intelectual que se escondeu da polícia, até ser pego pela política

Laura Greenhalgh

Era jovem, mas já prestigiado como acadêmico. Equilibrava-se entre ser socialista nos modos e marxista nas ideias. E fazia a cabeça da estudantada da Faculdade de Filosofia da USP. Daí o golpe se consumou e o professor Fernando Henrique teve que sumir. Vazou, como se diz hoje. "Quando os policiais chegaram na Maria Antonia (nome da rua onde ficava a faculdade, em São Paulo) para me prender quase levaram o (filósofo) Bento Prado, achando que era eu", comenta o ex-presidente ao lembrar de um tempo em que precisou pular de casa em casa, de cidade em cidade, às escondidas, até se fixar no Chile, para onde seguiram a mulher, Ruth Cardoso, e os filhos pequenos.

Na entrevista que se segue, o trigésimo-quarto mandatário brasileiro reflete sobre a ditadura e conclui que ela não chegou a desmontar o Estado regulador. "Falam tanto em neoliberalismo, mas nunca tivemos isso no País. Já liberalismo político, esse eu até gostaria que houvesse mais". A 50 anos do golpe que o levou para o exílio e aos 82 de idade,

Fernando Henrique, deixa passar uma nota de amargura: "Não estamos em condição de ensinar democracia a ninguém, porque há muito a aprender. Faltam-nos, sobretudo, crença na democracia e grandeza na vida política."



Onde estava quando tudo aconteceu, 50 anos atrás? 
Semanas antes do golpe, quando houve aquele comício da Central do Brasil, eu estava no Rio, onde vivia meu pai. Passei pelo comício e embarquei lá mesmo, rumo a São Paulo. Era 13 março. No trem estavam o (hoje ex-ministro) José Gregori, o (hoje ex-deputado federal) Plínio de Arruda Sampaio, com quem eu acabaria me reencontrando no exílio, e um rapaz chamado Marco Antonio Mastrobuono, que depois viria a casar com a Tutu, filha do Jânio Quadros. Viemos conversando ao longo da viagem sobre a situação. Ali ninguém era entusiasta do Jango, eu também não era. Embora meu pai fosse um militar nacionalista, que inclusive havia sido deputado pelo PTB.

Seu pai era um nacionalista. E o senhor?

Um socialista. Tivera contato com o comunismo nos anos 1950, mas àquela altura, depois do stalinismo, não sobravam ilusões. Também não tinha ilusão de que o Jango seria algo extraordinário ao País, porque ele era um populista e eu, um acadêmico. E, na universidade, tínhamos a convicção de que as mudanças viriam da luta de classes, não do populismo. Pois bem, chegando a São Paulo, encontrei um clima de grande agitação. Nessa época o Darcy (Ribeiro) já havia sido nomeado chefe da Casa Civil do Jango. E era muito amigo da minha família. Nós nos falamos algumas vezes por telefone naqueles dias e isso terminou me trazendo uma dor de cabeça tremenda, pois o aparelho do Darcy estava grampeado e fui grampeado, também.

O que aconteceu exatamente?
O Darcy um dia me disse que viria a São Paulo e eu comentei "vem com cuidado aí com o Grupo dos Onze" (grupo de resistência radical concebido em 1963 pelo então governador gaúcho Leonel Brizola). Disse aquilo por dizer, sem qualquer intenção, porque havia acontecido uma violência contra o ministro da Reforma Agrária do Jango, em São Paulo, algo assim. Esse comentário grampeado iria me complicar no futuro, quando fui processado na Justiça Militar. Mas, na noite do golpe, lá na Maria Antonia, havia mesmo muita confusão. Eu exercia certa influência sobre alunos e professores mais jovens, embora fosse jovem também - tinha só 33 anos, mas já fazia parte do Conselho Universitário. Muitos dos meus colegas achavam que o golpe era do Jango e dos generais leais a ele, o Amaury Kruel, o Osvino Ferreira Alves. A confusão era tanta que eu telefonei para o Luiz Hildebrando da Silva, que era da Medicina da USP e ligado ao Partidão, dizendo para ele vir até a Maria Antonia, pois estavam preparando um manifesto contra um golpe do presidente. E não um manifesto contra o golpe no presidente! Veja como estávamos perdidos na USP, isolados da vida política, mergulhados num marxismo teórico. Vou contar uma passagem estapafúrdia: naqueles dias soubemos que haveria uma resistência armada no Sul e então o Bento Prado, o (cientista social) Leôncio Martins Rodrigues, o Paulo Alves Pinto, que era sobrinho do general Osvino, e eu cogitamos tomar um aviãozinho no Campo de Marte para lutar no Sul. Ainda bem que não houve luta alguma (ri). Então, assim foi a minha última noite andando pela rua Maria Antonia. No dia seguinte, a polícia apareceu por lá para me prender. Quase levaram o Bento Prado, pensando que fosse eu.

Como escapou de ser preso na Maria Antonia?
Alunos meus ficaram nas esquinas, à espreita, para me avisar que a polícia estava lá, assim que eu me aproximasse. Acabei não indo à faculdade e naquela noite dormi na casa de um amigo, o cineasta Bráulio Muniz. Continuei me escondendo, daí fui para o Guarujá na casa do (fotógrafo) Thomas Farkas, com o Leôncio. E a Ruth (Cardoso), minha mulher, ficou aqui, tentando entender o que se passava. Ruth procurou o Honório Monteiro, que fora ministro do presidente Dutra e era meu colega no Conselho Universitário. O Honório tentou interferir a meu favor junto ao Miguel Reale, então secretário de Segurança. Mas o Reale respondeu que no meu caso não havia o que fazer, porque "esse professor Cardoso não é só teórico, mas prático também". Outro amigo, o (economista, museólogo e autor teatral) Maurício Segall, que já se ocupava de organizar fugas, achou que eu tinha que cair fora, não havia condições de ficar no País. Saí por Viracopos e fui para Argentina, para a casa de um ex-colega meu na França, que mais tarde viria a ser ministro do Kirchner, o José Nun. Tive convite para lecionar na Universidade de Buenos Aires, mas também convite para trabalhar na Cepal, no Chile. Preferi ir para o Chile. Meses depois Ruth veio ao meu encontro, com as crianças, e lá ficamos anos.

Voltou ao Brasil nesse período?
Duas vezes. Eu me encontrei em Paris com Antonio Candido, que dava aulas por lá, e ele me ajudou a voltar ao Rio para ver meu pai. Era 1965. Quando meu pai morreu, eu estava no Chile, mas já com passaporte validado, portanto voltei para o enterro. Houve uma missa com muitos oficiais e um deles chegou perto do meu irmão para dizer, referindo-se a mim: "Ou ele vai embora ou vai ser preso". Vim para a casa do empresário e editor) Fernando Gasparian, em São Paulo, dormi outra noite na casa do (sociólogo) Pedro Paulo Popovic, e regressei ao Chile. Acabei não sendo preso. Houve o processo contra mim na Justiça Militar, com acusações ridículas, entre as quais aquela envolvendo o telefonema grampeado do Darcy, e outras histórias vindas da universidade, de colegas que naquele momento dedo-duraram bastante, mas depois virariam ultra-esquerdistas. O general Peri Bevilacqua, neto do Benjamin Constant e homem ligado à minha família, foi quem me deu um habeas corpus anos depois. Mais tarde ele seria cassado, também. Pude devolver as medalhas do general para a família dele, quando estava na Presidência.

O que o senhor pesquisava na época do golpe?
O empresariado brasileiro. Foi minha tese de livre-docência, defendi em 1963 e publiquei-a no ano seguinte. Contestava a visão da esquerda de que havia uma aliança dos latifundiários com os imperialistas, contra a burguesia nacional e o povo. Isso era bobagem. Os empresários tinham ligação com o campo e não eram antiimperialistas, com exceção de dois ou três. A esquerda apostava no papel progressista da burguesia nacional e eu tinha uma visão crítica em relação a isso.

Disse que não se entusiasmava por João Goulart. Como o definiria?
Jango não era de assustar ninguém e hoje seria um político muito mais tranquilo do que qualquer um desses governantes populistas da América Latina. Mas, no contexto da Guerra Fria, e pelos contatos que tinha com os comunistas, representava o horror naquele momento. Vi isso acontecer de novo no Chile. Allende era um reformista e virou o belzebu. Enfim, Jango era um político brasileiro tradicional, populista, um latifundiário que nunca quis fazer revolução alguma. Levantava a bandeira das reformas de base e ninguém sabia exatamente o que eram. Olhando sociologicamente: tínhamos o mundo contingenciado pela Guerra Fria, porém o Brasil começava a se encaixar no eixo dos investimentos estrangeiros, desde o Juscelino. Havia crescimento industrial, forte migração campo-cidade e um Estado incompetente para atender às demandas de uma sociedade que crescia. Então, a população começou a se movimentar e ir para as ruas. Nós, acadêmicos, estávamos tão entretidos com os debates teóricos, que quando nos demos conta as ruas tinham entrado na universidade!

Qual era o projeto dos militares em 1964? Submeter o País a uma modernização imposta de cima para baixo?
Acho que nem tinham projeto. Setores pensavam de forma diferente e foram variando de posição até o final. O general Amaury Kruel (foi ministro da Guerra de Jango), por exemplo, foi um que variou até o momento do golpe. Mesmo o general Mourão, de Minas, não tinha noção do que deveria ser feito. Quem tinha? Os oficiais da Escola Superior de Guerra, o grupo do Castelo Branco. Esses sabiam que seria importante empreender no País a modernização conservadora. Mas, veja só, entregaram a economia ao (Otávio Gouveia de) Bulhões e ao (Roberto) Campos, que por sua vez saíram atrás da modernização capitalista - arrocho fiscal, arrocho salarial, tudo feito a machadinhas, o povo pagando um preço alto. Implantaram um programa austero, que deu na explosão econômica dos anos 70. Ora, quem fez isso não foram os militares, mas o Bulhões e o Campos. Havia necessidade de modernizar o capitalismo brasileiro. E, consequentemente, frear o avanço do setor estatal. Até porque o Juscelino já tinha feito o enganche do País com o setor produtivo global e os militares sabiam disso.

O senhor acha que o regime, no seu primeiro momento, tratou de sepultar o legado varguista?
O Castelo, talvez. A verdade é que os militares já estavam claramente divididos, e isso era visível no Clube Militar: havia o setor ultranacionalista e o setor democrático-liberal. Este se aproximava dos Estados Unidos. E o ultranacionalista, embora não engolindo os russos, achava que eles funcionavam como contra-peso ao poderio americano. Isso, evidentemente, tem a ver com as posturas "ser Getúlio" ou "ser anti-Getúlio", levando-se em conta que o Getúlio simbólico foi sempre o nacionalista-estatizante. É interessante notar como era o contexto da época: os militares nacionalistas-estatizantes, que nunca confiaram nas forças do mercado, eram chamados de esquerda, o que era exagero. E os democráticos-liberais eram vistos como direita, outro exagero.

Daí o regime foi se radicalizando.
Exato, foi radicalizando a tendência autoritária. Isso não foi pretendido no começo, mas foi se formando. E virou um monstro que, não fosse o (general Ernesto) Geisel ter-se oposto, justo ele, um nacionalista-estatizante, correríamos o risco de cair numa direita fascista. Uma direita que se justificaria pelo apego à ordem, e não pelo desenvolvimento capitalista. Cabe ainda muita pesquisa sobre o período, para analisar com objetividade e entender como tudo aconteceu ao largo de um intenso processo de industrialização e urbanização. São Paulo, em meados da década de 70, crescia 5% ao ano. Havia mais de cinco milhões de pessoas vivendo aqui. Tivemos um crescimento econômico que não correspondeu ao social. Isso começa a ser corrigido com a redemocratização e vem até agora. Penso que hoje, de novo, vivemos algo parecido. Não se tem mais a mobilidade rural-urbana do passado, mas uma intensa mobilidade social. As pessoas querem mais e o Estado não tem como dar. Instalados no poder, os militares trataram de providenciar uma fachada de legalidade ao regime. Chegaram a falar em "democracia relativa".De fato, eles nunca aceitaram que o regime não fosse visto como democrático.

Rejeitavam a ideia de fechar o Congresso. E mesmo impondo suas regras, queriam eleger o presidente. Isso faz diferença quando se compara ao que houve na Argentina e no Chile. Militares brasileiros disseram que o regime seria provisório, até que se purificassem as forças políticas, enfim, tinham essas ideias amalucadas. Os oficiais da linha dura, claro, não pensavam assim, eles de fato preocupavam-se com a ordem, a estabilidade do regime... Mas esse não era o pensamento da média do oficialato. Além disso, a ditadura foi perdendo apoios, tanto dos nacionalistas quando de setores democráticos. Nos anos 70, na Universidade de Yale, ouvi de Juan Linz, grande especialista em franquismo, uma frase que me marcou: "No Brasil, vocês não têm um regime autoritário. Têm uma situação autoritária". Por mais que buscássemos semelhanças entre os militares daqui com os chilenos e argentinos - e havia semelhanças, afinal, todos torturavam, o que é inexcusável - não havia o mesmo apego nem a mesma pretensão de uma nova ordem, algo também pregado pelo franquismo e o salazarismo. Estes acreditavam que para bem governar não era preciso ter o povo. Aqui se pensava que era preciso melhorar o povo para bem governar.

Mesmo com o avanço da visão monetarista na economia, inclusive nos anos Delfim Netto, até que ponto o regime terá mudado o perfil regulador do Estado brasileiro?
Nunca mudou completamente. O que se chamou de regime neoliberal nunca houve no Brasil. O Roberto Campos foi fundador do BNDES. O Delfim foi intervencionista em vários momentos. Celso Furtado nem se fala. Eu próprio sempre achei que o Estado deveria regular muita coisa. Aqui nunca houve um pensamento econômico liberal, de fato. Pensamento político-liberal eu até gostaria que tivesse mais, mas econômico-liberal nunca teve. O Estado sempre desempenhou um papel forte. O que é razoável, desde que o Estado não extrapole, como frequentemente tende a fazer. O que nos falta é liberalismo político.

Como se traduz isso?
Crença na democracia. O que se tem hoje? Pensamento corporativista. Os grupos se organizam e defendem seus interesses. Não aceitam regras de competição. E tem que ter, porque não há competição sem regra. Aqui, quando o Estado intervém, é justamente para evitar a competição.

Em novo livro, o pesquisador Daniel Aarão Reis levanta a seguinte questão: quando de fato terá terminado o regime militar? Em 1979, quando são revogados os atos institucionais, ou em 1985, quando o poder volta para as mãos dos civis? Enfim, quando a ditadura termina?

Só a partir de 1985. Nossa transição seguiu a opinião vencedora, diga-se de passagem, do Geisel, de que o País deveria viver uma abertura lenta, gradual e segura. Na época houve muita discussão a respeito e eu dizia o seguinte: o regime autoritário resiste como uma fortaleza. Nós, a oposição, estamos cercando a fortaleza. Esse negócio só vai ruir quando houver uma ruptura interna que se some à externa. Porque daí tem a infiltração. Esse momento aconteceu, a meu ver, pela primeira vez, quando o general Euler (Bentes Monteiro) aceitou ser candidato à presidência da República, pelo MDB, em 1978. Era uma facção deles que se descolava. Ulysses Guimarães fora inicialmente resistente a apoiar a candidatura do Euler. Queria o Magalhães Pinto, tendo o Severo Gomes (ex-ministro e mais tarde senador) como vice. Mas até o Severo preferia o Euler! Severo e eu ouvimos do Euler, pela primeira vez, que ele poderia aceitar ser candidato, quando então fomos falar com o Ulysses.

E qual foi a reação dele?
Ulysses me ouviu direitinho, embora Severo estivesse inquieto. Depois me chamou no canto: "O que o senhor acha mesmo deste general, professor?" Respondi "olha, dr. Ulysses, nós já deveríamos tê-lo apoiado há muito tempo". Ele fechou a cara: "Mas o senhor não sabe que São Paulo é civilista?". Disse que sabia, mas que não poderíamos perder o primeiro racha dos militares. Entendi que se não houvesse um racha naquela couraça, a situação não principiaria a mudar. E tudo foi um pouco assim. A Anistia acabou passando, mas não da maneira que queríamos, a liberdade de imprensa foi voltando, veio o Movimento das Diretas Já, mas fomos derrotados no Colégio Eleitoral, o Tancredo foi eleito pelo voto indireto, daí veio o Sarney, que era um elemento da transição, no entanto soube entender o momento histórico, enfim, tudo veio de forma lenta e gradual. Eu mesmo fui eleito senador pela oposição no tempo do Figueiredo, em plena ditadura. A ruptura final só vai se dar na eleição do Collor, quando o presidente passa a ser eleito pelo voto direto. Aí, sim, é outro momento.

Ou seja, a recomposição democrática foi se valendo das fraturas do regime.
Sim. E muita gente foi mudando, também. Severo Gomes e Teotônio Villela, por exemplo. Foram homens do regime e se transformaram em ícones da oposição. O próprio Ulysses votou a favor do Castelo Branco.

Anos antes, em 1973, Ulysses já havia procurado o grupo de intelectuais fundadores do Cebrap, entre eles, o senhor, para buscar apoio à sua anti-candidatura presidencial. Como foi esse momento?
Eu havia publicado um artigo no jornal Opinião, dizendo que era chegada a hora de intervir no processo. Que os intelectuais não podiam mais ficar pensando na guerrilha, trancados em casa. Que seria melhor fazer a luta possível, nas ruas. Daí o Ulysses foi ao Cebrap, ainda na rua Bahia, em Higienópolis, achando que éramos um grupo político, quando éramos apenas um grupo de pesquisadores, com posições críticas ao governo. Ele nos convidou para escrever o que seria um programa de governo do MDB. Expliquei que teria que consultar os colegas, e alguns toparam: Chico de Oliveira, Maria Ermínia, Bolívar Lamounier, Paul Singer, Francisco Weffort, eu....fizemos um livrinho de capa vermelha, um projeto social-democrata que foi a mãe de todos os programas que viriam a aparecer depois.

Como era esse programa de oposição, elaborado em plena ditadura?
Dizia coisas óbvias. Não ficava só no campo político, tratava de economia, de dívida externa, e daí entrava na questão da mulher, do negro, do índio, dos sindicatos. Foi um momento que marcou a minha aproximação com o MDB. Eu me lembro que Weffort e eu fomos a Brasília nos encontrar com aquelas "raposas", Amaral Peixoto, Nelson Carneiro, o próprio Tancredo, e nós, assustadíssimos, achando que eles não iriam aceitar o documento. E eles não estavam nem aí, só queriam um programa. Toparam na hora.

Foi difícil para o senhor entrar de vez na política?
Eu tinha um viés muito acadêmico, como já disse, mesmo contanto com o background político da minha família. Aos 37 anos, eu era um catedrático da USP, aposentado pelo AI 5. E fiz o quê, então? Escrevia nos jornais alternativos da época, o Opinião e o Movimento. Só entrei no MDB em 1977, porque o Ulysses pediu expressamente para eu ser candidato ao senado. Queria que eu disputasse para ampliar a base, porque indiscutivelmente seria eleito o Franco Montoro. E só quando Montoro virou governador de São Paulo é que eu assumi a vaga de suplente no Senado. Até aí minha relação no mundo política era com o Ulysses, com o João Pacheco Chaves, com o Pedro Simon, que tinha um grupo de estudos bem ativo no Sul.

Aceitar um jogo político engessado no bipartidarismo foi uma questão intrincada para os opositores do regime?
Sim, isso nos dividiu. Muitos diziam que não era possível participar, pois se tratava de uma oposição consentida. Eu estava convencido de que deveríamos usar as armas disponíveis. Até porque a situação muda. O MDB mudou e acabou funcionando como oposição verdadeira.

Nossa capenga estrutura partidária vem dessa época?
Quer que eu diga uma coisa? Não sei se vem só lá de trás. Acho que o problema é mais profundo. Falta uma visão consistente do que seja o jogo democrático entre nós. Aqui, o que conta é o governo, o Estado. E democracia é organização do povo. Do jeito que vamos, com 30 partidos e 39 ministérios, ficou inviável. O custo é a paralisação da máquina pública, como bem disse a ex-ministra Gleisi Hoffmann, numa entrevista recente. Passamos do presidencialismo de coalizão para o presidencialismo de cooptação, essa é a verdade. Eu mesmo fiz coalizões. Mas o limite dos acordos era votar reformas. Agora, não. O que temos é uma amálgama para dividir o poder e o butim do Estado. Isso não dá governabilidade.

Por quê?
Como o nosso sistema tem sempre esse elemento autoritário, que é a medida provisória, o governo se mantém e o Congresso fica cada vez mais achatado. Ora, a população que o sistema político vem perdendo legitimidade a olhos vistos. Enquanto a economia foi bem, essa crise não foi percebida. Agora, quando a economia não vai bem e tudo balança, ela aparece. Quando a presidente propõe um plebiscito, por exemplo, a ideia não se segura um mês porque não foi costurada, nem discutida e nem está atrelada a uma agenda política verdadeira. Estamos nos aproximando de uma situação delicada. Uma coisa são as flutuações econômicas, outra coisa é a paralisação da administração e do sistema político. Isso gera a separação entre sociedade e governo.

O senhor diria que estamos indo nessa direção?
Sim, e corremos riscos. Um deles é a perda da capacidade de olhar o futuro e tomar decisões. Outro é o de provocar uma irritação popular incontrolável - e daí, como resolver? As demandas estão crescendo, o Estado não toma decisões, não entende que boa parte do que faz pode ser passado para o setor privado, e faltam lideranças. Eu diria que, hoje, não temos o que ensinar sobre democracia. Temos é que aprender. Por exemplo, como é que a democracia convive com as redes sociais? Isso não está claro. Falta ouvir mais, estudar mais e dar espaço para a criatividade. Não podemos dizer que um partido, o PT, seja o culpado por tudo o que estamos vivendo. Até porque tudo é mais grave do que isso.

Em que pese a animosidade atual entre o seu partido e o PT, lá trás o senhor determinou que se fizesse uma transição transparente do seu governo para o do presidente Lula, em 2002.
Lula reconheceu isso de público recentemente, falando a empresários em Ribeirão Preto. Decerto imaginou que eram favoráveis a mim... Lula sabe o que fiz. Sempre tive preocupação institucional, daí o cuidado em transferir o poder, fincando bons fundamentos. Uma coisa que sempre me irritou na vida foi me chamarem de "neoliberal", esse qualificativo que não vale nada. Meu governo foi o oposto ao neoliberalismo. Fizemos ajuste fiscal, estabelecemos regras para a economia, aumentamos o salário mínimo, tocamos a reforma agrária, os programas sociais, demos prioridade à educação....e, diante do que foi feito, os governos posteriores ao nosso puderam avançar. Mas hoje não se preocupam em dar sustentabilidade ao que se construiu. Na vida política brasileira falta pensamento, falta interconexão e, no fundo, no fundo, falta grandeza. Você não vê ninguém dizendo vamos juntar forças e melhorar o País. Você só vê gente dizendo vamos juntar forças para ganhar eleição. Muito bem, ganha e faz o que depois? Como é que vai ser governar em 2015? Eu não sei.

Fonte: O Estado de São Paulo, 28/03/2014

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