8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Executivas 'neofeministas' dos EUA pregam ascensão agressiva

Sheryl Sandberg, durante a apresentação de seu livro (Getty Images)
Sheryl Sandberg, durante a apresentação de seu livro
Quando a diretora operacional do Facebook, Sheryl Sandberg, exortou as mulheres ''a fazer acontecer'' no mercado de trabalho para retomar uma ''revolução'' feminista que, segundo ela, ''empacou'', sabia que estava levantando uma discussão espinhosa.
Intuição semelhante deve ter tido a CEO do Yahoo!, Marissa Mayer, quando proibiu seus empregados de trabalharem de casa, poucos meses depois de se autoimpor uma licença-maternidade de apenas ''algumas semanas'', ao longo da qual ela continuou exercendo sua função à distância.

Coincidência ou apenas a ponta do mesmo iceberg, as duas executivas entraram no centro do debate sobre o avanço da mulher no mercado de trabalho e a busca do santo graal do emprego moderno, o equilíbrio entre o dever e o lazer.

A problemática foi colocada por Sandberg em um livro publicado nesta semana nos EUA, que chega ao Brasil no início de abril – Faça Acontecer: Mulheres, Trabalho e a Vontade de Liderar (Editora Companhia das Letras).

Há três décadas, as mulheres são metade dos graduados nas universidades, escreve. Mas apesar do avanço, elas ainda ocupam apenas 4% dos cargos de diretores executivos das 500 empresas de maior faturamento nos EUA, segundo a lista da revista Forbes.

O cenário é semelhante na política: apenas 17 países são governados por mulheres, e elas ocupam apenas 20% das cadeiras de parlamentares.

Sandberg não deixa de reconhecer as ''barreiras externas'' – o preconceito, a discriminação, o assédio sexual – que travam o avanço das mulheres no mercado de trabalho.

A polêmica está no que ela considera ''barreiras internas'': uma suposta ''internalização das mensagens negativas'' recebidas de um mundo machista, uma ''redução das expectativas'' de carreira em prol da dos maridos, enfim, uma espécie de derrotismo feminino diante dos desafios do mercado.
'Meu argumento é que livrar-se destas barreiras internas é crucial para ganhar poder'', escreve Sandberg. ''Outras pessoas argumentam que as mulheres só conseguem chegar ao topo quando as barreiras institucionais são removidas. É a situação típica do ovo e da galinha.
'Estou incentivando as mulheres a tratar da galinha, mas apoio totalmente aquelas que estão focadas no ovo'', escreve.
Feminismo ou mais pressão?

A executiva da rede social quis que seu livro chegasse às suas leitoras como um novo manifesto feminista. Junto com a obra, Sandberg está impulsionando a criação dos chamados ''círculos para fazer acontecer'', espécies de grupos de discussão para discutir como renovar o avanço da mulher no mercado de trabalho.

Mas, mal chegou às livrarias, a obra já foi acusada de colocar ainda mais pressão sobre as mulheres, ao criar expectativas irrealistas sobre o que cada uma pode fazer, individualmente, para avançar na profissão diante da dupla jornada em casa e principalmente da maternidade, um ''obstáculo'' que os colegas masculinos de profissão não precisam vencer.

O livro descreve o problema, mas não aponta as soluções, e assim as respostas vão nascendo por tentativa e erro no próprio mercado de trabalho.

A CEO do Yahoo!, Marissa Mayer, que tirou apenas
algumas semanas de licença maternidade
Um exemplo veio em meados do ano passado, quando a CEO do site Yahoo!, Marissa Mayer, anunciou que tiraria apenas algumas semanas de licença-maternidade, que nesse período continuaria trabalhando de casa e que voltaria o mais rápido possível para o escritório.

A decisão deixara os especialistas debatendo se se tratava de progresso do feminismo ou um péssimo exemplo emanado de uma jovem mãe viciada em trabalho.

No mês passado, Mayer voltou a criar polêmica ao proibir os funcionários de sua companhia de trabalhar de casa – uma prática comum na indústria de tecnologia, que muitos consideram um avanço, principalmente naquela busca do equilíbrio entre trabalho e lazer na qual as mais prejudicadas são frequentemente as mulheres.

A CEO alegou que, por razões de produtividade e integração, todos precisariam estar ''fisicamente juntos'' no ambiente de trabalho.

Representatividade

Mayer e Sandberg não são as mulheres médias afetadas pelas suas decisões ou por suas visões do lugar da mulher no mercado de trabalho.

Mayer, em particular, está sob fogo cruzado pelo fato de ter mandado construir, pagando de seu próprio bolso, um berçário ao lado de seu escritório para poder passar mais tempo com seu filho.

A bilionária Sandberg, que pode cercar-se de quantas babás e enfermeiras julgar necessárias para cumprir por ela a sua função, também não foi poupada.

À sua maneira, as duas poderosas executivas puseram mais lenha em uma fogueira onde já queimam as opiniões da especialista em política da Universidade de Princeton, e mãe de dois adolescentes, Anne-Marie Slaughter.

Em meados do ano passado, Slaughter, recém-saída da direção de Planejamento de Políticas do Departamento de Estado no governo Obama, escreveu um artigo argumentando que ''as mulheres ainda não podem ter tudo''.

Na sua experiência, argumentou, os interesses de uma mãe de dois adolescentes e de uma alta autoridade do governo americano simplesmente não são compatíveis.

Especialistas estão chamando este debate polarizado de um ''cabo-de-guerra'', cujo resultado, se é que haverá um resultado claro, ainda está longe de ser indicado.

No ínterim, Sandberg, do Facebook, saiu em defesa de Mayer, afirmando que a executiva do Yahoo! não estaria sendo tão criticada por sua decisão – que zela pela saúde financeira da empresa que ela preside – se ela fosse homem.

Uma capa da revista Time sobre Sandberg e seu livro estampa os dizeres: ''Não a deteste por ela ser bem-sucedida'', titula o semanário.

Como a executiva, os editores da revista sabiam onde estavam pisando.

Fonte: BBC Brasil, Pablo Uchoa, 15/03/2013

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Um social-democrata e um liberal concordam sobre a degeneração democrática provocada pela violência nas manifestações de rua

Black bostas em ação!
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (social-democrata) e o filósofo Denis Lerrer Rosenfield (liberal) escreveram, respectivamente nos dias 3 e 4 deste mês que se inicia, sobre o papel degenerador da ação dos black blocs e congêneres sobre a democracia brasileira. FHC aborda também a conjuntura latino-americana tão adversa, no momento, às práticas democráticas, com as ações autoritárias tomadas pelos governos Kirchner (Argentina) e Venezuela (Maduro) contra a liberdade de imprensa e a oposição de seus países. 

Sobre a situação brasileira, no tangente à questão da violência presente nas manifestações, ambos seguem na mesma direção. Diz FHC:    
No Brasil também há sinais preocupantes. Às manifestações espontâneas de junho se têm seguido demonstrações de violência, desconectadas dos anseios populares, que paralisam a vida de milhões de pessoas nas grandes cidades. A essas se somam às vezes atos violentos da própria polícia. Com isso se deixa de ressaltar que nem toda ação coercitiva da polícia ultrapassa as regras da democracia. Ao contrário, se nas democracias não houver autoridade legítima que coíba os abusos, estes minam a crença do povo na eficácia do regime e preparam o terreno para aventuras demagógicas de tipo autoritário. 
Temos assistido ao encolhimento do Estado diante da fúria de vândalos, aos quais aderem agora facções do crime organizado. Por isso é de lamentar que o secretário-geral da Presidência se lamurie pedindo mais "diálogo" com os black blocs, como se eles ecoassem as reivindicações populares. Não: eles expressam explosões de violência anárquica desconectada de valores democráticos, uma espécie de magma de direita, ao estilo dos movimentos que existiram no passado no Japão e na Alemanha pós-nazista. 
Analisa Rosenfield:
Advogar um diálogo com eles, como se fossem a expressão de um descontentamento "social", significa tirar a questão de seu ponto central. A violência é avessa a qualquer diálogo, quanto mais empreendido por grupos que, se chegam a declarar alguma proposta, é com o intuito de que ela seja inexequível - por exemplo, a extinção do "lucro", da sociedade de "mercado", e assim por diante.  (... ) 
Logo, o efeito objetivo dos agentes da violência, os black blocs ou outros nomes que se lhes queira dar, foi o esvaziamento das manifestações autônomas e, mais do que isso, de suas bandeiras. Expulsaram da rua as bandeiras contra a corrupção, por um melhor serviço público e menos impostos. Eis a verdadeira consequência de suas ações. Ou melhor, eis o seu verdadeiro objetivo. A quem interessa isso? 
Curiosamente, os que se dizem "anarquistas", em tese os defensores da autonomia e da liberdade, são os que buscam diretamente tornar inviável toda manifestação livre e autônoma. Nada têm eles de anarquistas no sentido estrito da palavra, são meros representantes de uma esquerda que usa irrestritamente a violência segundo suas conveniências políticas.
Segue a íntegra dos dois textos com os quais concordo inteiramente. Faz tempo que escrevo sobre a necessidade de cercear as ações deletérias desses black bostas e congêneres. De anarquistas realmente, eles não têm nada. Como também já disse, assemelham-se mais aos camisas negras do fascismo do que com qualquer outra coisa. Deixo também  links para as postagens já publicadas sobre este tema neste blog ao fim dos artigos citados.

Sem Complacência

Fernando Henrique Cardoso*
As notícias da semana que terminou não foram auspiciosas, nem no plano internacional nem no local. Uma decisão da Corte Suprema da Argentina, sob forte pressão do governo, sancionou uma lei que regula a concessão de meios de comunicação. Em tese, nada de extraordinário haveria em fazê-lo. No caso, entretanto, trata-se de medida tomada especificamente contra o grupo que controla o jornal El Clarín, ferrenho adversário do kirchnerismo. Cerceou um grupo de comunicação opositor ao governo sob pretexto de assegurar pluralidade nas normas de concessão. Há, contudo, tratamento privilegiado para o Estado e para as empresas amigas do governo.

Da Venezuela vem-nos uma patuscada incrível: as cidades do país apareceram cobertas de cartazes contra a "trilogia do mal", ou seja, os principais líderes opositores, aos quais se debitam as falências do governo! Seria por causa deles que há desabastecimento, falta de energia e crise de divisas, além da inflação. Tudo para incitar ódio popular aos adversários políticos do governo, apresentando-os como inimigos do povo.

O lamentável é que os governos democráticos da região assistem a tudo isso como se fosse normal e como se as eleições majoritárias, ainda que com acusações de fraudes, fossem suficientes para dar o passaporte democrático a regimes que são coveiros das liberdades.

No Brasil também há sinais preocupantes. Às manifestações espontâneas de junho se têm seguido demonstrações de violência, desconectadas dos anseios populares, que paralisam a vida de milhões de pessoas nas grandes cidades. A essas se somam às vezes atos violentos da própria polícia. Com isso se deixa de ressaltar que nem toda ação coercitiva da polícia ultrapassa as regras da democracia. Ao contrário, se nas democracias não houver autoridade legítima que coíba os abusos, estes minam a crença do povo na eficácia do regime e preparam o terreno para aventuras demagógicas de tipo autoritário.

Temos assistido ao encolhimento do Estado diante da fúria de vândalos, aos quais aderem agora facções do crime organizado. Por isso é de lamentar que o secretário-geral da Presidência se lamurie pedindo mais "diálogo" com os black blocs, como se eles ecoassem as reivindicações populares. Não: eles expressam explosões de violência anárquica desconectada de valores democráticos, uma espécie de magma de direita, ao estilo dos movimentos que existiram no passado no Japão e na Alemanha pós-nazista.

Esses atos vandálicos dão vazão de modo irracional ao mal-estar que se encontra disseminado, principalmente nas grandes cidades, como produto da insensatez da ocupação do espaço urbano com pouca ou nenhuma infraestrutura e baixa qualidade de vida para uma aglomeração de pessoas em rápido crescimento. O acesso caótico aos transportes, o abastecimento de água deficiente e a rede de serviços (educação, saúde e segurança) insuficiente não atendem às crescentes demandas da população. Sem mencionar que a corrupção escancarada irrita o povo. Não é de estranhar que, conectados aos meios de comunicação, que tudo informam, os cidadãos queiram dispor de serviços de países avançados ou de padrão Fifa, como dizem. Sendo assim, mesmo que a situação de emprego e salário não seja ruim, a qualidade de vida é insatisfatória. Quando, ainda por cima, a propaganda do governo apresenta um mundo de conto da carochinha e o cotidiano é outro, muito mais pesado, explicam-se as manifestações, mas não se justificam os vandalismos.

Menos ainda quando o crime organizado se aproveita desse clima para esparramar terror e coagir as autoridades a não fazer o que deve ser feito. Estas precisam assumir suas responsabilidades e atuar construtivamente. É necessário dialogar com as manifestações espontâneas, conectadas pela internet, e dar respostas às questões de fundo que dão motivos aos protestos. A percepção de onde o calo aperta pode sair do diálogo, mas as soluções dependem da seriedade, da competência técnica, do apoio político e da visão dos agentes públicos.

Os governos petistas puseram em marcha uma estratégia de alto rendimento econômico e político imediato, mas com pernas curtas e efeitos colaterais negativos em prazo mais longo. O futuro chegou, na esteira da falta de investimento em infraestrutura, do estímulo à compra de carros, do incentivo ao consumo de gasolina, em detrimento do etanol, e do gasto das famílias via crédito fácil, empurrado pela Caixa Econômica Federal. Os reflexos aparecem nas grandes cidades pelo País afora: congestionamentos, transporte público deficiente, aumento do nível de poluição atmosférica, etc.

De repente caiu a ficha do governo: tudo pela infraestrutura, na base da improvisação e da irresponsabilidade fiscal. Primeiro o governo federal subtraiu receitas de Estados e municípios para cobrir de incentivos a produção e compra de carros. Depois, em vista do "caos urbano" e da proximidade das eleições, afagou governadores e prefeitos permitindo-lhes a contratação de novos empréstimos, sobretudo para gastos em infraestrutura. A mão que os afaga é a mesma que apedreja a Lei de Responsabilidade Fiscal, ferida gravemente pela destruição de uma de suas cláusulas pétreas: a vedação ao refinanciamento de dívidas dentro do setor público. Mais uma medida, esta especialmente funesta, que alegra o presente e compromete o futuro.

Não haverá solução isolada e pontual para os problemas que o País atravessa e as grandes cidades sentem mais do que quaisquer outras. Os problemas estão interconectados, assim como as manifestações e demandas. Não basta melhorar a infraestrutura, se o crime organizado continua a campear, nem mais hospitais e escolas, se a qualidade da saúde e da educação não melhora. As soluções terão de ser iluminadas por uma visão nova do que queremos para o Brasil. Precisamos propor um futuro não apenas materialmente mais rico, mas mais decente e de melhor qualidade humana. Quem sabe assim possamos devolver aos jovens e a todos nós causas dignas de ser aceitas, que sirvam como antídoto aos impulsos vândalos e à complacência com eles.

Fonte: ESP, 03/11/2013 * SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA


O uso político da violência


Denis Lerrer Rosenfield*

A discussão em torno da ação dos black blocs tem sido frequentemente enviesada, se não deturpada, por não estar focada no uso que tem sido dado à violência desse grupo nas consequências dela derivadas. Não se trata de manifestação "espontânea" nem da ação de bandos desorganizados, mas de um tipo de intervenção que se define por um propósito claramente político.

Pesquisas sobre o que dizem os que assim agem terminam por arranhar superficialmente o problema, porque seus agentes não são meros indivíduos, mas membros de uma organização com método em suas ações. Suas falas, individualmente, nesse sentido, são necessariamente limitadas, se não encobridoras, na medida em que suas ações em muito transcendem manifestações individuais.

Advogar um diálogo com eles, como se fossem a expressão de um descontentamento "social", significa tirar a questão de seu ponto central. A violência é avessa a qualquer diálogo, quanto mais empreendido por grupos que, se chegam a declarar alguma proposta, é com o intuito de que ela seja inexequível - por exemplo, a extinção do "lucro", da sociedade de "mercado", e assim por diante.

Note-se que tais grupos se caracterizam por ações metódicas e organizadas. São como células que respondem a um comando, dotadas de extrema mobilidade e que conseguem muitas vezes distrair a atenção policial. Atrair a atenção sobre um ato determinado de vandalismo e depredação, com o objetivo de empreender outro muito maior em outro local.

Agem quando de manifestações pacíficas, fazendo-as acabar em violência, visualizada com grande estardalhaço pela mídia. A finalidade é ocupar a cena pública. Quanto maior for o impacto televisivo, maior será seu "ganho", pois tais imagens se propagarão com força por todo o País e mesmo para além dele. Para quem não gosta do crescimento e da competitividade internacional do País, o "ganho" terá ainda um "reconhecimento" extra. Fora de nossas fronteiras, tais imagens adquirem o estatuto de manifestação "popular", como se o Brasil estivesse à beira de um problema institucional sério.

As jornadas de junho foram uma impressionante manifestação de cidadania, com mais de 1 milhão de pessoas nas ruas clamando contra a corrupção e a má qualidade dos serviços públicos, com foco, num primeiro momento, na mobilidade urbana. As pessoas, com toda a razão, estão cansadas de pagar altos impostos, tendo como "retribuição" andar de pé, apertadas, nos ônibus em péssimas condições. O transporte torna-se um calvário. Filas em postos de saúde e hospitais, com atendimento sofrível, mais o baixo nível da educação pública configuram um quadro lamentável: a feia pintura de nosso país.

O exercício da autonomia expresso em tais manifestações, não obedecendo a nenhuma orientação partidária, mostrou um outro País possível, alerta para os desmandos vigentes, não aceitando nenhum tipo de instrumentalização. Naquele momento era como se o País, surpreso, estivesse vendo desfilar uma banda da liberdade e da indignação. Contudo essa irrupção do novo assustou.

Assustou os que até então dominavam as ruas ou delas procuravam ter o monopólio, como os diferentes partidos de esquerda, sindicatos e movimentos sociais organizados, que tiveram, então, a intenção de se apropriar desse sopro de autonomia. A heteronomia entrou na pauta. O resultado foram "greves" e "manifestações" que terminaram em completo fiasco, expondo a dissociação entre a tentativa de manipulação e a legítima indignação das ruas.

Nesse contexto, a ação dos ditos "vândalos" passou a ter maior protagonismo, atuando em qualquer tipo de manifestação, relegando os demais a posição secundária. Na verdade, houve um processo de estranhamento: os manifestantes autônomos e indignados não mais se reconheceram naqueles mascarados. A violência exposta não era um espelho seu.

O resultado foi imediato: o refluxo das manifestações autônomas e legítimas. A expectativa nascida quando das jornadas de junho foi progressivamente minguando. Por enquanto, pode-se dizer que desapareceu, embora possa ressurgir em outro contexto. A violência enxotou os indignados da rua.

Logo, o efeito objetivo dos agentes da violência, os black blocs ou outros nomes que se lhes queira dar, foi o esvaziamento das manifestações autônomas e, mais do que isso, de suas bandeiras. Expulsaram da rua as bandeiras contra a corrupção, por um melhor serviço público e menos impostos. Eis a verdadeira consequência de suas ações. Ou melhor, eis o seu verdadeiro objetivo. A quem interessa isso?

Curiosamente, os que se dizem "anarquistas", em tese os defensores da autonomia e da liberdade, são os que buscam diretamente tornar inviável toda manifestação livre e autônoma. Nada têm eles de anarquistas no sentido estrito da palavra, são meros representantes de uma esquerda que usa irrestritamente a violência segundo suas conveniências políticas.

Observe-se que muitas agremiações que participaram das jornadas de junho, como o Movimento Passe Livre, e outras posteriores, de certos sindicatos de professores, nutrem simpatia por esses "vândalos", como se sua causa fosse a mesma, apesar de seus meios divergirem. Comportam-se como "companheiros". Companheiros de quê, precisamente? Da desmobilização popular? Do abandono das bandeiras contra a corrupção, o desvio de recursos do erário e a péssima qualidade dos serviços públicos? Da desresponsabilização de seus responsáveis?

Expressão disso é o fato, politicamente inquietante, de que bradam contra a "criminalização dos movimentos sociais". Traduzindo: a violência deveria ser permitida e defendida, pois seus agentes sustentam uma "causa social". Seu objetivo consiste em deixar a impunidade reinar e as instituições democráticas se enfraquecerem.

domingo, 3 de novembro de 2013

A indigência do debate esquerda versus direita no Brasil

Minha xará, Miriam Leitão, pegou na veia com o artigo Miséria do Debate (reproduzo abaixo). Qualquer pessoa que tenha um pouco de bom senso, independente de sua coloração política, já percebeu a mediocridade do debate supostamente político no Brasil.

Claro, quem iniciou esse rebaixamento político foi o petismo, entre outras coisas por trazer dos escombros do Muro de Berlim, o papo Guerra Fria de "esquerda x direita" enquanto cinicamente se banqueteia nos jantares chiques com os empresários amigos do peito. Entretanto, como diz o ditado, se gentileza gera gentileza, fanatismo e hipocrisia também geram fanatismo e hipocrisia. Daí que não tardou muito para as contrapartes igualmente fanáticas e hipócritas de direita aparecerem a fim de alimentar esse cada vez mais insuportável fla-flu de bregas de esquerda versus jecas de direita onde a baixaria rola solta. Míriam os identifica apropriadamente:
Esses seres surgem na suposta esquerda, muito bem patrocinada pelos anúncios de estatais, ou na direita hidrófoba que ganha cada vez mais espaço nos grandes jornais.

Ela identifica também uma das características marcantes da citada direita que é o machismo: 
...uma amiga me enviou o texto de um desses articulistas que buscam a fama. Ele escreveu contra uma coluna em que eu comemorava o fato de que, um século depois de criado, o Fed terá uma mulher no comando. Além de exibir um constrangedor desconhecimento do pensamento econômico contemporâneo, ele escreveu uma grosseria: “O que importa o que a liderança do Fed tem entre as pernas?” Mostrou que nada tem na cabeça. 

Míriam não quis identificar o boi para não lhe dar a fama pela qual ele já vendeu a alma ao diabo faz tempo. Mas não vou seguir seus passos, pois acabei de salientar a honestidade do dito na postagem A "pedofilia" dos conservadores contra a veracidade dos fatos. Trata-se do novo colunista da VEJA, Rodrigo Constantino, o atual maior arrivista da paróquia, que até ontem posava de libertário-liberal. Ao perceber, porém, no besteirol obscurantista conservador, um filão de vendas, virou NEOCONstantino, e hoje vive de apontar a hipocrisia e a ganância da esquerda enquanto chafurda nas mesmas. 

Então, seguindo o credo energúmeno dos conservadores, o fulano só podia soltar mesmo esse pum sexista que a Míriam cita. Para esses ditos conservadores ou conservadores-liberais (um paradoxo), nós já vivemos num mundo igualitário o suficiente para não ser mais necessário se comemorar a chegada de uma mulher a uma posição de destaque. E depois é só a esquerda que delira.

Aliás, para eles, esse mundo de bosta que criaram é uma maravilha, daí todas as reivindicações dos movimentos sociais não terem qualquer validade. Não passam de estratégias do movimento revolucionário internacional (sic) para acabar com a civilização ocidental, cristã, a democracia, a família, blá-blá-blá. Pela simples observação da composição dessa turma, no entanto, dá para sacar de quem são os interesses que ela defende: trata-se de um clube do bolinha, branco, heterocêntrico e de classe média para cima. Em outras palavras, a maior parte da humanidade não tem participação na entidade e, diga-se de passagem, nem vale a pena requerer entrada.

Não concordo, claro, com tudo o que a xará diz. Sua visão sobre o PT é muito amena para o meu gosto. As políticas sociais do petismo são muito mais de fachada do que efetivas. Tem funcionado de fato como estratégia eleitoral - pois não se sustentam a médio prazo - com o real objetivo da manutenção de um poder que se quer eterno. Ao contrário dela, considero acertado o epíteto "petralha", criado pelo jornalista Reinaldo Azevedo, porque o PT age sim como quadrilha, bem como o apelido “rottweiller” para o "vejeiro".

Não creio que o grande problema desse embate sejam tanto os apelidos que as torcidas organizadas coloradas e azuis lançam umas contra as outras. Isso até poderia ficar apenas no território do chiste não fosse acompanhado de um maniqueísmo reducionista atroz nas ideias em geral, onde literalmente, os lados opostos criticam uns nos outros os defeitos que são comuns a ambos. Cada vez mais, o fla-flu se configura apenas como a velha história do roto falando mal do rasgado.

E quem perde é o Brasil porque continua sem uma oposição razoável à hegemonia petista. Uma oposição ao PT não poderia ser como o PT, mudando só a cor da bandeira. Precisaria ser oposição firme mas consistente em suas posições, antenada com o mundo atual e suas bandeiras, que não se limitasse a fazer cruzada contra a esquerda e não buscasse oferecer, para os problemas do mundo, uma receitinha de privatização e livre mercado à guisa de panaceia universal. 

O mundo atual se tornou complexo demais para ser equacionado na base da receitinha. Enquanto, na Europa, até os liberais vêm se posicionando contra o atual capitalismo, por não considerá-lo compatível com as ideias liberais, no Brasil, age-se como se o único problema do atual sistema fosse o conluio fascistoide dos empresários com o Estado. A questão das grandes corporações, como também obstáculos ao livre mercado, raramente é abordada.

De fato, o que o país precisa é de forças de centro, menos dogmáticas, menos autoritárias, para pensar a sociedade brasileira com vistas à solução de seus problemas concretos. Quem transforma política em arquibancada de jogo de futebol, onde as torcidas organizadas estão mais preocupadas em se pegar do que ver e analisar o jogo, não está apto para tal.  


Miséria do debate

O Brasil não está ficando burro. Mas parece, pela indigência de certos debatedores que transformaram a ofensa e as agressões espetaculosas em argumentos. Por falta de argumentos. Esses seres surgem na suposta esquerda, muito bem patrocinada pelos anúncios de estatais, ou na direita hidrófoba que ganha cada vez mais espaço nos grandes jornais.

É tão falso achar que todo o mal está no PT quanto o pensamento que demoniza o PSDB. O PT tem defeitos que ficaram mais evidentes depois de dez anos de poder, mas adotou políticas sociais que ajudam o país a atenuar velhas perversidades.

O PSDB não é neoliberal, basta entender o que a expressão significa para concluir isso. A ele, o Brasil deve a estabilização e conquistas institucionais inegáveis. A privatização teve defeitos pontuais, mas, no geral, permitiu progressos consideráveis no país e é uma política vencedora, tanto que continuou sendo usada pelo governo petista.

O PT não se resume ao mensalão, ainda que as tramas de alguns de seus dirigentes tenham que ser punidas para haver alguma chance na luta contra a corrupção. Um dos grandes ganhos do governo do Partido dos Trabalhadores foi mirar no ataque à pobreza e à pobreza extrema.

Os epítetos “petralhas” e “privataria” se igualam na estupidez reducionista. São ofensas desqualificadoras que nada acrescentam ao debate. São maniqueísmos que não veem nuances e complexidades. São emburrecedores, mas rendem aos seus inventores a notoriedade que buscam. Ou algo bem mais sonante.

Tenho sido alvo dos dois lados e, em geral, eu os ignoro por dois motivos: o que dizem não é instigante o suficiente para merecer resposta e acho que jornalismo é aquilo que a gente faz para os leitores, ouvintes, telespectadores e não para o outro jornalista. Ou protojornalista. Desta vez, abrirei uma exceção, apenas para ilustrar nossa conversa.

Recentemente, Suzana Singer foi muito feliz ao definir como “rottweiller” um recém-contratado pela “Folha de S.Paulo” para escrever uma coluna semanal. A ombudsman usou essa expressão forte porque o jornalista em questão escolheu esse estilo. Ele já rosnou para mim várias vezes, depois se cansou, como fazem os que ladram atrás das caravanas. Certa vez, escreveu uma coluna em que concluía: “Desculpe-se com o senador, Miriam.” O senador ao qual eu devia um pedido de desculpas, na opinião dele, era Demóstenes Torres.

Não costumo ler indigências mentais, porque há sempre muita leitura relevante para escolher, mas outro dia uma amiga me enviou o texto de um desses articulistas que buscam a fama. Ele escreveu contra uma coluna em que eu comemorava o fato de que, um século depois de criado, o Fed terá uma mulher no comando. Além de exibir um constrangedor desconhecimento do pensamento econômico contemporâneo, ele escreveu uma grosseria: “O que importa o que a liderança do Fed tem entre as pernas?” Mostrou que nada tem na cabeça.

Não acho que sou importante a ponto de ser tema de artigos. Cito esses casos apenas para ilustrar o que me incomoda: o debate tem emburrecido no Brasil. Bom é quando os jornalistas divergem e ficam no campo das ideias: com dados, fatos e argumentos. Isso ajuda o leitor a pensar, escolher, refutar, acrescentar, formar seu próprio pensamento, que pode ser equidistante dos dois lados.

O que tem feito falta no Brasil é a contundência culta e a ironia fina. Uma boa polêmica sempre enriquece o debate. Mas pensamentos rasteiros, argumentos desqualificadores, ofensas pessoais, de nada servem. São lixo, mas muito rentável para quem o produz.

Fonte: Miriam Leitão.com, 03/11/2013

sábado, 2 de novembro de 2013

Especialista em cardiologia nuclear afirma que testes em animais são inúteis para a produção de medicamentos e eticamente inaceitáveis

Há três grandes razões pelas quais testes continuam a ser feitos
 e elas são dinheiro, dinheiro e dinheiro.
'Uso de animais para estudar doenças e testar drogas para uso humano é um grande erro'
Especialista em cardiologia nuclear e diretor do Comitê Médico Pela Medicina Responsável, John Pipp afirma que é possível parar com os testes agora 

por Ana Freitas

O uso de animais em testes científicos e pesquisas acadêmicas poderia ser interrompido hoje mesmo sem nenhum ônus para o avanço científico: essa é a opinião do Dr. John Pippin, diretor de negócios acadêmicos da associação americana PCRM (Sigla em inglês para Comitê Médico Pela Medicina Responsável), sobre o uso de animais em pesquisas laboratoriais e acadêmicas.

O PCRM tem mais de 150 mil médicos e civis associados nos EUA e, desde 1985, defende uma medicina mais responsável e ética, e isso inclui a divulgação da importância da nutrição preventiva - em vez da prática de receitar drogas aos pacientes para corrigir problemas que poderiam ter sido evitados através de uma alimentação correta, por exemplo - e o fim do uso de animais em testes laboratoriais e pesquisas acadêmicas, entre outras coisas. De acordo com o PCRM, os resultados de testes com animais são tão imprecisos e incompatíveis com a maneira como o organismo humano reage que não faz sentido continuar submetendo os animais a eles. Para eles, não funciona, e se não funciona, não deveria estar sendo feito mesmo que não tivéssemos outras alternativas.

Em entrevista à GALILEU, John Pippin, especializado em cardiologia nuclear com mais de 70 artigos científicos publicados, falou sobre a ineficiência desse tipo de teste, as possíveis alternativas e sobre o caso do Instituo Royal.

GALILEU: Qual é a sua opinião sobre o uso de animais em pesquisas acadêmicas e testes laboratoriais?

Minha posição é que é errado sob todos os aspectos. É errado por razões éticas, e eu posso dizer isso, com autoridade porque eu já participei de pesquisas que testavam em animais, então posso dizer que, mesmo nas mãos de pessoas que cuidadosas e carinhosas, é horrível, cruel, e muitas vezes fatal para os animais que são usados nesse tipo de pesquisa. Essa é a questão ética.

A questão científica é que está provado que o uso de animais para estudar doenças humanas e testar drogas para uso humano antes que eles sejam mandadas para teste clínicos em pessoas é um grande erro. Os resultados geralmente têm uma aplicabilidade muito baixa em seres humanos, e é um sistema que claramente está demonstrado que não é eficaz, não prevê os resultados em organismos humanos, consome grandes recursos financeiros e produz poucos, quando nenhum, benefícios para pacientes.

Do ponto de vista científico, é errado porque não funciona. E do ponto de vista moral, é errado porque é cruel e fatal para os animais nos laboratórios.

Então porque os testes ainda são largamente usados por pesquisadores?

Há três grandes razões pelas quais isso continua e elas são dinheiro, dinheiro e dinheiro. As pesquisas em animais para doenças humanas, ao menos nos EUA, acontecem em universidades e ambientes acadêmicos, e essa pesquisa é paga por dinheiro público. Esses institutos gastam todo ano cerca de 13 bilhões de dólares em pesquisas usando animais. Obviamente isso é muito dinheiro, muitas grandes universidades nos EUA - Harvard, Yale, entre outras - ganham muito dinheiro para conduzir essas pesquisas. E sem esse dinheiro, carreiras e construção de infra-estrutura estariam em perigo. Há grande resistência no uso de animais em pesquisa porque é lucrativo.

Por que o governo continua a colocar dinheiro em algo que não funciona?

Eles não concordam que não funciona: eles acham que as vezes funciona, ou às vezes não funciona e que se esperarmos o suficiente, coisas que não funcionam agora funcionarão no futuro. Isso é nonsense. No caso dos EUA, por exemplo, o povo está pagando por essas pesquisas merece ver resultados que beneficiem sua saúde e bem-estar, e isso não está acontecendo.

Outra razão pela qual o governo continua a gastar dinheiro nisso é que as pessoas que tomam essas decisões são, eles mesmos, pesquisadores que usam animais nos testes, gente que acredita nisso. É por isso que pesquisa animal para doenças humanas continua.

Ativistas contra testes em animais (Foto: David Navalha/Flickr/Creative Commons)

E na indústria farmacêutica? Se o senhor afirma que esses testes são ineficientes para prever resultados em organismos humanos, por que eles continuam sendo feitos?

As empresas farmacêuticas estão interessadas em apenas uma coisa: ter os remédios aprovados pelo FDA (Foods and Drugs Administration, a vigilância sanitária dos EUA) para que sejam usados em humanos. A maneira mais fácil de fazer isso é dar ao FDA resultados de pesquisas com animais, porque o FDA está acostumado a ver resultados baseados nesse tipo de pesquisa, e é através de testes em animais que eles frequentemente aprovam testes em humanos.

E apesar disso, o próprio FDA já admitiu que testes em animais não são capazes de prever o comportamento do organismo humano diante de uma droga. 92% de todas as drogas testadas com sucesso em animais, e depois em humanos, falham de alguma forma [fonte]. Isso não é ciência, é bruxaria. Não deveria ser financiada e apoiado pela FDA, é uma fraude, e uma fraude que acontece por causa de dinheiro. Companhias farmacêuticas estão entre as maiores dos EUA, as mais ricas. O frustrante é que o FDA sabe que não faz sentido.

E quais são as alternativas mais eficientes ao teste com animais?

O princípio fundamental de achar alternativas melhores à política falida de usar animais é usar um sistema que se aplique a humanos.

Usando tecidos humanos, você consegue resultados que se aplicam a humanos, e você não precisa adivinhar se o que aconteceu com o rato também se aplica a humanos. É possível usar um tecido do fígado, colocar em contato com uma droga pra ver se vai causar algum câncer. Há vários tipos de tecidos possíveis, mas as amostras mais avançadas são ambientes tridimensionais, como partes de cânceres ou partes de tecido humano. E a área mais promissora nesse sentido é a de células tronco.

Hoje é possível obter células tronco que podem ser programadas para se tornar qualquer tecido que você queira a partir de outros tecidos. Dá pra criar corações, fígados, pulmões. Já foram criadas bexigas humanas a partir de células tronco. Isso mostra o potencial de usá-las para estudar o efeito de drogas e químicos em tecidos humanos. Há também métodos baseados em software: são vastos bancos de dados armazenando informações sobre o comportamento do organismo humano em geral e o que se observou até hoje que funciona e não funciona. É possível observar como uma droga influencia nos genes de alguém e pode vir a causar uma doença no futuro, ou como certos genes podem gerar uma pré-disposição para algumas doenças caso interajam com drogas. Empresas farmacêuticas já usam isso, porque eles sabem que funciona. Mas eles também usam testes em animais porque é isso que o FDA está acostumado a receber.

Se eu entendi bem, sua opinião então é que, se não funciona, não deveríamos nem nos preocupar em substituir o processo atual com alternativas, mas sim parar completamente?

Exatamente. Quando as pessoas me perguntam "mas se não usarmos animais, o que vamos fazer? Temos que fazer algo, não podemos dar remédios pras pessoas sem testá-los", minha resposta é "Olha, se não funciona, consome seus recursos, usa dinheiro do contribuinte e prejudica as pessoas, como drogas como o Vioxx fizeram [Vioxx foi um anti-inflamatório testado com resultados inócuos em animais, mas que depois, no mercado, chegava a triplicar o risco de morte por ataque cardíaco nos pacientes. Foi retirado de circulação nos EUA em 2004], então temos de parar!

Mesmo que não façamos nada alternativo, vamos parar. Não está funcionando". E aí eu digo que, poxa, ainda por cima há sim alternativas se a gente quiser usá-las.

Você ouviu falar do caso do caso do laboratório brasileiro que foi invadido por ativistas?

Dos beagles, não é? Sim, esse caso foi bastante repercutido nos EUA. Me entristece que as pessoas sejam obrigadas a agir fora da lei para fazer aquilo que acham que é certo. Essas pessoas são corajosas. Elas estão se arriscando por algo que sabem que é justo e não têm ninguém para protegê-las. Os beagles têm gente como elas.

Em quanto tempo você acha que os EUA vão parar de fazer testes em animais?

Acho que passamos do ponto em que pessoas discutem se pesquisas animais são abordagens científicas confiáveis. Todo mundo entende que não é. Gente como eu entende que essas pesquisas não têm valor nenhum, e outras pessoas da área acham que a abordagem é falha mas que de vez em quando ela traz alguns resultados úteis, e portanto têm que continuar fazendo.

Já passamos da parte em que provamos que testar em animais não é certo. Já estamos no caminho em direção a achar maneiras melhores de fazer isso Porque essa indústria não tem ética e só se preocupa com votos e dinheiro, eu diria 10 a 15 anos. E isso é porque demora um tempo até convencer a FDA que eles estão fazendo algo errado, mesmo com o comitê de ciência e o congresso dizendo que eles estão fazendo tudo errado.

Fonte: Revista Galileu On Line

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

A "pedofilia" dos conservadores contra a veracidade dos fatos

Conservas sem parâmetro algum de comportamento decente
Ontem rolou, nas redes sociais, a notícia do site cristão Charisma News, de que a American Psychiatric Association (APA - Associação de Psiquiatria Americana) teria redefinido a pedofilia de transtorno ou desordem mental para orientação sexual. Não tardou para um conservador, Rodrigo Constantino, veicular a notícia, em sua coluna na VEJA, como um sinal do "esquerdismo doente, que relativiza tudo e não encontra mais parâmetro algum de comportamento decente".

Embora tenha acusado a esquerda de comportamento indecente, o fato é que a postagem de Constantino não foi nada decente. Pelo contrário, foi bem leviana já que ele não buscou confirmar a notícia junto à APA, limitando-se a reproduzir texto de site pra lá de duvidoso apenas como pretexto para a divulgação de trecho de seu livreto a "esquerda caviar". Inclusive, mesmo após ser refutado por várias pessoas, com base em declarações da própria APA, não tratou de apresentar resumo dessas declarações esclarecedoras como fez o próprio site cristão citado. E aí a esquerda é a única corrente desonesta, hipócrita e gananciosa do país. 

De fato, a primeira informação obtida sobre o assunto dava conta de que a APA teria feito uma distinção entre a pedofilia passiva (sem prática real, só fantasias) e a ativa (prática real envolvendo crianças), denominando a passiva de "orientação sexual" e a ativa de "desordem ou transtorno pedofílico". Já por aí ficava claro que não era a pedofilia propriamente dita que teria sido reformulada como mera orientação sexual. Posteriormente, porém, divulgou-se nota da própria APA esclarecendo ter sido o termo "orientação sexual" um erro de impressão que será corrigido nas próximas edições do manual e substituído pelo termo correto "interesse sexual". Embora a distinção seja meramente linguística, o uso do termo "interesse sexual" é mais adequado, pois orientação sexual já ficou marcado como referente às sexualidades não patológicas (hétero, homo e bissexualidade). Assim também cala-se de vez a boca dos histéricos de plantão.

Na verdade, essa falsa polêmica sobre a pedofilia visa de fato deslegitimar os direitos homossexuais (além de, no caso de Constantino, fazer propaganda de seu livro). Para os conservadores, o fato de a homossexualidade ter sido retirada do rol das parafilias da APA, em 1990, passando a ser reconhecida como orientação sexual, abriu as portas para a naturalização das outras "perversões" elencadas no 5º Manual Estatístico e Diagnóstico dos Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders- DSM-5).

É bem provável que realmente as relações sadomasoquistas venham a sair da lista das parafilias em breve, pois a sociedade já as naturalizou e erotizou o suficiente para até produzir best-sellers como 50 Tons de Cinza, uma espécie de aventuras de Sabrina in chains (acorrentada). Provavelmente também os conservadores darão seu show de puritanismo hipócrita quando isso acontecer.

Entretanto, as relações SM são, bizarrices à parte, relações entre pessoas adultas estabelecidas de livre e espontânea vontade. Cada um que saiba a dor e a delícia de ser o que é. Por outro lado, a pedofilia, a zoofilia (relações com animais), o assédio sexual, o estupro, a prostituição forçada são relações de violência, pois não existe nelas o componente fundamental da sexualidade saudável que é o consenso entre as partes envolvidas. Se as pessoas que têm desejos dessa natureza os mantém no nível da fantasia, não há o que se fazer sobre o assunto (ver abaixo o bom  filme O Lenhador a respeito do tema). Se partem da fantasia para a ação, precisam ser contidas pela sociedade pois seus atos se configuram como criminosos.

Qualquer pessoa razoável sabe bem diferenciar as relações consensuais das forçadas. Os conservadores buscam misturar as coisas porque são simplesmente vigaristas morais e intelectuais.  


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