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A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

terça-feira, 18 de junho de 2013

Estado x Mercado: outro fla-flu ou o mercado é mesmo a melhor solução?

Comentarista Paulo Martins (segundo da direita para a esquerda) defende privatizações
Não vejo o livre mercado como panaceia universal, mas não tenho dúvida de que é preciso diminuir o tamanho do Estado no Brasil. Estado grande demais, em qualquer país, gera mediocridade, corrupção, estagnação econômica e  autoritarismo. O Brasil tem uma longa tradição estatista gerada pela direita conservadora a la brasileira (oligarcas, coronéis, latifundiários, igrejeiros e mais modernamente capitalistas de compadrio) e mantida e até aumentada pela esquerda petista. De fato, o único governante - doa a quem doer - que tentou e conseguiu modernizar um pouco as coisas, pelo menos no sentido de dar mais transparência e meritocracia ao Estado, e liberalizar a economia foi o centro-esquerdista Fernando Henrique Cardoso.

Lula colheu os frutos do que FHC plantou porque manteve a princípio o programa do predecessor, mas, depois de 2008, com a crise financeira americana, atribuída, ao que tudo indica, erroneamente à desregulação do mercado, retomou os velhos sonhos estatistas de esquerda, perspectiva acelerada no governo Dilma Roussef. E veja onde chegamos de novo: inflação, corrupção desenfreada, estagnação econômica, PIB diminuindo!

Então, assim, eu gostaria de experimentar a versão liberal da economia e dar mais liberdade para as pessoas empreenderem, fornecendo mais alternativas de produtos e serviços à população. Isso nunca foi de fato tentado em nosso país, pois a visão liberal é anatemizada por aqui, mas, por isso mesmo, como algo novo, deveria pelo menos ser aventado. 

Daí que  vale a pena registrar quando alguém se coloca abertamente pela desestatização no Brasil, como é o caso do comentarista Paulo Martins nesse debate com seus colegas do Jornal da Massa do SBT (PR). Vejam!

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Geração perdida: nostálgicos de um passado que não viveram


Hoje haverá outra manifestação do tal Movimento Passe Livre nem se sabe exatamente se contra o aumento de R$0,20 no aumento das tarifas de ônibus ou se pela estatização completa dos serviços, o que resultará, se essa ideia de jerico prevalecer, em apenas ainda mais aumento de impostos e serviço ainda pior.

Pelo menos agora estão dizendo que vão coibir os vândalos do movimento que saíram quebrando e incendiando ônibus, estações do metrô, lojas, agredindo policiais, etc... e geraram reação violenta da polícia, com casos flagrantes de abuso de força. A PM alega que, na quinta-feira, dia da última manifestação, os manifestantes não acataram o acordo de não subir a Consolação e daí teria se iniciado o confronto mais violento. Até acho, considerando algumas siglas e perfis envolvidos nesse protesto, que isso tenha mesmo acontecido, mas, de qualquer forma, não justifica policiais atirando balas de borracha contra o rosto de transeuntes, jornalistas, manifestantes. Essas balas não matam, mas podem ferir seriamente principalmente se atingirem os olhos das pessoas, como se registrou. Os policiais abusivos precisam ser punidos por esses excessos e as táticas de controle de distúrbios revistas.

Por outro lado, a manifestação contra o aumento da tarifa de fato capitalizou a frustração da população contra a superlotação dos ônibus e outras tantas indignações justas. Entretanto, conscientes de que manifestações tão violentas por um aumento de apenas vinte centavos são difíceis de engolir, agora os manifestantes dão amplitude ao objetivo dessas manifestações, embora não o especifiquem. A manifestação virou um oba-oba na base do "contra tudo que está aí" e se encontra obviamente manipulada por partidos de extrema-esquerda (PSOL, PSTU, PCO), fora o PT e seus aliados (PCdB também já entrou na jogada) com vistas às eleições de 2004 (por exemplo, já tem gente pedindo o impeachment do Alckmin) e possíveis desestabilizações institucionais. A Folha de SP afirmou que militantes do PSOL andam 'recrutando' punks para os protestos, o que naturalmente o partido nega. Há quem diga que não é sério quem leva a sério essa acusação, mas, considerando a cartilha que reza o PSOL (defende inclusive as ditaduras cubana e venezuelana), não sério é quem desconsidera totalmente essas acusações. No mínimo, deve-se colocar as barbas de molho com esse partido. Em caso de dúvida, consultar o programa do partido disponível na internet para maiores esclarecimentos.

Pessoalmente, acho - como já disse - que esses protestos têm respaldo da população real marcada por uma insatisfação difusa contra tantos descalabros que acontecem no país. Ao contrário de outros analistas, não creio que as manifestações sejam fruto apenas de baderneiros desocupados, a despeito dos vândalos que se infiltraram nos protestos. O aumento da tarifa, embora irrisório, pode sim ter funcionado como uma gota d'água num copo cheio de cansaço pelos ônibus superlotados, pela corrupção, pelo péssimo governo Dilma (anteontem recebeu uma sonora vaia no início da Copa das Confederações, ver vídeo abaixo). Só que agora a tarefa de separar o joio do trigo, está bem difícil e o risco de radicalização tanto de parte dos manifestantes quanto da polícia bem alto. 

Para se começar a separar o joio do trigo, primeiro é fundamental que os manifestantes identifiquem e afastem os vândalos (vejamos se cumprem a promessa de fazê-lo). Os protestos têm que ser pacíficos ou então todo mundo tem que parar de fazer mimimi quando a polícia revida. A despeito da truculência da PM, quem começou a baixaria foram os manifestantes nas edições anteriores a de quinta-feira. Só depois a coisa desandou do lado policial também. Muita gente nas redes sociais não quer assumir essa responsabilidade e culpa exclusivamente a polícia pela batalha campal em que as manifestações desandaram. De "tadinhos", contudo, está pavimentado o chão do inferno. Na mesma linha, também é preciso respeitar o trajeto acordado com a Segurança Pública não só para evitar confrontos com a polícia como também sobretudo para respeitar o direito dos outros cidadãos de ir e vir. Tem muitos que acham - vejam só - o direito de ir e vir coisa de playboy incapaz  de se juntar de bom grado aos "iluminados" dos protestos. Mas falam em "democracia".

Segundo, é preciso definir o foco do movimento porque essa história de "contra tudo que está aí" é porra-louquice daquele tipo de anarquista que não sabe construir nada mas é ávido por chutar o pau da barraca.  Libertário de verdade é um ser racional. Discordo da bandeira do passe livre porque a considero impraticável, mas, já que mágicos das finanças acreditam nela, que fiquem só nela. O alastramento dessas manifestações sem objetivos claros pode levar até a crises institucionais, o que seguramente agrada aos extremistas de plantão, mas não é de interesse da sociedade de fato, apenas dessa minoria conflituosa. O Brasil tem longa tradição de instalação de regimes autoritários após conturbações sociais. Tem gente flertando com o diabo em pessoa como se fosse de fato possível barganhar com ele sem se sair queimado.

Por fim, fazendo jus ao título dessa postagem, simultaneamente me impressiona e me entristece constatar como essa geração de hoje é perdida no tempo. Seus referenciais são da década de 60, do período militar (1964-84). Não tem referências próprias. São nostálgicos do que não viveram. A propósito dessas marchas, os à esquerda querem reviver o maio de 68 da França, entoam o Pra não Dizer que não falei das flores (1968), do Vandré (vejam abaixo a montagem que fizeram com a música), alguns se pensam revolucionários da Sierra Maestra, sem consciência histórica e política, sem atentar para a terrível breguice anacrônica desses posicionamentos. Os à direita, por sua vez, dizem-se saudosos da ditadura militar que também não viveram, quando havia ordem e progresso e os "comunistas" foram banidos do espaço público para os cárceres ou para o exílio (sic). Trata-se de mais um capítulo do já notório fla-flu dos bregas de esquerda versus jecas de direita que atravanca o progresso do país.

Eu que vivi de fato aquele período, que foi o da minha adolescência e juventude, não sinto saudades alguma de nada daquilo, com exceção de algumas músicas antológicas e do espírito libertário que - esse - os ativistas de hoje não querem incorporar (atualmente todos  só querem saber de partidos e do Estado). Mas falando em música, já em 1970, John Lennon dizia que o sonho tinha acabado em referência ao fim dos Beatles e também aos ideais do período ("the dream is over", verso da música God), e Gilberto Gil, a propósito, fez uma música com esse título (O sonho acabou, 1971) que deixo como recado aos nostálgicos do que não viveram: "O sonho acabou. Quem não dormiu no sleeping-bag nem sequer sonhou. ....O sonho acabou. Foi pesado o sono pra quem não sonhou". Ver abaixo!

Em outras palavras, dois expoentes daquele período de grandes transformações já decretavam seu fim no início da década de 70. O sonho já estava pesado para quem não teve a coragem de embarcar nas ilusões da época. Imagine hoje. Renovar é preciso, não? Novos sonhos, novos posicionamentos. Será que não existe mais criatividade no mundo? Pasma aqui!

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Uma questão: passe livre ou transporte livre?

Ontem, escrevi sobre as manifestações contra o aumento de R$0,20 na tarifa dos ônibus que descambaram em violência  e destruição - incoerentemente - de meios de transporte, como ônibus, estações do metrô, e prédios públicos.

Ontem também, em outra manifestação em São Paulo, foi a vez da política abusar da força e descer o cacete (simbólica e literalmente) nos manifestantes, disparar balas de borracha até contra o rosto de pessoas, bombas de gás lacrimogêneo, enfim, todo o arsenal repressivo das polícias em todo o mundo. Lastimável!

Ainda como  disse ontem, todo o protesto é aceitável em democracias desde que se mantenha pacífico. Quando desandam, como esses supostamente contra o aumento das passagens de ônibus, perdem a legitimidade. E como violência gera violência, fica-se aí numa bola de neve com extremistas de esquerda (PSOL, PSTU, PCO e petistas também, não se enganem) depredando o patrimônio público e a polícia respondendo com truculência indevida.

Por trás dos abusos dos manifestantes, existe o tal movimento passe livre que prega serviço de transporte gratuito para todos. Como tal coisa é impossível, pois tudo tem custo (serviços públicos são pagos por nós mesmos através de impostos), é necessário parar para apreciar melhor o assunto. Por isso, reproduzo abaixo texto da página do facebook Passe Livre Não Existe à guisa de reflexão.

Passe livre não, transporte livre sim

O passe livre nunca existirá. Acreditar que transporte é um direito é o mesmo que acreditar na obrigação de alguém lhe oferecer este serviço; é o mesmo que apoiar trabalho escravo. Motoristas terão que ser pagos, a construção dos ônibus terá que ser paga, os funcionários da estatal terão que ser pagos, cobradores terão que ser pagos e jamais haverá ônibus o suficiente para a prestação de um serviço decente.

Concordo que o preço da passagem é alto, mas isso não ocorre simplesmente porque o governo decide aumentar o preço da passagem. Isso ocorre porque ele cria um cartel de empresas para prestar esse serviço e dificulta ao ponto de praticamente proibir que outras empresas que não fazem parte ofereçam o serviço.

Para se ter um táxi é praticamente impossível pois o número das licenças são limitadas (o valor no RJ é de R$100.000,00 para obter as licenças). É crime cobrar para levar seus amigos ou conhecidos a algum lugar; é crime oferecer transporte com seu próprio carro. Mototaxi é perseguido; vans que não são licenciadas pela prefeitura são perseguidas. 

Tudo isso para proteger o cartel criado pelo governo! Ao invés do passe livre, exijam transporte livre! É possível fazer uma manifestação muito maior do que essa, unindo taxistas revindicando menos impostos e menos burocracia, chamando pessoas que trabalham com moto táxi, pedindo ajuda a empresas de ônibus que são excluídas pelo cartel, motoristas de van e pessoas interessadas em oferecer serviço de transporte com o próprio carro! 

Faça essa ideia seguir adiante! Se continuarmos nesse ritmo nunca iremos mudar nada, isso é uma cortina de fumaça. Pagaremos da mesma forma através de impostos que serão realocados. Sem falar que já financiamos através de impostos o subsídio governamental que é dado para essas empresas! Compartilhe!

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Protesto que descamba para a violência e o vandalismo perde a credibilidade

Vanderlei Vignoli
Vanderlei Vignoli é o nome do policial militar que foi agredido perto da Praça da Sé, região central da cidade, na noite da terça-feira (11) durante o protesto contra o aumento na tarifa dos transportes. Vignoli que trabalha na segurança do Tribunal de Justiça de São Paulo chegou a sacar a arma, mas não atirou.

Em entrevista ao SPTV, o policial afirmou ter sido atingido com pedradas: “Fui atacado com muitas pedras, diversas pedras e aí acabei caindo e fiquei desacordado durante alguns segundos. Fui atacado porque eu tava protegendo o patrimônio, a sociedade e população. Tinha também muitas pessoas voltando do trabalho, mulheres, crianças.”

Abaixo texto e vídeo de reportagem da Folha sobre o ataque ao policial e ataques outros. Então, claro, o transporte no país, como quase tudo, é caro e de má qualidade. Daí vinte centavos podem virar gota d'água de um copo até aqui de ressentimento e mágoa. No entanto, todavia, contudo, quando um manifesto justo descamba para violências e vandalismos como as descritas a seguir pelo repórter Giba Bergamim JR. sua credibilidade fica seriamente arranhada. É preciso ser muito otário para não ver a instrumentalização política desses protestos pelos extremistas esquerdiotas de sempre e, por trás deles, seguramente o dedo sujo do PT, ainda que este agora pose de defensor do Estado de Direito, criticando os "baderneiros".

Triste Brasil: extremistas de esquerda, direita, do escambau, inimigos entre si, mas irmanados na falta de rumo cada vez mais acentuada desta terra eternamente assolada pela estupidez.

Sozinho, PM quase foi linchado durante protesto na região da Sé

Giba Bergamim JR.

Um policial militar com rosto banhado de sangue, cercado e agredido com socos, chutes e pedras por cerca de dez manifestantes.

A cena na rua 11 de Agosto, a poucos passos da praça da Sé, marco zero da cidade de São Paulo, foi impressionante não só para mim, mas até para integrantes do Movimento Passe Livre, que organiza os atos contra a tarifa.

"O PM iria ser linchado", admitiu o estudante de Ciências Sociais Matheus Preis, 19, que, com outro grupo, tentava, para a proteção do PM, conter os mais radicais.

A agressão que testemunhei por volta das 20h30 ocorreu ao lado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Após se levantar, sangrando, o PM tirou a arma do coldre e a apontou para os manifestantes. Depois, para o alto. Tive certeza de que ele iria atirar. Mas o policial militar não disparou nenhum tiro.

PICHAÇÃO

A agressão ocorreu quando a manifestação seguia pela região da Sé, após confronto entre policiais e manifestantes no Parque Dom Pedro.

Eu acompanhava parte do grupo que seguiu outro caminho. Foi quando o PM que atua na segurança do prédio viu um jovem pichando a parede do prédio da Justiça.

Com a mão na arma que estava no coldre, o policial correu e agarrou o rapaz, que tentou se desvencilhar.

Ambos caíram no chão, atracados. Foi quando parte do grupo começou a sequência de agressões com pedras, chutes, socos. Eram cerca de dez contra um. Sangrando na cabeça e no rosto, o policial conseguiu se levantar.

De pé, segurando o pichador ainda agachado pela gola da camisa, ele apontou a arma para os manifestantes.

Outros objetos foram lançados e o policial se protegeu, abaixando a cabeça.

Temi não só que o policial atirasse, para se proteger, mas também que o grupo continuasse a agressão. Por isso me aproximei de outros manifestantes que se posicionaram para proteger o PM.

O policial, que não consegui identificar, silenciou, enquanto o sangue escorria.

Junto com manifestantes que tentavam dar fim à confusão, gritei pedindo calma aos agressores. Em seguida, pedi a dois jovens que chamassem uma ambulância.

Não havia nenhum outro policial junto com ele na hora da confusão. Mesmo cercado, o PM saiu dali e caminhou só em direção a um acesso ao tribunal. Um colega se aproximou. Colocado num carro da corporação, foi levado ao hospital. Até a ontem, a sala de imprensa da PM não tinha informações sobre ele.

*

LEIA OUTRAS CENAS OCORRIDAS DURANTE O PROTESTO:

FATURAMENTO

Nas principais ruas do calçadão do centro financeiro de São Paulo as pessoas buscaram abrigo onde podiam durante os confrontos. "Ficou todo mundo muito assustado" disse Hilo Valnei Coutinho, 31, fiscal de uma loja Marisa no largo do Patriarca. Quase em frente, havia uma barricada em chamas feita com lixo. Segundo o funcionário, a loja fechou mais cedo e deixou de faturar na véspera do dia dos Namorados.

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IPHONE

Um manifestante do grupo que voltou à avenida Paulista após os primeiros confrontos com a Polícia Militar desferiu cinco "voadoras" até conseguir quebrar um dos vidros da entrada da estação Trianon do metrô. Após destruir o vidro, sacou seu iPhone e registrou o feito.

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MOTORISTA

Um motorista de ônibus disse que foi ameaçado por um grupo. Em frente ao terminal Parque D. Pedro 2º, no momento em que estouraram as primeiras bombas da PM, o veículo foi cercado por manifestantes. "Estava com 15 passageiros e o pessoal de capuz ameaçou atear fogo. Pedi para saírem e aí eles destruíram tudo. Foi muita violência com quem não tem nada a ver", disse o motorista, que se identificou como Almeida.

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PRESENTE

O vidro e o retrovisor do carro (um Renault Scénic) de José Aroldo, 56, foi quebrado em frente ao terminal Parque D. Pedro 2º. "O protesto é justo, mas não precisavam esculachar. Pelo menos, eles não levaram o presente da minha namorada, que estava dentro", disse, aliviado.


Fonte: Folha de São Paulo, 12/06/2013

quarta-feira, 12 de junho de 2013

“Sou fruto de estupro e a favor do aborto”

Filha de um estupro, Claudia Salgado fala sobre sua amarga experiência
Depoimento publicado originalmente no blog Olga que transcrevo aqui pela importância do tema. 

Claudia Salgado, 28 anos, gerente de varejo, fala de forma corajosa sobre a ilegalidade do aborto e suas consequências absurdas. Um viés humano e sincero nesse momento em que se debate o projeto de lei do nascituro.

Minha mãe tinha 18 anos na época em que foi estuprada. Ela não foi a única que sofreu este tipo de violência na família: tenho uma tia que também foi humilhada e estuprada por mais de um homem, mas não teve frutos disso, a não ser o trauma e a vida quebrada.

Somos de uma cidade muito pequena no interior de Santa Catarina. Ela havia saído com minha tia para dançar em uma matinê e, quando voltou para casa, sofreu agressão física muito brutal do avô, que era militar e muito rigído com regras e com relação às filhas saírem de casa. A família era muito grande – eram 5 filhas no total – e havia muita preocupação com relação as filhas ficarem mal faladas.

Estou abrindo isso para mostrar como ignorância só gera ignorância. Meu avô não é má pessoa, mas ele era alcoólatra e muito severo com as meninas.

Minha mãe ficou desesperada depois da surra que tomou e decidiu fugir de casa com minha tia. As duas estavam muito machucadas e vulneráveis e se sentaram desoladas nas escadarias da Catedral no centro da cidade, onde estes dois homens se aproximaram de forma amigável e ofereceram amparo. Elas inocentemente aceitaram e foram passar a noite na casa deles, onde haviam mais homens. Foi quando toda a violência física ocorreu. Minha tia era mais forte e conseguiu fugir, mas minha mãe não conseguiu e foi violentada por mais de um homem. Somos tão parecidas fisicamente que ela mesmo lamenta o fato de nem sequer saber qual deles é meu pai.

Naquela época as coisas não eram bem explicadas – em sua maioria, eram omitidas. Minha mãe não contou a ninguém o ocorrido, pois, além da vergonha, ela ainda se sentia mortificada de medo de que não acreditassem nela. Ela era tão inocente que nem sabia que estava grávida, nem foi atrás de justiça, apenas se fechou. E quando a barriga ficou impossível de disfarçar, ela não pôde mais negar e outra vez passou por mais humilhação. Teve que sair de casa às pressas, pois meu avô queria matá-la. Eu não acho que, para ela, seguir a gravidez foi uma escolha, ela não entendia o que estava acontecendo e só teve essa opção.

Essa história afetou minha vida e a relação com a minha mãe por muitas razões. Ela não tinha a menor estrutura emocional de ter um filho sob aquelas condições e naquela idade. E eu nunca me senti desejada. Minha infância ficou quebrada e minha vida, incompleta. Só soube dessa história quando tinha 11 anos. Até então, ela dizia que meu pai havia morrido num acidente enquanto ela estava grávida, o que eu sempre achei estranho, pois nunca havia visto uma foto ou algum registro de que ele realmente existira.

Minha infância ficou incompleta porque me faltou a figura paterna, minha mãe era instável emocionalmente, me senti enganada e não consegui assimilar quando ela me contou a minha origem. Me sentia humilhada quando via minhas amigas com seus pais num lar ajustado.

Sentia raiva da minha mãe porque ela me teve sem ter me desejado, embora existisse o respeito por saber que ela nunca deixou nada me faltar e sempre fez o possível para que eu crescesse com dignidade, tivesse uma boa educação e nada me faltasse.

Sempre tive o sentimento de que ela se importava comigo, mas não me amava… E até hoje tenho este sentimento, mas hoje é mais compreensível porque, com o tempo, adquiri maturidade para entender o quanto isso foi danoso e o quanto deve ter sido difícil para ela ter que conviver com o fantasma de um ato bárbaro. É muito difícil lidar com a dor da rejeição, ela nos deixa realmente miseráveis… E mesmo que você tente se agarrar a seu orgulho, esbravejar que está tudo bem e ser indiferente a situação, não tem como: aquilo está ali, é a realidade da sua vida e você precisa aceitar.

Acho que nesse caso é visível que a ignorância gerou tudo isso. Se ela tivesse mais abertura em casa e direito de expressão, mais compreensão da parte dos pais, nada disso teria acontecido.
Não sei se cabe dizer que ela poderia ter escolhido interromper a gravidez, pois acredito que ela nem se quer sabia que isso era possível naquela altura. E também sei que no fundo ela não se arrependeu, porque não fui uma filha ruim e nunca dei trabalho ou fiz algo que pudesse fazer com que ela se arrependesse de eu ter nascido. Pelo contrário, minha chegada na família foi recebida com muito amor, inclusive meu avô aceitou e foi um pai para mim. Quem me criou foram meus avós, minha mãe teve mais um papel de provedora, pois sempre trabalhou muito para garantir que nada me faltasse.

Acho apenas que ela deveria ter se empenhado mais em achar estes bandidos, mas, ao mesmo tempo, acredito que ela estava muito fragilizada naquele momento e não tinha condições de lutar por nada além da nossa sobrevivência. E devo confessar que sou uma pessoa de sorte, pois não tive um pré-natal e nasci muito saudável.


Acho esse projeto de lei um grande equívoco. Acredito que as mulheres deveriam ter suporte financeiro e emocional do governo para tomarem a decisão que melhor fosse conveniente a elas, especialmente num caso de estupro, em que deveria ser totalmente amparada e ter o direito de escolha de continuar ou interromper a gravidez. Não se trata apenas de receber uma esmola do governo, vai muito além disso… 


A FAVOR DO ABORTO


Por ser fruto de um estupro, me sinto até mesmo no direito moral de ser a favor do aborto. Eu sei o quanto foi horrível e quantas vezes desejei não ter nascido, pois acredito que a vida da minha mãe teria sido muito melhor se isso não tivesse acontecido. Ela teria tido mais tempo para concluir os estudos, fazer coisas que uma jovem da idade dela faria se não tivesse um filho nos braços. Ela não teria passado pela dor da reprovação, pela humilhação que passou e teria muito mais chance de ter formado uma família e ter um lar ajustado. Demorou muitos anos até que ela conseguisse (eu já era adolescente quando ela conheceu uma pessoa, com qual ela já está há 12 anos e tem outra filha). Ela também acabou de se formar em Direito, aos 47 anos de idade. Acho muito mais digno interromper uma gravidez indesejada do que colocar uma criança no mundo para sofrer e passar necessidades.

Eu fiquei extremamente sequelada, e não sinto a menor vontade de ser mãe. Não acredito que poderei ser boa o suficiente. Me sinto extremamente insegura e tenho muita resistência ao assunto. Sempre digo que só terei um filho se algum dia estiver em uma relação estável com alguém que queira muito, que me passe essa segurança.


O QUE PODEMOS FAZER


Eu acho que falta promover a igualdade, no sentido de que nós, mulheres, tenhamos autonomia sobre nossos próprios corpos e que possamos decidir por nós mesmas como ter um filho afetará nossas vidas e a da criança inocente. Sem interferência de religião, a mulher necessita ter esse direito e centros de apoio moral e psicológico. Vamos supor que homens pudessem engravidar, vocês acham que o aborto já não estaria legalizado?

Leis como essa são criadas, pois vivemos num mundo cheio de pessoas ignorantes e incapazes de pensar no dano que um estupro causa à história de uma pessoa.

Devemos promover discussões saudáveis e positivas sobre o assunto em um aspecto geral, derrubar dogmas e aumentar a consciência de um assunto que é importante na vida de muitas pessoas. Trabalhar com comunidades locais oferecendo suporte psicológico, oferecer uma plataforma neutra onde a mulher tenha espaço, sem ser julgada, e analisar realisticamente os prós e contras da gravidez. E que a mulher possa fazer sua própria decisão.

Fonte: Olga

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