8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

segunda-feira, 19 de junho de 2017

As Amazonas, além do mito

Meiramgul, aos 9 anos (1995), descendente das amazonas
Fui assistir a Mulher Maravilha e me encantar com a beleza da atriz Gal Gadot que interpreta a heroína. Como toda história de heróis tirados de HQ, o filme tem seus altos e baixos, mas algumas cenas realmente memoráveis como a luta das amazonas contra os soldados alemães que invadem Temiscira, a fala da mãe de Diana de que a humanidade não a merecia, e a cena em que a heroína sai da trincheira para atacar os inimigos e abrir caminho para seus amigos aliados. Uau! Gal Gadot só precisaria adquirir um pouco de músculos para ficar uma amazona perfeita. No mais, veio pra ficar.


E vendo as amazonas da ficção, lembrei deste texto, sobre as amazonas de carne e osso, que escrevi há oito anos, e resolvi repostá-lo. Trata-se da saga da arqueóloga Jeaninne Davis-Kimball que resolveu rastrear a trajetória das Amazonas, descritas no relato História de Heródoto, até encontrar uma de suas descendentes, Meiramgul, então uma menina de 9 anos, nos rincões da Mongólia.

Pintura de amazona, em antigo vaso grego,
trajando armadura hoplita.
As Amazonas, além do mito

Registros de mulheres guerreiras na história da humanidade não são incomuns, mas sempre estiveram envoltos em muita conjectura. Para boa parte dos estudiosos, as Amazonas nunca passaram de lenda, excesso de imaginação, figuras da mitologia grega, como os centauros, os sátiros, a Medusa, a despeito de sua presença em vasos de cerâmica, esculturas, pinturas e outros artefatos. Entretanto, descobertas recentes de tumbas (em 1995), com restos mortais de mulheres acompanhados de armas, mudaram um pouco essa visão.

Atualmente arqueólogos e historiadores passaram a ver os relatos dos escritores e historiadores gregos Homero e Heródoto com um outro olhar, buscando resgatar das mitológicas filhas do deus Marte e da ninfa Harmonia, as guerreiras de carne e osso. Nessa nova perspectiva, as Amazonas aparecem como originárias da grande cordilheira do Cáucaso, próxima ao Mar Negro, região hoje ocupada pela Armênia, Azerbaijão, Geórgia e Rússia, onde viveram por volta de 5500 anos atrás. Seriam alouradas, de pele clara, altas, fortes e musculosas, subsistindo da caça e da pesca e se relacionando com homens de outros agrupamentos da mesma região apenas para fins reprodutivos.

Em 3500 a. C, teriam migrado para o Mar Mediterrâneo, povoando a ilha de Creta e formando a base da sociedade minóica, de características matriarcais, e estabelecido também outros reinos na Trácia (Grécia), na ilha de Lemnos (no Mar Egeu), no Cáucaso (junto ao Mar Negro), e em Temiscira, banhada pelo rio Termodonte (hoje rio Terme Çayi, na atual Turquia). Durante a idade do bronze (3000 a 700 a.C.) do mundo mediterrâneo, o amazonato também teria se espalhado pelo Egito, Líbia e Itália (na ilha da Sicília) e por outras regiões da Europa, África e Ásia. Vale lembrar que, igualmente no Brasil, o nome de nosso maior rio se deve ao fato de o conquistador espanhol Francisco Orellana ter avistado na região um bando de índias tapuias que identificou como amazonas.

Jeaninne Davis-Kimball
Entretanto, o que deu mais consistência a tese das Amazonas, como mais do que mito, foi o trabalho da arqueóloga Jeaninne Davis-Kimball que resolveu rastrear a trajetória das Amazonas, descritas no relato de Heródoto, em sua fuga após a derrota para uma expedição grega na cidade de Temiscira (atual Ünye, na região da Capadócia), junto à foz do rio Termodonte (atual Terme Çayi). Em seu clássico História, Heródoto afirma que os gregos venceram as amazonas, em data não definida, e levaram várias, como cativas, em barcos. Em alto-mar, contudo, as prisioneiras se rebelaram, mataram todos os gregos e, como não sabiam navegar, acabaram chegando meio à deriva na Cítia, na costa do Mar de Azov, atual Rússia. Os citas e as amazonas teriam se unido e emigrado para as estepes russas entre os rios Don e Volga, dando origem ao povo sauromata que, por sua vez, em 400 a. C. foi colonizado pelos sármatas, povo indo-europeu vindo da Ásia Central. Seguindo nesses processos de conquista e assimilação, os sármatas foram vencidos por góticos, hunos e por fim mongóis, com quem se miscigenaram.

Percorrendo a trajetória dos sármatas, a arqueóloga Jeannine Davis-Kimball encontrou na cidade de Pokrovka, fronteira da Rússia com o Cazaquistão, cerca de 150 túmulos desse povo, datados de 2500 anos atrás, dentre os quais 15% das covas eram de mulheres altas, muitas com pernas arqueadas, ferimentos de batalhas, e que estavam enterradas com flechas de bronze, espadas e adagas. Davis-Kimball e sua equipe procederam a uma análise do DNA dos ossos encontrados para identificar o sexo dos esqueletos, confirmando tratar-se de mulheres.

Amazons: The Quest for Warrior Women Trailer from Story House Productions on Vimeo.

Em seguida, a arqueóloga, consciente de que o último processo de miscigenação dos sármatas havia sido com mongóis, embrenhou-se pela Mongólia, indo de acampamento nômade em acampamento nômade, em busca de alguém que lembrasse a velha herança genética das mulheres guerreiras. Por fim, em uma das aldeias nômades, encontrou uma estranha menina de traços mongóis mas loura. Colheu amostra da saliva da garota e enviou-a ao laboratório para comparação com o DNA colhido dos ossos das guerreiras de Pokrovka. O resultado revelou que o DNA mitocondrial da menina, chamada Meiramgul, de 9 anos na época (1995), era o mesmo contido nos esqueletos datados de mais de 2 mil anos atrás.

Ficou provado assim que as Amazonas eram bem mais de carne e osso do que se supunha, tendo deixado descendência que chegou milagrosamente até os tempos atuais. Não se duvida que novas descobertas possam trazer outras provas da existência dessas guerreiras, ainda que não como as da mitologia, mas importantes por confirmar a realidade de mulheres que viveram fundamentalmente com mulheres ou construíram sociedades onde as mulheres não eram submissas aos homens. Mulheres que eram capazes de lutar e derrotar seus inimigos, que as temiam e as admiravam.

Por isso, as amazonas não podem deixar de constar de uma cronologia da história lésbica, sendo o amazonato o primeiro controle de natalidade que se conhece e que as lésbicas empregam até hoje. Não por menos também, a machadinha de dupla face, utilizada pelas amazonas, conhecida como labrys (imagem ao lado), é um dos símbolos da organização lésbica em todo o mundo atual. E numa hora de necessidade vale invocar os nomes de algumas rainhas amazonas para ganhar coragem: Myrine, Antíope, Pentesiléia, Hipólita, Maroula, Califia, Hipólita... As fotos são da menina Meiramgul, da Jeannine Davis-Kimball e novamente da menina. O desenho é de um labrys estilizado.

A saga de Jeaninne David-Kimball foi registrada no DVD The Secret of the Dead: Amazon Warrior Women (O Segredo dos Mortos: Amazonas, Mulheres Guerreiras) que pode ser adquirido pela loja da National Geographic ou pela Amazon.com. Também, na Amazon, acha-se o livro da arqueóloga  Jeaninne Davis-Kimball. O documentário já passou igualmente no canal da National Geographic legendado, valendo a pena uma pesquisa. 

Publicado originalmente em 16/06/2009

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Jornalista Míriam Leitão agredida por petistas em viagem de avião

Comento brevemente a agressão sofrida pela jornalista Miriam Leitão por petistas numa viagem de avião. Vamos deixar claro que quem se comporta assim nunca tem razão. Pessoas que fulanizam divergências políticas, xingam e atacam outras com todo o tipo de vitupério NUNCA TÊM RAZÃO. Quem tem argumentos não precisa disso, não é mesmo? Segue abaixo o artigo de Míriam sobre o imbróglio.

O ódio a bordo

Sofri um ataque de violência verbal por parte de delegados do PT dentro de um voo. Foram duas horas de gritos, xingamentos, palavras de ordem contra mim e contra a TV Globo. Não eram jovens militantes, eram homens e mulheres representantes partidários. Alguns já em seus cinquenta anos. Fui ameaçada, tive meu nome achincalhado e fui acusada de ter defendido posições que não defendo.

Sábado, 3 de junho, o voo 6237 da Avianca, das19h05, de Brasília para o Santos Dumont, estava no horário. O Congresso do PT em Brasília havia acabado naquela tarde e por isso eles estavam ainda vestidos com camisetas do encontro. Eu tinha ido a Brasília gravar o programa da Globonews.

Antes de chegar ao portão, fui comprar água e ouvi gritos do outro lado. Olhei instintivamente e vi que um grupo me dirigia ofensas. O barulho parou em seguida, e achei que embarcariam em outro voo.

Fui uma das primeiras a entrar no avião e me sentei na 15C. Logo depois eles entraram e começaram as hostilidades antes mesmo de sentarem. Por coincidência, estavam todos, talvez uns 20, em cadeiras próximas de mim. Alguns à minha frente, outros do lado, outros atrás. Alguns mais silenciosos me dirigiram olhares de ódio ou risos debochados, outros lançavam ofensas.

— Terrorista, terrorista — gritaram alguns.

Pensei na ironia. Foi “terrorista” a palavra com que fui recebida em um quartel do Exército, aos 19 anos, durante minha prisão na ditadura. Tantas décadas depois, em plena democracia, a mesma palavra era lançada contra mim.

Uma comissária, a única mulher na tripulação, veio, abaixou-se e falou:

— O comandante te convida a sentar na frente.

— Diga ao comandante que eu comprei a 15C e é aqui que eu vou ficar — respondi.

O avião já estava atrasado àquela altura. Os gritos, slogans, cantorias continuavam, diante de uma tripulação inerte, que nada fazia para restabelecer a ordem a bordo em respeito aos passageiros. Os petistas pareciam estar numa manifestação. Minutos depois, a aeromoça voltou:

— A Polícia Federal está mandando você ir para frente. Disse que se a senhora não for o avião não sai.

— Diga à Polícia Federal que enfrentei a ditadura. Não tenho medo. De nada.

Não vi ninguém da Polícia Federal. Se esteve lá, ficou na porta do avião e não andou pelo corredor, não chegou até a minha cadeira.

Durante todo o voo, os delegados do PT me ofenderam, mostrando uma visão totalmente distorcida do meu trabalho. Certamente não o acompanham. Não sou inimiga do partido, não torci pela crise, alertei que ela ocorreria pelos erros que estavam sendo cometidos. Quando os governos do PT acertaram, fiz avaliações positivas e há vários registros disso.

Durante o voo foram muitas as ofensas, e, nos momentos de maior tensão, alguns levantavam o celular esperando a reação que eu não tive. Houve um gesto de tão baixo nível que prefiro nem relatar aqui. Calculavam que eu perderia o autocontrole. Não filmei porque isso seria visto como provocação. Permaneci em silêncio. Alguns, ao andarem no corredor, empurravam minha cadeira, entre outras grosserias. Ameaçaram atacar fisicamente a emissora, mostrando desconhecimento histórico mínimo: “quando eles mataram Getúlio o povo foi lá e quebrou a Globo”, berrou um deles. Ela foi fundada onze anos depois do suicídio de Vargas.

O piloto nada disse ou fez para restabelecer a paz a bordo. Nem mesmo um pedido de silêncio pelo serviço de som. Ele é a autoridade dentro do avião, mas não a exerceu. A viagem transcorreu em clima de comício, e, em meio a refrões, pousamos no Santos Dumont. A Avianca não me deu — nem aos demais passageiros — qualquer explicação sobre sua inusitada leniência e flagrante desrespeito às regras de segurança em voo. Alguns dos delegados do PT estavam bem exaltados. Quando me levantei, um deles, no corredor, me apontou o dedo xingando em altos brados. Passei entre eles no saguão do aeroporto debaixo do coro ofensivo.

Não acho que o PT é isso, mas repito que os protagonistas desse ataque de ódio eram profissionais do partido. Lula citou, mais de uma vez, meu nome em comícios ou reuniões partidárias. Como fez nesse último fim de semana. É um erro. Não devo ser alvo do partido, nem do seu líder. Sou apenas uma jornalista e continuarei fazendo meu trabalho.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

Fonte:  Blog da Míriam Leitão, 13/06/2017

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Casamento infantil: Mais de 30% das brasileiras casam antes dos 18 anos

Nacho Doce/Reuters - Brasil é quarto país no ranking global de casamento infantil
Brasil está no topo do ranking de casamento infantil na América Latina
Mais de 30% das brasileiras casam antes dos 18 anos.

Levantamento recente do Banco Mundial revela que o Brasil tem o maior número de casos de casamento infantil da América Latina e o quarto no mundo. No país, 36% da população feminina se casa antes dos 18 anos. As informações são da ONU News.

O estudo "Fechando a Brecha: Melhorando as Leis de Proteção à Mulher contra a Violência" lembra que a lei do Brasil estipula 18 anos como a idade legal para a união matrimonial e permite a anulação do casamento infantil. O problema é que há muitas brechas na legislação.

Consentimento

Se houver consentimento dos pais, por exemplo, as meninas podem se casar a partir dos 16 anos. A autora do estudo, Paula Tavares, fala sobre outras brechas na lei.
Um dispositivo ainda comum em todo o mundo é a permissão do casamento infantil – e em geral sem limite de idade – se a menina estiver grávida. Esse é o caso do Brasil".
Segundo ela, o país também não prevê punição para quem permite que uma menina se case fora dos casos previstos em lei, nem para os maridos nesses casos.
Na América Latina, 24 países preveem pena a quem autorize o casamento precoce, mas o Brasil não está entre eles," observou.
Segundo o documento do Banco Mundial, a cada ano, 15 milhões de meninas em todo o mundo se casam antes dos 18 anos. Em muitas culturas, o casamento precoce muitas vezes é visto como uma solução para a pobreza, por famílias que acreditam que assim terão uma boca a menos para alimentar. No Brasil, os principais motivos incluem gravidez na adolescência e desejo de segurança financeira.

Evasão escolar e renda menor

No entanto, o estudo destaca que o casamento infantil responde por 30% da evasão escolar feminina no ensino secundário a nível mundial e faz com que as meninas estejam sujeitas a ter menor renda quando adultas. Também as coloca em maior risco de sofrer violência doméstica, estupro marital e mortalidade materna e infantil.

Por outro lado, o documento ressalta que eliminar o matrimônio infantil traz ganhos econômicos. Por isso, as recomendações para o Brasil e a América Latina são eliminar as brechas na legislação e adotar punições para a união não prevista em lei.

Fonte: HuffPost, 13/03/2017

terça-feira, 30 de maio de 2017

O calote biliardário dos irmãos Batista no Brasil

Eliane Cantanhêde
Excelente texto da Eliane Cantanhêde dissecando o calote biliárdario dos irmãos Ley Batista no Brasil.

E algumas perguntinhas fundamentais: porque Lula e o BNDES jorraram tantos bilhões na JBS a ponto de a empresa ter virado um fenômeno internacional? A empresa usou dinheiro público do Brasil, para sediar 70% de seus negócios nos EUA, 10% em dezenas de outros países e só 20% no Brasil. 

E por que, enquanto Marcelo Odebrecht conclui seu segundo ano na cadeia, já condenado a mais de 10 anos, os Batista estão livres da prisão, sem tornozeleira e sem restrição para sair do País?

Tem gato nessa tuba, e revolta em nosso coração.

O calote do século
Temer tem muito a explicar, mas perdão a Joesley Batista é premiar a corrupção

Antes que a gente se esqueça, Joesley Batista, da JBS, que já foi um dos “campeões nacionais” do BNDES, é agora campeão internacional do calote, um calote não numa pessoa, numa empresa ou num banco, mas num país inteiro. Um país chamado Brasil, onde não sobra ninguém para contar uma história decente e abrir horizontes.

Enquanto amealhava R$ 9 bilhões do BNDES, mais uns R$ 3 bilhões da CEF, mais sabe-se lá quanto de outros bancos públicos nos anos beneficentes de Lula, Joesley saiu comprando governos, partidos e parlamentares. Quando a coisa ficou feia, explodiu o governo Temer, a recuperação da economia e a aprovação das reformas, fez um acordo de pai para filho homologado pelo STF e foi viver a vida no coração de Nova York.

O BNDES, banco de fomento do desenvolvimento nacional, foi usado para fomento de empregos, fábricas e crescimento nos Estados Unidos, onde Joesley e o irmão, Wesley, usaram o rico e suado dinheirinho dos brasileiros para comprar tudo o que viam pela frente. Detalhe sórdido: os frigoríficos que adquiriram lá competem com os exportadores brasileiros de carne. Uma concorrência para lá de desleal.

Eles se negam a pagar os R$ 11 bilhões do acordo de leniência com a PGR, até porque o dinheiro público camarada do Brasil foi usado para sediar 70% dos negócios nos EUA, 10% em dezenas de outros países e só 20% no Brasil. Se esses procuradores encherem muito a paciência, eles jogam esses 20% pra lá, fecham as portas e esquecem a republiqueta de bananas.

Além de sua linda mulher (como nos clássicos sobre gângsteres), Joesley levou para a grande potência seu avião Gulfstream G650, de 20 lugares e US$ 65 milhões. Também despachou num navio para Miami seu iate do estaleiro Azimut, de três andares, 25 lugares e US$ 10 milhões. Quando enjoar de Nova York, vai passar uns tempos nos mares da Flórida.

Enquanto arrumava as malas, Joesley aplicou US$ 1 bilhão no mercado de câmbio, fez megaoperações nas Bolsas e ficou aguardando calmamente o Brasil implodir no dia seguinte, para colher novos milhões de dólares. E deixou para trás sua vidinha de açougueiro no interior de Goiás, uma sociedade pasma e um monte de interrogações.

Por que, raios, Lula e o BNDES jorraram tantos bilhões numa única empresa? Joesley podia usar o dinheiro com juros camaradas e comprar aviões e iates para uso pessoal? Os recursos não teriam de gerar desenvolvimento e emprego para os brasileiros? E, se o seu amigão (como dos Odebrecht) era Lula, a JBS virou uma potência planetária na era Lula e se ele diz que despejou US$ 150 milhões para Lula e Dilma Rousseff no exterior, por que Joesley, em vez de gravar Lula, foi direto gravar Temer?

Mais: como um biliardário, que adora brinquedos caros e sofisticados, partiu para uma empreitada de tal audácia com um gravadorzinho de camelô? Como dar andamento e virar o País de ponta-cabeça sem uma perícia elementar na gravação? Enfim, por que abrir monocraticamente um processo contra o presidente da República? E, enquanto Marcelo Odebrecht conclui seu segundo ano na cadeia, já condenado a mais de 10 anos, os Batista estão livres da prisão, sem tornozeleira e sem restrição para sair do País.

Nada disso, claro, significa livrar Aécio ou Temer, que tem muchas cositas más a explicar, como R$ 1 milhão na casa do coronel amigo, R$ 500 mil da mala do assessor Rocha Loures, um terceiro andar do Planalto onde assessores só produziam escândalos.

A sociedade, porém, reage mal ao final feliz dos Batista. A não ser que não seja final ainda, pois a homologação do STF é uma validação formal, mas cabe ao juiz, na sentença, fixar os benefícios da delação. Em geral, o juiz segue os termos do acordo original, mas não obrigatoriamente, e pode haver, sim, fixação de penas. Oremos, pois!

Fonte: O Estado de S.Paulo, Eliane Cantanhêde, 26/05/2017

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Prostituição: regular ou abolir, eis a questão!

É proibido pagar por sexo na Suécia, França e outros seis países
Modelo nórdico, que castiga o cliente para lutar contra as redes e o proxenetismo, ganha força
Na Suécia, quem paga para ter relações sexuais é um delinquente. O país nórdico foi pioneiro, em 1999, em penalizar os clientes da prostituição, que podem pegar até um ano de cadeia. Esse modelo, apoiado no princípio de que a prostituição é uma forma de violência contra as mulheres – elas são uma esmagadora maioria – e um sinal de desigualdade dos gêneros, tem se expandido pelo mundo. O mais recente país a adotá-lo foi a França, que dias atrás aprovou, após um longo trâmite parlamentar, uma lei que prevê multa de até 3.750 euros (cerca de 15.000 reais) para quem pagar por sexo.

A lei francesa reacendeu o debate sobre a prostituição e a conveniência de regulá-la ou aboli-la. A Suécia e a França apostam num novo modelo de abolicionismo, que em vez de penalizar as prostitutas – consideradas vítimas sem liberdade de escolha – propõe acabar com o comércio sexual fechando o cerco sobre sua clientela. Em outras palavras, sem demanda não há oferta. No lado oposto estão as correntes pela legalização, para as quais o trabalho sexual é uma atividade que pode ser exercida livremente, e por isso precisa ser regulamentada. É o que acontece na Holanda, onde as profissionais do sexo pagam impostos e obtêm contrapartidas sociais, e também na Dinamarca e na Alemanha.

Nos últimos tempos, o chamado modelo sueco – ou nórdico, já que os primeiros a copiá-lo foram alguns de seus vizinhos escandinavos – está ganhando impulso. Depois da Suécia, a criminalização dos clientes da prostituição já foi aprovada na Islândia, Canadá, Cingapura, África do Sul, Coreia do Sul, Irlanda do Norte e agora na França. A medida vigora também na Noruega, com o detalhe de que esse país pune também cidadãos seus que fizerem turismo sexual. Além disso, o Parlamento Europeu insistiu em 2014 para que os Estados membros da UE adotassem fórmulas semelhantes, e Bélgica, Irlanda e Escócia debatem atualmente projetos de lei baseados nesse novo abolicionismo. Outros países, como a Finlândia, apostaram num sistema híbrido: castigam a compra de serviços sexuais, mas só se a prostituta for vítima das redes de tráfico humano.

Mas, segundo partidários do neoabolicionismo, esse vínculo entre prostituição e escravidão sexual é praticamente automático. Os defensores do modelo nórdico afirmam que quem vende seu corpo nunca o faz livremente – ao invés de ser uma escolha, seria uma imposição feita por redes de tráfico ou exploração sexual, ou pela pressão da pobreza ou de outro tipo de desigualdade.
A lei se baseia em que é vergonhoso e inaceitável que, numa sociedade com igualdade sexual, os homens obtenham relações sexuais casuais com mulheres em troca de dinheiro”, afirma Kajsa Wahlberg, diretora da unidade de combate ao tráfico humano da polícia sueca, acrescentando que a legislação local enviou um “sinal” importante a outros países. Hoje, o neoabolicionismo se transformou em parte importante da política externa sueca, uma espécie de marca do país. “A prostituição causa um grave dano, tanto aos indivíduos como à sociedade”, argumenta a agente, salientando que pessoas que pagam por sexo não só ferem a dignidade das mulheres como também estão contribuindo para a proliferação dessa arquitetura criminal.
Duas mulheres em uma vitrine do Red Light em Amsterdã, em 2015.  CORBIS
Wahlberg diz que a lei funciona bem. Dez anos depois de ela entrar em vigor, o número de compradores de sexo caiu de 13,6% para menos de 8% da população, segundo dados do Instituto Sueco.
A norma tem um objetivo dissuasivo sobre os potenciais compradores de sexo. Também serviu para reduzir o interesse de diversos grupos ou indivíduos em estabelecer atividades organizadas de prostituição na Suécia”, acrescenta. Desde a adoção das medidas, 6.600 pessoas – todos homens, salvos raríssimas exceções – foram detidas por comprar ou tentar comprar sexo. Destes, aproximadamente metade foi condenada (os dados sobre os julgamentos de 2015 ainda não estão disponíveis). Mas ninguém foi preso, já que todos pagaram a multa, equivalente a um terço da renda pessoal obtida durante dois meses.
E essa falta de condenações graves é uma das principais críticas a uma lei que, segundo as pesquisas, tem grande aceitação social no país. Outra é que, na verdade, o sistema não acaba com a prostituição, apenas a esconde, deixando assim as prostitutas em situação ainda mais perigosa e vulnerável.

Esse é também o argumento fundamental dos críticos da nova lei francesa.
A penalização do cliente não beneficia as trabalhadoras do sexo, apenas as expõe mais à violência – tanto das quadrilhas como da polícia – e ao isolamento”, afirmam integrante do coletivo Strass, que reúne prostitutas na França e se mobilizou contra a nova lei. A medida também enfrenta restrições de ONGs como a Médicos do Mundo, que argumenta que o abolicionismo leva as prostitutas à clandestinidade e as deixa à mercê do cliente ou das máfias, e que a rede de proteção prevista para ajudar as mulheres a deixar a prostituição é precária demais. As entidades sociais estimam que haja entre 30.000 e 40.000 meretrizes na França
Este modelo legal obriga as trabalhadoras sexuais, sobretudo as da rua, a trabalharem nas periferias, em zonas menos visíveis e acessíveis, onde a polícia não possa surpreender os seus clientes”, argumentam integrantes do Tampep, um coletivo europeu de trabalhadoras do sexo, para o qual a penalização do cliente impede a autodeterminação das prostitutas, reforçando o estigma e a discriminação contra elas.
À luz das estatísticas, a policial Wahlberg tem razão: estreitar o cerco sobre o cliente reduziu a prostituição na Suécia, ao menos a sua parte visível. Antes da lei, 600 mulheres vendiam sexo nas ruas de Estocolmo, segundo a polícia. Atualmente são menos de 10. Entretanto, os bordéis e as calçadas se transferiram para a Internet. Um campo muito mais difícil de controlar.

ABOLIR, PROIBIR OU REGULAR
Há vários modelos na Europa
Legalista. Holanda, Alemanha, Dinamarca. Na Holanda, a prostituição é regulamentada como um trabalho desde 2000. A lei obriga os proprietários dos bordéis a pagarem impostos e a contribuição previdenciária das prostitutas. Estas, que precisam de uma licença municipal, têm direito a Previdência Social e seguro-desemprego. A mesma situação se dá na Alemanha. Na Dinamarca, as prostitutas pagam impostos, mas não têm direito a benefícios previdenciários ou seguro-desemprego.
Novo abolicionismo. Suécia, Noruega, Islândia. A Suécia foi pioneira, em 1999, na adoção de uma lei contra a compra de serviços sexuais. A norma proíbe pagar pelo sexo e penaliza o cliente com multas ou prisão. É um modelo atualmente em expansão.
Limbo jurídico. Espanha, Itália. A prostituição na Espanha está num limbo jurídico – embora sua exploração seja crime. Dois em cada dez homens espanhóis admitem que já pagaram pelos serviços de uma prostituta, segundo estudo da Universidade de Comillas para o Ministério da Saúde. Entretanto, alguns regulamentos municipais proíbem a prática e multam tanto os clientes como as profissionais. Uma situação similar ocorre na Itália, onde nos últimos anos proliferaram as situações que penalizam tanto a compra quanto a venda de sexo.
Proibicionista. Na Hungria a prostituição é ilegal. Pune-se com multa ou mesmo com prisão a meretriz que exercer a prática em “zonas protegidas”, ao passo que o cliente só é penalizado se “aceitar” os serviços de uma menor.

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