8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

São Paulo, amada, feliz aniversário!

91 mil ruas e avenidas, 15 mil bares, 12,5 mil restaurantes, 410 hotéis, 110 museus, 260 salas de cinema, 88 bibliotecas, 78 parques e 600 espetáculos teatrais por ano. Minha amada superlativa, cosmopolita, empreendedora, libertária, sem você o meu dono é a solidão.

Quem é seu dono? Ninguém, São Paulo. Desperta, desperta. Deixe de ser Atlas e vire nação!

Da banda 365, São Paulo, uma homenagem em música e letra nos seus 470 anos!

Tem dias que eu digo "não" /Inverno no meu coração/Meu mundo está em tua mão/Frio e garoa na escuridão...
Sem São Paulo/O meu dono é a solidão/Diga "sim"/Que eu digo "não"...(2x)
Tem dias que eu digo "não"/Inverno no meu coração/Meu mundo está em tua mão/Frio e garoa na escuridão...
Sem São Paulo/Oh! Oh! Oh!/O meu dono é a solidão/Diga "sim"/Que eu digo "não"(2x)
Quem é seu dono?/Ninguém, São Paulo/Quem é seu dono?/Ninguém, São Paulo...
Tem dias que eu digo "não"/Inverno no meu coração/Meu mundo está em tua mão/Frio e garoa na escuridão...
Sem São Paulo/O meu dono é a solidão/Diga "sim"/Que eu digo "não"(2x)
Desperta São Paulo!/Desperta São Paulo!

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Só os ingênuos ou os de má-fé ainda resistem a admitir que os black blocs são a outra face do MPL


A verdadeira face do MPL

Agora não há mais dúvida. Com a divulgação de manual no qual instrui seus militantes e simpatizantes sobre como bloquear vias importantes e empregar outras táticas truculentas para atingir seus objetivos, o Movimento Passe Livre (MPL) confirma as avaliações mais pessimistas – sugeridas pelo seu comportamento tortuoso – sobre a sua verdadeira natureza e as suas verdadeiras intenções. Desaparece a imagem de bom-mocismo que sempre cultivou e surge a de um grupo aguerrido, frio e calculista, que não hesita em apelar para o emprego de métodos de ação violentos, que lembram ações precursoras da guerrilha urbana. 

“Para aumentar as chances de vitória contra o aumento (da tarifa dos transportes coletivos), chegou a hora de começar a travar terminais de ônibus, grandes avenidas e ruas no entorno dos atos para garantir que a cidade pare até que tarifa baixe”, diz o manual. Com as minúcias de quem traça um bem pensando plano de batalha, o MPL propõe “sete passos” para parar vastas áreas da cidade e, por esse meio, potencializar os efeitos de suas manifestações, se é que a essa altura tal palavra ainda pode ser empregada para designar suas estripulias. 

Primeiro, ensina, é preciso convocar amigos, grupos políticos – e pensar que o MPL se vangloria de ser apartidário – e outras pessoas para participar dos protestos, por meio de mensagens de WhatsApp. Depois, deve-se escolher, em grupo, os locais que serão travados, “durante, depois e em outros dias além do ato”. Ou seja, são ações continuadas, que estão a léguas de distância da ideia vendida à população de protestos espontâneos, puros, ditados pela indignação contra a tarifa alta de um serviço ruim, que a seu ver deveria ser gratuito, como se se vivesse num mundo de sonhos onde não é preciso pagar contas.

O manual orienta os grupos – embora isso não seja dito, supõe-se que sejam integrados por militantes bem treinados, do contrário não teriam como fazer o que deles se espera – a organizar ações logo pela manhã e dialogar com a população para conseguir sua adesão. “Não podemos fazer essa ação isolada. Temos de convencer os trabalhadores”, recomenda. 

Outras orientações são fotografar e filmar as ações para divulgá-las e incentivar os participantes das manifestações a repeti-las. Finalmente, propõe-se que se marque uma concentração antes do protesto e que seus participantes sigam “em marcha travando as ruas até o local do grande ato”. Isso já aconteceu na manifestação de quinta-feira passada – o ato preliminar foi na Praça da Sé – e o objetivo, mais uma vez, é explorar todas as possibilidades de tumultuar a vida da cidade.

É importante assinalar esses pormenores das instruções do manual porque são eles que dão uma ideia precisa do que é de fato o MPL – uma organização politizada, sim, ao contrário do que ela pretendia ser, e determinada a utilizar meios violentos para atingir seus objetivos. Violência que se revela de várias formas. Uma delas é o bloqueio de vias importantes, com a deliberada intenção de complicar ainda mais o trânsito já difícil e paralisar a cidade, prejudicando a vida de milhões de paulistanos. 

Violência não é apenas jogar coquetéis molotov e promover vandalismo. Mas também essa violência explícita, escancarada, faz parte do MPL, embora ele espertamente queira posar de bonzinho. A essa altura, só os ingênuos ainda resistem a admitir que os black blocs são a outra face do MPL. Não se viu até agora por parte desse movimento nenhuma ação concreta para combater a violência dos black blocs, nem mesmo – o que seria pouco tendo em vista a gravidade do caso – uma palavra de condenação clara do rastro de destruição que eles deixam a cada manifestação. 

Essa omissão só pode ser entendida como cumplicidade. E cumplicidade é crime. Já está mais do que na hora de fazer cair a máscara de movimento pacífico, que o MPL espertamente carrega. A sociedade precisa acordar para essa realidade. Especialmente aquela sua parcela que engrossa as fileiras das manifestações do MPL e, assim, se deixa usar como massa de manobra de inocentes úteis.

Fonte: O Estado de São Paulo, 17/01/2015

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

9,1 milhões trabalhadores estão na lista de desempregados


Destaque:
 
O desemprego tornou-se um problema mundial. Mas é pior no Brasil do que na maioria dos países com nível de desenvolvimento igual ou superior ao nosso. Numa lista de 34 países, o desemprego no Brasil é maior do que o de 25 deles, de acordo com estatísticas referentes ao terceiro trimestre de 2015 divulgadas há pouco pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O pior está por vir

Em um ano, mais 2,5 milhões de brasileiros entraram para a lista de desempregados, elevando para 9,1 milhões o total de trabalhadores procurando emprego. Esses números, que constam da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referente ao trimestre agosto-outubro de 2015, mostram a rapidez com que o desemprego se alastra e dão a dimensão social da crise em que o País está mergulhado.

O pior é que não há indicações de melhora no horizonte. Com o agravamento da crise a partir do início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, o desemprego parece ter adquirido força própria. Foram rompidos padrões observados em anos anteriores, quando o número de desempregados aumentava no início do ano, por causa das demissões dos trabalhadores temporários contratados para atender ao aquecimento dos negócios no fim do ano anterior, mas decrescia rapidamente nos meses seguintes.

Colocados num gráfico, os números da Pnad Contínua mostram que o desemprego não diminuiu em nenhum período do ano passado. O que se observa nesse gráfico é o crescimento ininterrupto do número de desempregados desde o trimestre móvel setembro-novembro de 2014, com a eliminação do pico normalmente atingido no primeiro semestre do ano seguinte. No trimestre setembro-novembro de 2014, havia 6,45 milhões de desempregados, o que significa que, até o trimestre agosto-outubro de 2015 (9,1 milhões de desempregados), o aumento foi de 40,7%.

Observe-se que esse aumento decorre principalmente do fato de que pessoas que antes não estavam à procura de trabalho, e por isso não eram contabilizadas na população economicamente ativa, passaram a buscar uma ocupação, incorporando-se imediatamente à lista dos desempregados. Este é outro efeito da crise. Entre os fatores que levaram essas pessoas a procurar trabalho está um dos aspectos mais nocivos da crise do mercado de trabalho: o fechamento de vagas no mercado formal, que oferece melhores salários e garantias como férias remuneradas, previdência social e décimo terceiro salário.

Em um ano, 1,184 milhão de pessoas perderam emprego com carteira assinada, de acordo com a Pnad Contínua. “Diante disso, outros membros da família, antes inativos, acabam saindo para buscar emprego”, na interpretação do coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo. É um fenômeno que deve se manter nos próximos meses. “Enquanto ocorrer redução na carteira assinada, a tendência é (a procura por vaga) aumentar”, previu Azeredo. Ou seja, o número de desempregados deve continuar crescendo, pois, ao aumento do desemprego no mercado formal, há, no início de cada ano, o fechamento das vagas temporárias. O pior ainda está por vir.

Mesmo quem continua trabalhando sente os efeitos da crise. A renda real média do trabalhador até outubro era 1,0% menor do que a de um ano antes. A massa real habitual paga aos ocupados, por sua vez, teve queda de 1,2% em um ano até outubro.

O desemprego tornou-se um problema mundial. Mas é pior no Brasil do que na maioria dos países com nível de desenvolvimento igual ou superior ao nosso. Numa lista de 34 países, o desemprego no Brasil é maior do que o de 25 deles, de acordo com estatísticas referentes ao terceiro trimestre de 2015 divulgadas há pouco pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Fonte: O Estado de SP, 17/01/2016

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Liberais vão continuar a ser assassinados politicamente enquanto não entenderem que a solidariedade é tão importante quanto a liberdade

O economista Paulo Guedes durante entrevista, na Bozano Investimentos,
em São Paulo (Foto: Letícia Moreira/ÉPOCA)

Transcrevo abaixo a entrevista que o economista Paulo Guedes deu à revista Época (José Fucs) não só por ser interessante no geral como também porque ele aponta - acertadamente no meu entender - a razão pela qual o liberalismo perdeu o protagonismo da cena política a partir do século XX. Sua colocação vai bem ao encontro do que eu disse, coincidentemente, na minha postagem O fato é que a direita não tem respostas para dar às demandas da maioria da população. Segue o destaque:
ÉPOCA – A que o senhor atribui essa predominância do pensamento de esquerda no país?Guedes - O que o socialismo tem de poderoso, tribal, secular, milenar e que assassinou politicamente as versões mais ingênuas do liberalismo? A solidariedade. Porque o Lula foi eleito quatro vezes? Porque ele entendeu que a solidariedade é importante. Então, os liberais vão continuar a ser assassinados politicamente enquanto não entenderem que a solidariedade é um instrumento tão importante quanto a liberdade. Tem que ter os dois. O liberalismo, criado no século XVIII e predominante no século XIX, foi assassinado, merecidamente, no século XX, porque não pensou na solidariedade. Aí vem o socialismo, absolutamente ignorante em matéria econômica. Desastroso. União Soviética, China, o capeta. Um fracasso do ponto de vista de liberdade política, aprisionando milhões de pessoas no mundo inteiro, guerra civil, Gulag, Revolução Cultural. Essa indignação da Dilma com os militares é muito merecida. Agora, se estivesse sido do lado de lá, ela não estaria como presidente hoje, porque o sistema varria os dissidentes muito mais rápido. Mas eles tinham uma coisa que sempre falaram e sempre falarão: “la solidariedad de los hermanos, la igualdad, el socialismo”. Quando os liberais se esqueceram disso, acreditando que isso é voluntário, a gente dá se quiser, dá o voucher saúde, o voucher educação, dá igualdade de oportunidade e, se tudo falhar, deixa ir para o saco, perderam o bonde. A solidariedade está além de direita e esquerda. É um traço humano.
[...] Agora, eu aposto na sociedade aberta. A grande sociedade aberta está além da direita e da esquerda. Quem estiver preocupado com isso ainda está saindo da Revolução Francesa no século XVIII. Aliás, esquerda naquela época eram os liberais. Se eu vivesse naquela época, estaria lá, com o Tocqueville, lutando contra a velha ordem. Essa é a pobreza mental brasileira. Você é de direita ou de esquerda? Eu sou da nova sociedade aberta.

Paulo Guedes: “Não tem como a credibilidade voltar com a Dilma na presidência”

Para o economista, reputação e credibilidade se constroem ao longo do tempo, mas são perdidas rapidamente – e Dilma “participou do início, do meio e do fim do crime do desequilíbrio fiscal”

O economista Paulo Guedes, de 66 anos, Ph.D. pela Universidade de Chicago, é um dos poucos entre seus pares com um pensamento genuinamente liberal. Crítico duro dos social-democratas que predominam no país desde a redemocratização, Guedes atribui a eles a atual crise econômica e não perdoa nem mesmo o PSDB e seus líderes. “Hoje, no Brasil, a direita é o Fernando Henrique, o homem que se envergonha das próprias privatizações, o homem que soltou o câmbio depois de perder US$ 50 bilhões para ser reeleito”, diz. Segundo Guedes, não há possibilidade de a credibilidade do governo voltar com Dilma na presidência. “A Dilma foi o primeiro braço importante a fulminar o equilíbrio fiscal no governo Lula”, afirma. “É preciso levar em conta que as pessoas têm uma história. Reputação e credibilidade são coisas que se constroem ao longo de muitos anos, mas são perdidas rapidamente.” Nesta entrevista, que reúne os trechos não publicados na edição em papel de ÉPOCA, fruto de quase três horas de conversa, Guedes fala também sobre a dificuldade de os liberais entenderem que a solidariedade é tão importante quanto a liberdade para a prosperidade. “A solidariedade está além da direita e da esquerda. É um traço humano”, diz.

ÉPOCA – Hoje, muitos analistas atribuem boa parte dos problemas econômicos do Brasil ao modelo de proteção social embutido na Constituição de 1988. O senhor também pensa assim?
Paulo Guedes - Muita gente reclama que a Constituição de 1988 aumentou muito os gastos sociais, mas não foi bem assim. No período militar, houve uma dívida externa excessiva, especialmente no período Geisel. Houve muita ênfase em estrutura física e quase nada em saúde e educação, que é algo típico de uma sociedade politicamente fechada. Com a pressão da redemocratização, era natural que houvesse uma mudança de eixo, uma inclusão maior nos orçamentos públicos. É compreensível que tenham existido essas pressões orçamentárias numa democracia emergente. Foram anos de subinvestimento em capital humano, anos de recursos centralizados sob o antigo regime. Também era natural que houvesse uma tentativa de descentralização dos recursos, que também foi embutida na Constituição. Uma democracia emergente exige as duas coisas: inclusão social nos orçamentos públicos e descentralização orçamentária.

ÉPOCA – Se o problema não foi a Constituição de 1988, qual foi então?
Guedes - O problema é que houve uma aliança entre um grupo de economistas muito interessados em assuntos políticos, porque a redemocratização estava em andamento, e políticos completamente ignorantes em matéria econômica, em decorrência da alienação em que ficaram durante 25 anos. Foi uma combinação trágica. O (José) Sarney, que era uma das estrelas do regime antigo, tornou-se sucessor por um golpe do acaso, e teve uma síndrome de ilegitimidade. Ele queria ser popular e encontrou jovens economistas inebriados por assuntos políticos, que lhe venderam a ideia de que o processo inflacionário brasileiro era apenas uma questão inercial, um reflexo do antigo regime, que já abusava de gastos públicos excessivos. O que se viu foi uma aliança que está em vigor até hoje. O Sarney continua por aí, era o presidente do Congresso até pouco tempo atrás, e seu discípulo Renan (Calheiros, atual presidente do Senado Federal), preparado por ele, também está aí. Com o Tancredo, a ordem seria conter os gastos, refletindo um pouco de experiência de um homem que havia experimentado a inflação no início dos anos 1960 e que acabou criando uma ruptura política, em 1964. Não iria haver qualquer aventura. Agora, morto Tancredo, o despreparo dos sucessores e a síndrome de legitimidade do Sarney, com o desejo desesperado de popularidade de um velho apoiador de militares, acabou nos levando a outro caminho.


ÉPOCA – O que essa aliança representou para o país naquela época?
Guedes – Ela revelou a nossa incapacidade como sociedade civil emergente de equacionar o conflito entre o aumento das demandas sociais e as limitações do orçamento. Para enfrentar o desafio das novas demandas, o Brasil deveria ter feito as reformas estruturais na economia. Só que ninguém percebeu que tinha uma nova ordem chegando, ampliando gastos, e que era necessário fazer uma transformação. Eu também não tinha essa visão. Sabia da importância do controle fiscal e monetário, falava isso na época, mas não tinha ideia do tamanho da onda de gastos sociais que estavam por vir, que eram totalmente legítimos. Questões como o Banco Central independente, o câmbio flexível e o ajuste fiscal não faziam parte da agenda política. Se eles tivessem feito isso, o Brasil estaria em outra agora.
No Plano Cruzado, a mídia apanhou maciçamente, sem saber que estava apoiando uma experiência bolivariana, tipo caçar boi no pasto, prender gente, tabelar preços”
ÉPOCA – Como o adiamento das reformas afetou o país?
Guedes - Em vez de fazer as reformas, eles fizeram o Plano Cruzado, com a complacência e a ignorância da mídia na ocasião. A mídia apanhou maciçamente, sem saber que estava apoiando uma experiência bolivariana, tipo caçar boi no pasto, prender gente, tabelar preços. Depois, vieram o “Plano Cruzeta”, o “Plano Brechola”, o plano não sei o quê. Terminamos na política do feijão com arroz, que foi o modesto reconhecimento de que não havia mais nada a fazer, no final do governo. Veio a hiperinflação, que não se pode desperdiçar sem reformas. Um plano anti-inflação tem de atingir furiosamente a velha ordem e derrubar o antigo regime. É a ocasião de fazer o orçamento base zero, em que cada item precisa ser explicitamente aprovado, e não apenas as alterações feitas em relação ao ano anterior. As grandes hiperinflações da história foram oportunidades de mudança dos regimes fiscal, monetário, cambial e também de descentralização de recursos. Mas, no Brasil, nós somos apaixonados pela acomodação. Não fizemos nenhuma reforma extraordinária. Aí veio o (Fernando) Collor. Teve uma chance, mas deu o tiro errado. O Collor foi o único que enfrentou o velho regime. Chamou o Lula de vagabundo e o Sarney de ladrão. Foi uma promessa de renovação. O Lula, na ocasião, também. Mas, de novo, o fator político falhou. O congelamento da poupança foi ridículo.

ÉPOCA – Em 1994, com o Plano Real, os tucanos não deram a volta por cima em relação aos erros do Plano Cruzado?
Guedes – Com o Plano Real, caiu um pouco o número de erros, tivemos algo de concreto. Na verdade, eles tiraram da sala o bode que tinham colocado lá. Estabilizamos a inflação, apesar de ter saído caro, em função da puxada dos juros, e depois – voluntariamente ou não – adotamos o câmbio flexível e a responsabilidade fiscal. Excelente. Criamos o tripé macroeconômico. Uma conquista. Continuamos avançando. Ao contrário do que aconteceu no Plano Cruzado, os tucanos entenderam que a inflação é sempre e em qualquer lugar, como dizia Milton Friedman, um fenômeno monetário. Os economistas do PSDB aprenderam a lição de que não se faz programa anti-inflacionário sem política monetária, mas não aprenderam a outra, que é a necessidade de usar a política fiscal como âncora, porque dói muito menos. Resultado: os juros foram a 40% ao ano. Uma política muito dura. Anos e anos a fio. A dívida pública explodiu. Surgiram as críticas das esquerdas, do Lula, desse pessoal, dizendo que o governo “entregou o patrimônio público”. Apesar do conteúdo populista da crítica, a verdade é que começou ali um importante desequilíbrio patrimonial do Estado brasileiro. Embora eles acreditassem que estavam privatizando e ajudando o Brasil, a dívida pública estava crescendo muito mais rápido que o valor das estatais.
Como é possível combater a inflação durante três décadas com os gastos públicos saindo de 18% do PIB, no fim do regime militar, para 35% do PIB hoje?”
ÉPOCA – O senhor não pensa que o saldo do Plano Real foi positivo?
Guedes - Com o regime de meta inflacionária, o Armínio (Fraga, então presidente do Banco Central) deixou um legado institucional. O Gustavo Franco (antecessor de Armínio) primeiro e o Armínio e o Meirelles, depois. Foram três indivíduos que nos deram a estabilidade monetária, que agora está sendo perdida de novo. Mas foi estritamente em cima do Banco Central. Não usamos a dimensão fiscal. Resultado: nós estamos há 20 anos nesse drama e a inflação ainda não foi embora definitivamente. Nós temos de perguntar por que todas as hiperinflações no mundo acabaram sem o uso da moeda indexada, os juros desabaram e a inflação nunca mais voltou e no Brasil isso não aconteceu. Será que fazer a reforma com moeda indexada foi novamente uma forma de adiar o ataque frontal aos problemas da estrutura econômica brasileira? Será que empurramos a crise para frente? Como é possível combater a inflação durante três décadas com os gastos públicos saindo de 18% do PIB, no fim do regime militar, para 35% do PIB hoje? Essa é a questão.

ÉPOCA – A Lei de Responsabilidade Fiscal não foi uma boa iniciativa para buscar o equilíbrio das contas públicas?
Guedes - A Lei de Responsabilidade Fiscal não foi um ato intelectual, de livre e espontânea vontade. Hoje, quando o PSDB exige que o PT venha a público e confesse seus erros, pergunto o seguinte: o Fernando Henrique explodiu a flexibilidade cambial, em 1999, ou foi explodido por ela, com a banda diagonal endógena, do Chico Lopes, então presidente do Banco Central? Eles foram estuprados pela explosão cambial. Na tentativa de reeleição do príncipe florentino, eles queimaram US$ 50 bilhões em seis meses. Fala-se hoje que a Dilma prometeu um negócio e fez outro, foi parecido. O Fernando Henrique, o príncipe florentino da sociologia brasileira, disse na campanha que não ia ter problema cambial e depois soltou o câmbio. Está errado soltar? Não. Tem de soltar mesmo. Mas a verdade é que não foi por causa de uma adesão intelectual ao sistema de câmbio livre. O Fernando Henrique descobriu o regime de metas de inflação ou foi também explodido por ela?Aí, é preciso fazer uma menção honrosa ao Gustavo Franco, que lutou sozinho no Banco Central, sem apoio fiscal, pela estabilidade. Não houve a mudança de regime fiscal na época, só juros absurdamente elevados, reflexos de uma luta isolada do Banco Central. O Gustavo Franco lutou sozinho, atacado ferozmente pelo (José) Serra, que era ministro do Planejamento, sem a cobertura do (Pedro) Malan (então ministro da Fazenda), que não o ajudou fiscalmente. O Malan o ajudou a se manter no cargo, mas não deu apoio operacional na Fazenda. Não fez uma reforma fiscal. O Malan foi um bom ministro da Fazenda, mas poderia ter ajudado muito mais na parte fiscal, na flexibilização da legislação trabalhista, na reforma da Previdência e na descentralização dos recursos, em vez de salvar bancos estaduais com a centralização da dívida pública. No governo Fernando Henrique, já com o Malan na Fazenda, criaram-se vários impostos não compartilhados com os estados e os municípios. São tributos reacionários, não progressistas. Entre os tucanos, quem melhor falou sobre esse problema foi sempre o Aécio Neves. Ele disse que, hoje, a centralização dos recursos não só tem sido foco das disfunções administrativas, com 39 ministérios, mas também de corrupções bilionárias.
Qual é o PIB brasileiro? São trilhões. Não dá para falar que não tem como cortar mais gastos. É possível, sim, derrubar essa estrutura"
ÉPOCA – O senhor faz críticas pesadas à gestão do ex-presidente Fernando Henrique e ao PSDB. E quanto ao PT? O ex-presidente Lula e a presidente Dilma não têm responsabilidade na atual crise econômica?
Guedes – A Dilma pegou um país relativamente estável e corre o risco de devolver um país completamente desestabilizado. Ela foi um dos mais importantes fatores de destruição do tripé macroeconômico, baseado nas metas de inflação e fiscais e no câmbio livre. É preciso levar em conta que as pessoas têm uma história. Reputação e credibilidade são coisas que se constroem ao longo de muitos anos, mas são perdidas rapidamente. A Dilma participou do início, do meio e do fim do crime do desequilíbrio fiscal. É por isso que não há possibilidade de a credibilidade voltar com ela na presidência. No primeiro governo Lula, o (Antonio) Palocci (ex-ministro da Fazenda) esteve a três passos do paraíso. Quando percebeu o circulo virtuoso do equilíbrio fiscal, com juro mais baixo e crescimento, ele propôs o déficit público zero. Se ele conseguisse isso, eles nunca mais sairiam do poder. Com a bandeira da solidariedade, estavam dizendo “estamos com o povo”. E, com a austeridade fiscal, em vez de ter crescido 7% ao ano, o país iria crescer 5,5%, mas para sempre. Não teria esse gasto anual de R$ 500 bilhões de juros que temos hoje. Em vez disso, foram com tudo na social-democracia, gastaram mais, como sinal de solidariedade. Só que foram para uma social-democracia aliada ao capitalismo de quadrilha, ao conservadorismo. Deram dinheiro para a Odebrecht e para o Prouni (Programa Universidade para Todos), também. Tinha de ser mais para o Prouni e menos para a Odebrecht e para o (ex-senador) Gilberto Miranda, com a zona franca de Manaus.

ÉPOCA – Na guinada do governo Lula na economia, que papel coube à presidente Dilma, que na época havia assumido a Casa Civil?
Guedes - A Dilma foi importante nisso, porque foi o primeiro braço importante a fulminar o Palocci quando ele propôs o déficit zero, dizendo que era uma proposta rudimentar, primária. Foi aí que ela começou a atacar o equilíbrio fiscal. Depois passou para a prática. Apoiou o (Guido) Mantega (ex-ministro da Fazenda) na demolição gradual do ajuste e ao assumir o governo manteve-o no cargo. Com a crise de 2008, voltamos ao velho sistema de acomodação. Começamos com subsídio para cá, gasto para lá, crédito fácil para consumo, e deixamos a inflação de lado. Cometemos os excessos que já tinham sido cometidos no passado. O Mantega repetiu erros clássicos de 15, 20 anos atrás: congelou tarifas públicas, reteve o preço da eletricidade, segurou o câmbio, pedalou loucamente para permitir a reeleição de Dilma. Houve a explosão do desequilíbrio fiscal de novo, a falsificação de novo. Nosso período de enriquecimento temporário foi todo “queimado”, em vez de melhorarmos a nossa capacidade de enfrentar crises futuras e mexer em fundamentos econômicos. Foi um equívoco extraordinário. Agora, finalmente, estamos cumprindo o ciclo. Vamos ter de atacar o regime fiscal, fazer as reformas estruturais. Temos que mexer na Previdência, na legislação trabalhista. Qual é o PIB brasileiro? São trilhões. Não dá para falar que não tem como cortar mais gastos. É possível, sim, derrubar essa estrutura. A Dilma perdeu essa chance. Ela teve uma sorte incrível de existir um cara mais ou menos bem desenhado para ser um tampão, que foi o (Joaquim) Levy (ex-ministro da Fazenda), que era a antítese do pensamento dela. À medida que ela foi desautorizando o Levy, o mercado foi entendendo que ela queria os benefícios de uma imagem de quem reavaliou os erros, mas sem pagar o preço de ter realmente mudado de ideia. Como ela não apoiou e como ele não conseguiu implementar nada, porque foi apanhado no meio do conflito político, a Dilma transformou o Levy num coletor de impostos.
Hoje é fácil pedir ao PT para fazer o mea culpa. A pergunta é a seguinte: como foi o mea culpa dos economistas tucanos? Os economistas do Cruzado, do PSDB, levaram quase duas décadas para chegar aonde era preciso”
ÉPOCA – Se a presidente Dilma e o PT reconhecem os erros cometidos no primeiro mandato na economia, não conseguiram recuperar a credibilidade?
Guedes - Hoje é fácil pedir ao PT para fazer o mea culpa. A pergunta é a seguinte: como foi a mea culpa dos economistas tucanos? Hoje, eles falam do PT, mas eu me lembro que, na época do Cruzado, um de seus pais, num ginásio da PUC do Rio de Janeiro, disse o seguinte: “Esse negócio de déficit público, política monetária, é conversa fiada. A inflação brasileira acabou. Ela era puramente inercial”. Os economistas do Cruzado, do PSDB, levaram quase duas décadas para chegar aonde era preciso. É trágico ter de esperar dez anos para chegar no câmbio flexível, a um Banco Central autônomo, e 15 anos para chegar no ajuste fiscal. É um tributo à improvisação brasileira. Então, a Dilma tem todo o direito de aprender trombando na cerca, como eles aprenderam também. Quando o Fernando Henrique trocou a aceleração das reformas e não ser reeleito por um segundo mandato, será que ele não permitiu que esse aparelho gigante do Estado fosse depois ocupado por quem era oposição a ele e ele fosse sentindo o moer daquela máquina nos próprios testículos? Agora, o PSDB está a quatro mandatos seguidos fora do poder sendo massacrado. Será que eles gostaram da experiência? Será que vale a pena limitar o poder do Estado ou ser esmagado mais 18 anos? Por mais que o Fernando Henrique queira se colocar como “eu sou o futuro”, ele é a vanguarda do atraso, o que há de menos ruim da velha ordem. Ele tem todos os méritos de ter enfrentado a hiperinflação, mas a energia dele foi toda consumida nessa transformação que era sair da ditadura e redemocratizar o país.

ÉPOCA – Como o senhor vê o Aécio Neves dentro desse contexto, dentro do PSDB?
Guedes - O Aécio é a coisa mais lúcida do antigo regime, porque ele percebeu que a dimensão fiscal era crítica. Ele disse que essa corrupção sistêmica é causada pela centralização de recursos no governo federal. Essa incompetência administrativa, também. Esse desvirtuamento da democracia brasileira está sendo causado pela concentração de recursos. Ele não estava nem falando do PT. Estava dizendo que esse excesso de concentração de poder, tanto de recursos financeiros, como de poder político na mão do governo federal, está desvirtuando a administração pública brasileira. O Eduardo Campos também fez um discurso muito claro de que nós estávamos com práticas degeneradas e com período de validade. Precisamos mudar. Agora, será que eles teriam capacidade de sair dessa prisão social-democrata? Acho que não. Eles têm instinto de sobrevivência política, de não querer tocar o Brasil sozinho, como a Dilma está tentando. É um desastre. O dinheiro tem de estar onde o povo está. Vejo também um sopro interessante na Marina Silva. Está mais à esquerda, mas foi ouvir o (economista Eduardo) Giannetti. Ela tem algumas coisas interessantes. Sinto nela a indignação com a política atual, mas não vejo nela competência executiva e a força pessoal para mover o Brasil. Não sinto no Aécio também a crença nos mercados para fazer a reforma forte de que precisamos, como também não percebia isso no Eduardo Campos. Então continuo esperando o novo. Mas, como eu acredito numa sociedade aberta, não estou preocupado com isso. Ele virá.
Hoje, no Brasil, a direita é o Fernando Henrique, o homem que se envergonha das próprias privatizações, o homem que soltou o câmbio depois de perder US$ 50 bilhões para ser reeleito”
ÉPOCA – O senhor acredita mesmo que o Brasil caminhará por uma linha mais liberal nos próximos anos?
Guedes – É muito difícil um brasileiro escapar dessa padronização da hegemonia social-democrata no Brasil. É uma mentalidade tão enrijecida quanto a de seus inimigos mortais, os militares. As luzes que brilham hoje no pensamento político brasileiro Fernando Henrique sociólogo que passou um tempo no exílio, Lula, líder sindical, tudo isso é passado, tudo isso é muito antigo, e eles não ousaram reformar o regime econômico brasileiro. Hoje, no Brasil, a direita é o Fernando Henrique, o homem que se envergonha das próprias privatizações, o homem que soltou o câmbio depois de perder US$ 50 bilhões para ser reeleito. Há suspeitas de práticas não republicanas. Toda vez que acossam o Lula e falam de corrupção ele diz “perguntem ao Fernando Henrique sobre a reeleição”. Hoje, você vê o governo elogiando uma baderna. O governo acha bacana invasão de terra, paralisar uma cidade. Agora, eu aposto na sociedade aberta. A grande sociedade aberta está além da direita e da esquerda. Quem estiver preocupado com isso ainda está saindo da Revolução Francesa no século XVIII. Aliás, esquerda naquela época eram os liberais. Se eu vivesse naquela época, estaria lá, com o Tocqueville, lutando contra a velha ordem. Essa é a pobreza mental brasileira. Você é de direita ou de esquerda? Eu sou da nova sociedade aberta.

ÉPOCA – Que sociedade aberta é essa a que o senhor se refere?
Guedes - Ela é verde, ambientalista, a favor de um desenvolvimento sustentável. A grande sociedade aberta são os mercados, gerando riqueza econômica, e as democracias, gerando liberdade política e solidariedade, que combina esse dois. O Brasil é uma sociedade aberta em construção. Temos um Banco Central relativamente autônomo, câmbio flutuante, mas não temos ainda o equilíbrio fiscal. Confio na sociedade aberta, confio na mídia que está distribuindo informação, no efeito da opinião pública sobre o que está acontecendo, no despertar do poder Judiciário. Ou privatizamos ou o Brasil vai continuar vítima desse combate pobre.
Os liberais vão continuar a ser assassinados politicamente enquanto não entenderem que a solidariedade é um instrumento tão importante quanto a liberdade. Tem que ter as duas coisas"
ÉPOCA – A que o senhor atribui essa predominância do pensamento de esquerda no país?
Guedes - O que o socialismo tem de poderoso, tribal, secular, milenar e que assassinou politicamente as versões mais ingênuas do liberalismo? A solidariedade. Porque o Lula foi eleito quatro vezes? Porque ele entendeu que a solidariedade é importante. Então, os liberais vão continuar a ser assassinados politicamente enquanto não entenderem que a solidariedade é um instrumento tão importante quanto a liberdade. Tem que ter os dois. O liberalismo, criado no século XVIII e predominante no século XIX, foi assassinado, merecidamente, no século XX, porque não pensou na solidariedade. Aí vem o socialismo, absolutamente ignorante em matéria econômica. Desastroso. União Soviética, China, o capeta. Um fracasso do ponto de vista de liberdade política, aprisionando milhões de pessoas no mundo inteiro, guerra civil, Gulag, Revolução Cultural. Essa indignação da Dilma com os militares é muito merecida. Agora, se estivesse sido do lado de lá, ela não estaria como presidente hoje, porque o sistema varria os dissidentes muito mais rápido. Mas eles tinham uma coisa que sempre falaram e sempre falarão: “la solidariedad de los hermanos, la igualtat, el socialismo”. Quando os liberais se esqueceram disso, acreditando que isso é voluntário, a gente dá se quiser, dá o voucher saúde, o voucher educação, dá igualdade de oportunidade e, se tudo falhar, deixa ir para o saco, perderam o bonde. A solidariedade está além de direita e esquerda. É um traço humano.

Fonte: Época, por José Fucs, 16/01/2016

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