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A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Hélio Bicudo declara que PT está mandando no STF

Bicudo apresenta novo pedido de impeachment nesta sexta
'É o PT que está decidindo o que acontece no STF', diz Hélio Bicudo

Fundador do PT, jurista é um dos autores do principal pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff protocolado na Câmara dos Deputados

São Paulo - Um dos autores do principal pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff protocolado na Câmara dos Deputados, o jurista Hélio Bicudo afirma que o PT está por atrás da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de travar o rito do processo.
O PT tomou conta do judiciário. É o PT que está decidindo o que acontece no STF. Quem foi colocou esses ministros no tribunal? Foi o PT. Eles (ministros) não irão julgar nada contra o PT", disse Bicudo ao Estado. 
Um dos fundadores do PT, ele se uniu aos juristas Miguel Reale Jr, que é ligado ao PSDB, e Janaina Paschoal para elaborar a petição pelo impedimento que foi adotada pela oposição como a peça de resistência do movimento para cassar o mandato de Dilma. O pedido já havia sido protocolado, mas a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de conceder na terça-feira três liminares que suspenderam as regras de tramitação determinadas por Cunha para abertura do processo de impeachment levou a oposição a pedir que o trio apresentasse um novo pedido por temer que o atual estaria "contaminado" pelo embate entre Câmara e STF. 

A decisão do tribunal deu mais prazo para o governos se articular no Congresso para formar uma maioria consistente contra o processo de impeachment. Líder do PSDB na Câmara, o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) se reuniu nesta quarta-feira em São Paulo com Bicudo e Janaina Paschoal para discutir as bases do novo pedido.
Vamos apresentar na sexta-feira as mesmas petições justapostas. Estamos fazendo recorta e cola. Mera aglutinação", explica Miguel Reale Jr. 
Os juristas responsáveis pelo pedido de impeachment defendem, ainda, que o rito estabelecido por Cunha está correto. Segundo o presidente da Câmara, um eventual indeferimento do pedido poderia ser alvo de um recurso da oposição, que seria votado em plenário e precisaria de uma maioria simples. Segundo o STF, porém, esse trâmite não está previsto na Lei 1.079, de 1950, que trata do rito do processo de impedimento.
A questão do recurso não tem justificativa nenhuma. Ele não está passando por cima de nenhum direito constitucional. Não existe ilegalidade em haver recurso contra uma decisão dele. Está no regimento interno, no artigo 218", diz Reale.
Fonte: Estado de São Paulo, por Pedro Venceslau, 14/10/2015

Entrevista abaixo com os juristas Hélio Bicudo e Adilson Dallari, junto com Carla Zambelli, porta-voz dos movimentos pelo impeachment de Dilma.



sexta-feira, 9 de outubro de 2015

MEC tenta eliminar ensino de História como uma narrativa que se organiza na perspectiva temporal

História sem tempo
A ordem do dia é esculpir um Brasil descontaminado de heranças europeias

Demétrio Magnoli e Elaine Senise Barbosa

Renato Janine, o Breve, transitou pela porta giratória do MEC em menos de seis meses. No curto reinado, antes da devolução do ministério a um “profissional da política”, teve tempo para proclamar a Base Nacional Comum (BNC), que equivale a um decreto ideológico de refundação do Brasil. Sob os auspícios do filósofo, a História foi abolida das escolas. No seu lugar, emerge uma sociologia do multiculturalismo destinada a apagar a lousa na qual gerações de professores ensinaram o processo histórico que conduziu à formação das modernas sociedades ocidentais, fundadas no princípio da igualdade dos indivíduos perante a lei.

O ensino de História, oficializado pelo Estado-Nação no século XIX, fixou o paradigma da narrativa histórica baseado no esquema temporal clássico: Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna, Idade Contemporânea. A crítica historiográfica contesta esse paradigma, impregnado de positivismo, evolucionismo e eurocentrismo, desde os anos 60.
Mas o MEC joga fora o nenê junto com a água do banho, eliminando o que caracteriza o ensino de História: uma narrativa que se organiza na perspectiva temporal. Segundo a BNC, no 6º ano do ensino fundamental, alunos de 11 anos são convidados a “problematizar” o “modelo quadripartite francês”, que nunca mais reaparecerá. Muito depois, no ensino médio, aquilo que se chamava História Geral surgirá sob a forma fragmentária do estudo dos “mundos ameríndios, africanos e afro-brasileiros” (1º ano), dos “mundos americanos” (2º ano) e dos “mundos europeus e asiáticos” (3º ano).

O esquema temporal clássico reconhecia que a mundialização da história humana derivou da expansão dos estados europeus, num processo ritmado pelas Navegações, pelo Iluminismo, pela Revolução Industrial e pelo imperialismo. A tradição greco-romana, o cristianismo, o comércio, as tecnologias modernas e o advento da ideia de cidadania difundiram-se nesse amplo movimento que enlaçou, diferenciadamente, o mundo inteiro. A BNC rasga todas essas páginas, para inaugurar o ensino de histórias paralelas de povos separados pela muralha da “cultura”. Os educadores do multiculturalismo que a elaboraram compartilham com os neoconservadores o paradigma do “choque de civilizações”, apenas invertendo os sinais de positividade e negatividade.

A ordem do dia é esculpir um Brasil descontaminado de heranças europeias. Na cartilha da BNC, o Brasil situa-se na intersecção dos “mundos ameríndios” com os “mundos afro-brasileiros”, sendo a Conquista, exclusivamente, uma irrupção genocida contra os povos autóctones e os povos africanos deslocados para a América Portuguesa. A mesma cartilha, com a finalidade de negar legitimidade às histórias nacionais, figura os “mundos americanos” como uma coleção das diásporas africana, indígena, asiática e europeia, “entre os séculos 16 e 21”. O conceito de nação deve ser derrubado para ceder espaço a uma história de grupos étnicos e culturais encaixados, pela força, na moldura das fronteiras políticas contemporâneas.

A historiografia liberal articula-se em torno do indivíduo e da política. A historiografia marxista organiza-se ao redor das classes sociais e da economia. Nas suas diferenças, ambas valorizam a historicidade, o movimento, a sucessão de “causas” e “consequências”. Já a Sociologia do Multiculturalismo é uma revolta reacionária contra a escritura da História. Seus sujeitos históricos são grupos etnoculturais sempre iguais a si mesmos, fechados na concha da tradição, que percorrem como cometas solitários o vazio do tempo. Na História da BNC, o que existe é, apenas, um recorrente cotejo moralista entre algoz e vítima, perfeito para o discurso de professores convertidos em doutrinadores.

Na BNC, não há menção à Grécia Clássica: sem a Ágora, os alunos nunca ouvirão falar das raízes do conceito de cidadania. Igualmente, inexistem referências sobre o medievo das catedrais, das cidades e do comércio: sem elas, nossas escolas cancelam o ensino do “império da Igreja” e das rupturas que originaram a modernidade. O MEC também decidiu excluir da narrativa histórica o Absolutismo e o Iluminismo, cancelando o estudo da formação do Estado-Nação. A Revolução Francesa, por sua vez, surge apenas de passagem, no 8º ano, como apêndice da análise das “incorporações do pensamento liberal no Brasil”.

Sob o sólido silêncio de nossas universidades, o MEC endossa propostas pedagógicas avessas à melhor produção universitária, que geram professores “obsoletos” em seus conhecimentos e métodos. Marc Bloch disse que “a História é a ciência dos homens no tempo”. Suas obras consagradas, bem como as de tantos outros, como Peter Burke, Jules Michelet, Perry Anderson, Maurice Dobb, Eric Hobsbawm, Joseph Ki-Zerbo, Marc Ferro, Albert Hourani, Caio Prado Jr., Sérgio Buarque de Holanda e José Murilo de Carvalho, não servem mais como fontes de inspiração para o nosso ensino. A partir de agora, em linha com o decreto firmado pelo ministro antes da defenestração, os professores devem curvar-se a autores obscuros, que ganharão selos de autenticidade política emitidos pelo MEC.

Não é incompetência, mas projeto político. Num parecer do Conselho Nacional de Educação de 2004, está escrito que o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana “deve orientar para o esclarecimento de equívocos quanto a uma identidade humana universal”. Equívocos! No altar de uma educação ideológica, voltada para promover a “cultura”, a etnia e a raça, o MEC imolava o universalismo, incinerando a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A trajetória iniciada por meio daquele parecer conclui-se com uma BNC que descarta a historicidade para ocultar os princípios originários da democracia.

Doutrinação escolar? A intenção é essa, mas o verdadeiro resultado da abolição da História será um novo e brutal retrocesso nos indicadores de aprendizagem.

Demétrio Magnoli é sociólogo e Elaine Senise Barbosa é historiadora

Fonte:
Gazeta do Povo, 08/10/2015

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

A culpa é do capitalismo que nos sustenta

O trecho que Gustavo Franco cita de Marx, em seu texto abaixo, é do Manifesto Comunista de 1848.

No período anterior à revolução burguesa, a expectativa de vida em geral ficava na faixa dos 30 anos.

Neste nosso século, dependendo do lugar (os mais "capitalistas", claro), a expectativa de vida chega aos 83 anos.

No Manifesto Comunista citado, Marx afirmava:

[A burguesia] demonstrou o que a atividade humana pode realizar. Construiu maravilhas maiores que as pirâmides egípcias, os aquedutos romanos e as catedrais góticas. [...] a burguesia logra integrar na civilização até os povos mais bárbaros. [...] Durante sua dominação, que ainda não completou um século, a burguesia desenvolveu forças produtivas mais maciças e colossais que todas as gerações anteriores. Dominação das forças da natureza, maquinaria, aplicação da química na indústria e na agricultura, navegação a vapor, estradas de ferro, telégrafo elétrico, desbravamento de regiões inteiras [...].
Marx descrevia a situação vigente em 1848. Falava da revolução industrial. O que diria do mundo de hoje, o da revolução da informação, da bioengenharia, da inteligência artificial?

Por que então tanto preconceito com o mais bem-sucedido sistema econômico que a humanidade já inventou? Por causa da usura? Não havia usura antes do capitalismo? Pela exploração de uns sobre outros? Não havia exploração antes da vigência do capitalismo? Pela pobreza que supostamente seria causada pelo capitalismo que de fato é responsável pela riqueza do mundo? Não havia pobreza antes do capitalismo? Sim e, ao contrário de hoje, generalizada. De fato, com o advento da economia de mercado e das democracias liberais, nunca antes a humanidade, embora de forma não homogênea, teve tanta riqueza e tanta mobilidade social. 

Não se trata de encarar o capitalismo ou a economia de mercado (prefiro esta definição) como alguma panaceia universal, algum totem indiscutível. Trata-se de parar de demonizar esse sistema econômico, como se faz no Brasil, por ignorância ou má-fé, buscar entendê-lo e tornar o país capaz de se integrar no mundo globalizado. No mínimo, porque, até agora, a humanidade não inventou nada melhor para substituí-lo.

Precisamos falar sobre capitalismo

por Gustavo H. B. Franco
No Brasil, pouca gente sabe definir o que é, mas muitos odeiam o capitalismo. O Instituto Millenium (uma ONG dedicada a promover os valores da liberdade, democracia e economia de mercado), um dia desses, colocou uma pessoa na Cinelândia, centro do Rio de Janeiro, perguntando aos transeuntes o que pensavam sobre o assunto. Três de cada quatro entrevistados ficaram nervosos com a pergunta, recuavam temerosos do microfone, ou resmungavam desconfortos variados como “aqui no Brasil não tem isso não”, “sei não senhora” e que tais. 

O restante das respostas, inclusive de uma professora do ensino médio, refletiu o que se esperaria obter de uma região outrora conhecida como a Brizolândia.

Em um belo livro recentemente lançado (Capitalismo: modo de usar) Fábio Giambiagi concentra essa mesma mensagem na sua epígrafe, uma fala de Fernando Henrique Cardoso dirigida a Armínio Fraga antes de sua sabatina no Senado, como parte de sua nomeação para a presidência do Banco Central. Sem pretender precedência, registro apenas que ouvi esse conselho igualzinho nas duas ocasiões em que fui sabatinado. Eis a sabedoria:
O Brasil não gosta do sistema capitalista. Os congressistas não gostam do capitalismo, os jornalistas não gostam do capitalismo, os universitários não gostam do capitalismo.” 
Como explicar essa estranha hostilidade ao sistema econômico que prevalece em todo o planeta, excetuadas algumas comunidades primitivas isoladas no Caribe e na Ásia, e cujo indiscutível e extraordinário sucesso aniquilou qualquer concorrência?

Afinal, o capitalismo é o sistema econômico baseado na propriedade privada, na liberdade de empreender, na letra da lei, e na centralidade do mercado para estabelecer os preços. Que há de tão errado com isso?

O fato é que são reveladoras as respostas ouvidas na Brizolândia. Em primeiro lugar, destaque-se a apatia, muito provavelmente incentivada por valores nossos, mal cultivados. Hierarquias e privilégios parecem mais naturais no Brasil que a igualdade diante da lei e a impessoalidade. Valores “maiores” parecem prevalecer sobre os da contabilidade ou da sustentabilidade: os balanços fecham no Palácio, os patrimônios “não têm preço”, prejuízos “não importam”, e a criatividade permeia as partidas dobradas. E, por fim, o mercado, a meritocracia e a competição são coisas para nossos inimigos, pois é o que se passa na “rua” e não na “casa”, como ensina Roberto da Matta. 

Em segundo lugar, trata-se do sucesso do capitalismo como se houvesse dúvida sobre isso. O próprio Marx em seu famoso manifesto, em 1848, as eliminou ao afirmar que “a burguesia, em seu reinado de apenas um século, gerou um poder de produção mais massivo e colossal do que todas as gerações anteriores reunidas”. O erro estava em prever o colapso do sistema, ou exagerar nos efeitos colaterais.

Sobre desigualdade, é preciso cuidado com um sofisma muito comum. O progresso material não é igual em diferentes regiões do planeta, ou mesmo dentro de um país. Muitas regiões do continente africano vivem hoje do mesmo jeito que viviam há 500 anos, e nessa ocasião os nativos da região hoje conhecida como a Califórnia estavam nessa mesma faixa de renda. 

Em nossos dias, diante da brutal diferença de bem-estar entre essas regiões, pode-se distinguir ao menos dois tipos de reações: de um lado, os que se encantam com o desenvolvimento californiano e procuram emular seus valores, e de outro, os que afirmam que esses 500 anos de capitalismo aprofundaram a desigualdade (fato estatístico indiscutível, eis que uma das regiões simplesmente ficou estacionada) ou que, um tanto mais canhestramente, os californianos ficaram ricos explorando os africanos, ou os mexicanos. Ou seja, o vilão é quem deu certo, e o sucesso é sempre pecaminoso, segundo a Brizolândia.

O fato é que, contrariamente aos países onde as virtudes burguesas - empreendedorismo, parcimônia, iniciativa e integridade - são louvadas, nosso capitalismo meio patrimonialista sempre foi visto como um jogo de cartas marcadas, onde os valores a cultivar eram outros: conexões com o governo, imprevidência, reservas de mercado e malandragem.

Um “capitalismo pela metade” pode produzir um sucesso pela metade (ou um “meio fracasso”, um país eternamente do futuro), com distorções imensas, como ocorreu no Brasil dos anos 1980, e mesmo um retrocesso, como na Argentina. As nações podem simplesmente fracassar.

Em um famoso discurso no Senado em junho de 1989, o senador Mário Covas, um homem de centro-esquerda e inatacáveis credenciais nacionalistas, proclamou que o Brasil precisava de um “choque de capitalismo”. Era um desabafo a propósito da democracia que ele tanto lutara para reconstruir, e que vivia, naquele mês, uma inflação de 28,6%. A democracia não deveria levar o país à insensatez econômica. Covas disputava a presidência, e no primeiro turno obteve apenas 11,5% dos votos, ficando em quarto lugar. Em dezembro, quando ocorreu o segundo turno, a inflação rompeu oficialmente a barreira da hiperinflação: 51,5% naquele mês. 

Covas estava correto em que havia algo de muito errado nesse nosso “anticapitalismo” patológico e fora de época, mas o paciente não estava convencido do tratamento. Ainda era forte a demanda por mágica.

Diversos choques se seguiram, mas o de capitalismo só avançou mesmo com o “não choque” representado pelo Plano Real e suas reformas: privatização, responsabilidade fiscal, abertura e as outras que, em seu conjunto, trouxeram a inflação brasileira para níveis de primeiro mundo. Quem poderia imaginar que o sucesso do Plano Real seria o resultado de reformas com o intuito declarado de fazer do Brasil uma economia de mercado por inteiro?

Não obstante, as reformas enfrentaram enorme resistência, essa é a maldição da Brizolândia: uma minoria de perdedores do processo de modernização é capaz de bloquear o que é novo, pois a maioria beneficiada permanece mergulhada na apatia. Os ganhos são dispersos, e os custos concentrados em minorias despojadas de seus privilégios, o velho problema das reformas e a razão pela qual elas são implementadas por estadistas e não por gerentonas ou líderes populistas.

É caprichosa a História, que organiza uma volta ao passado pela ascensão de um líder operário, a quem coube interromper o avanço do capitalismo no Brasil antes que começasse a modernizar demais as coisas. O Brasil mergulha num conservadorismo metido a progressista, cuidadoso e inercial no início, mas que adquire uma feição mais concreta já mais perto de 2008, quando entramos para valer num capitalismo companheiro, ou de quadrilhas e boquinhas.

Não é a inflação que explode, mas a corrupção, uma outra expressão para o fracasso desse capitalismo “pela metade” sobre o qual não vale a pena gastar nem dois tostões de sociologia. Que o digam Joaquim Barbosa e Sergio Moro. Bobos fomos nós em levar a sério a “nova matriz” e outras ridículas vestimentas heterodoxas de que se serviu o cronismo caudilhesco que aqui se implantou. Não era keynesianismo, nem estruturalismo, mas apenas desonestidade, inclusive intelectual.

Fonte: Estado de São Paulo, 27/09/2015

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Surreal: cinco projetos de lei tramitando na Câmara querem impedir críticas a políticos

No Brasil, estamos entre os autoritários de direita e de esquerda. Cinco projetos de pmedebistas querem nos impedir de criticar políticos, transformando as críticas até em crime hediondo. É ler para crer e assinar contra rapidinho. Vejam o link do abaixo assinado ao fim do texto.

Deputados do PMDB querem censurar a internet e ler suas mensagens

Projetos 'Big Brother' tramitam na velocidade da luz na Câmara de Eduardo Cunha. O relato abaixo vai lhe parecer coisa de ficção. Mas não é.

A Câmara dos Deputados está tentando aprovar projetos de lei que vão intimidar eleitores que criticam os políticos na internet (quem nunca?), violando liberdades individuais, garantias constitucionais e o bom senso.

É uma inversão de valores que sabota a própria ideia de democracia, reforça a tentativa do Estado de dominar a sociedade, e cria um ‘Big Brother’ a serviço dos políticos e contra os cidadãos.

Cinco projetos de lei — tramitando na Câmara na velocidade da luz — aumentarão penas e, em alguns casos, podem transformar em crime hediondo ‘ofensas’ contra políticos na internet. A votação de um deles, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), foi dia 30/09.

A autora do principal deles, o projeto de lei 1.589, de 2015, é a deputada Soraya Alencar dos Santos, do PMDB do Rio de Janeiro (um selo de qualidade, para quem conhece a política do Estado).

O projeto de Soraya reforma o Marco Civil da Internet para permitir que qualquer ‘autoridade competente’ — qualquer órgão público — possa requerer acesso aos dados de qualquer internauta, sem a necessidade de uma ordem judicial, como ocorre hoje.

Como se isto já não fosse arbitrariedade suficiente, o projeto prevê que a ‘autoridade’ poderá ter acesso também a todas as comunicações do usuário de internet, como as mensagens diretas trocadas no Facebook, Twitter e Whatsapp.

Eleita por Macaé, cidade petroleira do litoral do Rio de Janeiro, a deputada Soraya é desconhecida do Brasil, mas neste dia estava psicografando grandes nomes da História, como Josef Stálin, aquele grande democrata soviético, e J. Edgar Hoover, o poderoso chefe do FBI que invadia a intimidade de seus adversários.
Mas a deputada Soraya quer mais. Ela dobra a meta. Pela lei atual, ‘ofensas’ contra políticos — frequentemente verdades ditas sobre eles — só são investigadas e vão parar na Justiça se o ofendido for à delegacia prestar queixa. O projeto de Soraya acaba com esse incômodo — afinal, políticos como ela são pessoas ocupadas, que não podem perder tempo indo à delegacia.

Pelo projeto de lei, tanto a polícia quanto o Ministério Público poderão investigar qualquer ofensa na internet sem a necessidade de queixa prévia — ou seja, ficarão a serviço dos políticos, que assim poderão intimidar seus criticos na rede.

Para Ronaldo Lemos, professor de direito com doutorado pela USP e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade, “trata-se da maior ameaça à liberdade de expressão que o País já sofreu em muitas décadas.”

O Marco Civil da Internet é uma legislação avançada, que protege a liberdade de expressão dos usuários da rede, e está em linha com as melhores leis sobre o assunto em vigor no mundo. Em matéria de internet, é ele que faz o Brasil ser diferente da Rússia, Turquia e Arábia Saudita, países onde o Poder Executivo tem — por lei — o direito de intervir em conteúdos na internet. No Brasil, o Marco Civil estabeleceu que apenas o Poder Judiciário pode autorizar alguém a tocar em conteúdos na internet – exatamente o que os projetos querem mudar.

Com qualquer busca no Google, você descobrirá que o maior opositor do Marco Civil ao longo de sua tramitação foi o deputado Eduardo Cunha, que chegou à presidência da Câmara em grande parte graças à sua ascendência sobre o PMDB fluminense. Os projetos atuais, que deformam o Marco Civil, parecem um acerto de contas.

Dos cinco projetos de lei em tramitação que tratam da proteção da honra dos políticos, quatro são do PMDB. Três destes projetos aumentam penas para as ‘ofensas’ na internet, e dois tratam do chamado ‘direito ao esquecimento.’ Esta é outra inovação interessante, que atende bem aos políticos, e presta um desserviço à democracia. Se o ‘direito ao esquecimento’ for aprovado, permitirá ao político incomodado com análises criticas sobre sua ética ou performance exigir que estes comentários sejam retirados do ar. Simples assim. (É uma versão contemporânea do que os soviéticos faziam, removendo das fotos os membros do regime que caíam em desgraça.)

Ainda que muitos desses projetos sejam o produto de deputados inexpressivos e de mentalidade provinciana — se não de má fé — e ainda que muitos possam ser enterrados pelo Senado (onde repousa a reserva de sanidade da classe política), eles revelam uma agenda oculta de setores específicos que tentam subordinar o cidadão a seus interesses mais particulares. O que estes políticos têm a esconder? Por que temem tanto a voz dos eleitores nos sites e nas redes sociais?

Nos últimos anos, o brasileiro perdeu a estabilidade econômica e precisou ter estômago forte para digerir as revelações da Lava Jato.

Mas o brasileiro não precisa perder mais essa.

Os eleitores do Rio de Janeiro podem ligar para a deputada Soraya — telefone do gabinete: (61) 3215-5352 — pedindo que ela explique para quem trabalha: para os eleitores ou para seus colegas de Câmara.


Talvez assim dê para garantir que, apesar de estarmos ‘quebrados’ e desiludidos, possamos (pelo menos) continuar reclamando de tudo isto que está aí.

***

Abaixo, os links para os projetos de lei em questão:




Fonte: Veja Mercados, por Geraldo Samor, 29/09/2015

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