8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

terça-feira, 14 de abril de 2015

A criminalização do aborto é a medida pela qual os homens reafirmam seu poder sobre o corpo feminino.


Ótimos argumentos, justa empatia com as mulheres no artigo abaixo do André Coelho que reproduzo do site Contramuros. Os conservadores tratam processos de formação de uma vida (zigoto, embrião, feto) como se fossem um indivíduo, e a mulher, que é de fato um indivíduo, plenamente constituído, consciente, senciente, inteligente, eles tratam como se fosse um objeto. O discurso conservador sobre o aborto é pura misoginia, é a total desumanização da mulher, transformada em coisa. Não importa o que ela sente, pensa, nem sequer as condições objetivas que tem para manter ou não uma gravidez até sua resolução. Ela não é um ser humano, é apenas uma incubadeira que tem a obrigação de exercer sua função que é a de parir seus futuros algozes. E o pior é que esses cancervas não se contentam em expressar suas falácias sobre o assunto - e quem quiser que compre. Eles querem impor essas falácias pela goela de todos abaixo usando o Estado para isso.

Ver também:

Retrospectiva 2014: Conservadores e sua misoginia: contra a interrupção da gravidez até nos casos previstos em lei  
Para conferir quem de fato mata criancinhas: O macho, arma de destruição em massa.

O aborto deve ser descriminalizado

Um argumento em favor da liberalização do aborto, ou pró-escolha, precisa de dois passos: mostrar que o aborto não é moralmente errado, e mostrar que sua liberalização é desejável. 

Para provar que o aborto não é moralmente errado vou atacar três pressupostos comuns em argumentos pró-vida: que o feto é um ser humano, que ele tem direito à vida e que este direito prevalece sobre o direito de escolha da mãe.

Em primeiro lugar, não é óbvio que o feto seja um ser humano. Há que distinguir entre o sentido biológico e o sentido moral de ser um ser humano. Ser humano em sentido biológico é pertencer à espécie homo sapiens. Embriões humanos, comatosos irreversíveis e cadáveres são seres humanos neste sentido. O mesmo ocorre com o feto. Ele é, em sentido biológico, incontestavelmente humano.

Porém, além do sentido biológico, ser humano tem também um sentido moral. Em sentido moral, ser um ser humano é possuir as propriedades morais relevantes que justificam a deferência moral que se reserva a humanos. Essas propriedades incluem senciência, razão, liberdade, linguagem, agência, responsabilidade, perspectiva de futuro etc. Embriões, comatosos e cadáveres carecem de várias dessas. Assim também o feto. 

E mesmo que o feto seja, em algum sentido moral, um ser humano, isto não lhe garante automaticamente direito à vida. Veja: é possível formular um argumento em favor da humanidade moral do feto. Pode-se argumentar que a posse potencial das propriedades morais relevantes não iguala o feto ao ser humano pleno, mas o distingue de casos como o embrião, o comatoso e o cadáver. Nesta forma, o argumento é aceitável.

O que não é aceitável nele é que ele retire a consequência de que a diferença é tal que justifica conceder ao feto um direito inviolável à vida que prevalece sobre o direito de escolha de um ser cuja humanidade moral é plena: a mãe. Talvez seja possível reconhecer no feto uma propriedade moral relevante que outros casos não possuem. Mas daí a atribuir a ele um direito inviolável à vida vai uma grande ­ e injustificada ­ distância a ser coberta. A ideia de proteção de propriedades morais futuras, incapazes de produzir sofrimento, prevalecer sobre a proteção de propriedades morais presentes, capazes de produzir sofrimento, é pouco defensável do ponto de vista racional.

O direito à vida é ainda derrotável por outras considerações. A maioria dos ordenamentos jurídicos, por exemplo, reconhece a possibilidade de se tirar a vida por legítima defesa, por estado de necessidade ou em caso de guerra. Também no Brasil já se reconhece a possibilidade de aborto legítimo em caso de risco à vida da mãe, de gravidez por estupro e de anencefalia do feto. Poderia ser que todos estes fossem exemplos de ilícitos morais transformados em permissões jurídicas? Em tese, é uma possibilidade. Mas parece mais plausível que nossas intuições morais a respeito da vida não a tomem como um direito absoluto ou inviolável, nem para fetos, nem para humanos moralmente plenos. 

Assim, (a) pertencer à espécie humana não torna um feto automaticamente humano em sentido moral; (b) mesmo que ele tenha em potencial as propriedades morais relevantes, isto no máximo lhe garante uma proteção prima facie à vida; (c) esta proteção, contudo, não prevalece sobre os direitos de seres humanos moralmente plenos.

Agora vem a segunda parte, que é mostrar que ele é moral e/ou politicamente desejável.

Primeiro, o aborto é um problema de saúde pública. Sendo a moralidade do aborto um assunto controverso e sendo as consequências da gravidez onerosas para as mães, um grande número de mulheres se submeterão a abortos, quer legalizados, quer clandestinos. Estes últimos, contudo, são caros para as mulheres pobres e perigosos quando feitos sem condições de segurança.

Em vista disto, para dar às mulheres pobres a mesma segurança de saúde das ricas, a liberalização do aborto – com sua consequente oferta gratuita na rede pública hospitalar – seria moral e politicamente desejável como política de igualdade e de saúde. Se quem é contrário ao aborto está tentando salvar vidas, precisa saber que a liberalização salva mais vidas que a proibição. A proibição não impede que fetos morram, apenas aumenta as chances de que mães morram junto.

O fato de as mulheres terem que gestar, parir e cuidar dos filhos, mesmo contra a sua vontade, ajudou historicamente que fossem encaixadas em papeis subalternos. A proibição é a medida pela qual os homens reafirmam seu poder sobre o corpo feminino. A liberalização reverte esta lógica histórica e devolve à mulher a liberdade sexual e corporal que lhe pertence. Quem concebe, gesta, pare e nutre é quem decide: não apenas quem olha de fora e condena.

Por último, a liberalização do aborto é uma medida em prol de que toda criança nasça num lar que a deseja. Para garantir isto na maior medida possível, é preciso diminuir o número de gravidezes indesejadas. Assim como não se é a favor do casamento e da convivência compulsória entre marido e mulher, não se deve ser a favor da gravidez e maternidade compulsórias. Recuperar o sentido positivo da família passa também por diminuir o número delas que se forma por acidente e se torna motivo de infelicidade perpétua para todos os envolvidos.

Espero que estes argumentos ajudem a pensar a respeito da questão e façam com que os que têm inclinações pró-vida revejam seus pressupostos. 

André Coelho, 34, é mestre e doutorando em filosofia pela UFSC (com período sanduíche na Goethe Universität). É autor do blog Filósofo Grego.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Reflexão sobre a redução da maioridade penal e sua validade para a diminuição da criminalidade


Sobre Meninos e Lobos
por Adriel Santana

A questão da maioridade penal é um daqueles temas que geram os mais calorosos debates na sociedade brasileira. Se pelo lado dos defensores de uma redução, a argumentação geralmente gira em torno da punição relativamente branda por parte do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para os jovens infratores, pelo lado dos críticos, o foco dos argumentos é quanto à ineficácia penal de penas mais duras e a inadequação administrativa de colocar adolescentes no mesmo espaço que adultos nas prisões já abarrotadas.

Acredito que esse é o tipo de situação em que as emoções suscitadas pelo tema são tão fortes que acabam fazendo com que os envolvidos na discussão terminem, como diz o ditado, “jogando o bebê fora com água suja”. Creio que o primeiro passo para se evitar que isso ocorra é reconhecer, sem medo de errar, dois pontos bastante contundentes: as punições previstas no ECA abrem sim espaço para situações questionáveis quanto à punição dos infratores e a simples redução da maioridade penal não resolverá o problema da criminalidade entre os mais jovens.

Quanto a questão das punições, cabe primeiramente ressaltar que, sem dúvida, o que mais incomoda os defensores da redução da maioridade é a limitação de até três anos de “recolhimento” numa instituição para o jovem infrator, independente do crime. Considero completamente compreensível tal revolta, inclusive as mais exaltadas. Quando se lê quase que diariamente sobre os inúmeros casos onde menores estão envolvidos no cometimento de crimes, a reação mais comum é justamente criticar essa punição máxima tão curta. Se em crimes “menores”, como furtos e vandalismo, a crítica já é forte, quando então o menor comete um homicídio, especialmente quando o tempo para o responsável atingir a maioridade penal é pequeno (exemplos aqui e aqui), o tom aumenta mais ainda.

Contudo, o problema principal que estes críticos cometem é atrelar a discordância quanto as penas previstas pelo ECA à redução da maioridade penal, quando é possível separar uma coisa da outra. O que eles deveriam fazer é se esforçar para que ocorra uma revisão quanto às punições estabelecidas em lei, especialmente no que tange aos crimes hediondos. Aliás, como assinala o jornal O Globo, numa lista de 17 nações, apenas no Brasil e na Alemanha, países onde a maioridade penal é de 18 anos, existe uma limitação de três anos para punição a jovens.

O modelo atual, infelizmente, favorece a sensação de impunidade, dado que além do tempo reduzido de punição, o menor infrator ainda sairá livre com a sua ficha criminal completamente limpa, como se o crime cometido por ele nunca tivesse existido. É óbvio que é totalmente absurdo considerar aceitável que uma pessoa com 17 anos e 364 dias não tem completa condição de compreender a gravidade do crime que comete, enquanto uma que tenha um dia a mais de idade possua totais condições de responder criminalmente como um adulto. Entretanto, a simples redução da maioridade penal não seria uma medida sensata, pelo fato de que os crimes hediondos cometidos pelos menores infratores costumam ser na maioria dos casos a exceção, não a regra.

Querer punir como um adulto todos os jovens a partir dos 16 anos (ou menos) por todo tipo de crime cometido é um exagero desproporcional, além de ser totalmente contraproducente. Para tanto, basta levar em consideração que, mesmo com nossas prisões estando em sua maioria lotadas, comportando um número de presos muito maior do que o projetado (sem esquecer que quase metade da população carcerária é composta por presos provisórios, que não foram condenados em última instância, sem direito a recurso), estima-se que existam 500 mil mandados de prisão aguardando cumprimento em todo o país.

Se para alguns nossas prisões podem ser denominas de “escolas do crime”, dado a falta de controle estatal sobre os presidiários e a mistura indiscriminada pelo sistema de criminosos violentos com aqueles que cometeram crimes de baixo potencial ofensivo, adicionar jovens delinquentes a essa equação já catastrófica não parece ser uma boa ideia sobre nenhum ângulo imaginável.

Por isso que, no que concerne aos menores infratores, os caminhos mais razoáveis a serem perseguidos numa reforma penal seriam: 1) a possibilidade do juiz da vara de infância e juventude, auxiliado por especialistas, poder analisar, caso a caso, a gravidade do crime e as condições psicossociais do menor quanto a compreensão do ato cometido, determinado assim se este tem condições de responder como um adulto; 2) possibilidade de tempo de reclusão maior quando comprovadamente, por meio de laudos de assistentes sociais e psicólogos, o menor infrator não tiver condições de retornar ao convívio em sociedade, representando ainda um perigo.

Quando ampliamos a análise sobre a criminalidade no Brasil, outra questão fundamental que merece uma análise cuidadosa, que vai bem além do debate sobre a maioridade penal, reside na natureza do nosso sistema prisional. O Brasil é um país que prende muito. Somos inclusive uma das nações onde mais se encarcera pessoas por 100 mil habitantes, ficando atrás apenas de poucas nações, como os EUA, Rússia e Índia. Mesmo assim, segundo os dados levantados pelo Mapa da Violência, no que tange aoscrimes de homicídio, dos cerca de 50 mil assassinatos que ocorrem anualmente no Brasil, em apenas 8% dos casos investigados pela polícia, o responsável é descoberto e preso. Importante lembrar que nosso sistema prisional, além de ineficiente, também é caro: nos presídios federais, o custo por preso é de R$ 40 mil por ano; já nos estaduais, R$ 21 mil.

Há também o problema da criminalização das drogas, que é o principal tipo de crime cometido no país, tanto entre menores como entre adultos. Aqueles que consideram a questão da legalização das drogas um problema “menor” a ser debatido nacionalmente, obviamente não conhecem o tamanho da gravidade da situação que este “probleminha” gera aos cofres públicos e a segurança do país de forma geral. Sem contar que, como o tráfico de drogas cobra do Estado um gasto financeiro e em pessoal cada vez maior para ser combatido, o efetivo policial e os recursos que poderiam ser destinados ao combate de crimes como homicídios e roubo são constantemente reduzidos, dado que sãodesviados para a famosa e inglória “guerra às drogas”.

Portanto, deve está claro neste momento que, no que tange a criminalidade, reduzir ou não a maioridade penal é apenas a “água suja” desse debate. Todo o nosso sistema prisional, de justiça e segurança necessita de uma revisão urgente. Precisamos começar a combater com máxima prioridade crimes com vítimas. Temos que construir um modelo de justiça que volte sua atenção também para as vítimas, buscando mais do que a punição dos criminosos, a restituição para aqueles que sofreram com seus crimes. Esta na hora de, finalmente, nos preocupamos com o “bebê”.

Referências





*Artigo publicado originalmente no Liberzone, em 26/04/2014

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Pra onde vamos?: PT detonou a imagem da esquerda, e a "direita" não aparece como opção

Fim de um ciclo

por Eliane Cantanhêde

Se ninguém vê saídas imediatas para crise, uma percepção vai se cristalizando sobre o médio e longo prazo: a política brasileira está encerrando um ciclo e vem aí um novo que ainda é uma grande interrogação. Ou melhor, contém várias interrogações.

Uma delas é o que vai acontecer com a "esquerda", atingida por mensalão, petrolão e deterioração da economia depois de 12 anos do PT no poder. Outra é o que, e principalmente quem, vai representar a "direita", rótulo sempre rejeitado por partidos e políticos, mas que tende a encorpar: quanto mais baixo o apoio ao PT e ao governo Dilma Rousseff, mais alta é a busca pelo campo oposto.

Contraponto direto ao PT, o PSDB é equivocadamente, ou maliciosamente, tratado como partido de direita. Não pode ser de fato de direita uma sigla que foi idealizada e fundada por Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Franco Montoro e José Serra, dentro dos princípios da social-democracia.

Os demais partidos estão divididos em grupos. Exemplos: os satélites do PT, como o PC do B; a centro-esquerda que tenta ser independente, como o PSB; os que tentaram se afirmar como a direita moderna, liberal, mas morreram na praia, caso do PFL e seu sucedâneo DEM; a direita pasteurizada, não ideológica, que está na política para devorar nacos de poder e riqueza, caso do PP.

E o PMDB? O PMDB é o PMDB, assume uma cor em cada Estado, uma fantasia a cada governo, e assim vai se tornando indispensável à esquerda, ao centro e à direita, sempre de prontidão, para eventualidades.

Vejamos o vice-presidente Michel Temer. Faz todos os gestos de lealdade a Dilma, mantém canais com o PSDB e nem estimula nem contém Renan Calheiros e Eduardo Cunha, mas se beneficia indiretamente da ação de ambos no Congresso.

Logo, quem e o quê vai entrar no vácuo deixado pela esquerda? Como a direita vai tentar tirar proveito da desgraça do PT e emergir dessa crise e desse ciclo?

Com a redemocratização, há 30 anos, todo o ciclo faz sentido: José Sarney, velho aliado dos militares, mas de temperamento negociador; Fernando Collor, o "caçador de marajás" que significava uma ruptura; Itamar Franco, a transição pacífica, sem lado e sem ambições; Fernando Henrique, o sociólogo e professor pragmático; depois Lula, migrante nordestino, sindicalista, líder de massas; e, enfim, Dilma Rousseff, mulher, ex-presa política, uma "gerentona".

A roda girou 360 graus e cá estamos no fim de um ciclo e quebrando a cabeça para prever qual será, e como começará, o próximo. As Forças Armadas estão fora, a direita não produziu nenhuma cara, nenhum nome, e caçador de marajás não cola mais, Temer só faria sentido numa transição à la Itamar. E não só pode estar cedo demais para se voltar a um Fernando Henrique ou a um novo líder carismático como Lula como simplesmente não há nenhum FHC e nenhum Lula à disposição nas prateleiras da política.

A demanda do eleitorado vai estar mais e mais à direita, mas os partidos de direita não se consolidaram como opção, os Bolsonaros não podem pôr o pé fora de casa sem serem vaiados e a oferta de partidos e de candidatos não mudará muito em relação ao que se tem neste momento. Apesar do grande cansaço da opinião pública, a polarização entre PT e PSDB tende a se manter, com um arrivista correndo por fora.

Os dois partidos têm de buscar um equilíbrio muito delicado. O PT tem de reanimar a esquerda e ao mesmo tempo recuperar a massa de eleitores não ideológicos que ganhou a partir de 2002, mas perdeu. E o PSDB tem de manter o seu eleitor tradicional, fisgar o eleitorado que se desencantou com o PT e agasalhar o eleitor de direita que tem uma só prioridade: derrotar a esquerda.

Moral da história: o processo político, que tem lá suas manhas, empurra o PT ainda mais para a esquerda, e o PSDB, para a direita. Ambos, a contragosto. E olhando de soslaio para não se surpreenderem com os arrivistas.

Fonte: O Estado de São Paulo, 05/04/2015

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Para reformar o Brasil, políticos e juízes demissíveis, recall, diminuição do Estado, voto distrital

Em Reforma

O Fim da Nova República


por Fernão Lara Mesquita
 As ruas não têm um programa pelo qual lutar. São contra Dilma e os partidos. Não são a favor de nada … Não é só o governo que está à deriva, é o país todo … O que prejudica o governo não beneficia a oposição. Não ha partidos ou dirigentes políticos a lucrar com a crise … não ha organização ou personalidade que possa encarnar o desejo não expresso da massa … Os líderes oposicionistas não se projetam pelas mesmas razões que fazem a Presidência sangrar: não dispõem de nexos com as correntes vivas da sociedade … Para 75% dos brasileiros, os 32 partidos cheiram igual … O cenário conduz à anomia…”

As frases acima foram tiradas de artigos deste e de outros jornais dos últimos dias. Temos 45 meses de governo Dilma pela frente. A onda de choques dos tarifaços da energia, dos combustíveis, da tributação dos salários e do dólar está rolando. Ha reuniões de cortes em todas as empresas do Brasil. A cara mais feia da crise ainda nem chegou às ruas e já a única coisa que une o país é a aversão à política, que na verdade é aversão ao Estado de que os políticos se apropriaram, este que se serve e não serve e que incha à custa do constrangimento do país. Só que ninguém liga “lé” com “cré”. A oposição mesmo, quando se dispõe a interromper o gozo passivo das desgraças da situação, que são as nossas, é para propor o uso de aspirinas para a Nada do que ficou para tras restou em pé. Com a passagem do PT pelo poder, com as duas décadas de atraso correspondentes ao período em que o país esteve suspenso do exercício prático da cidadania e mais a década extra proporcionada pelo “efeito China” que retardou a colheita do que o PT vem plantando, completa-se o ciclo da Nova Republica e o Brasil finalmente deixa o século 20 e alcança o resto do mundo na constatação de que somos uma só humanidade sujeita às mesmas doenças, curáveis pelos mesmos velhos remédios de sempre.

Agora é remover o entulho.

Nada vai mudar na vasta coleção de misérias por baixo das quais ainda pulsa o pulso do Brasil com o que quer que venha a ser acrescentado à desordem institucional vigente. Para que outro Brasil possa nascer será preciso voltar atras e plantar, afinal, em solo pátrio, a pedra fundamental da democracia que é a da igualdade perante a lei.
O crime não fica impune entre nós por falta de adjetivos na sua tipificação ou de números “trucados” na dosimetria das penas mas porque temos cinco “Justiças” diferentes e nenhuma definição clara de competências, os juízes e os funcionários do Judiciário, como todos os funcionários públicos, tornam-se indemissíveis a partir do momento em que são nomeados pelos titulares dos poderes que têm por função cercear e porque é preciso varejar uma biblioteca inteira para decidir quem julga quem em quais circunstâncias dentro dos Três Poderes e das milhares de corporações em que o país está fatiado, tantos são os “foros” e os “direitos especiais”. De fato é difícil saber se há hoje mais brasileiros sob regimes de exceção ou submetidos à regra geral, ou mesmo se existe uma regra geral e qual é ela.

Toda a retórica sobre “justiça garantista” é uma grossa mentira: a única função desse inextricável emaranhado é ser inextricável para ensejar o comércio do arbítrio e para garantir a imortalidade Outros povos entraram nesse labirinto e saíram. A chave da charada está em que a obra que se requer é de desconstrução e só pode ser levada a cabo em regime de mutirão e em etapas sucessivas pelas pessoas diretamente interessadas em que as coisas mudem. É um processo.

Não é fácil começá-lo mas, num regime que ainda é o do consentimento da maioria, tudo que é necessário fazer é fechar o foco porque uma vez dado o primeiro passo ele é irreversível. O poder de retirar a qualquer momento o mandato concedido a um representante – o recall, que faz valer o princípio de que toda legitimidade emana do povo e somente dele – subverte a cadeia das lealdades e pavimenta o caminho da revolução permanente no campo institucional. Assim que o eleitor conquista esse poder a única opção de vereadores, deputados e senadores passa a ser jogar a favor do seu representado ou ir procurar outro ramo de atividade. E por meio deles essa arma alcança também o Executivo.de um obsceno sistema de privilégios.

A impunidade é a decorrência necessária de uma cadeia de lealdades pervertidas. Se o primeiro elo puder ficar impune e mantiver o poder de nomear “indemissíveis” para todo o sempre, todos os que estiverem abaixo dele ficarão impunes também. Não ha como romper essa lógica “por dentro”. Só o recall é capaz de quebrar essa cadeia e o voto distrital puro – com cada candidato sendo eleito por um grupo identificável de eleitores – permite que ela seja quebrada quantas vezes for necessário apenas na parte doente do tecido social sem que o resto da Nação seja perturbado.

A partir dessa conquista inicial a cidadania está condenada à vitória. Com o recall em punho a primeira providência deve ser a de reforçar o arsenal. Pode-se inaugurar a temporada constrangendo gentilmente os legisladores a reforçar o alcance e blindar as leis de iniciativa popular contra desvirtuamentos espúrios (falo das sem filtro, legitimadas pelo voto universal fisicamente aferível ainda que com alternativa de voto eletrônico, e não das falsificações do PT); estabelecer a obrigatoriedade de submeter a referendo qualquer aumento ou mudança de destinação dos impostos e outras decisões controvertidas dos legislativos; instituir o voto de retenção de juízes de direito que operará no Judiciário o mesmo milagre já instalado no Legislativo; substituir funcionários nomeados por funcionários eleitos (sujeitos a recall); despartidarizar as eleições municipais para garantir o permanente afluxo de água fresca aos reservatórios da política…

Não há limites. Para fazer reformas – tantas quantas se tornarem necessárias – tudo que é preciso é conquistar o poder de fazê-las você mesmo. E “a mão armada”.

Fonte: Vespeiro, 31/03/2015

quarta-feira, 1 de abril de 2015

PT agora só como piada (de mau gosto)

PTitanic indo a pique

Falido como partido, PT tenta sorte como piada

por Josias de Souza

Após reunião com Lula e o presidente do PT, Rui Falcão, dirigentes do partido nos Estados divulgaram um manifesto revelador. O texto indica que o PT não só acredita em vida depois da morte como crê piamente que é esta que está vivendo. Após fenecer como partido, o PT tenta a sorte como piada.

O manifesto do PT anota a certa altura:
Como já reiteramos em outras ocasiões, somos a favor de investigar os fatos com o maior rigor e de punir corruptos e corruptores. […] E, caso qualquer filiado do PT seja condenado em virtude de eventuais falcatruas, será excluído de nossas fileiras.”
É como se o partido desejasse dar um banho de gargalhada no país. A última vez que o PT declarou-se a favor de apurações rigorosas foi antes do julgamento do mensalão. Sentenciada, sua cúpula passou uma temporada enjaulada na Papuda. E não há vestígio de expulsão. Ao contrário.

Vítima de um expurgo cenográfico na época da explosão do escândalo, Delúbio foi readmitido nos quadros da legenda. Com as bênçãos de Lula. Dirceu e Genoino são cultuados nos encontros partidários como “guerreiros do povo brasileiro”.

Noutra evidência de que o cotidiano do petismo é uma tragédia que os petistas vivem como comédia, o manifesto aponta a existência de “uma campanha de cerco e aniquilamento”, na qual vale tudo para acabar com o PT, “inclusive criminalizar” a legenda. A cruzada antipetista é realmente implacável.

Deve-se a criminalização do PT aos petistas que, ocupados em salvar o país, não tiveram tempo de ser honestos. A Procuradoria da República e o juiz Sérgio Moro elegeram como inimigo número 1 da honra petista o tesoureiro João Vaccari Neto. José Dirceu, reincidente, está na bica de ser convertido em inimigo número 2.


Noutro trecho, o manifesto sustenta: 
Perseguem-nos pelas nossas virtudes. Não suportam que o PT, em tão pouco tempo, tenha retirado da miséria extrema 36 milhões de brasileiros e brasileiras. Que nossos governos tenham possibilitado o ingresso de milhares de negros e pobres nas universidades.” Trata-se de uma reedição do velho discurso do “rouba mas faz”. Só que num formato bem mais divertido. 
Não toleram que, pela quarta vez consecutiva, nosso projeto de país tenha sido vitorioso nas urnas”, acrescenta o texto, numa cômica injustiça com os 13% de brasileiros que, segundo o Datafolha, ainda consideram Dilma Rousseff ótima ou boa três meses depois da segunda posse.
O 5º Congresso do PT, marcado para junho, deve “sacudir” a legenda, antevê o manifesto. Anuncia-se a retomada da “radicalidade política” e o desmanche da “teia burocrática” que imobiliza a direção partidária “em todos os níveis”, levando o partido a habituar-se com o “status quo”.

Suspeita-se que os redatores do manifesto tenham desejado dizer o seguinte: o PT vai se auto-sacudir radicalmente, para combater seu próprio status quo. De preferência, destruindo o status sem mexer no quo.

Uma coisa é preciso reconhecer: o ex-PT cada vez mais se dá bem consigo mesmo. O que é tragicamente cômico.

Fonte: 
UOL, Blog do Josias, 31/03/2015

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