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Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Plataformas de autopublicação para lançar seu livro

Publique seu Livro

Diz a sabedoria popular que três coisas o ser humano deve fazer na vida: plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Para aqueles que se aventuram nesse terceiro projeto, mais desafiador do que passar uma boa história para o papel foi, até agora, conseguir publicá-la. Mas isso está mudando. A internet propiciou o aparecimento das chamadas plataformas de autopublicação, que facilitam o processo para os pequenos autores.

Basta cadastrar-se online e converter arquivos em programas de edição de texto, como o Word, para o formato de livro eletrônico (e-book). O processo inclui instruções para que o próprio autor defina a capa e o preço da obra. Feito isso, o livro eletrônico pode ser vendido online para interessados no mundo todo.

Algumas plataformas de autopublicação oferecem também a venda de exemplares impressos, sob pedido (on demand). Não há exigência de tiragem mínima e os royalties para o autor variam de 35% a até 70% do valor de capa, substancialmente mais do que os 10% geralmente oferecidos no mercado editorial convencional. É um caminho novo para quem pretende deixar a história da família para os netos, editar contos eróticos ou distribuir apostilas de um curso.

A Bookess, uma das pioneiras na autopublicação no Brasil, oferece serviços extras, como revisão, elaboração do projeto gráfico e da ficha catalográfica. Mesmo com todos os trâmites, o escritor pode ver seu livro pronto em até 30 dias, a um custo sete vezes mais baixo do que o vigente pelas vias tradicionais.

A nova modalidade atraiu a atenção de grandes empresas como Amazon e Saraiva, que lançaram suas plataformas de autopublicação em português, em dezembro de 2012 e em junho de 2013, respectivamente. O diretor-geral da Amazon.com.br, Alex Szapiro, destaca a importância do novo caminho para obras que antes ficariam engavetadas, uma vez que as editoras convencionais têm capacidade limitada para revisar manuscritos.

Os livros publicados pela plataforma gratuita Kindle Direct Publishing (KDP) alcançam, por semana, em média, 20% dos mais vendidos no Brasil pela Amazon.com. Mas é um sistema que está só começando por aqui. Na Alemanha já atinge 50%; na França e na Espanha, 40%. Nos Estados Unidos, editoras tradicionais têm recorrido à autopublicação para garimpar novos autores, a exemplo de E. L. James, que começou pela KDP, antes de se tornar campeã de vendas com o título “50 tons de cinza”.

Deric Guilhen, diretor de produtos digitais da Saraiva, enxerga na autopublicação mais uma opção para os leitores. “Temos o maior site de venda de livros do Brasil, não podíamos ficar de fora desse movimento. Mas não nos esquecemos da importância do processo de curadoria convencional para as editoras”, pondera. Dos 25 mil títulos à venda na loja digital da Saraiva, cerca de 10% são da plataforma Publique-se, que possui 11,5 mil autores cadastrados.

“A falta de um trabalho editorial profissional prejudica a qualidade do texto final”, afirma Susanna Florissi, coordenadora da Comissão do Livro Digital da Câmara Brasileira do Livro (CBL). Para Marcelo Cazado, diretor executivo da Bookess, a tendência é a de que a autopublicação domine o mercado: “Muitos escritores têm recusado convites para migrar para grandes editoras por terem mais flexibilidade na autopublicação e mais autonomia para definir seus próprios preços e políticas de direitos autorais”. / COLABOROU DANIELLE VILLELA

COMO FUNCIONA:

Bookess

Escritores recebem 50% do valor de capa das suas obras, sem exigência de exclusividade. As obras podem ser publicadas no formato de livro eletrônico ou impressas sob pedido.

KDP (Amazon)

O autor é remunerado com até 70% do valor de capa de obras exclusivas na plataforma da Amazon ou com 35% para obras disponíveis em outras lojas. Apenas no formato e-book.

Publique-se (Saraiva)

Remuneração para o autor de até 35% do valor de capa da obra, sem exigência de exclusividade. Apenas no formato e-book.

Fonte: Estado de São Paulo, Celso Ming, 04/04/2014

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Encerrando o resgate sobre o regime militar em 3 partes: queda de Jango; período ditatorial; abertura, anistia e redemocratização

Presidentes Militares
Em meio a avaliações muito ideologizadas do período militar, a Jovem Pan trouxe um resgate mais equilibrado e bem didático desta página de nossa História que precisamos conhecer com a devida imparcialidade. Ninguém pode negar que os militares instituíram um regime autoritário que, no período do AI-5 (1968-1978), tornou-se francamente ditatorial, promovendo a censura aos meios de comunicação e à cultura em geral, prendendo, torturando e matando até gente que nada tinha a ver com lutas armadas ou congêneres. Em texto e áudio (mas o áudio é imperdível). Muito bom.

Conjuntura que levou à queda de Jango




Pré-Golpe


 O golpe militar começou a ser desenhado bem antes de 1º de abril de 1964, curiosamente o "dia da mentira". Em 25 de agosto de 1961, o então presidente Jânio Quadros renunciava ao posto mais alto da República, com menos de 7 meses à frente da Presidência, fomentando uma grave crise política. Quadros esperava que o Congresso não aceitasse sua renúncia por causa do vice, João Goulart, que era de esquerda, mas a legalidade foi cumprida e Jânio caiu.

Os militares até tentaram já em 1961 impedir que Jango assumisse. Mas o parlamentarismo foi uma das saídas encontradas na época para acalmar os ânimos. O sistema de governo durou pouco mais de um ano, até 24 de janeiro de 1963, quando o povo decidiu nas urnas que queria a volta do presidencialismo.

Um ano depois, com os poderes restaurados e praticamente isolado politicamente, Jango convocou um grande comício em 13 de março de 1964, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, “pela emancipação econômica, pela justiça econômica e ao lado do povo, pelo progresso do Brasil”. João Goulart defendia as reformas de base, mas tinha cada vez menos força política. Ele era acusado de tentar instaurar o comunismo no País com um golpe. Em 19 de março, veio a resposta conservadora ao comício, com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que levou milhares à Praça da Sé, em São Paulo.

O Golpe

“Atenção, Brasil! Atenção, Minas Gerais! As tropas do segundo exército já sitiaram o estado da Guanabara”, anunciava o locutor num tom urgente. Entre 31 de março e 1º de abril de 1964, as tropas do General Olímpio Mourão Filho deixavam Juiz de Fora em direção ao Rio de Janeiro. Acuado, João Goulart foi para o Rio Grande do Sul.

O presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarou então, aos berros a vaga aberta de Jango. "Numa hora gravíssima da vida brasileira, (João Goulart) abandonou o governo, e esta comunicação faço ao Congresso Nacional. Assim sendo declaro vaga a Presidência da República”, delara Auro, como pode ser ouvido no áudio original acima, para delírio dos presentes.

Professor emérito da UFRJ, José Murilo de Carvalho classifica o golpe de civil-militar. “Ninguém previu a natureza do golpe”, argumenta. Boris Fausto, historiador da USP, concorda: "Houve toda uma corrente que jamais imaginou que o episódio de 1964 fosse dar no que deu", diz.

Erguendo o regime

O Congresso Nacional elegeu, então, o general Humberto de Alencar Castello Branco como presidente. Ele prometia entregar o cargo em janeiro de 1966, como é possível ouvir no áudio original da época.

Logo estabeleceu os dois primeiros Atos Institucionais, que legitimaram o arbítrio, as cassações e a eleição indireta para presidente. Vários partidos foram extintos, permanecendo apenas o ARENA, representante governista e o MDB, de oposição. Castelo cassou o mandato de Juscelino Kubitschek, ex-presidente e senador pelo PSD, um nome forte para a esperada - e prometida - sucessão em 1965. Juscelino era acusado de corrupção e até de ser comunista, algo que nunca desmonstrara em seu governo de 1956 a 1961.

O biógrafo do político mineiro, Ronaldo Costa, diz que Castello Branco cometeu uma traição, pois tomou posse dizendo que passaria o poder para quem fosse eleito nas eleições diretas programadas para outubro de 1965, mas não cumpriu a palavra.

Outro forte concorrente ao Palácio do Planalto era Carlos Lacerda, da UDN, que apoiou o golpe, mas, deixado de lado, tornou-se um dos mais ferrenhos críticos do governo de Castelo, que prorrogou o próprio mandato por mais um ano. “Se em 1964, o perigo era o comunismo, nesse momento o perigo é entregar o Brasil a grupos econômicos americanos, como entregou o Governo Castelo Branco”, diz ainda Lacerda.

Mesmo com as cassações, para o historiador Marco Antonio Villa, o Brasil ainda não vivia uma Ditadura propriamente. "Uma falácia que diz que tem 21 anos. A Ditadura Militar, entre 1964 a 1968, foi um regime autoritário, mas não ditatorial. E por quê? Nós tivemos ainda um período de relativa liberdade de imprensa, uma grande explosão cultural, os festivais de música, o teatro, o cinema", argumenta. Para Villa, o período autoritário estava prestes a começar e duraria apenas 10 anos, de 1968 a 1978.

Próximo capítulo

Em 1967, tomava a conta o segundo presidente militar, Artur da Costa e Silva. “Prometo manter, defender e cumprir a constituição”, dizia também ao tomar posse. Os militares denominavam o Golpe de Revolução de 31 de março. “Nossa revolução foi justamente o coroamento de uma aspiração popular irreversível e impossível de deixar de atender”, proclamava Costa e Silva.

A Ditadura parecia, de fato, irreversível. E tornar-se-ia ainda mais em dezembro de 1968, sem nenhuma aspiração popular, com a promulgação do Ato Institucional nº 5, como veremos no próximo capítulo da série de 50 anos da Ditadura Militar.

AI 5, tortura e Milagre Econômico




O período militar brasileiro até 1968, mesmo sendo um regime imposto pela força, ainda contava com um certo grau de liberdade, especialmente no campo da liberdade de expressão. No entanto, após protestos estudantis, rebeliões em setores das forças armadas e ataques ao governo, o jogo se inverteu e a repressão a opositores se enrijeceu como nunca fora visto.

"O presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores por ato complementar em estado de sítio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo presidente da República", anunciava a rádio da época, como é possível ouvir acima, com todos os áudios aqui descritos resgatados do período.

O quinto AI

O AI 5, editado em 13 de dezembro de 68 pelo governo Costa e Silva, representou o "golpe dentro do golpe" e inaugurava os "anos de chumbo" do Regime Militar. Entre os pretextos para o ato, estava o discurso do deputado Márcio Moreira Alves, que chamou o exército de "valhacouto de torturadores". Os militares queriam que o Congresso Nacional punisse o parlamentar.

Da tribuna da Câmara, ele rebatia: "Não se julga aqui um deputado. Julga-se uma prerrogativa essencial do poder legislativo, livre como o ar, livre como o pensamento a que dá guarida deve ser a tribuna do povo". Moreira Alves não foi punido, mas o país sim. Com o AI-5, o Congresso ficou fechado por 10 meses.

O ex-ministro Delfim Neto não demonstra constrangimento por ter participado da assinatura do ato institucional. "Se as condições fossem as mesmas e o futuro não fosse opaco, eu repetiria", disse durante sessão da Comissão da Verdade de São Paulo em 2013. "Eu não só assinei o Ato 5, como assinei a Constituição de 1988", tenta justificar-se Delfim.

"Baixaram as trevas sobre o País", decreta o jornalista Zuenir Ventura. Era o fim de direitos essenciais como o habeas corpus, a liberdade de expressão, a liberdade de reunião. "(O AI 5) acabou com tudo", diz Ventura. O país das ilusões deu lugar ao país do arbítrio, da censura aos meios de comunicação e da tortura.

O historiador da USP, Boris Fausto, diz que "foi um golpe dentro do golpe" e também lamenta o período de tortura e violência que prosseguiu ao Ato: "Foi um dos períodos mais tristes da história brasileira", avalia.

Junta militar

Em agosto de 1969, o presidente Costa e Silva sofreu um derrame cerebral. O incidente foi um divisor de águas dentro do regime. A linha dura não deixou que o vice-presidente, o civil Pedro Aleixo, tomasse posse. Uma junta militar ficou no poder por dois meses, período em que movimentos revolucionários sequestraram o embaixador americano Charles Elbrick.

Elbrick ficou detido por dois dias e foi liberto após os governantes cumprirem o pedido dos sequestradores, de libertar 15 presos políticos do Regime.

Médici

Ainda em 1969, o Congresso Nacional elegia o novo presidente, o terceiro do Regime Militar. "Mais um grande momento histórico com a posse do novo presidente da República Federativa do Brasil, General Emílio Garrastazu Médici e do vice-presidente, almirante Augusto Rademaker", anunciavam as ondas do rádio.

Médici gostava de evocar a palavra paz, que não combinava com os tempos vividos pelo Brasil. "Seja esse primeiro momento um momento de fé e confiança (...) para o bem estar de nossos povos e confiança comum na causa da justiça, do progresso e da paz", disse Emílio em discurso no primeiro encontro com o Presidente Richard Nixon, dos Estados Unidos da América, em 7 de dezembro de 1971.

"Milagre Econômico"

Neste encontro com Nixon, o Brasil já era tricampeão mundial de futebol, título alcançado pela seleção canarinho um ano antes, no México. Os feitos de Pelé e Cia. foram amplamente utilizados na esfera política para, junto com o grande crescimento econômico que o País vivia, validar o governo regente.

"O presidente Médici inaugurou oficialmente o trabalho de construção da rodovia Transamazônica e uma das obras essenciais do Programa de Integração Nacional elaborado pelo atual Governo", dizia a rádio. Os militares afirmavam que o "Brasil Grande" tinha três obras: a Transamazônica (que nunca foi concluída), a Ponte Rio-Niterói e o tricampeonato mundial de futebol.

O ufanismo fabricado tomou conta do Brasil: a economia crescia a passos largos. Em 1973 foi registrada uma expansão do PIB de 14%: um "milagre".

Tortura

Já nos porões dos orgãos de repressão como DOPS e Doi-Codi, os opositores, os considerados subversivos e a luta armada sofriam com a tortura. O irritado tenente-coronel Brilhante Ustra comtemporizava: "Ninguém foi morto lá dentro do Doi. Todos foram mortos em combate", esbraveja em depoimento à Comissão da Verdade, que apura os crimes da época, em Brasília. "Não faço acareação com ex-terrorista, não faço!", disse ainda em maio do ano passado em referência a Gilberto Natalini.

Já o ex-ministro Jarbas Passarinho, que apoiou o AI-5, não tinha como negar: "Reale júnior me faz a pergunta: 'o sr. acha que teve ou não tortura no Brasil'. Eu digo: 'eu acho'", depôs Jarbas.

O autor da biografia de Carlos Marighella, o jornalista Mário Magalhães, lembra que o regime transformou os gerrilheiros em inimigos públicos: "O então ministro da justiça (Luiz Antonio) Gama e Silva declarou Carlos Marighella, um dos líderes da luta armada do Brasil, inimigo público número um".

Carlos Marighella foi morto em uma emboscada feita pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, na Alameda Casa Branca, em São Paulo.

A luta pela anistia - próximo capítulo

Em 1974, tomava posse Ernesto Geisel, o quarto presidente militar. "Prometo manter, defender e cumprir a constituição", disse Geisel, de maneira protocolar, em sua posse.

Ainda sob a égide do AI-5, a oposição com o MDB ganhava força e o presidente Geisel prometia a distenção gradual e segura, mas lenta, muito lenta. No terceiro e último capítulo da série "O passado que não passa", veremos a lei da anistia, a abertura do regime e os avanços do Brasil durante os 21 anos de ditadura.

A redemocratização e os legados cultural e econômico





Esta é a terceira parte do especial Jovem Pan de resgate à memória sonora do Regime Militar, cujo golpe que o instaurou completa 50 anos no dia primeiro de abril. Depois das deposições políticas que deram início ao governo autoritário e da violenta repressão imposta pelo AI-5, era chegado finalmente o momento da reabertura política e da transição democrática. O presidente Ernesto Geisel prometia, sim, a abertura do regime, de forma "gradual e segura", mas lenta, muito lenta.

"Sem violência"

O milagre econômico já não era mais tão milagroso assim - a crise do petróleo pressionava a inflação e exigia habilidade do chefe militar. Geisel pronunciava que "o Brasil soube amadurecer suficientemente para em horas que exigem decisão e objetividade (...) superar situações transitórias", como é possível ouvir no áudio acima, assim como todos os áudios abaixo descritos.

Aos poucos, a oposição do MDB foi ganhando espaço, o que provocou divisões dentro do exército, que não sabia conviver com a política. A morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, é até hoje simbólica, e aumentou as cobranças pela abertura, como defendia Dom Frei Paulo Evaristo Arns. "Não queremos nunca mais uma revolução semelhante àquela" pregava o religioso. "Gostaríamos de que a transição fosse discutida com o povo, mas sem violência", pedia o então arcebispo de São Paulo.

O debate sobre a abertura política passou longe da população, mas os tempos eram outros: Ernesto Geisel revogou o AI5 e os demais atos, em outubro de 1978.

Anistia

O novo presidente, general João Batista Figueiredo, assumiu o cargo no ano seguinte.

Pela primeira vez um presidente militar falava abertamente em redemocratização: "Por um regime político em que há liberdade de todos", dizia o líder. "Espero ver os anistiados reintegrados na vida nacional", proclamou Figueiredo.

João Batista Figueiredo assinou a lei da anistia, nem tão ampla e irrestrita como queria o senador Paulo Brossard, congressista do MDB. "Votado hoje o projeto da anistia restrita", bradava Brossard, "o da anistia mesquinha, da anistia calúnia, o da anistia paralítica!".

O ano de 1979 foi marcado pela anistia, pelo início da formação de novos partidos e a maior participação popular com as greves no ABC paulista. "Existe um trabalho a ser feito nos bairros e, o que é mais importante, ninguém ir até a porta da fábrica", dizia um certo Luiz Inácio Lula da Silva, para o brado do povo que o escutava.

A inflação subia e faltava gasolina. A extrema direita, contrária a abertura, promovia atentados, como o cometido contra a sede da OAB carioca. Em 1981, a quase tragédia no Rio Centro ampliou ainda mais o abismo entre os próprios os militares.

Legado

Os 21 anos do regime deixaram legados para ou bem ou para o mal. O Brasil virou um país urbano. O historiador Marco Antônio Vila cita a evolução econômica: "No ano de 1973, o Brasil cresceu 14%, portanto nós tivemos um processo de industrialização intenso (...) e uma revolução na infraestrutura", avalia.

O jornalista Etevaldo Siqueira, especialista em telecomunicações, destaca que o Brasil foi interligado. "O país não tinha telecomunicações", diz. "O fato de ligarem o Brasil ao mundo via satélite e via cabos submarinos foi realmente um grande avanço", confirma Etevaldo.

Apesar do arbítrio e da violência, o escritor e jornalista Zuenir Ventura ressalta a intensa produção cultural do período, justamente em contraposição ao regime instaurado. "Teve uma vitalidade muito grande no sentido de resistir à Ditadura. É aquela coisa de 'apesar de você'", diz Ventura, lembrando a música de Chico Buarque que tentava trazer esperança de dias melhores em meio à perseguição política.

O passado que não passa e o futuro que se vislumbra

"Nunca em nossa história que vemos tanta gente nas ruas para reclamar a recuperação dos direitos de cidadania e manifestar seu apoio aos candidatos", bradava Tancredo Neves em 1985, durante a campanha pelas Diretas. Votos diretos que o elegeriam.

E o primeiro baque pós-Regime Militar veio logo em seguida, com o doloroso anúncio da morte do presidente eleito: "Lamento informar que o excelentíssimo senhor Presidente da República Tancredo de Almeida Neves faleceu nesta noite", dizia o secretário de imprensa da Presidência da República, o jornalista Antônio Britto, na sala de imprensa do Instituto do Coração. Sarney assumiu, prometendo "manter, defender, cumprir a Constituição".

E a nova Constituição, que fechava de vez com o ciclo autoritário legal, foi proclamada com muita comemoração pelo presidente da Assembleia Nacional Constituinte, em 1988, o deputado Ulysses Guimarães: "Declaro promulgada (fortes aplausos) o documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil". Apesar de ainda conviver com um passado sombrio e que custa a passar, o país já aprendeu a olhar para o futuro. "Que Deus nos ajude e que isso se cumpra", finaliza Ulysses.

Fonte: Jovem Pan, 27/03/2013

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Estado brasileiro: muito imposto e pouco retorno em serviços e qualidade de vida


Brasil é o pior em retorno de imposto à população, aponta estudo
     
Pela quinta vez consecutiva, o Brasil é o país que proporciona o pior retorno de valores arrecadados com tributos em qualidade de vida para a sua população.

A conclusão consta de estudo do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação) que compara 30 países com maior carga tributária em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) e verifica se o que é arrecadado por essas nações volta aos contribuintes em serviços de qualidade.

Estados Unidos, Austrália e Coreia do Sul ocupam respectivamente as primeiras posições do ranking. O Brasil está em 30º lugar, atrás da Argentina (24º) e do Uruguai (13º), quando se analisa o retorno de tributos em qualidade de vida para a sociedade.

Para medir esse retorno, o instituto criou em 2009 o Irbes (Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade). No Brasil, ele é de 135,34 pontos; nos EUA, 165,78.

O indicador de retorno é resultado da soma de dois outros parâmetros usados pelo IBPT: a carga tributária em relação ao PIB (soma das riquezas de um país), com ponderação de 15% na composição do índice, e o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), calculado com base em dados sobre educação, renda e saúde e que serve para medir o grau de desenvolvimento econômico. Esse indicador tem peso de 85% na composição do Irbes.

Para a carga tributária, o estudo considera as informações da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). Os dados de IDH usados são da ONU (Organização das Nações Unidas). Ambos são de 2012, último dado disponível.

No Brasil, a carga fiscal em 2012 foi de 36,27%, segundo mostra o levantamento do instituto, que atua no setor.

FISCO

A Receita Federal informou que não comentaria o assunto. Para o Fisco, a carga tributária do Brasil em 2012 foi de 35,85%. O resultado de 2013 ainda não foi divulgado.

Os percentuais do IBPT e da Receita são diferentes porque o instituto considera no cálculo os valores pagos com multas, juros e correção, contribuições e custas judiciais.

Para o presidente do IBPT, João Eloi Olenike, o estudo reforça e mostra a necessidade de cobrar dos governos de todas as esferas -federal, estadual e municipal- a melhor aplicação dos recursos pagos pelos contribuintes.

"Os brasileiros foram às ruas recentemente em protestos em que as faixas também mostravam a insatisfação com a elevada carga tributária e o pouco retorno em qualidade de vida", diz.

RANKING

Na edição anterior do levantamento, o Japão ocupava a quarta posição. Neste ano, passou para sexta. Já a Bélgica estava em 25º lugar e passou para a 8ª colocação.

Fonte: Claudia Rolli, Folha de São Paulo, 03/04/2014

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Esquerda autoritária tem dupla moral: quer punição para militares de uma ditadura extinta há 30 anos, mas apoia a ditadura comunista de Cuba e a tirania chavista na Venezuela


Nesses últimos dias, por ocasião dos 50 anos da deposição de Jango Goulart da Presidência da República, em 31/03/1964, oficializada em 02/04/1964, assistimos a um verdadeiro show de hipocrisia e vigarice intelectual da atual autodenominada esquerda socialista bolivariana. Está  bem claro, para quem não é analfabeto político, que essa esquerda não está apenas em busca da memória, da justiça e muito menos da verdade. Sua busca é por vendetta e sua intenção reescrever a História na base dos filmes de faroeste onde ela, esquerda, seria o mocinho e os militares os bandidos simplesmente. E essa visão distorcida e maniqueísta desse conturbado período de nossa história tem sido multiplicada pela imprensa, em geral, com raras exceções. Uma dessas exceções fica por conta dos textos do historiador Marco Antonio Villa que recentemente lançou o livro 
Ditadura à Brasileira. 1964-1985. A Democracia Golpeada à esquerda e à direita’. Villa aborda o período militar e as condições que o engendraram de uma forma mais objetiva e imparcial do que a vista nas páginas dos jornais nos últimos dias.

Na entrevista e texto abaixo, o historiador fala do regime militar e se dedica a apontar a hipocrisia dessa esquerda que tanto demoniza os militares e sua ditadura embora quisesse impor a sua ao país. Vale lembrar também que até hoje essas viúvas do Muro de Berlim continuam tendo como Meca a relíquia comunista dos Castro de Cuba. E que defendem a tirania de Nicolás Maduro, na Venezuela, embora esta em tudo se assemelhe à ditadura dos tempos dos generais. Um peso e duas medidas sempre.

“A ditadura foi do AI-5 até 31 de dezembro de 1978″, afirma Marco Antonio Villa
Em entrevista exclusiva ao Portal Vox, historiador comenta o livro “Ditadura à Brasileira”, o legado do positivismo e a Comissão da Verdade.

Portal Vox – “Ditadura à Brasileira” defende a tese de que o regime militar brasileiro não durou 21 anos, mas sim o período compreendido pelo Ato Institucional 5. Algumas resenhas sobre a publicação questionaram essa afirmação porque ela desqualifica a tortura praticada nos períodos entre 1964 e 1968 e 1979 a 1985. Você concorda com essa crítica?
Marco Villa – Digo que a ditadura foi do AI-5 (13 de dezembro de 1968) até 31 de dezembro de 1978. Com a entrada em vigência da Emenda Constitucional nº 11 a 1 de janeiro de 1979, que restabeleceu as imunidades parlamentares, não é possível falar em ditadura. Explicando melhor: de 1964 a 68 temos a realização, em 1965, de eleição em 11 estados para os governos estaduais. Eleições diretas, livres e com o antigo quadro partidário (UDN, PSD, PTB etc). Tivemos a enorme explosão musical (os célebres festivais), do teatro, literatura, inúmeras publicações editoriais no campo da política, especialmente. Além de eleições em novembro de 1966 e 1968 (aí já em outro quadro partidário). Deve ser lembrada a passeata dos cem mil (junho de 68), impensável em uma ditadura. De 1968 a 1978, obviamente, foi ditadura. Já de 1979 para frente, não. Tivemos a anistia de 1979 (que ditadura fez isso?), a eleição de 1982 (com a vitória oposicionista em estados chaves, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, a campanha das diretas). Tudo isso é possível em uma ditadura? Com relação ás torturas, estas, infelizmente, sempre existiram no Brasil. Teve vários casos entre 1964 e 1968, mas em quantidade infinitamente menor. E hoje as torturas continuam aí, só que em relação aos “presos comuns”.

Portal Vox -O Brasil de 1964 era politicamente repartido e estava estagnado social e economicamente. Esse cenário não foi uma exclusividade dos anos 1960. Mesmo após a redemocratização, o país viveu períodos semelhantes. Por que só em 1964 um golpe de Estado foi desencadeado?
Marco Villa – É que as contradições e a tensão política tinham atingido um nível nunca alcançado na história republicana. 

Portal Vox - Em geral, João Goulart é apresentado nas salas de aula como um político competente, vítima do destino e da direita. Como você avalia essa visão e a abordagem aplicada pelos professores do Ensino Médio quando abordam a ditadura brasileira?
Marco Villa – Puro panfleto, sem qualquer base histórica. Reconheço que sou dos poucos que tentam remar contra a corrente e apresentar o Jango histórico e não aquele construído pelos hagiógrafos.

Portal Vox -Tanto a direita pré-Vargas como o Partido Comunista Brasileiro demonstravam antipatia pela estrutura democrática. O positivismo é a resposta para essa divisão? Há resquícios do positivismo na política brasileira moderna?

Marco Villa – O positivismo é o fantasma que rondou o século XX brasileiro. A direita brasileira – da qual o getulismo é parte integrante – teve no positivismo o principal instrumento ideológico. E a esquerda brasileira também “bebeu” nesta fonte. Lembre-se que uma grande leva de militares nos anos 20, 30 e 40, de forma positivista, como Prestes, aderiram ao PCB.

Portal Vox - João Goulart bancou um ministro de Guerra que aceitou entregar uma carta de demissão assinada – algo pouco usual. Logo depois, aproveitou as insinuações de golpe militar de Carlos Lacerda para decretar o estado de sítio. O Brasil de 1964, na prática, conviveu com tentativas de golpe da esquerda, da direita e do presidente em exercício?

Marco Villa – Sim. A direita tinha vários golpes em preparação e a esquerda também. Demonstro isso no meu “Ditadura à Brasileira”, logo no primeiro capítulo.

Portal Vox - Quando Goulart saiu de cena, Castelo Branco foi submetido a uma eleição de via única. Tancredo Neves não aceitou votar. Juscelino Kubitschek, celebrado como um ícone da democracia, seguiu caminho diferente, concedendo apoio ao militar. O que explica essa controversa decisão?

Marco Villa – JK pensava garantir a eleição de outubro de 1965. Imaginava que venceria. Para ele, Castelo seria uma espécie de Lott. Em 1955, Lott garantiu a posse de JK com um golpe de estado (em novembro). Mas 1964 não repetiu 1955, como sabemos. Ou seja, a leitura da conjuntura foi absolutamente errada.

Portal Vox - O livro cita a concessão da liberdade cultural e o financiamento de projetos de arte como meios de aproximação entre a ditadura e a elite intelectual. O elo com a classe média era mantido apenas com o milagre econômico?

Marco Villa – O crescimento econômico garantiu apoio da classe média. Enquanto a economia cresceu, o regime teve apoio popular. A partir de 1979 houve a somatória da crise econômica e do enorme desgaste político do regime. O trágico governo Figueiredo representou muito bem este momento. 

Portal Vox - A ditadura sofreu uma tentativa de golpe arquitetada por Sylvio Frota, ministro do Exército entre 1974 e 1977. Outras ditaduras da América do Sul sofreram com “revoluções internas”?

Marco Villa – A derrota de Frota foi fundamental para que o Brasil não virasse a Argentina. O 12 de outubro de 1977 acabou sendo uma data essencial para o processo de distensão de Geisel. Se Frota tivesse vencido, a repressão anterior – que já tinha sido violenta – iria parecer brincadeira de criança.

Portal Vox - Em 2009, comentando as escaladas de Chávez e Fujimori, a Folha foi muito criticada ao classificar a ditadura brasileira como uma “ditabranda”. Na comparação com as ditaduras da América do Sul promovidas nos últimos 50 anos, a instituída no Brasil foi a mais moderada? Em que os regimes dos demais países diferiam do nosso?

Marco Villa – Ditabranda é uma expressão infeliz. É necessário entender – e o meu “Ditadura á Brasileira” desenvolve extensamente esta questão – que a ditadura no Brasil teve características distintas daquelas dos países do Cone Sul. Uma delas, por exemplo, foi sobre a presença do Estado na economia. No Brasil, o regime estatizou amplos setores da economia, na Argentina ocorreu o processo inverso. Isto deve ser explicado pela formação ideológica distinta dos exércitos brasileiro e argentino. E aqui voltamos à questão do positivismo e sua forte influência no Brasil. 

Portal Vox - Em 17 de abril de 1980, o governo Figueiredo enquadrava Lula e mais dez dirigentes sindicais por desordem. Lançado em dezembro de 2013, “Assassinato de Reputações”, livro de Romeu Tuma Junior, cita o ex-presidente como informante da ditadura. Você acredita nessa informação?

Marco Villa – Não li o livro do Tuma. Mas é inegável que Lula recebeu um tratamento VIP quando foi detido por 4 semanas no DOPS. Ele mesmo conta isso em várias entrevistas que deu sobre o tema. 

Portal Vox - Na redemocratização, o país ficou dividido entre o PMDB e a Arena. É possível afirmar que a inabilidade política de Paulo Maluf, que tentou de todas as maneiras ser candidato a presidente, cooperou para a derrota da Arena tanto quanto o trabalho de Tancredo Neves?

Marco Villa – A candidatura Maluf acabou caindo como uma luva. Uniu a oposição, especialmente após a derrota da emenda Dante de Oliveira. Ele representava o que havia de pior no regime. Neste caso, por vias transversas, Maluf colaborou para a redemocratização do Brasil.

Portal Vox - No dia 22 de março, em São Paulo, centenas de pessoas se reuniram para reproduzir a “Marcha da Família com Deus”. Isso não acaba fortalecendo a esquerda?

Marco Villa – As marchas, hoje, não têm qualquer significado. Participaram uns gatos pingados. Fato, portanto, sem qualquer significação política. No Rio tentaram repetir o comício da Central: foram 150 pessoas ao ato! O Brasil vive um momento radicalmente distinto, ainda bem.

Portal Vox - Os partidos brasileiros costumam evitar o rótulo da direita. Isso é uma herança da ditadura ou imaturidade ideológica?

Marco Villa – É difícil saber porque a direita não quer saber de ser chamada de direita. Faria muito bem para o país um verdadeiro partido Liberal, por exemplo. Mas no Brasil a ideologia morreu – e faz tempo. Todo mundo quer um naco do poder. E só. Programa político, de direita ou de esquerda, ninguém quer saber.

Portal Vox - Em uma das reuniões da Comissão Nacional da Verdade, a “Internacional Socialista” foi executada. A esquerda criou uma visão excessivamente romântica a respeito de 1964?
Marco Villa –A Comissão da Verdade não deve chegar a nenhum resultado. Escrevi sobre quando ela foi criada. Sempre dou como exemplo positivo o que ocorreu na África do Sul. Nelson Mandela criou a Comissão da Verdade e Reconciliação. O objetivo não era vingança – e não faltam motivos para isso. Era que todos conhecessem o passado. E assim foi feito. Viu-se os dois lados e a população pode chegar - cada um – a sua interpretação do que tinha ocorrido. Mas no Brasil não tivemos um Mandela, tivemos Dilma.

Fonte: Portal Vox, 31/03/2014

Esquerda tinha ditaduras como modelo

Marco Antonio Villa

Durante a ditadura, a oposição de esquerda transformou a experiência dos países socialistas em referência de democracia. A ditadura do proletariado foi exaltada como o ápice da liberdade humana e serviu como contraponto ao regime militar. A falácia tinha uma longa história. Desde os anos 1930 brasileiros escreveram libelos em defesa do sistema que libertava o homem da opressão capitalista.

Tudo começou com URSS, Um Novo Mundo, de Caio Prado Júnior, publicado em 1934, resultado de uma viagem de dois meses do autor pela União Soviética. Resolveu escrevê-lo, segundo informa na apresentação, devido ao sucesso das palestras que teria feito em São Paulo descrevendo a viagem. À época já se sabia do massacre de milhões de camponeses (a coletivização forçada do campo, 1929-1933) e a repressão a todas os não bolcheviques.

Prado Júnior justificou a violência, que segundo ele “está nas mãos das classes mais democráticas, a começar pelo proletariado, que delas precisam para destruir a sociedade burguesa e construir a sociedade socialista”. A feroz ditadura foi assim retratada: “O regime soviético representa a mais perfeita comunhão de governados e governantes”. O autor regressou à União Soviética 27 anos depois. Publicou seu relato com o título O Mundo do Socialismo. Logo de início escreveu que estava “convencido dessa transformação (socialista), e que a humanidade toda marcha para ela”.

Em 1960, Caio Prado não poderia ignorar a repressão soviética. A invasão da Hungria e os campos de concentração stalinistas estavam na memória. Mas o historiador exaltava “o que ocorre no terreno da liberdade de expressão do pensamento, oral e escrito”, acrescentando: “Nada há nos países capitalistas que mesmo de longe se compare com o que a respeito ocorre na União Soviética”. E continua escamoteando a ditadura: “Os aparelhos especiais de repressão interna desapareceram por completo. Tem-se neles a mais total liberdade de movimentos, e não há sinais de restrições além das ordinárias e normais que se encontram em qualquer outro lugar.”

Seguindo pelo mesmo caminho está Jorge Amado, Prêmio Stalin da Paz de 1951. Isso mesmo: o tirano que ordenou o massacre de milhões de soviéticos dava seu nome a um prêmio “da paz”. Antes de visitar a União Soviética e publicar um livro relatando as maravilhas do socialismo – o que ocorreu em 1951 -, Amado escreveu uma laudatória biografia de Luís Carlos Prestes. A União Soviética foi retratada da seguinte forma: “Pátria dos trabalhadores do mundo, pátria da ciência, da arte, da cultura, da beleza e da liberdade. Pátria da justiça humana, sonho dos poetas que os operários e os camponeses fizeram realidade magnífica”.

A partir dos anos 1970, o foco foi saindo da União Soviética e se dirigindo a outros países socialistas. Em parte devido aos diversos rachas na esquerda brasileira. Cada agrupamento foi escolhendo a sua “referência”, o país-modelo. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) optou pela Albânia. O país mais atrasado da Europa virou a meca dos antigos maoistas, como pode ser visto no livro O Socialismo na Albânia, de Jaime Sautchuk. O jornalista visitou o país e não viu nenhuma repressão. Apresentou um retrato róseo. Ao visitar um apartamento escolhido pelo governo, notou que não havia gás de cozinha. O fogão funcionava graças à lenha ou ao carvão. Isso foi registrado como algo absolutamente natural.

O culto da personalidade de Enver Hoxha, o tirano albanês, segundo Sautchuk, não era incentivado pelo governo. Era de forma natural que a divinização do líder começava nos jardins de infância onde era chamado de “titio Enver”. As condenações à morte de dirigentes que se opuseram ao ditador foram justificadas por razões de Estado. Assim como a censura à imprensa.

Com o desgaste dos modelos soviético, chinês e albanês, Cuba passou a ocupar o lugar. Teve papel central neste processo o livro A Ilha, do jornalista Fernando Morais, que visitou o país em 1977. Quando perguntado sobre os presos políticos, o ditador Fidel Castro respondeu que “deve haver uns 2 mil ou 3 mil”. Tudo isso foi dito naturalmente – e aceito pelo entrevistador.

Um dos piores momentos do livro é quando Morais perguntou para um jornalista se em Cuba existia liberdade de imprensa. A resposta foi uma gargalhada: “Claro que não. Liberdade de imprensa é apenas um eufemismo burguês”. Outro jornalista completou: “Liberdade de imprensa para atacar um governo voltado para o proletariado? Isso nós não temos. E nos orgulhamos muito de não ter”. O silêncio de Morais, para o leitor, é sinal de concordância. O pior é que vivíamos sob o tacão da censura.

O mais estranho é que essa literatura era consumida como um instrumento de combate do regime militar. Causa perplexidade como os valores democráticos resistiram aos golpes do poder (a direita) e de seus opositores (a esquerda).

Fonte: Blog do autor e Estadão, 28 de março de 2014 | 17h 18 

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