8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

segunda-feira, 10 de março de 2014

SOS Venezuela e o vergonhoso apoio do governo Dilma à ditadura de Nicolás Maduro

SOS Venezuela: Não, vocês não estão sós!
Dois textos e um vídeo abaixo dão uma ideia do que se passa na Venezuela com a cumplicidade do governo brasileiro, o que tanto nos envergonha a nós brasileiros amantes da liberdade. Um dos textos é o editorial do Estadão desse domingo; o outro, A Solidão dos Estudantes Venezuelanos (clique aqui para o original em espanhol) é do colunista Enrique Krause, do periódico El País, em 26/02/2014. Todos descrevem o drama pelo qual passa o país vizinho, dilapidado pelo chavismo e a reboque dos interesses dos irmãos Castro, os escroques da ditadura comunista de Cuba. 

Descrevem também a tragédia de um continente ocupado pelos autoritários do clube do Foro de São Paulo, agremiação que reuniu as viúvas do Muro de Berlim, os herdeiros do comunismo, desde a década de noventa do século passado. Para quem ainda tinha dúvidas, a situação atual da Venezuela mostra claramente que o destino de nosso país e de outros da região, às voltas com a esquerda autoritária e populista do Foro de São Paulo, é a cubanização, caso não consigamos tirar o PT do poder. 

Por solidariedade aos venezuelanos, isolados por um novo muro da vergonha, construído pela esquerda autoritária, e por sentido de autopreservação, vamos divulgar esses textos e o vídeo abaixo de modo a conscientizar mais pessoas a tempo de escaparmos de destino tão vil.

Vergonhoso apoio a Maduro

Em vez de assumir suas responsabilidades e pressionar o governo da Venezuela a dialogar com a oposição para superar a violenta crise no país, o governo brasileiro prefere fazer de conta que nada está acontecendo. O assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, esteve recentemente na Venezuela e disse que há uma "valorização midiática" dos confrontos. "O país não parou, as coisas estão funcionando", afirmou Garcia. Não se trata de autismo, mas de uma estudada farsa, cujo objetivo é fazer crer que Nicolás Maduro tem a situação sob controle e que as manifestações só são consideradas importantes pelos "veículos de comunicação internacionais".

Desse modo, o governo petista continua a seguir a estratégia de desmerecer os protestos contra o chavismo, como se estes fossem mero alarido de quem foi derrotado nas urnas, e não uma legítima expressão de descontentamento com os rumos que o país tomou nos últimos anos. Essa política explica por que o Brasil aceitou subscrever a indecente nota do Mercosul que criminalizou os oposicionistas venezuelanos.

Enquanto Garcia finge que tudo não passa de invenção da imprensa - segundo ele, Maduro vai se encontrar com jornalistas estrangeiros para "aclarar os fatos" -, a situação na Venezuela se deteriora a cada dia. Um dos mais importantes sinais de que a desestabilização pode estar se espalhando inclusive entre os militares foi a destituição de três coronéis da Guarda Nacional Bolivariana. Eles são acusados de criticar a repressão aos manifestantes.

Além disso, em inegável tom de confronto, Maduro ordenou, durante um desfile militar, que as milícias chavistas dissolvessem barricadas erguidas por manifestantes. Esses grupos paramilitares, que agem impunemente à margem da lei, são justamente a vanguarda da repressão oficial aos manifestantes. O número de mortos em um mês de protestos já chega a 20, e há inúmeras denúncias de violações de direitos humanos por parte das forças governistas.

Foi diante desse quadro que um grupo de ex-presidentes latino-americanos, entre os quais Fernando Henrique Cardoso, decidiu publicar uma carta na qual critica a "repressão desmedida" contra "manifestações estudantis de protesto pacífico" e cita, com preocupação, os testemunhos de "tortura e tratamento desumano e degradante por parte de autoridades". A mensagem exorta Maduro a, "sem demora", criar condições para o diálogo com a oposição, pedindo o "fim imediato" da perseguição a estudantes e dirigentes oposicionistas, o fim da hostilidade à imprensa independente e a libertação dos detidos nos protestos, em especial do líder Leopoldo López - acusado pelo governo de ser o principal articulador dos protestos.

Era essa a mensagem que deveria constar das manifestações da diplomacia brasileira em relação à crise venezuelana, e não o cinismo de quem acha que nada está acontecendo. Mas o governo petista prefere endossar a beligerância de Maduro - que rompeu relações com o Panamá apenas porque esse país sugeriu uma reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA) para discutir a situação. A OEA, como se sabe, é para os chavistas o equivalente à encarnação do diabo, por ter os Estados Unidos como membro.

Conforme informou Marco Aurélio Garcia, a única instância aceitável de diálogo para Maduro é, claro, a União de Nações Sul-americanas (Unasul) - aquela que, em sua última reunião de cúpula, exaltou o "impulso visionário" do falecido caudilho Hugo Chávez para a criação da entidade e que é atualmente presidida pelo notório Dési Bouterse, ex-ditador e atual presidente do Suriname, procurado pela Interpol por narcotráfico.

Sem poder contar com os países vizinhos mais importantes para constranger Maduro a interromper a violência e negociar de fato, resta à oposição seguir a prudência de Henrique Capriles, seu principal líder. Para ele, embora os protestos sejam legítimos, a única solução para a crise é a "saída eleitoral", porque "a maioria do país apoia a Constituição e quer viver numa democracia".

Fonte: O Estado de São Paulo, 09/03/2014


A solidão dos estudantes venezuelanos
Surpreende a quantidade de usuários do Twitter que assumem o libreto do Governo de Maduro. A relação de Dilma Rousseff com Havana e Caracas é cínica e paradigmática

A maioria dos estudantes da Venezuela não tem lembrança de outro regime que não seja o chavista, e não querem envelhecer com ele. Suas democráticas vozes são ouvidas de ponta a ponta na Venezuela. Marcham arriscando a vida. Em 2007, saíram às ruas para protestar contra o confisco da RCTV, a mais antiga estação de televisão independente no país. No final daquele ano, foram a principal força de oposição ao projeto chavista de confederar Cuba com a Venezuela. E conseguiram impedi-lo, ao menos em seu aspecto formal. Seus irmãos mais novos já decidiram receber o bastão.

Há na Venezuela 2,4 milhões de estudantes de nível médio e 400.000 do ensino superior. Embora os estudantes ativos em todo o país somem várias dezenas de milhares, a maioria simpatiza com o movimento opositor. Prova disso é que, há anos e até agora, a principal universidade pública – a Universidade Central da Venezuela – elege sistematicamente líderes opositores ao chavismo.

Eles não procuram reverter o atendimento social aos pobres. Criticam a inépcia econômica do regime e, sobretudo, a ocultação da gigantesca corrupção, que em algum momento virá à tona. Sabem que Hugo Chávez monopolizou um a um todos os poderes (Legislativo, Judiciário, Fiscalizador e Eleitoral) e mascarou, com o véu de seu discurso, o dispêndio sem precedentes de mais de 800 bilhões de dólares que durante seus mandatos entraram nas arcas da empresa estatal de petróleo PDVSA. Eles sabem que os níveis de inflação na Venezuela são os mais altos do continente e que a dívida pública se tornou tão intratável que há uma carestia crônica de mantimentos básicos, eletricidade, remédios, cimento e outros insumos primários (como resultado das maciças expropriações das empresas privadas e da queda brutal do investimento). E sabem muito bem que a criminalidade em seu país é também a mais alta do continente.

Os jovens levam em conta esses problemas, mas sua maior indignação é pelo sufocamento sistemático e crescente da liberdade de expressão, que impede que as pessoas tomem consciência e pesem por si mesmas as realidades do país. Chávez alardeava seus feitos (alguns reais, a maioria imaginários) a toda hora e em especial no seu interminável programa dominical Aló Presidente, mas seu sucessor Nicolás Maduro (primitivo, propenso a disparates e fantasias) recorreu à repressão direta das vozes dissidentes. A ideia é fazer com que possua a verdade única, a verdade oficial. Já desde 2012 o Governo chavista absorveu a Globovisión, a última rede independente de televisão aberta no país. Também desfalece a rádio independente. E a venda de papel-jornal foi a tal ponto limitada que a imprensa escrita tem os dias contados. A Venezuela, eis a dramática verdade, se encaminha para uma ditadura e, em vários sentidos, já é.

Os estudantes venezuelanos contam com o apoio de seus pais e professores e de pelo menos metade da população que em 2013 votou contra Maduro (e que, se não sai às ruas, é por uma natural precaução frente aos delatores nos bairros). Mas, no âmbito latino-americano, os jovens estão quase sós. É surpreendente a quantidade de usuários do Twitter (além do mais, jovens) que assumem na América Latina o libreto do Governo venezuelano e atribuem “os distúrbios” às forças “fascistas”, “reacionárias”, e “de direita” que, aliadas com o “Império”, em um obscuro “complô”, tramam um “golpe de Estado” para “derrubar o Governo”. Diante da avalanche de vídeos no YouTube que circulam mostrando o assassinato a sangue frio de estudantes por unidades móveis das tropas formadas na época de Chávez (como La Piedrita e Tupamaros), muitos usuários comentam que as imagens estão “manipuladas”. Paradoxalmente, Maduro condenou o uso do Twitter (“essas máquinas imbecis”, como definiu essa rede) e se declarou vítima de uma “guerra cibernética”.

No México, a imprensa de esquerda – com grande ascendência sobre os jovens – apoia Maduro sem restrições. Nesses setores, Leopoldo López aparece como o instigador da insurreição, e não como o que é: um líder desarmado e agora submetido a um julgamento ilegal sobre acusações falsas e fabricadas.

O poder da ideologia na Venezuela é explicável: em milhões de pessoas perdura o convencimento de que a obra social do Chávez foi tangível e de que, se ele não fez mais pelos humildes, foi porque a morte atravessou seu caminho. Outro fator é a dependência direta de milhões de venezuelanos do erário, consequência do progressivo enfraquecimento da atividade empresarial e do investimento privado. As simpatias dos países dependentes do petróleo venezuelano têm a mesma raiz. O clientelismo tem interesses criados em acreditar no chavismo. Mas como explicar a popularidade da ideologia chavista ou de suas variantes em países que não pertencem à sua órbita?

Embora a Revolução Cubana tenha perdido sua aura mítica, a democracia representativa e o liberalismo não puderam se arraigar de maneira definitiva na cultura política da América Latina. Por isso, a chantagem ideológica de Cuba e da Venezuela ainda funciona: ninguém quer parecer “de direita” em um continente apaixonado pela Revolução, onde os ídolos políticos não foram democratas como Rómulo Betancourt, e sim redentores como Eva Perón, Che Guevara, Fidel Castro e Hugo Chávez. Octavio Paz apontou a razão desse anacronismo: depois da queda do Muro de Berlim, amplos setores da esquerda latino-americana se negaram a praticar a crítica do totalitarismo cubano. E, se não o fizeram com Cuba, menos o fazem com essa versão derivada que é a Revolução Bolivariana.

Devido a essa falta de autocrítica, hoje no México vivemos um paradoxo. O movimento de 1968 foi uma façanha dos estudantes e das correntes políticas e intelectuais de esquerda. Os estudantes foram massacrados pelo Governo de Díaz Ordaz, e grandes líderes de esquerda foram encarcerados. Hoje, não poucos herdeiros dessa esquerda defendem as ações repressoras do Governo venezuelano, que são equiparáveis às de Díaz Ordaz. Hoje, muitos herdeiros dessa esquerda viraram as costas à democracia.

O apoio ao chavismo é, no fundo, uma decorrência do prestígio minguado, mas estranhamente vivo, da Revolução Cubana. Estar contra ela é estar com “o Império”. Que Cuba continue sendo uma meca da ideologia latino-americana é algo que foi comprovado quando, na recente Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), realizadas nos dias 28 e 29 de janeiro último em Havana, praticamente nenhum presidente faltou. E Fidel foi proclamado “guia político e moral da América”. Nessa cúpula, aliás, todos os participantes (incluída Cuba) assinaram o compromisso de respeitar os direitos humanos. Sua assinatura vale o papel em que está escrita.

Mas mais importante que a ideologia são os frios interesses materiais. Nesse sentido, a postura do Brasil é tão paradigmática como cínica: as oportunidades econômicas (turísticas e energéticas, sobretudo) que se abrem em Cuba depois da eventual morte dos irmãos Castro são muito importantes para que se assumam posturas idealistas e se arrisque a estabilidade da ilha. E essa estabilidade implica manter intacta a aliança entre a Venezuela e Cuba. Só assim se explica que Dilma Rousseff, que em sua juventude foi uma estudante torturada pelos militares, agora apoie um Governo cujas forças policiais reprimem estudantes em emboscadas.

Essa lógica é alheia aos estudantes venezuelanos. Eles aquilatam o valor da liberdade porque – diferentemente de seus coetâneos de outros países da região – a veem seriamente ameaçada. Sabem que a democracia prevalece e avança no mundo. Não pensaram em emigrar do país. Mas a América Latina – seus Governos, suas instituições, seus Congressos, seus intelectuais e até seus estudantes – é ingrata com a Venezuela. O país que em grande medida a libertou, há 200 anos, hoje só luta por sua liberdade.

Enrique Krauze é escritor e diretor da revista ‘Letras Libres’.

sábado, 8 de março de 2014

8 de Março: A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Testemunha ocular de como movimentos sociais, altamente ideologizados, são capazes de forjar datas de celebração e eventos “históricos”, fiquei obviamente com dois pés atrás no que se refere a todas as datas de comemoração, entre outros, do movimento feminista ou de mulheres. Quem me garante que outras datas não foram também fabricadas como uma que eu vi “nascer”?

Nessas, resolvi revisitar o dia 8 de março, o bem conhecido Dia Internacional da Mulher, data que já foi de luta e hoje se parece mais com o dia das mães, quando as mulheres recebem flores e presentes, por supostas características intrínsecas a todas as mulheres, e descontos em muitos produtos.

E, como desconfiava, fui logo encontrando outra história mal-contada. Essa pelo menos parece ter sido fabricada mais pela simples imaginação, embora não falte igualmente a conotação ideológica, do que por má-fé deliberada como outras. Não esquecendo, contudo, que seu resgate atual já não anda também cheirando muito bem.

A história que sempre me contaram e que inclusive repassei como verídica, nos meus tempos de Jardim do Éden, para a origem do 8 de março, era aquela das operárias que haviam sido queimadas vivas, quando resolveram fazer greve por melhores condições de trabalho, na fábrica onde ralavam, porque seus patrões, burgueses malvados, as trancaram no local e botaram fogo em tudo. Esse trágico evento teria acontecido, em Nova Iorque, no dia 8 de março de 1857. Posteriormente, na II Conferência Internacional das Mulheres Trabalhadoras (ou II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas), em Copenhague, em 1910, a social-democrata Clara Zetkin, em homenagem às pobres costureiras mortas no incêndio, decidiu definir a data da tragédia como Dia Internacional da Mulher. E daí por diante o dia teria tomado o imaginário popular.

Entretanto, tal história não corresponde aos fatos. Na década de 60, durante a chamada segunda onda do feminismo, quando as mulheres lograram produzir um grande movimento de reivindicações várias pela igualdade das mulheres, diferentes correntes do movimento feminista e de mulheres decidiram trazer de volta a ideia antiga, do início do século passado, de um dia internacional das mulheres. Parece que ninguém se deu ao trabalho, porém, de fazer uma pesquisa mais séria sobre as origens do dia referido, e o resultado foi uma espécie de “samba da crioula doida feminista” que misturou datas e eventos desconexos no tempo para produzir a história que ganhou às ruas e acabou até institucionalizada.

Corpos das mulheres que se atiraram do prédio em chamas em 25/03/1911
Recentemente, algumas pesquisadoras andaram se debruçando sobre a história, aquela com H maiúsculo geralmente tão vilipendiada, e descobriram, primeiro, que não houve um incêndio, em 8 de março de 1857, em um protesto de mulheres contra os donos da fábrica que reagiram de forma criminosa. O incêndio de fato ocorreu em 25 de março de 1911, numa fábrica de vestuário, em Nova Iorque, chamada Triangle Shirtwaist Factory (Companhia de Blusas Triângulo), em razão das péssimas condições de segurança do local. Nele morreram 146 pessoas (125 mulheres e 21 homens), a maioria das moças, imigrantes judias e italianas, que trabalhavam horas a fio em troca de salários de fome. Após a tragédia, que chocou a cidade, houve passeatas de protesto, velórios emocionados, etc. e tal, mas não foi esse o fato que levou ao surgimento da idéia de um dia das mulheres.

Greve de trabalhadoras têxteis que durou de novembro de 1909 a fevereiro de 1910. 20.000 aderiram à greve, que também teve muitas passeatas de protesto, formadas por uma maioria de mulheres judias.
Essa ideia já havia surgido antes, quando trabalhadoras tomaram às ruas de Nova Iorque, em 1908, 1909 e 1910, para exigir jornadas mais curtas de trabalho, melhores salários e direito ao voto. Em razão dessas manifestações, as norte-americanas estabeleceram o dia 28 de fevereiro de 1909, nos EUA, como Dia Nacional das Mulheres (alguns autores dizem que essa data já foi chamada de Dia Internacional das Mulheres). E foram também as norte-americanas que levaram à II Conferência Internacional das Mulheres Trabalhadoras, em Copenhague, Dinamarca, em 1910, a idéia de se estabelecer o último domingo do mês de fevereiro como  um dia internacional de luta das mulheres. Clara Zetkin, de fato, apenas encaminhou a proposta das americanas, que foi aprovada pela conferência, mas sem uma data unificada de celebração.

Nos anos subsequentes, em diferentes países, como os EUA, a Alemanha, a Áustria, a Suécia e a Rússia, houve manifestações do dia internacional da mulher, variando a data do fim de fevereiro a meados de março, incluindo aí um 23 de fevereiro de 1917 (pelo calendário russo), quando tecelãs fizeram uma greve de protesto, em São Petersburgo, na Rússia, que alguns autores e autoras consideram o estopim do levante que derrubou o Czar do poder.  Em 1921, durante uma Conferência de Mulheres Comunistas, as mesmas também definiram o 23 de fevereiro (que corresponde ao 8 de março de nosso calendário), em referência à greve das tecelãs, como Dia Internacional Comunista das Mulheres, data que passou a ser comemorada localmente.

Depois desses primeiros anos do século XX, com a implantação dos regimes totalitários comunistas nos países do Leste Europeu, com o surgimento também do totalitarismo nazifascista e de todos os conflitos que levaram à Segunda Guerra Mundial, as comemorações de um dia internacional das mulheres desapareceram quase por completo. Somente em meados da década de 50, volta-se a falar em um dia internacional da mulher, em âmbito mundial, aí já misturando as datas e eventos citados acima e acabando por gerar o mito da origem do atual dia internacional a partir da “história” da homenagem às costureiras mortas, no incêndio da fábrica de vestuário (Triangle Factory), “ocorrido” em 8 de março de 1857.

Como citei anteriormente, foi, contudo, apenas na década de 60, novamente nos EUA, com o surgimento da segunda onda do movimento feminista, que o mito da origem do dia internacional da mulher se consagra naquela base da mentira que repetida mil vezes ganha foro de verdade.  Com o crescimento do movimento feminista e a inclusão das reivindicações das mulheres na pauta das sociedades em geral, na década de 70, o mito da origem do dia 8 de março foi inclusive progressivamente se institucionalizando, sendo encampado pelas Nações Unidas, em 1975, e pela UNESCO em 1977. De qualquer forma, apesar dos verdadeiros fatos virem sendo divulgados só recentemente, permanece, como referência do Dia Internacional da Mulher, para algumas, a conferência de 1910, quando o dia foi proposto e, para outras, o dia 19 de março de 1911, quando ocorreu efetivamente a primeira celebração do dia na Alemanha. Ou quem sabe não fosse mais correto tomar, como referência, o dia 28 de fevereiro de 1909 nos EUA?

Forçoso dizer que, para um levantamento mais consistente das datas e eventos que levaram a formulação do mito da origem do dia internacional das mulheres, faz-se necessário um número maior de pesquisas realizadas por pesquisadores idôneos e mais imparciais do ponto de vista ideológico. Hoje, no Brasil, como estamos vivendo uma recidiva de idéias “socialistas”, com as correntes do feminismo na ativa praticamente restritas às vertentes socialistas e radicais (estas também de base marxista), as socialistas deram para dizer que a origem do 8 de março vem das mulheres socialistas, esquecendo das outras contribuidoras. Estão se arrogando esse direito, claro, pelo simples fato de se identificarem como socialistas e estarem puxando a brasa para sua sardinha, como se diz popularmente. Esse sectarismo, aliás, parece ser de raiz, pois, seguindo os ditames da conferência de Copenhague, segundo pesquisei, as socialistas decidiram formar grupos, para a organização do dia internacional das mulheres, só entre si mesmas, sem aliança com as feministas, consideradas burguesas, que, na época, eram representadas pelas sufragistas.

Sufragistas fazem manifestação pelo voto feminino
De fato, embora não se possa deixar de reconhecer a importante participação das mulheres trabalhadoras, nos distintos eventos que acabaram configurando o mito de origem do 8 de março, cumpre salientar que o Dia Internacional da Mulher, que se consagrou internacionalmente, não partiu estritamente da conferência de 1910 nem do evento ocorrido no dia 23 de fevereiro de 1917 (pelo calendário Juliano e 8 de março pelo gregoriano),  na Rússia, durante o levante que derrubou a monarquia e acabaria culminando na revolução bolchevique, mas sim da fabricação de um ”8 de março de 1857” referente a um trágico acidente, supostamente ocorrido em Nova Iorque, que vitimou um centenar de pobres costureiras.  E essa fabricação, que conquistou corações e mentes, é fruto sobretudo dos movimentos feministas oriundos das democracias liberais norte-americanas e europeias, principalmente a norte-americana, a partir da década de sessenta, onde havia liberdade  (e há) para as mulheres não só reivindicarem direitos mas também criar ideologias e mitos feministas (para o bem ou para mal). O 8 de março que se comemora hoje é fruto de um movimento multiclassista, multi-étnico, de diferentes orientações sexuais e multi-ideológico  e não pode ser reduzido a apenas uma de suas facetas. É forçar a barra demais - agora que tantas mulheres de visões ideologicamente distintas já contribuíram para compor o recheio da historinha do “8 de março” - querer separar o joio do trigo e fabricar uma nova “verdadeira” origem da data.

Como praticamente todos os demais movimentos sociais, no Brasil, o movimento feminista ou de mulheres se esqueceu completamente das lutas pela autonomia do movimento e das reivindicações específicas das mulheres, frente às organizações da esquerda autoritária e seu ideário, que consideravam as lutas da mulher uma causa menor, burguesa, nas décadas de 70 e 80, deixando-se hoje cooptar e aparelhar por partidos e ideologias que, como sobejamente provado pela história da humanidade no século XX, somente produziram ruína econômica e ditaduras sangrentas, com milhões de mortos, nos países onde se estabeleceram. A tão propalada justiça social a que levariam nunca aconteceu.

Por isso, embora as comemorações do Dia Internacional da Mulher sejam de todas as mulheres e não de algumas mulheres de uma seita ideológica particular, os 8 de março dos últimos anos tem vindo também com um travo amargo por se ver um movimento que sempre precisou tanto da liberdade, para existir e se fazer valer, estar aí flertando com o sinistro charme das ditaduras.

Que as mulheres do início do século XX se deixassem encantar pelas promessas falsamente igualitárias do “socialismo-comunismo” é perfeitamente compreensível, pois elas não sabiam o resultado dessas ideologias na prática. Que mulheres do século XXI, com a experiência de todos os regimes totalitários que o comunismo estabeleceu, em todos os lugares onde se instalou, continuem acreditando nessa perigosa quimera – ainda que reeditada com nova roupagem - é realmente incompreensível. Nem preciso dizer que este movimento nem representa a mim, que tenho décadas de luta pelos direitos das mulheres, nem a maioria das mulheres brasileiras que seguramente já se acostumou com os confortos da independência e da democracia e nunca teria como representantes – se pudesse elegê-las – promotoras de projetos autoritários cinicamente chamados de de “direitos humanos”. Aliás, o cinismo parece ser mesmo um apanágio dos totalitários: no dístico do pórtico de entrada do campo de concentração de Auschwitz, preservado em memória das vítimas do nazismo, lê-se, até hoje, “O trabalho liberta.”

Então, neste Dia Internacional da Mulher, precisamos brindar principalmente a nós, mulheres realmente democráticas, que, tantas vezes, lutamos sob a bandeira de nossa maior líder, a Liberdade! Das lutas, na tempestade. Dá que (sempre) ouçamos tua voz!

1.Kandel, Liliane e Picq, Françoise. Le mythe des origines, à propos de la journée internationale des femmes. La Revue d’En face, n° 12, automne 1982

2.A primeira onda feminista se caracteriza sobretudo pela reivindicação do direito ao voto feminino, embora não se resuma a ela, e foi uma luta de fins do século XIX até o pós-guerra (II Guerra Mundial). A segunda onda, a grosso modo, se inicia na década de 60 e vai até a década de 80, caracterizando-se sobretudo pelas demandas por igualdade, em todos os níveis, e a politização das relações pessoais entre homens e mulheres.

3.Mulheres que lutaram pelo voto feminino nos séculos XIX e XX.

Publicado originalmente no site Um Outro Olhar em 8 de março de 2010

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Desacreditar a polícia é uma maneira de fortalecer a criminalidade: violência crescente no Brasil, fruto de indignação sem rumo, é muito perigosa

Viviane Mosé
‘Ser manifestante não dá isenção’, afirma a psicanalista Viviane Mosé

Em entrevista ao GLOBO, ela analisa a violência dos recentes protestos que tomam as ruas do país

RIO - Logo que começaram as manifestações, em junho de 2013, a psicanalista e filósofa Viviane Mosé falou sobre o risco de violência e disse que a polícia não podia ser tratada como inimiga pública número 1. E alerta: hoje, declarar-se manifestante equivale a dizer “sou do bem”.

Por que tanta violência nos protestos?

Vivemos um momento extremamente violento, a violência é gratuita, desde o menino que entra na escola mata 13 alunos e se mata, como ocorreu em Realengo, até as manifestações que estão acontecendo na Ucrânia e que aconteceram no Egito e no Brasil. Existe uma crise de valores, então todo mundo está violento. Isso é um fato, mas a questão é o que fazemos com a violência. Nossas manifestações foram violentas desde o princípio. Vimos polícia violenta, vimos manifestante violento. A violência da polícia a gente botou no jornal, criticou, mas ninguém nunca teve direito de criticar a manifestação, e esta era violenta. Provocava a polícia, jogava pedra, quebrava patrimônio público, mas ninguém podia falar nada. Então hoje estamos vendo uma violência crescente no Brasil, vinda de uma indignação sem direção, o que é muito perigoso. A gente tem de se relacionar com ela como adulto. Como sociedade, não se pode deixar a violência como está.

Por acontecer durante as manifestações, essa violência ganhou imunidade?

No Brasil, parece que dizer “sou manifestante” é dizer “sou do bem”. Então uma pessoa que nunca fez política, nunca participou de qualquer movimento social, um dia vai a uma manifestação e grita contra qualquer coisa, saindo dali como representante do bem. Ele abraça qualquer uma dessas verdades prontas que aparecem na internet, defendendo aquilo de maneira rasa. Ser manifestante não dá a ninguém isenção. Ele pode estar ali se manifestando, mas também pode ser um bandido. Ser manifestante não é sinônimo de nada além de alguém que está se manifestando. Quando soltamos manifestante só porque era manifestante, soltamos também alguns bandidos que estavam ali no meio, e hoje temos noção disso.

Na morte de Santiago Andrade, houve quem dissesse que a intenção não era atingir a imprensa, mas a polícia. Essa rejeição à polícia não seria fruto de anos de corrupção e violência policial?

Não somente de corrupção e violência policial, mas de um regime militar recente que se utilizou da polícia como ferramenta de repressão. A situação é tão grave que se fosse um policial que tivesse morrido, eles diriam que a culpa era dele. Morreu uma policial militar de 22 anos da UPP e não houve uma única manifestação por ela. Só o silêncio. Grupos de direitos humanos raramente defendem policiais. E essa violência contra a polícia recrudesce em um momento em que ela está tentando se transformar, no momento de implementação da pacificação das comunidades. Acho uma pena enfraquecer as UPPS.

A senhora acredita que essas manifestações sejam orquestradas?

As manifestações são orquestradas, mas por várias forças. É complicado. Elas são orquestradas por black blocs e pelos coletivos, como eles se chamam agora. São vários coletivos surgindo, que querem fazer justiça com as próprias mãos, como ocorreu no Flamengo. É como se estivéssemos vendo uma orquestração de alguns grupos que acreditam que a violência é válida como forma de manifesto. Também vemos alguns partidos políticos se organizando, pagando pessoas para estar lá, se utilizando daquela manifestação contra ou a favor de determinado partido. Mas também há grupos que ficaram de fora da venda de drogas nos morros, que foram prejudicados com as UPPs. Para esses grupos interessa a manifestação, porque ela vai contra a polícia, e desacreditar a polícia é uma maneira de fortalecer a criminalidade. Mas ali tem, inclusive, jovens engajados politicamente, com disposição para transformar a sociedade. Esse é o perigo das manifestações, ali tem de tudo. Atuar ali envolve a compreensão cirúrgica do problema. E não apenas botar o carimbo “é do bem” ou “é do mal”.

Qual a ideologia por trás dos black blocs?

Eles defendem o fim do capitalismo e quebram fachadas de bancos, como se isso fosse afetar os banqueiros. Eles atacam a imprensa como se esta fosse o mal, a única responsável pela alienação da sociedade. É um discurso velho e raso, quase ingênuo. Na verdade é uma indignação que não tem por trás nenhum discurso. Falta leitura ou é preguiça de desenvolver a argumentação, que fica sempre no meio do caminho. Este aliás foi o mal do século XX, a leitura foi desestimulada por comunistas e por capitalistas. O que sobrou foi essa falta de conceitos, então quando alguém diz alguma coisa na internet e um milhão concorda, vira verdade absoluta, e se você falar diferente, você é do mal. Isso é muito fascista. O domínio de uma maioria que se impõe pelo número.

As manifestações no Brasil sempre fizeram parte de momentos históricos. O que caracteriza as de hoje?

É delicado falar disso. “O gigante acordou.” É, o gigante acordou de uma hora para outra, sem nenhuma tradição de atuação ou participação política, as manifestações não nasceram de um engajamento com movimentos sociais, não houve continuidade com nada que existia até então de luta política e social. Do nada, as pessoas foram para a rua, levando a sua indignação. Mas levaram uma indignação sem conceito, sem sofisticação intelectual nenhuma, abraçados a meia dúzia de verdades rasas, quase ingênuas. Aquele grande bloco na rua contra o quê? Contra a passagem? O serviço público? Depois que toda essa energia está canalizada, o que a gente faz com isto, se não quer atingir nada? Necessariamente esse movimento acaba em violência. Para mim a violência foi o gozo das manifestações que não estavam indo para lugar nenhum. E esse gozo está justificado por intelectuais e comentadores. E é perigoso, está solto pela rua. Você vê isso o tempo inteiro, quando alguma coisa dá errado no Brasil, então você queima ônibus, queima lixo, depreda, e isso é primitivo demais.

Qual é a sua expectativa sobre o futuro dessas manifestações?

No primeiro levante do gigante adormecido sobrou indignação, mas faltou educação, faltou leitura. Mas a boa nova é que o Ensino Básico vem melhorando, e acredito que em poucos anos, em até cinco anos, esse gigante das ruas vai despertar novamente, e dessa vez será outro. Não aquele movido pela campanha publicitária “Vem pra rua”, mas por uma indignação elaborada por meio de propostas, de rumos para a sociedade que queremos. E que o poder público se prepare para essa demanda, criando novas pontes de diálogo, de entendimento, de cooperação, o que já não é uma escolha, mas a única possibilidade de vida em sociedade.
Entrevista em vídeo

Fonte: O Globo, Elenilce Bottari, 27/04/2014

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Diferenças entre a esquerda e os liberais no aspecto social e econômico

Marcos Lisboa
A esquerda e os liberais  

O caso recente da energia é um exemplo da estratégia à esquerda. A realidade tem o mau hábito de decorrer de dificuldades técnicas

A discussão sobre as abordagens de política econômica frequentemente se escora em estereótipos: a direita seria autoritária na política e liberal na economia; a esquerda, democrática e desenvolvimentista. Este artigo propõe um contraponto.

A clivagem usual pode ter origem na ditadura militar, uma escolha trágica que, na retórica, tem sido utilizada para esconder a semelhança entre os principais projetos políticos à esquerda e à direita no período. Ambos compartilhavam o autoritarismo e o diagnóstico econômico que enfatizava a relevância da intervenção pública, o estímulo à produção doméstica, a proteção de setores estratégicos pouco competitivos e a normatização minuciosa das regras para as decisões privadas.

A divergência não ocorreu tanto sobre a estratégia econômica, mas mais sobre quem deveria liderá-la. A esquerda apoiava uma aliança política alternativa, porém compartilhava o projeto nacional-desenvolvimentista e a pouca ênfase em políticas sociais como educação. Por isso mesmo era apenas aparente o paradoxo do elogio ao 2º PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) do governo Geisel.

A abordagem liberal se diferencia de ambos os projetos pela ênfase nas regras e procedimentos para a análise e a deliberação das políticas públicas. Na economia, implica tratamento similar a grupos semelhantes e exposição à concorrência, tendo como resultado a desigualdade que decorre do mérito, e não do acesso privilegiado ao governo. Benefícios podem ser concedidos desde que transparentes, com metas de desempenho e avaliação independente.

O debate sobre política social no Brasil nos anos 2000 reflete a divergência entre liberais e a esquerda. Não se tratava de controvérsia sobre a sua relevância, mas de como melhor utilizar os recursos. De um lado, defendia-se a sua transferência para os grupos de menor renda, com incentivos à educação dos jovens. De outro, políticas sociais universais, paradoxalmente combinadas com o nacional-desenvolvimentismo, que escolhe os setores econômicos beneficiados. De um lado, o Bolsa Família; de outro, o Fome Zero.

Para a esquerda, os desafios econômicos devem ser enfrentados pela barganha e intervenções discricionárias. Para os liberais, a desigualdade de renda e os custos mais altos de produção são decorrentes de políticas sociais ineficazes, do excesso de distorções econômicas e da proteção a empresas ineficientes.

A diferença de diagnóstico decorre dos objetivos e regras de debate. À esquerda, a discussão é pautada pela visão de mundo, selecionando os resultados e conclusões por afinidade ideológica. Os liberais são céticos sobre verdades intrínsecas e restringem a discussão aos procedimentos da análise dos dados. De um lado, a leniência com práticas e compromissos, desde que garantido o rumo ideológico. De outro, a tolerância com crenças e políticas, desde que respeitados os processos e procedimentos. A dominância dos fins em contraposição à disciplina dos meios. Por isso, a abordagem liberal é compatível com políticas diferentes e mesmo confrontantes com o seu estereótipo, como políticas sociais focadas em grupos de menor renda e incentivos ao desenvolvimento tecnológico.

O caso recente da energia é um exemplo da estratégia à esquerda. Com discurso indignado pelas condições de mercado, adotou-se uma medida intervencionista com a promessa de queda dos preços. A realidade tem o mau hábito de decorrer de dificuldades técnicas, e não apenas da vontade ou da barganha política, e o resultado foi frustrante. Para manter a promessa, foram concedidos subsídios. A regulação equivocada afetou a expansão da oferta e o conjunto da obra é o preço recorde da energia, além da já aventada estimativa de gastos públicos de R$ 18 bilhões em 2014.

Para os liberais, o debate democrático deve ser resolvido por meio da transparência, para que a sociedade delibere sobre as políticas públicas e, à luz do sol, enfrente dilemas mais difíceis do que o proposto pela retórica da indignação.

Fonte: Folha de São Paulo, Marcos Lisboa, 14/02

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