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Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Clipping legal: Em nosso nome. Absolvição de estuprador de meninas envergonha o país

estupro de meninas
Míriam Leitão
Bom texto da Míriam Leitão sobre a absolvição de um homem acusado de estupro de três meninas e a decisão do governo brasileiro de se opor a um plano de ação da ONU contra mortes de jornalistas.

Como ela bem diz, em nosso nome quanta vergonha sendo dita e feita.

Em nosso nome

Miriam Leitão, O Globo

É tão asqueroso que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolva um homem acusado de estupro de três meninas de 12 anos com o argumento que elas se “prostituíam” que tentei evitar o assunto.

Nós nos acostumamos a ver abusos assim pela Justiça de países distantes, como no Afeganistão, onde uma mulher foi presa pelo delito de ter sido estuprada. Esse ato nos igualou aos piores países para as mulheres.

Estupro é estupro senhores ministros e senhoras ministras do STJ. Isso é crime. Sexo de adultos com menores é crime. Nesse caso, há os dois componentes de uma perversidade. Quando um tribunal “superior” aceita atos tão inaceitáveis é o país como um todo que se apequena.

Há momentos em que não reconhecemos o país em que vivemos. Este é um deles.

Não reconheço nesta decisão o país que aprovou a Lei Maria da Penha criminalizando a violência dita “doméstica”.

Não reconheço aí o país em que governo e ONGs, sociedade e imprensa, se uniram num pacto não escrito contra a exploração sexual infantil. Não reconheço o país que aprovou o Estatuto da Criança e do Adolescente e o preservou contra todas as críticas. Não reconheço o país que instalou, em inúmeras cidades, delegacias da mulher, nas quais, com a ajuda de psicólogos e policiais, a vítima tem sido ajudada no doloroso processo de falar sobre a humilhação vivida.

O argumento de que elas se prostituíam, e, portanto, o réu pode ser absolvido, é preconceituoso. A prostituta mesmo adulta não pode ser forçada ao que não aceitou.

Meninas que se prostituem aos 12 anos comprovam que o país errou, a sociedade não as protegeu, as escolas não as acolheram, o Estado fracassou. É uma falha coletiva e não apenas das famílias.

Elas são vítimas por terem se prostituído, são vítimas porque foram violentadas, são vítimas porque um tribunal superior deu licença ao criminoso.

O Brasil está sendo condenado internacionalmente. Na quinta-feira, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos criticou o Brasil por estar “revogando” os direitos humanos das menores. Merecemos o opróbrio.

Não foi uma decisão impensada. Foi a confirmação pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça da decisão tomada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que confirmava a sentença de um juiz. Era a terceira instância. No voto, a relatora ministra Maria Thereza de Assis Moura diz que as vítimas não eram “ingênuas, inocentes, inconscientes a respeito de sexo”.

Diante da repercussão nacional e internacional do assunto, o STJ, na quinta-feira, soltou uma nota dizendo que a decisão “não institucionaliza a prostituição infantil”. Pois parece. Por mais que em jurisdiquês se tente minimizar ou relativizar a decisão, em algum momento na frente, algum juiz, ou tribunal, recorrerá a este caso como jurisprudência.

Na nota, o STJ diz que não aceita as críticas que “avançam para além do debate esclarecido sobre questões jurídicas, atacam de forma leviana a instituição, seus membros, sua atuação jurisdicional”.
Que debate “esclarecido sobre questões jurídicas” poderia justificar tal disparate? Uma sociedade civilizada que sabe que é responsável pela proteção de pessoa vulnerável, que reconhece a violência que desde sempre se abate sobre mulheres, que combate a pedofilia, não pode aceitar uma decisão como esta.

Perder-se em questiúnculas jurídicas é o caminho mais rápido para não ver a dimensão da escolha que está sendo tomada em nome da sociedade brasileira. Eu, brasileira, confesso, me envergonho dela.

Como hoje é dia do jornalista, quero comentar nesse espaço outra decisão — com nenhuma relação com o caso acima — que foi tomada em nome da sociedade. Desta também me envergonho. O Brasil ficou contra um plano de ação da ONU contra mortes de jornalistas. O projeto era criar um sistema de vigilância e alerta para os profissionais em risco.

É óbvio que é preciso proteger os jornalistas que acabam morrendo em conflitos nos quais estão registrando os fatos. Há outras circunstâncias, mesmo quando não há um conflito, em que o jornalista vira vítima por incomodar alguém, ou um grupo, com o que noticia. O Brasil se juntou à Índia e ao Paquistão para derrotar a aprovação do plano de ação da ONU.

A notícia foi divulgada na semana passada, mas tomada numa reunião do dia 22 e 23 de março, em Paris. Como os três países não deram seu apoio imediato, a implantação do programa de proteção aos jornalistas ficou para 2013. Quase mil jornalistas foram mortos nos últimos 20 anos.

O Itamaraty costuma embrulhar decisões equivocadas em tortuoso diplomatês. Afirma que não discorda do mérito, mas da forma que foi negociado, ou de alguma vírgula, ou de algum termo.

Nesse caso, disse que não é contra o plano para proteger jornalistas, apenas não concordou com certas palavras e expressões usadas no texto.

Que os diplomatas então tirem a dúvida durante o processo de negociação, que saibam separar o essencial do supérfluo e que escolham o que parece natural.

O país no qual comecei a exercer a profissão tinha censura à imprensa e jornalistas podiam morrer sob tortura por discordar do regime. Hoje, felizmente, isso é passado. Exatamente pelo avanço das últimas décadas, o Brasil tem que estar ao lado de países que querem dar mais — e não menos — proteção aos jornalistas.

Os dois casos estão em esferas diferentes, mas neles se vê o mesmo erro. Autoridades se perderam em firulas — jurídicas, num caso; diplomáticas, no outro — e não viram toda a dimensão da decisão que tomaram em nome dos brasileiros.

Fonte: Míriam Leitão.com

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Os paus e pedras do antidemocrático e discriminatório pastor Malafaia

 É para a Igreja Católica entrar de pau
em cima desses caras, sabe? 
 
O tema da Parada LGBT de 2011, em São Paulo, foi: “Amai-vos uns aos outros”. E a Avenida Paulista se viu decorada com imagens de modelos masculinos, seminus, representando santos católicos em situações homoeróticas a recomendar o uso da camisinha sob o mote: “Nem Santo Te Protege” e “Use Camisinha”. 

Para os organizadores da Parada, tratou-se de evocar a cultura cristã (católica em particular) do país a fim de divulgar a importância do uso da camisinha na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, sobretudo da temida AIDS. Para os conservadores, uma afronta aos valores cristãos, uma agressão gratuita, uma provocação descabida.

Em particular para o pastor evangélico Silas Malafaia, contumaz opositor dos direitos homossexuais, um absurdo só comparável ao silêncio da Igreja Católica sobre o assunto, silêncio que ele - Malafaia - se achou no direito de contestar. Em discurso irado, como de seu feitio, no programa “Vitória em Cristo”, exibido em julho de 2011, na TV Bandeirantes, Malafaia se saiu com a seguinte declaração: “Os caras na Parada Gay ridicularizaram símbolos da Igreja Católica, e ninguém fala nada. É para a Igreja Católica entrar de pau em cima desses caras, sabe? Baixar o porrete em cima pra esses caras aprender. É uma vergonha! Protestar, sabe? Pra poder anunciar, botar pra quebrar. Pagar em jornais notícia. Não querem dar? Paga aí vocês da Igreja Católica. Bota notícia pro povo saber. Isso é uma afronta, senhores.” 

Obviamente, Malafaia não convocou o clero católico a se armar de paus e pedras e ir para as ruas caçar LGBTês e espancá-los em represália ao uso de imagens análogas a de santos católicos na Parada LGBT de Sampa. Malafaia falou, em sentido figurado, que a Igreja Católica deveria fazer críticas contundentes, duras mesmo, aos organizadores da Parada pela suposta ofensa em vez de calar-se ou apenas esboçar leve protesto.

Cansados, porém, dos discursos claramente homofóbicos do pastor, ativistas LGBT (no caso a ABGLT) resolveram tomar a declaração ao pé da letra e entraram com representação, junto ao Ministério Público Federal em São Paulo, contra o dito, acusando-o de pregar a agressão física contra a população homossexual. 

Por sua vez, na terça última, o Senador Lindberg Farias do PT-RJ, ao comentar o discurso do senador evangélico Magno Malta (PR-ES), com críticas à citada representação contra Malafaia, declarou que a expressão "entrar de pau" não podia ser considerada uma incitação à violência física contra a comunidade gay, como argumenta o MP, o que o tornou alvo de uma nota de desagravo do setorial LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) de seu próprio partido.

Mais do que como homofóbicos, cumpre desmascarar os evangélicos como antidemocráticos. 

Enfim, uma tragicomédia de erros e errados. Não resta dúvida de que Malafaia, como a maioria desses pastores evangélicos, trabalha contra os direitos da população homossexual. De fato, mais do que como homofóbicos, cumpre desmascará-los como antidemocráticos. Eles não se opõem apenas ao PLC 122, por seu suposto ataque à liberdade religiosa, mas sim a todo e qualquer direito para pessoas homossexuais. Opõem-se à união estável, ao casamento civil, a que pessoas homossexuais adotem crianças, a que insiram seus companheiros como dependentes no Imposto de Renda, a que pleiteiem pensão, junto ao INSS, quando do falecimento de seus companheiros. Em pleno século XXI, esses "pastores" acham que um segmento da população deve ter deveres como os demais mas não pode ter direitos, não pode ter cidadania. 

Enfim, eles se opõem a um dos princípios básicos da democracia, o da isonomia, o que afirma que todos são iguais perante a lei. Fora que tentam se apoderar do Estado com vistas a evangelizar o Brasil, num claro desrespeito aos fiéis de outras religiões e aos que não seguem qualquer religião mas que também sustentam o Estado e constroem o país. Isso sem falar, ainda, nos processos que muitos deles levam nas costas por contravenções e crimes vários que incluem até estupro e assassinato. Entre os grupos sociais que contribuem para a desarmonia nacional, esses evangélicos estão entre os mais ativos. Cumpre, portanto, desmascarar seu caráter antidemocrático, o fato de transformarem pessoas homossexuais em bodes-expiatórios de sua mesquinharia, de seu autoritarismo.

O que não se pode é pensar com o fígado e sair atirando a esmo na tentativa de ao menos intimidar essa gente que fala em nome de Deus mas prega em nome do Diabo (diabo, do latim diabolus, aquele que separa, aquele que gera o ódio entre os humanos e dele se alimenta). A imagem que os ativistas LGBT passam, ao assim proceder, não é de uma minoria que luta por seus justos direitos mas sim de gente extremista que não consegue distinguir uma expressão figurada de uma fala literal. A imagem que acabam passando de si mesmos é a de fanatismo ou de má-fé, alimentando inclusive a artilharia do inimigo que pode assim posar de vítima de perseguição de algum império homossexual imaginário. Entre outras coisas, essa representação contra o famigerado Malafaia, pela análise literal de sua fala exacerbada, deve aumentar a oposição ao projeto contra a homofobia. Em outras palavras, estratégia de jerico, verdadeiro tiro no pé!

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Interrupção da gravidez: uma escolha de Sofia e das Sofias

A interrupção voluntária da gravidez, ou aborto, é uma escolha de Sofia, ou seja, uma escolha para qual não há uma solução realmente satisfatória. Por isso, não poderia ser tratada nos termos absolutos em que os que se dizem "defensores da vida" a tratam. (Ver sinopse e cena do filme A Escolha de Sofia ao fim da postagem).

Para a pretensa “defesa da vida” poder ser tratada em termos absolutos, precisaríamos viver num mundo perfeito, com pessoas perfeitas (e não são os conservadores que proclamam a imperfectibilidade humana?). Pessoas que jamais esquecessem de tomar contraceptivos, que estes jamais falhassem, num mundo onde homens não estuprassem meninas, mulheres e até senhoras, inclusive dentro do lar amargo lar, onde a fatalidade nunca produzisse fetos com anomalias irreversíveis. Um mundo onde toda a população, com bom grau de educação formal e sexual, soubesse perfeitamente como controlar gravidezes indesejadas e tivesse um sistema de saúde em condições de prover métodos contraceptivos para todos. 

Obviamente, esse mundo não existe, mas os conservadores fingem que sim. Vi um deles, outro dia, dizendo que só engravida quem quer (sic) porque leu numa página do Ministério da Saúde que o governo distribui contraceptivos a granel. Entretanto esse mesmo conservador, no que diz respeito a outros tópicos sobre saúde pública, nunca se esquece de comentar o estado precário dos serviços dessa área em nosso país.

Mas retornando, então a questão do aborto só poderia ser tratada em termos de “o valor absoluto da vida humana” se vivêssemos num vácuo e não em uma sociedade onde sobretudo as mulheres ainda se veem às voltas com muitas adversidades apenas por serem mulheres. Como vivemos numa sociedade de situações complexas e não numa bolha divina, a abordagem sobre a interrupção da gravidez, portanto, deve ser relativa, e o direito de decidir por ela de quem vivencia esse dilema literalmente na própria carne.

O que impressiona na abordagem conservadora sobre esse tópico é a absoluta desconsideração da mulher como ser humano. Na perspectiva conservadora, a mulher é apenas uma incubadeira e, como tal, sem sentimentos ou vontade, cuja única função é manter o ambiente ideal para o cultivo do feto até seu nascimento. Como exemplos mais contundentes dessa visão, destacam-se a tentativa de até criar leis para dar auxílio financeiro a mulheres, para manterem gravidez oriunda de estupro (porque afinal o feto não tem culpa de ser resultado de uma violência) e a oposição à descriminação do aborto no caso de fetos anencéfalos (porque só Deus tem o direito de tirar a vida!!!). 

Aliás, o caso da oposição desses conservadores à interrupção da gravidez até em caso de fetos anencéfalos (que têm graus variados de danos encefálicos, ou, popularmente, que não têm cérebro) mostra claramente como essa história de “defesa da vida” é uma balela. Mesmo que uma mulher leve a termo a gravidez de um feto com esse grau de anomalia, a criatura nascida não sobreviverá por muito tempo e, em seu curto período de vida, será um vegetal e não uma vida humana. 

Confrontados com essa realidade, conservadores se saem com a história de que, se descriminado o aborto de fetos com anomalias, serão abertas as portas da eugenia, da eliminação dos menos capacitados. Além da enorme distância entre uma coisa e outra, observa-se aqui mais uma vez a perspectiva conservadora onde só o fruto interessa mas a árvore não deve ser levada em conta. Obviamente, qualquer ser humano minimamente sensível entende o que significa para uma mulher manter uma gravidez derivada de um estupro ou de um feto descerebrado. 

De qualquer forma, encontram-se mulheres que encampam as ideias conservadoras e só nos resta respeitá-las. Me nego até a analisar as razões de suas escolhas, embora não me faltem argumentos. Igualmente acho que só resta a elas e a eles, conservadores, respeitar quem não compactua com suas ideias e tem o direito de deliberar sobre o tema com base em outra visão de mundo. Outra visão de mundo onde sagrado é o direito de as mulheres (de qualquer ser humano) decidirem sobre seu próprio corpo, de decidirem responsavelmente se tem ou não condições psicológicas, físicas, financeiras de arcar com uma gravidez e suas futuras consequências (para dizer o mínimo, porque uma criança precisa ser amada e bem cuidada). Só escravos não têm direito a administrar seu patrimônio natural, ou seja, seu próprio corpo. Está mais do que na hora de se proclamar uma nova Abolição neste país, agora a do sexo feminino. 

Por fim, muitos conservadores fazem o que chamo de samba do conservador doido: misturam a luta pela descriminação do aborto com conspirações comunistas para acabar com a democracia, a família e a cristandade (sic). Claro, trata-se de uma “viagem”. O aborto já foi descriminado tempos atrás em vários países capitalistas, que eram e continuaram capitalistas, muitos dos quais de tradição cristã  (a exemplo dos católicos Espanha, Itália, Portugal), tradição que também continuou obviamente existindo após a descriminação do aborto bem como a família e a propriedade. Nos EUA, a descriminação foi resultante de campanha realizada por feministas liberais, obviamente não engajadas em instalar "comunismos" em seu país.

Abaixo reproduzo vídeo que mostra graficamente o que digo, pois marca cronologicamente as regiões do globo onde a descriminação do aborto foi ocorrendo através do tempo. Está um pouco defasado porque para em 2007, mas serve perfeitamente para exemplificar meu argumento. Espero que o Brasil logo figure em gráficos assim.


A Escolha de Sofia é um filme americano (1982), dirigido por Alan J. Pakula, com base no romance de mesmo nome (1979) do escritor William Styron. A história trata do dilema de Sofia, uma mãe polonesa, que presa num campo de concentração durante a Segunda Guerra, é forçada, por um soldado nazista, a escolher um de seus dois filhos para ser morto (veja a cena abaixo). Caso se recusasse a escolher um, ambos seriam mortos. Ela decide salvar o menino, numa escolha tão sem escolha que a marcará para o resto da vida. Meryl Streep, que interpreta a mãe polonesa na fita, ganhou o Oscar por sua interpretação nessa história pungente que questiona muito dos lugares comuns sobre o amor e o livre arbítrio. O filme foi e continua sendo tão marcante que seu título virou expressão empregada em situações onde, seja o que for que se decida, o resultado não será satisfatório. Relembre a cena citada no vídeo abaixo. Infelizmente só consegui essa versão em espanhol passível de ser incorporada. 

terça-feira, 3 de abril de 2012

Animação com fatias de torradas e dançarinos de acordo com o cenário

Ok Go
A banda norte-americana OK Go, de rock alternativo, ficou mais famosa por seus videoclipes criativos do que pelas músicas, embora uma de suas composições, Shooting the Moon tenha feito inclusive parte da trilha sonora do filme Lua Nova.

Nos vídeos que posto abaixo, tanto as músicas quanto os clipes são bem legais, embora o destaque continue por conta dos clipes: o primeiro, uma animaçao em stop motion, feita com 2 mil fatias de torradas,  para a música Last Leaf; o segundo, uma dança a la tango, onde a roupa dos dançarinos muda de cor conforme a cor do cenário, para Skyscrapers. Bem legal ou como dizem os gringos, cool


segunda-feira, 2 de abril de 2012

Clipping Legal: De Varsóvia a Havana

Demétrio Magnoli
Como de praxe, excelente texto de Demétrio Magnoli sobre Cuba e o futuro da esquerda latino-americana. Termina fazendo uma pergunta essencial também para nós, brasileiros, já que estamos às voltas com essa esquerda de que ele fala. Diz Magnoli: "A ilha caribenha marcha, numa aventura difícil e incerta, rumo a um capitalismo sem liberdades políticas. Seria esse o novo horizonte utópico da esquerda latino-americana?" E eu acrescento: "Será esse o nosso triste destino?"

Bento XVI pisou em Cuba mencionando ‘presos e familiares’, palavras nunca pronunciadas por Lula ou Dilma

O Papa não é o mesmo, a cidade é outra e os tempos mudaram, mas o paralelo é incontornável. Quando, em 1979, João Paulo II falou numa Varsóvia submersa no som dos sinos que repicavam, começou a acabar a história do comunismo europeu. Ontem, em Havana, Bento XVI falou aos cubanos, retomando os antigos temas da verdade, da liberdade de consciência, de fé e de expressão. Será esta a centelha do colapso de um comunismo caribenho que copiou os traços essenciais do sistema inventado na URSS de Stalin?

Não é a primeira visita papal a Cuba. João Paulo II falou em Havana, em 1998, iniciando uma ambígua aproximação entre a Igreja e o regime. De lá para cá, como explica a blogueira Yoani Sánchez, “podemos rezar em voz alta, mas criticar o governo continua a ser pecado, blasfêmia”. Há 14 anos, a sentença final do Papa foi sobre a liberdade do espírito. Será viável retalhar o princípio da liberdade em fatias, tolerando uma delas para conservar o veto às demais?

A interlocução entre a Igreja de Cuba e o governo dos Castro propiciou a libertação recente de dezenas de prisioneiros de consciência. Entretanto, na maioria dos casos, a liberdade foi reduzida a um “direito à deportação”, uma barganha que reforça a narrativa política do governo cubano. Dias atrás, o arcebispo de Havana permitiu a remoção de um grupo de dissidentes que se abrigara na Igreja da Caridade e publicou uma nota no jornal do Partido Comunista, escrita nos tons inconfundíveis do oficialismo. A liberdade de religião poderá florescer num edifício social erguido sobre o dogma do monopólio partidário da verdade?

Cuba é irrelevante, sob os pontos de vista da economia e da geopolítica globais. Contudo, é um teatro fundamental para o debate sobre o tema da liberdade. Os Castro reconheceram, literalmente, o fracasso do sistema cubano. Mas os muros da ilha caribenha continuam cobertos pela palavra de ordem apocalíptica que condensa a doutrina do poder: “Socialismo ou morte.” A disjunção lógica encontra uma solução dupla, nas esferas da política e da linguagem. Política: as reformas destinadas a criar uma economia mista, estimulando a iniciativa privada e emulando o “modelo chinês”. Linguagem: a produção de um novo significado para “socialismo”, que passa a designar exclusivamente o papel dirigente do Partido Comunista. Terá futuro um regime que admite fatias diversas de liberdade, mas rejeita de modo absoluto o exercício das liberdades políticas?

Na América Latina, onde o pensamento de esquerda tingiu-se de nacionalismo e antiamericanismo, um Muro de Berlim mental continua em pé. 

No universo da lógica, o reconhecimento oficial do fracasso do sistema traz implícita a admissão da falibilidade histórica do Partido Comunista. Disso, seguiria o corolário da abertura política, com a promoção de um debate nacional sobre as alternativas disponíveis de organização do poder e da economia. No entanto, paradoxalmente, Raúl Castro escolheu a última conferência partidária como ocasião para reiterar a regra de ouro do partido único, repetindo o argumento de que todas as demais correntes de pensamento representariam “interesses estrangeiros”. A tradição comunista identifica o Partido ao proletariado, uma classe social que seria portadora da chave do futuro. Os comunistas cubanos inovam, ao identificar o Partido à própria nação, uma proposição com consequências radicais. Seria realista imaginar a hipótese de uma abertura política conduzida por um regime que não distingue o dissidente do espião?

O destino de Cuba tem implicações decisivas para a esquerda latino-americana. Na Europa, as esquerdas aprenderam a lição da URSS e abraçaram o princípio da liberdade política. Na América Latina, onde o pensamento de esquerda tingiu-se de nacionalismo e antiamericanismo, um Muro de Berlim mental continua em pé. O teorema da “ditadura virtuosa”, que serve como álibi para a fidelidade ao regime castrista, reflete a alma dessa esquerda. “Por que insistir nas liberdades, se há saúde e educação?”, indagam quase todos os nossos “intelectuais progressistas”. O teorema está apoiado no material quebradiço de que são feitas as lendas. A Cuba pré-revolucionária, de Fulgêncio Batista, já exibia indicadores sociais invejáveis, enraizados nos padrões singulares de colonização da ilha caribenha. Mas a lenda deve ser preservada, pois forma a gramática de um precioso livro de memórias. Afinal, sem ela, o que fazer com a pilha incomensurável de artigos, ensaios e discursos consagrados à canonização do castrismo?

Às vésperas da visita de Bento XVI, a Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro aprovou duas moções, que solicitam o fechamento da prisão de Guantánamo e o encerramento do embargo econômico americano a Cuba. Na mesma sessão, curvou-se à vontade de dois parlamentares, do PCdoB e do PSOL, rejeitando moções que pediam o indulto aos presos políticos remanescentes e a concessão de autorização de viagem a Yoani Sánchez. As moções aprovadas, como as rejeitadas, incidem sobre decisões políticas de Estados soberanos – mas, felizmente, ninguém se lembrou do argumento da soberania nacional para poupar os EUA da crítica justa. O critério dúplice usado pelos senadores espelha a duplicidade geral que contamina a esquerda brasileira, quando estão em jogo as liberdades e os direitos humanos. Mas como exigir coerência de princípios daqueles que ainda vivem à sombra de um Muro de Berlim ideológico?

Bento XVI pisou em solo cubano mencionando os “presos e seus familiares”, palavras simples que não foram pronunciadas nenhuma vez por Lula ou Dilma Rousseff. Cuba não é a Polônia de 1979. Ela não participa de um sistema internacional em colapso, nem dispõe da oportunidade de se incorporar a um sistema alternativo, próspero e democrático, constituído pela Europa Ocidental. A ilha caribenha marcha, numa aventura difícil e incerta, rumo a um capitalismo sem liberdades políticas. Seria esse o novo horizonte utópico da esquerda latino-americana?

Fonte: O Globo, 29/03/2012

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