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sábado, 29 de outubro de 2022

A eleição da marmelada: comê-la ou não comê-la, eis a questão?

Findo esse suplício de pseudodebates, concluo que essa eleição foi a maior marmelada da história recente, como se diz popularmente. Sempre disseram que Bolsonaro e seu séquito não se conformariam com um resultado negativo nas urnas e alegariam fraude de algum tipo. O que não se esperava é que a oposição fosse cooperar tanto com essa narrativa. Agora, eles podem gritar parcialidade com razão.

Como disse a jornalista Paula Schmitt, a campanha do Lula é “a materialização do maior conluio corporatocrata já visto numa campanha política. A coisa é tão surreal que parece comédia. A elite toda está com Lula, em todos os níveis do Consenso Inc –o cartel não-oficial mas extremamente síncrono entre empresas, mídia, acadêmicos, especialistas, artistas e influencers...”

Faltou falar dos piores integrantes desse cartel: os juízes das Supremas cortes, STF, TSE, que de suprema mesmo só têm a parcialidade que resolveram escancarar nessa eleição. Primeiro, como disse um ex deles, Marco Aurélio Mello, o STF resolveu ressuscitar o Lula com base em argumentos de fazer corar pedra, tipo a competência do foro do julgamento do petista que não deveria ter sido em Curitiba, mas sim em Brasília. Como então permitiram que fosse em Curitiba e autorizaram a prisão do cara? Depois, a parcialidade do juiz Sérgio Moro, como se Lula não tivesse sido julgado por outros 8 juízes também. Todos parciais? E, se não houve corrupção, nos casos julgados pela Lava Jato, de onde os integrantes da operação tiraram os 25 bilhões que devolveram aos cofres públicos? Do próprio bolso? Me poupem.

Livraram a cara do Lula com o objetivo de recolocá-lo na presidência da República. Havia sim condições de ter feito o impeachment do Bolsonaro em função, por exemplo, de suas ações desastrosas na pandemia que não o transformaram em genocida (como qualquer um que conheça o significado do termo sabe) mas o colocaram, por negligência e irresponsabilidade, na posição de culpado por mortes que poderiam ter sido evitadas. Se em 2020, em função da pandemia, não havia condições para tal, em 2021 já havia sim, mas não quiseram fazê-lo porque interessava deixar o Bolsonaro aí sangrando (assim pensavam) para ser sparring do Lula. Sem Lula na jogada, abria-se a possibilidade de renovação política com gente capaz de aglutinar votos suficientes para vencer Bolsonaro. Essa história de que só Lula poderia vencer Bolsonaro faz parte das lorotas do cartel.

Como se não bastasse, resolveram travestir um dos personagens mais autoritários da História brasileira, oriundo do grande partido mais autoritário surgido desde a redemocratização, como paladino da democracia contra o fascismo do Bolsonaro. Logo Lula que, antes e durante seus governos, fez um tour por tantas ditaduras mundo afora, com quem negociou obras para os parças da Odebrecht, que até o Muammar al Gaddafi, pervertido genocida ditador da Líbia, por 42 anos, consta como doador de sua primeira campanha na delação de Antonio Palocci.

Lula com Kadafi durante encontro em Abuja, Nigéria, em novembro
 de 2006 Foto: Ricardo Stuckert
Tanto os escândalos de corrupção dos governos Lula quanto seus amores e negociatas com tiranos pelo mundo foram amplamente divulgados pela imprensa. Não obstante, o TSE, em especial seu presidente, o liberticida Alexandre de Moraes, resolveu não só proibir a veiculação dessas informações, sob a desculpa de combate a fake news, como inclusive, no último capítulo dessa infâmia, resolveu obrigar emissora a veicular a fake news de que Lula é inocente. O PT ficou tanto tempo no poder que crianças ou adolescentes daquele período (2003-2016) podem estar votando pela primeira vez agora. Como então, esses novos eleitores não podem saber do passado de um dos candidatos?

A própria ministra Carmen Lúcia se saiu com uma história de que “não se podia permitir a volta de censura sob qualquer argumento no Brasil”, mas muito excepcionalmente, até o dia 31, endossava a censura prévia de um documentário sobre a facada que vitimou Bolsonaro na campanha anterior e a desmonetização de canais pró Bolsonaro. E, ainda por cima, afirmou que era para não comprometer a lisura, higidez e a segurança do processo eleitoral e dos direitos do eleitor.

Então, você vai a um jogo de futebol para ver seu time jogar, o juiz e os bandeirinhas aparecem com o emblema do time adversário e só apontam faltas para o seu time, sem falar em anulações de gols e expulsões de jogadores só do seu time e você acredita na lisura dessa arbitragem? Meu time já saiu do campeonato na primeira rodada, mas um dia pode estar na final. E se calha de seu Alexandre e dona Carmen ainda estarem por aí e decidirem vir com sua “lisura” para cima da minha turma?

Imprensa pode ser parcial. Em grandes democracias, a mídia inclusive assume que está apoiando candidato(a) X ou Y. Melhor do que fingir uma imparcialidade que não tem. E o leitor ou a leitora é que decidem se dão crédito a determinadas empresas de comunicação ou não. Em democracias, não existe essa história de querer obrigar uma emissora a defender teses que ela de fato não endossa. Sério que, desde os idos dos anos 70 do século passado, não ouvia mais falar em censura prévia e esse tipo de imposição a veículos de comunicação. Isso é muito grave. Se a imprensa pode demonstrar parcialidade, juiz não pode não.

E não me venham com historinha de que, como o Bozo é o pior dos mundos, vale tudo para tirá-lo da presidência. Das besteiras que Bozo diz, falar em regular a mídia eu nunca ouvi. Seu Lula, por outro lado, não tira isso da cabeça e da boca. Com a “lisura” dos integrantes da suprema, fica mais fácil obter esse tipo de objetivo – esse sim - inquestionavelmente fascistoide.

Ainda, nessa eleição, me impressionou também o quanto a esquerda em geral está datada. Na campanha do Lula tudo tão surrado: os slogans, as musiquinhas, aquele papinho cínico e furado de esperança e amor, gente abrindo livro para formar L num país de analfabetos e semianalfabetos. Da cruza infernal das eternas viúvas do muro de Berlim com a esquerda identitária (uma degeneração dos muito justos movimentos sociais do passado), surgiu uma esquerda mais preocupada com o sofrimento da turma do elu/delu via erros de pronomes do que com os reais interesses das classes trabalhadoras. Não por menos são as classes trabalhadoras que vêm, cada vez mais, apoiando a extrema-direita em todo o mundo.

Por último, não sou eu que vou dizer em que os outros devem votar. Reconheço que nos colocaram numa situação de se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Entretanto, acho importante que, nessa quase escolha de Sofia, as pessoas votem sem ilusões. Ninguém aí está defendendo democracia coisa nenhuma, nem mesmo os que teriam obrigação de defendê-la. No caso do Lula, todo esse conluio elitista de empresas, mídia, acadêmicos, especialistas, artistas, influencers, políticos, juízes, etc. estão defendendo seus interesses, vide Marina e Simone Tebet, por exemplo, de olho em cargos num possível governo petista. Quem quiser engolir essa marmelada, portanto, que o faça consciente. Lembrando que ainda existe a possibilidade de simplesmente não comê-la.

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

A eleição dos buracos negros, do ponto de não retorno e da absorção da luz

Buraco Negro

Apelidei a atual eleição de 'buraco negro". Originário de um colapso gravitacional de estrelas, o buraco negro apresenta densidade infinita, campo gravitacional intenso, atrai todos os elementos que cruzam o seu horizonte, configurando um ponto de não retorno e absorvendo até a luz.

Nesta eleição temos dois buracos negros, atraindo e absorvendo os elementos políticos que cruzam seu horizonte. Sabíamos que num embate entre petistas e bolsonaristas a baixaria seria farta, mas eles conseguiram se superar.

Depois da história da maçonaria, do satanismo, do canibalismo, de um tal creme de leite, agora temos a homofobia sendo usada pela esquerda contra um guri conservador. Passaram uma imagem, supostamente tirada de um vídeo, onde também supostamente o tal guri aparece fazendo boqt num sujeito. A justificativa para a tal exposição é que o guri seria um gay hipócrita que combate os direitos homossexuais, por aí. Entretanto, ao que tudo indica, o vídeo é falso, o cara que aparece na foto, tirada do vídeo, é um ator pornô, e o guri é hétero. Aí a coisa fica bem feia porque estão imputando homossexualidade a alguém como difamação, a homossexualidade não sendo de natureza difamatória, né mesmo? Não estamos no Irã. Vários gays que conheço estão putos.

E o buraco negro à esquerda continua absorvendo a centro-esquerda e direita para uma tal frente democrática, como se estivéssemos na II Guerra Mundial e fosse necessário fazer aliança com o Stalin para vencer o Hitler. Isso quando estamos, na real, numa mera luta entre duas forças populistas autoritárias e picaretas que se digladiam para ver quem vai nos roubar as poupanças e o futuro simplesmente. Li artigo de um sujeito espinafrando o Lula de cabo a rabo, mas dizendo que votará nele para salvar a tal democracia. Nesse caso, o buraco negro à esquerda já chegou ao ponto de não retorno e absorveu até a luz circundante.

Por outro lado, o buraco negro à direita, já absorveu os lava-jatistas, como o Sérgio Moro, que se uniu a seu antigo algoz, Bozo, contra o lulopetismo. Como ele disse que deixou o governo do Bozo porque o dito o estava impedindo de combater a corrupção, com que cara fica agora nessa aliança e qual a sua real disposição de combater a corrupção no Senado? Estelionato eleitoral para todos os lados.
E os buracos negros estão absorvendo tanto tudo à sua volta que afetam até o campo gravitacional um do outro, tanto que já temos o vice do Zema (Novo), que apoia o Bozo, declarando voto no Lula e o vice do Rui Costa (PT-BA), que apoia o Paim naturalmente, que declarou voto no Bozo. Ler com calma. 

Melhor essa eleição acabar logo antes do país inteiro chegar no ponto de não retorno e desaparecer nos buracos negros e do mapa-múndi.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Feliz 1984: o Ministério da Verdade começou no Brasil

As pessoas que compraram a história absurda de um Lula defensor da democracia contra o fascista do Bolsonaro que ameaçava o Estado democrático de direito - e não falo de petistas - meteram o país numa narrativa orwelliana.

Lembram do lema do partido Socing (socialismo inglês) “Guerra é Paz; Liberdade é Escravidão; Ignorância é Força”? Na obra-prima, "1984", sempre citada por sua brilhante análise do caráter autoritário, os paradoxos abundam: o Ministério do Amor combate o desejo e os amantes; o da Paz administra a Guerra; o da Fartura administra a Fome e o Ministério da Verdade se encarrega de censurar notícias e de criar mentiras a serviço do Partido.

Lula, um notório amigo íntimo de ditadores mundo a fora, e seu partido defensor da hegemonia, conceito que nunca rima com democracia, nunca poderiam ter sido travestidos de defensores de algo que abominam. Juntaram-se a um STF temeroso de ser impichado por um futuro governo Bolsonaro e que, em particular na pessoa de Alexandre de Moraes, vem prendendo gente sem o devido processo legal, sem que as pessoas saibam do que estão realmente sendo acusadas e sem que seus advogados tenham acesso aos processos, fora censurar a mídia e a rede social de bolsonaristas. Um festival de arbítrios de dar inveja aos generais da ditadura de 64. Me contraponho a essa nojeira citando Voltaire: “Posso não concordar com uma única palavra do que diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-la”.

Todavia, como uma sociedade idiotizada resolveu dar endosso à farsa de defensores da democracia dos lulopetistas, agora eles se sentem à vontade para estabelecer seu Ministério da Verdade a fim de censurar notícias e criar mentiras a serviço do Partido e em nome da democracia. 

O abjeto Renan Calheiros, aliado de Lula, já se saiu com seu projeto orwelliano autoritário chamado "Pacotão da Democracia" que visa amordaçá-la. E o governo - sim o governo - já aparece com a “Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia”, a "Secretaria de Políticas Digitais" e a "Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade".

Enquanto isso, o grupo Prerrogativas (advogados petistas) quer levar Bolsonaro à justiça para poder torná-lo inelegível. Sou favorável à igualdade de todos perante a lei, inclusive no referente aos picaretas: se Lula está solto e presidente, Bolsonaro tem que continuar livre e concorrente O fato é que - gostemos ou não dos bolsonaristas - eles foram os únicos, com seu aloprado Presidente, que configuraram real oposição ao sonho petista de se eternizar no poder para reescrever a História, acabar com a democracia e roubar até o osso dos cachorros.

No editorial do Estadão abaixo, o jornal detalha o projeto petista de criar sua polícia do pensamento e seu Ministério da Verdade. Parabéns aos envolvidos. 

𝐎 𝐦𝐨𝐧𝐨𝐩ó𝐥𝐢𝐨 𝐥𝐮𝐥𝐨𝐩𝐞𝐭𝐢𝐬𝐭𝐚 𝐝𝐚 𝐯𝐞𝐫𝐝𝐚𝐝𝐞
(Editorial Estadão,05/01/2023)

Levou apenas um par de dias para que o cacoete autoritário do governo lulopetista se manifestasse – revestido, é claro, e como sempre, das melhores intenções.

No dia 2 passado, ao tomar posse como ministro-chefe da AGU, Jorge Rodrigo Messias anunciou a criação de uma tal “Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia”, que tem entre suas competências “representar a União, judicial e extrajudicialmente, em demandas e procedimentos para resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas”. Trata-se de perigosa formulação, pois nada impede, a não ser escrúpulos éticos, que o governo classifique como “desinformação” o que é mera opinião. Abre-se uma avenida para o constrangimento de críticos do governo, a título de impedir a disseminação de mentiras tendentes a prejudicar o funcionamento do Estado e, no limite, a democracia.
Tudo é ainda mais estupefaciente porque o próprio advogado-geral da União reconheceu que não há lei que defina o que é desinformação. Mesmo assim, Messias achou que era o caso de não apenas criar a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia – como se já não houvesse o Ministério Público para fazê-lo –, mas também de tomar para a AGU a prerrogativa de definir o que é desinformação. Tomem nota: “Mentira voluntária, dolosa, com o objetivo claro de prejudicar a correta execução das políticas públicas com prejuízo à sociedade e com o objetivo de promover ataques deliberados aos membros dos Poderes com mentiras que efetivamente embaracem o exercício de suas funções públicas”. Tudo vago o suficiente para servir de base a qualquer coisa – bem ao gosto de governos arbitrários.

Em outra frente, o secretário de Comunicação Social da Presidência, deputado Paulo Pimenta, anunciou a criação da Secretaria de Políticas Digitais, uma estrutura que funcionará no Palácio do Planalto para “combater a desinformação e o discurso do ódio nas redes sociais”. Ora, não cabe a um governo determinar o que é desinformação, muito menos ter uma estrutura devotada a “combater” o que chama de “discurso de ódio” – nome genérico que os petistas certamente usarão, como já o fazem, para qualificar as críticas de opositores.

É claro que, como de hábito, os petistas prometem que tudo isso será precedido de “amplo debate”, mas já se sabe com quem – a patota de sempre. Se é para valer, essa polícia do pensamento deve começar enquadrando o próprio secretário Paulo Pimenta, que é um adepto da lunática teoria segundo a qual o atentado a faca sofrido por Jair Bolsonaro foi uma armação – uma clássica fake news.

Por sua vez, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, anunciou em seu discurso de posse a criação da Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade. Nada menos. Não há razão para duvidar da boa intenção do ministro, um jurista respeitável e com reconhecido histórico de defesa dos direitos humanos, mas causa apreensão que um governo pretenda estabelecer a “verdade” e a “memória” de um país, pois é exatamente assim que regimes autoritários se consolidam.
Não se sabe o que mais virá por aí, mas apenas esses exemplos bastam para concluir que o lulopetismo parece empenhado em reescrever a história, na qual se destacam os muitos crimes cometidos durante os governos de Lula e de Dilma Rousseff, e em determinar como o novo governo petista será descrito agora e no futuro, criminalizando opiniões contrárias.

Decerto movido pelo rancor de quem se julga injustiçado, o PT arreganha os dentes, sem qualquer gesto de distensão nem, muito menos, de conciliação. Pelo contrário: conforme já era esperado, os petistas, nem bem Lula esquentou a cadeira presidencial, põem em prática sua conhecida estratégia de demonizar os opositores e de reivindicar o monopólio absoluto da verdade. Para o presidente e sua turma, convictos de que encarnam o “povo” em toda a sua “diversidade”, só é válida a opinião de quem reconhece Lula como o redentor dos pobres. Considerem-se avisados: aos que não aceitarem o credo petista, resta a danação. 

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Por que a oposição entre socialismo e capitalismo é uma falsa questão


Eu ri com esse vídeo do Ranking dos Políticos, ao fim do post, reagindo a outro vídeo do Guilherme Boulos, onde o dito fala um monte de falácias sobre as maravilhas do socialismo em oposição ao capitalismo. Eu, mesmo quando estava na faixa de idade do pessoal que hoje acredita nos leros do Boulos, já não acreditava em socialismo. Cresci ainda sob a Guerra Fria, quando os podres da URSS já circulavam pelo mundo: o genocídio dos ucranianos, o Grande Terror, obras do Stalin (um das maiores genocidas da História), mas, depois, já sem o carniceiro, também a invasão da Hungria (1956) e da Tchecoslováquia (1968) pela tropas soviéticas. - Nunca ouviram falar da primavera de Praga? - Depois da queda do muro de Berlim e, em seguida, do fim da URSS, mais informações circularam sobre a mortandade (na casa dos muitos milhões) em todos os países que caíram sob o jugo do chamado socialismo real. Fora que, como jovem ativista do movimento homossexual, lá nos idos de 1980, eu também já sabia dos campos de reeducação de homossexuais em Cuba, do sufoco generalizado que era ser gay ou lésbica em países onde a individualidade das pessoas não tinha vez e cuja moral não era lá muito diferente dos evanjegues americanos ou da ultradireita em geral. 

Eu sou da geração da contracultura que era libertária e imensamente crítica tanto da tecnocracia e da sociedade de consumo dos EUA quanto da tecnocracia e do totalitarismo soviéticos. Minha geração queria pensar em outras possibilidades que não essas que nos apresentavam. Problema é que a AIDS, identificada em 1981, fechou de vez as portas da contracultura, que já vinham se estreitando desde a década de 70, acabando com a revolução sexual e todo clima libertário e também libertino da geração do "paz e amor". E a contracultura, como movimento específico, não se rearticulou nas décadas seguintes. Quem veio a se rearticular na década de 90 foi a esquerda ortodoxa, as então viúvas do Muro de Berlim, com as mesmas velhas ideias que não passaram no test drive da História em canto algum, em momento algum. E foi essa velha esquerda que fez a cabeça das novas gerações, principalmente na América Latina e no Brasil. Daí hoje essas gerações ficarem pagando o grande mico de apoiar gente como o Boulos e, ainda pior, o neostalinista, Jonas Manoel, que um idiotizado Caetano Veloso resolveu trazer à luz.

A discussão capitalismo versus socialismo é uma falsa questão porque não se pode comparar um sistema que funciona, apesar dos seus muitos pesares, com outro que nunca funcionou. Os adeptos dessa relíquia macabra socialista só servem para nos impedir de discutir, com ideias de hoje, o capitalismo em si mesmo e o custo ambiental e humanamente insustentável do seu sucesso. 

Mas, pessoal, socialismo não funciona mesmo. E não, isso não é papo da direita. É a real. O exemplo da China que, quando puramente comunista, fora matar milhões também de fome e em execuções sumárias, era um país rural e atrasado e virou, ao aderir à economia de mercado, uma potência mundial em apenas 50 anos, deveria ter enterrado de vez a ideia do socialismo como alternativa ao capitalismo. Incrível, no entanto, o quanto a humanidade prefere manter essa neurose coletiva de insistir nesse mesmo erro eternarmente.

A discussão capitalismo versus socialismo é uma falsa questão porque não se pode comparar um sistema que funciona, apesar dos seus muitos pesares, com outro que nunca funcionou. Os adeptos dessa relíquia macabra socialista só servem para nos impedir de discutir, com ideias de hoje, o capitalismo em si mesmo e o custo ambiental e humanamente insustentável do seu sucesso. 

Ah, e o Trump ganhou na Flórida porque o eleitorado latino (20%), composto majoritariamente de cubanos e seus descendentes, compram sua retórica anticomunista. E de comunismo esse pessoal, que viveu a coisa na própria pele, nem quer ouvir falar.

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Passando pano para comunismo no século XXI?

Essa página da História já não devia ter sido virada?
Caramba, e eu pensando que a Folha de SP tinha dado espaço pro marxista afro Jonas Manoel por causa da divulgação que o Caetano Veloso, dando uma de o pateta do ano, fez do dito.

Que nada! Agora o UOL abre espaço pra mais comunistas se fazerem de coitados demonizados pela direita bozolavista e outros através da História (Demonizados pela direita, comunistas se protegem e debatem lugar no séc. 21)  É fato que bolsominions e congêneres dão à palavra comunista um tom folclórico e caricatural, já que chamam de comunista qualquer pessoa que não lhes seja espelho. Eu sou comunista pelos padrões bozolavistas, marxista cultural, gayzista, feminazista e outras pérolas. Pra se ver. 😁

Mas, de fato, fora do âmbito da piada, não existe demonização do comunismo e sim conhecimento de sua obra. Não foi a direita que trouxe primeiro os crimes do Stalin a público. Foi o vazamento de um discurso do Nikita Khrushchev, primeiro-secretário do Partido Comunista da União Soviética, em fevereiro de 1956, que trouxe. E o padrão estalinista de genocídio, mortes por fome, em execuções sumárias e campos de concentração, foi seguido em todos os países que caíram sob o jugo comunista. O Mao Tsé-Tung fez ainda pior na China (matou umas 45 milhões de pessoas de fome, fora o que matou por outras vias). O Pol Pot, no Camboja, matou 25% da população do país que era de cerca de 10 milhões. 

Eu quando jovem, na faixa dos 20 anos, sob a ditadura militar, já considerava o comunismo anacrônico, criminoso e brega pelo pouco que o conhecia. E, entre o pouco que se sabia, o tratamento dado aos homossexuais também já era notório. Variava de direito algum aos campos de reeducação da ditadura cubana. Fora que os Castro e seo Che Guevara foram também responsáveis, direita ou indiretamente, pela morte de milhares de cubanos. 

Aqui, no Brasil mesmo, essa esquerda ortodoxa, ainda no início da década de 80, dizia que feminismo era coisa de burguesa desocupada e homossexualismo produto da decadência da burguesia. Entrou, pra História, em fevereiro de 1981, um barraco armado por uma integrante do Jornal A Hora do Povo, do MR-8, durante o III Congresso da Mulher Paulista, em SP, que queria expulsar as lésbicas do evento porque estas não seriam mulheres, abdicavam da condição feminina e outras tantas de igual jaez.

Quando a irracionalidade da esquerda identitária encontra
a irracionalidade comunista
Com o passar do tempo, essa esquerda ortodoxa percebeu que era mais oportuno cooptar os novos movimentos sociais em vez de afrontá-los, a tal ponto que hoje temos uma transcomunista desejando que outras trans matem a J. K. Rowling por ela não aceitar abdicar de sua mulheridade e liberdade de pensamento. Quando a irracionalidade do comunismo se junta com a irracionalidade da esquerda identitária, o negócio nem é fugir pras colinas e sim partir pra outro planeta. 

Pra aliviar, no artigo abaixo, o tal do Jones Manoel diz que existe preconceito contra comunistas até na esquerda, onde são minoria. O que ele chama de preconceito eu chamo de consciência. Bom saber que ainda existe gente de esquerda com alguma. Os milhões de mortos que o comunismo produziu agradecem.

* Ah, e, antes que me esqueça, pra mim comunismo não tem lugar no século XXI.



terça-feira, 14 de julho de 2020

Perdoar o PT só quando ele reconhecer seus erros e não mais apoiar ditaduras



Impressionante o artigo do diretor de Redação do Globo, Ascâmio Selene, com o título de "É hora de perdoar o PT" (11/07/2020).  O texto segue abaixo da análise.

Para começar, o autor lista e destrincha duas das principais características que levaram boa parte da população brasileira a execrar o PT: a roubalheira siderada e a índole claramente autoritária.

Depois, porém, diz que os líderes petistas já foram punidos e que "imaginar que o partido repetirá eternamente os mesmos erros do passado é uma forma simples, fácil e errada de se ver o mundo". Onde foi parar aquele velho ditado de que o lobo perde o pelo, mas não perde o vício?

Quanto ao autoritarismo genético do petismo, exemplificado por seus ataques à imprensa e à democracia vide “controle externo da mídia”, “instrumentos de mediação”, “conselhos populares”, segundo Ascâmio Selene, tudo não passou de tentações que, hoje mais do que antes, podem ser facilmente rechaçadas.

E toda essa conversa mole para concluir que, para se livrar do bolsonarismo, "O Brasil não tem tempo para esperar por uma outra esquerda, renovada e livre da influência do PT."

Então, a figura reconhece que o PT é corrupto e autoritário, mas, mesmo assim, a gente deve perdoá-lo porque não existe outra esquerda capaz de vencer a direita no próximo pleito!!??

Perguntinhas que não querem calar: o PT fez alguma vez um mea culpa sobre os erros cometidos? O PT pediu perdão pelo mensalão, o petrolão e tantos outros escândalos de corrupção que perpetrou contra os cofres públicos? Que eu saiba não. Petistas sempre foram apenas os pobres coitados perseguidos pela imprensa, o judiciário, as elites, nunca os responsáveis por nada. Então, por que cargas d'água a gente haveria de perdoar quem nunca pediu perdão por seus erros? Aliás, seria  temerário perdoá-lo mesmo se tivesse se arrependido publicamente do que fez, já que o partido sempre mentiu deslavadamente, imagine então perdoá-lo quando nunca se retratou nem de deslizes. É óbvio que só se pode imaginar, ao contrário do que diz o redator de O Globo, que o PT, voltando ao poder, irá repetir tudo que fez no passado. Aliás, é tão certo quanto a cor do céu ser azul.

Sobre o DNA autoritário do petismo, em nada a sigla mudou também. Nesse começo de mês mesmo, a Gleise Hoffman saudou os 99 anos do partido comunista chinês, mantenedor de uma ditadura genocida e horrenda, campeã de desrespeito aos direitos humanos. https://bit.ly/2ZmKVhU  Aliás, o que mais se viu, com o PT no poder, foi o partido alinhado com tudo quanto é ditadura do mundo, em particular com as da distopia socialista. Isso ao mesmo tempo em que sempre hiperdimensionou a ditadura militar de 64-85 que perseguiu sua turma no passado. Então, por que a gente haveria de desconsiderar a índole autoritária do PT, se ela continua presente e, portanto, sempre ameaçadora? Porque agora existe uma direita capaz de pôr freio nas tentações autoritárias do petismo? É sério isso? Não é melhor, então, que a direita permaneça no poder?

Bem ao contrário do autor do texto, eu tenho certeza de que, para a esquerda ter chance de voltar a ser eleitoralmente viável, precisa sair da sombra do PT e secundarizar a pauta identitária dos atuais desnorteados movimentos sociais. O Brasil pode sim esperar uma outra esquerda, renovada e livre da influência do PT. Uma esquerda que recupere a credibilidade que foi para o brejo exatamente pela associação de toda a esquerda ao petismo. De preferência, uma centro-esquerda, menos fanática e mais pragmática que se disponha a conversar com todo o espectro político que assim se disponha. Só assim poderemos de fato pavimentar caminhos pelos quais se possa chegar ao objetivo comum de paz e prosperidade. PT nunca mais. 🤮

É hora de perdoar o PT - Jornal O Globo
Arte O Globo Foto Reprodução

É hora de perdoar o PT

Não há como uma nação se reencontrar se 30% da sua população for sistematicamente rejeitada. Esse é o tamanho do problema que o Brasil precisa enfrentar e superar. Significa a parcela do país que vota e apoia o Partido dos Trabalhadores em qualquer circunstância. Falo dos eleitores, não apenas dos militantes. Me refiro aos que acreditam na política de mudança do partido, não aos seus líderes. Os que acreditam e sustentam o PT são a maioria do terço de eleitores perenes do partido, não os que foram flagrados nos dois grandes escândalos de corrupção que marcaram as gestões petistas.

Esse agrupamento político, talvez o mais forte e sustentável da história partidária brasileira, tem que ser readmitido no debate nacional. Passou da hora de os petistas serem reintegrados. Ninguém tem dúvida de que os malfeitos cometidos já foram amplamente punidos. O partido teve um ex-presidente e seu maior líder preso e uma presidente impedida de continuar governando. Outros líderes históricos também foram presos ou afastados definitivamente da política. Hoje, respeitadas as suas idiossincrasias naturais, homens e mulheres de esquerda devem ser convidados a participar da discussão sobre o futuro do país. Têm muito a oferecer e acrescentar.

A gritaria contra a roubalheira já cansou, não porque se queira permitir roubalheiras, mas porque é oportunista politicamente. Claro que houve desvios de dinheiro público na gestão de Lula e Dilma, as provas são abundantes e as condenações não deixam dúvidas. Mas o PT é maior que isso e, como já foi dito, para ladrões existe a lei. Imaginar que o partido repetirá eternamente os mesmos erros do passado é uma forma simples, fácil e errada de se ver o mundo. Os erros amadurecem as pessoas, as instituições, os partidos políticos. Não é possível se olhar para o PT e ver só corrupção. O petismo não é sinônimo de roubo, como o malufismo.

Superada esta instância, que é mais fácil, terá de se ultrapassar também a índole autoritária que um dia foi semeada no coração do PT e vicejou. Exemplos são muitos, como a tentativa de censurar a imprensa através de um certo “controle externo da mídia”, de substituir a Justiça por “instrumentos de mediação” em casos de agressão aos direitos humanos, ou de trocar a gestão administrativa por “conselhos populares”. Se estas tentações foram barradas no passado, quando até o centrão apoiava o PT, certamente não prosperarão num ambiente muito mais polarizado como o de hoje.

O fato é que o ódio dirigido ao PT não faz mais sentido e precisa ser reconsiderado se o país quiser mesmo seguir o seu destino de nação soberana, democrática e tolerante. Não pode se esperar essa boa vontade dos que carregam faixas pedindo intervenção militar e fechamento do Supremo e do Congresso, um grupelho ideológico, burro e pequeno que faz parte da base do presidente Jair Bolsonaro. Mas é bastante razoável ter esta expectativa em relação a todos os outros, sejam eles de direita, de centro-direita ou de centro.

Não se pode negar que parte considerável do Brasil é de esquerda. Como tampouco há como se ignorar a força da direita nacional. Ambos os campos existem e precisam ser representados politicamente. O Brasil não tem tempo para esperar por uma outra esquerda, renovada e livre da influência do PT. O país precisa se reencontrar logo para construir uma alternativa ao bolsonarismo, este sim um problema grave que deve ser enfrentado por todos. Perdoar o PT não significa abrir mão de convicções. Ao contrário, significa pavimentar caminhos pelos quais pode se chegar ao objetivo comum de paz e prosperidade.

Ué, mas o Lula não foi solto? E não é fato que tantos outros também nunca foram presos?

terça-feira, 18 de junho de 2019

Advogado de defesa de réus da Lava Jato sai em apoio à operação


Perplexa como o autor do texto abaixo quanto à inacreditável inversão de valores que estamos observando após mais uma armação ilimitada da corruptocracia brasileira contra a Lava Jato. Trata-se de uma campanha para desacreditar o ex-juiz Sérgio Moro e a operação que trouxe esperança aos brasileiros de estabelecer alguma moralidade no trato da coisa pública em nosso país. Contaminada por essa infame distorção, vemos uma parte da população brasileira querendo que o juiz se dê mal e o ladrão se dê bem.

Felizmente, alguns juristas e advogados começam a falar com mais veemência contra essa situação surreal que estamos vivendo novamente. É o caso do advogado Luís Carlos Dias Torres que defendeu réus em processos movidos no âmbito da operação Lava Jato. Embora advogado de réus acusados pela operação, o advogado empresta sua voz para defender a idoneidade do juiz e da operação e aponta a sinistra inversão de valores que se produziu no país por agentes contrários aos reais interesses da nação.

Destaco (o resto do texto vem depois):

"A inversão de valores que estamos vivendo é de deixar qualquer pessoa de bem completamente estarrecida. As pessoas que trabalham para fazer com que os criminosos paguem por seus crimes, são condenadas. Enquanto isso, o sigilo (da fonte) vale para proteger a identidade de criminosos audazes, mas o sigilo (das comunicações) pode ser atropelado se for para expor autoridades altamente respeitadas ao juízo (leigo) da opinião pública. É isso mesmo ou eu perdi alguma parte dessa história?!?

O que mais me deixa espantado nisso tudo é que a imprensa supostamente séria presta mais atenção no conteúdo das mensagens trocadas – que revelam nada mais do que a praxe forense de sempre – do que no crime praticado contra importantes autoridades da República.

No fim, realmente tem muita coisa surpreendente nesse episódio todo. A única coisa que não causa surpresa alguma é o teor das mensagens trocadas entre a força-tarefa da Lava Jato e o então juiz Sérgio Moro."


Brasil: futebol, carnaval, samba e inversão de valores
Luís Carlos Dias Torres*

Tenho acompanhado essa polêmica toda a respeito das mensagens trocadas entre a força-tarefa da Lava Jato com o então juiz e atual ministro da Justiça, Dr. Sérgio Moro. Estou absolutamente surpreso! Porém, a última coisa que me surpreende é o teor das mensagens trocadas entre o MPF e o juiz da causa.

Quem advoga na área criminal está mais do que acostumado com essa proximidade entre o juiz e o promotor. Ela é até natural. Afinal, ambos trabalham juntos, fazem audiências todos os dias, durante tardes inteiras. Tanto juiz como promotor são funcionários públicos. Normalmente são pessoas que optaram por essas carreiras com ideais de contribuir para um país e um mundo mais justo; que, em muitas vezes, se traduz em punir os culpados.

Aliás, isso não é de hoje. Desde muito existe esse tipo de entendimento entre o acusador e o julgador. Só que antes, ela acontecia presencialmente, na sala de audiências, no gabinete do juiz, no cafezinho do Fórum, etc. Hoje em dia, com os avanços da tecnologia, ela ocorre pelos aplicativos de mensagem.

O problema maior se dá quando essa proximidade e essa identidade de ideias e ideais contamina a imparcialidade do juiz. Novamente: quem advoga na área criminal está muito habituado a esse tipo de situação, onde a imparcialidade do juiz está totalmente comprometida por essa proximidade com o órgão da acusação, que é tão parte quanto a defesa no processo criminal.

Não é o caso do juiz Sérgio Moro. Tive a oportunidade de atuar em vários casos da chamada Operação Lava Jato, de casos relativamente comuns até casos mais sensíveis, como o do triplex e o do sítio de Atibaia.

Nosso primeiro cliente era uma pessoa ligada a uma das figuras centrais dessa história – o doleiro Alberto Youssef, velho conhecido da Justiça Criminal do Paraná.

O Ministério Público Federal denunciou e, nas alegações finais, pediu a condenação do nosso cliente. O Dr. Sérgio Moro, de forma independente e imparcial, absolveu nosso cliente.

Depois, representamos um importante executivo da OAS em vários processos.

No caso do triplex, mesmo sem acordo de colaboração firmado com o MPF, o Dr. Sérgio moro reconheceu a contribuição de nosso cliente para o esclarecimento da verdade e aplicou os benefícios da colaboração. O MPF teve de recorrer da decisão.

Mais para frente, foi a vez do processo que versava sobre as obras do Cenpes no RJ. Novamente, o Dr. Sérgio Moro, contrariando os pleitos da acusação, reduziu a pena de nosso cliente ante a sua contribuição para o esclarecimento da verdade, mesmo sem um acordo de colaboração firmado com o MPF. Novamente o MPF teve que recorrer dessa decisão.

Mudou o juiz, mas não mudou a independência e imparcialidade do Juízo da 13.ª Vara Federal de Curitiba. No caso do sítio de Atibaia, a Dra. Gabriela Hardt, inobstante o pedido de condenação formulado pelo MPF, absolveu nosso cliente de uma das acusações e extinguiu o processo em relação à outra acusação. Novamente o MPF recorreu da decisão. Lamentavelmente, vi pouca ou quase nenhuma repercussão dessa decisão na imprensa…

Assim, pelo menos na minha experiência, nunca houve comprometimento da imparcialidade do juiz nos casos da Lava Jato em que atuei. E toda vez que procurei o Dr. Sérgio Moro para despachar, sempre fui recebido com atenção e respeito. Nunca precisei do Telegram do juiz Sérgio Moro para poder falar com ele.

O que ficou muito evidente para mim na conduta do Dr. Sérgio Moro foi sua obsessão pela apuração da verdade. E, afinal de contas, é para isso que serve o processo penal.

Todo processualista sabe que a verdade real está acima da verdade formal. E foi por fazer essa leitura do juiz que definimos que a melhor tática de defesa seria contribuir para o esclarecimento da verdade, que, diga-se de passagem, veio à tona por muitos e muitos outros elementos de prova, tais como perícias, testemunhos, documentos, informações decorrentes de quebra de sigilo telemático, telefônico e bancário, etc.

Nessa história toda, me causa grande perplexidade ver que algum hacker tem a coragem e a petulância de invadir a privacidade do ministro da Justiça e de integrantes da força-tarefa da Lava Jato e que essa questão fique em segundo plano! Isso é gravíssimo! Autoridades da maior importância tiveram seus telefones invadidos e as pessoas parecem não se aperceber da seriedade disso. Trata-se de crime grave e a identificação e punição dos envolvidos deveria estar em primeiro lugar na ordem do dia.

Hoje, um site qualquer que tenha ligação com o mundo do crime – e hackers são criminosos, não nos esqueçamos disso – dá voz irrestrita àqueles que têm a audácia de hackear os celulares do ministro da Justiça e de procuradores da República da força-tarefa da Lava Jato.

Quem passou essas informações para o jornalista? Como ele teve acesso a elas? Se o jornalista for perguntado, certamente vai e deve alegar que tem direito ao sigilo da fonte.

A inversão de valores que estamos vivendo é de deixar qualquer pessoa de bem completamente estarrecida. As pessoas que trabalham para fazer com que os criminosos paguem por seus crimes, são condenadas. Enquanto isso, o sigilo (da fonte) vale para proteger a identidade de criminosos audazes, mas o sigilo (das comunicações) pode ser atropelado se for para expor autoridades altamente respeitadas ao juízo (leigo) da opinião pública. É isso mesmo ou eu perdi alguma parte dessa história?!?

O que mais me deixa espantado nisso tudo é que a imprensa supostamente séria presta mais atenção no conteúdo das mensagens trocadas – que revelam nada mais do que a praxe forense de sempre – do que no crime praticado contra importantes autoridades da República.

No fim, realmente tem muita coisa surpreendente nesse episódio todo. A única coisa que não causa surpresa alguma é o teor das mensagens trocadas entre a força-tarefa da Lava Jato e o então juiz Sérgio Moro.

*Luís Carlos Dias Torres é advogado do Torres Falavigna Advogados

Fonte: Estadão, 15/06/2019

quinta-feira, 21 de março de 2019

Presença de mulheres no Congresso brasileiro é muito menor que nos parlamentos da maioria das nações do G-20 e da América Latina

Deputada Tábata Amaral (PDT-SP) tem na educação a sua principal plataforma.
 Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Brasil é vice-lanterna em representação feminina no Congresso
Presença de mulheres no Congresso é muito menor que maioria das nações do G-20 e da América Latina; no mundo, País é apenas o 157º

Apesar de o número de mulheres no Congresso ter quase dobrado em 20 anos, o Brasil ocupa a vice-lanterna no quesito representação política feminina em duas listas de 20 países. Em comparação com os integrantes do G-20 - os países mais ricos do mundo - e com os conterrâneos da América Latina, o País amarga a 19ª colocação, com apenas 10,7% de mulheres no Congresso (somando Câmara e Senado), de acordo com dados do Banco Mundial. 

Dentre os membros do G-20, que reúne as maiores economias do mundo, o México é quem tem o maior porcentual de mulheres no parlamento: 48,2%. A única nação que perde para o Brasil — e por pouco — é o Japão, com 10,1%. Na América Latina, dois países têm mais mulheres do que homens como parlamentares: Cuba e Bolívia. Quem perde para o Brasil é o Haiti, com pífios 2,5% de representação feminina.

Apesar de ainda estar num patamar baixo, o Brasil vem registrando aos poucos um aumento no número de mulheres na política. Há 20 anos, em 1998, o porcentual era de 6,6% e chegou a cair para 5,7% nos dois anos seguintes, antes de começar a crescer.

Em toda a base de dados do Banco Mundial, o Brasil aparece na 157ª posição de um total de 187.
Mudanças

Algumas medidas foram adotadas pela Justiça Eleitoral nos últimos anos para tentar mudar o histórico de baixa representação. Em 2009, ficou definido que 30% das candidaturas dos partidos devem ser de mulheres. E, para as eleições do ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que 30% dos recursos do fundo eleitoral precisam ser destinados a elas.

A professora Vera Chaia, da PUC-SP, que coordena uma pesquisa sobre lideranças políticas no Brasil, atribui a subrepresentação à falta de espaço, de oportunidade e ao controle interno dos partidos. Segundo ela, existe também uma questão cultural e machista de desqualificar a mulher como se ela fosse incapaz de exercer um cargo político. "A ênfase maior das campanhas é na participação masculina", diz.

Vera avalia ainda que há uma falta de sensibilidade dos homens em relação à representação feminina. Ela pondera, no entanto, que apenas o fato de ser mulher não significa que a parlamentar representará "interesses eminentemente" desse público.
Se fizermos uma leitura apenas nesse sentido, está equivocada. A mulher no Parlamento tem também uma representação dos ideais de seu partido e não somente de uma posição ligada a um determinado do setor da sociedade", diz.
Para o professor José Alvaro Moisés, que conduz pesquisas sobre a qualidade da democracia na Universidade de São Paulo, os números de subrepresentação mostram a dificuldade de obtenção de financiamento, o que atrapalha a organização de campanhas de sucesso. Além disso, ele diz que as oligarquias que comandam os partidos são, em geral, machistas e não aceitam bem a presença de mulheres nem de mudanças.
Há um controle muito grande de quem dirige os partidos e essas oligarquias tendem a se perpetuar e, em muitos casos, favorecer pessoas ligadas a eles ou a seus interesses".
A deputada Tábata Amaral (PDT-SP), em seu primeiro mandato, é uma das 77 parlamentares que atuarão na Câmara nos próximos quatro anos. Para ela, é motivo de comemoração o maior número de mulheres na Casa – eram 51 na última legislatura -, mas é necessário trabalhar para elevar essa quantidade. “Sei o quanto foi difícil chegar aqui e temos que ampliar a participação das mulheres na política”, diz. No Senado, o número passou de 13 para 12 mulheres com as eleições do ano anterior. 
A mulher não tem apoio para se candidatar, para ir para a escola, para fazer faculdade. O Brasil é extremamente violento contra as mulheres”. Tábata defende que sejam dadas mais oportunidades para meninos e meninas no âmbito da educação. “A desigualdade começa no universo acadêmico”, afirma, defendendo sua principal bandeira.
Fonte: O Estado de S.Paulo, Alessandra Monnerat, Caio Sartori e Paulo Beraldo, 07 de março de 2019

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

A origem das ideias do bolsonarismo



As ideias esdrúxulas do bolsonarismo vêm em boa parte do astrólogo-filósofo Olavo de Carvalho que, por sua vez, bebeu na fonte do conservador americano chamado William S. Lind. No documentário chamado The History of Political Correctness (a história do politicamente correto), de 1999 (ver abaixo), Lind apresentou suas teses do "marxismo cultural", a suposta luta da esquerda no campo da cultura para se apropriar das escolas, universidades, editoras, da imprensa e das artes via movimentos sociais, professores, jornalistas e outros agentes esquerdistas. O objetivo dessa articulação toda seria destruir a civilização ocidental, judaico-cristã e a família tradicional.

Na imaginação direitista, o centro irradiador dessa nova forma de tomada de poder teria sido a Escola de Frankfurt, instituto de pesquisa, criado na Alemanha em 1923, por intelectuais neomarxistas, cujo pensamento se baseava na união do materialismo marxista com a psicanálise. Os estudos desses filósofos ficaram conhecidos como Teoria Crítica, teoria que buscava analisar as condições sociopolíticas e econômicas, reinantes em seu tempo, visando aplicá-la à transformação da realidade. Com a ascensão do nazismo, alguns membros da Escola, que eram judeus, como Adorno, Horkheimer, Marcuse e outros, fugiram para os Estados Unidos,  de onde teriam continuado seu trabalho de perverter não só a sociedade americana mas o mundo todo (na teoria conspiratória, claro).

De fato, existe uma tradição de esquerda que critica os valores da sociedade capitalista e defende a disputa das instituições culturais com a direita. Antonio Gramsci, comunista italiano, foi um dos notórios defensores da conquista da hegemonia cultural de esquerda que realmente prevalece na intelectualidade, no meio artístico e na imprensa do Brasil e do mundo ocidental no todo. Igualmente Herbert Marcuse, da Escola de Frankfurt, foi um dos grandes mentores da contracultura (e da libertação sexual) dos anos 60/70, que, por sua vez, gerou os chamados modernos movimentos sociais como o negro, feminista, gay e ambientalista.


Os ativistas destes movimentos, aliás, na teoria do marxismo cultural, seriam agentes destacados da desconstrução da família nuclear patriarcal e da invenção da tal ideologia de gênero, onde crianças poderiam definir seu sexo/gênero à revelia da natureza. Colaboram para essa mistificação, o fato do atual movimento de travestis, transsexuais e transgêneros, um agregado do movimento de gays e lésbicas, ir sim por essa linha com a chamada identidade de gênero. Aliás, há muito mais em comum entre a ideologia de gênero e a identidade de gênero do que sonham as vãs filosofias.

Agora, com base nesses dados dispersos, os bolsominions, olavetes et caterva fizeram e fazem o samba do conservador doido misturando personagens e eventos desconexos no tempo e no espaço para fomentar a teoria conspiratória do marxismo cultural mundial que existiria na imprensa, em Hollywood ou na Globo, financiado pelo bilionário George Soros (sic). 

Por mais desconjuntada que seja essa teoria, ela pegou no Brasil, culminando com a chegada de Bolsonaro ao poder, e no mundo. Combater o suposto marxismo cultural, em suas respectivas áreas, está na boca dos ministros da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, das Relações Exteriores, Ernesto Araújo (indicados por Olavo de Carvalho) e da Ministra Damares Alves, Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que não para de dizer bobagens reacionárias. Pelo mundo, outras lideranças conservadoras, em países como a Hungria, a Itália e a Polônia, também embarcaram na teoria conspiratória do marxismo cultural, a ponto da universidade criada na Hungria por George Soros, suposto financiador do marxismo cultural internacional, estar sendo expulsa do país pelo presidente Viktor Orbán.

Na verdade, a teoria conspiratória do marxismo cultural é como uma monumental fofoca, assentada em dados reais mas distorcida no resultado pelas misturas díspares das quais se constitui (na base do "quem conta um conto aumenta um ponto"), e que cresceu para se transformar em simples paranoia e mistificação. Serve mais aos eternos propósitos conservadores de evitar mudanças, ou desfazê-las, a qualquer preço e, sobretudo, de evitar a igualdade de oportunidades perante às leis e perante à vida para todas e todos.


segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

A única coisa consistente no discurso de Olavo de Carvalho são os palavrões


Não concordo com tudo que diz Ruy Fausto, neste longo artigo, mas concordo no essencial sobre o personagem caricato mas perigoso que chega ao poder via Bolsonaro:
Olavo de Carvalho é antes de tudo um mitômano, e o seu discurso é um tecido de disparates, uma enxurrada de embustes. 
Olavo tempera os seus argumentos com dois molhos essenciais: abraços e palavrões —a baixaria mais chula por um lado e, por outro, sorrisos, tapinhas nas costas, conselhos e confissões, em tom de colóquio entre amigos. Esses ingredientes estão presentes em toda fala de Olavo. 
Olavo de Carvalho é um óbvio embusteiro, mas o Brasil parece adorar a espécie. Lula sempre foi também um óbvio embusteiro, mas tem devotos até hoje. De fato, o Brasil ficou dividido entre os devotos da seita do São Lula Presidiário e da seita do São Bozo Pistoleiro.

Agora os devotos do São Bozo Pistoleiro chegam ao poder com perspectiva nada democrática. E o famigerado projeto Escola Sem Partido é sua ponta de lança contra um dos princípios básicos da democracia: a liberdade de expressão. Que todos os democratas, sejam de direita ou de esquerda, unam-se contra mais essa ameaça autoritária à democracia brasileira.

Única coisa rigorosa no discurso de Olavo são os palavrões, diz Ruy Fausto
Autor questiona ideias do guru de Jair Bolsonaro e sua aplicação em propostas e ações do presidente eleito e sua equipe

As boas almas acham que tudo vai se normalizando no Brasil depois da eleição de Jair Bolsonaro. A ordem é pacificar, reduzir as diferenças ou fazer oposição... Construtiva. Afinal, seria preciso manter a cabeça fria. E se as coisas não se passassem exatamente assim?
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Bolsonaro não era um candidato igual aos outros, aos que se apresentaram nas eleições de outubro ou em eleições anteriores, nem aos presidentes que se elegeram anteriormente. Exagero? “Complotismo”? Infelizmente, acho que não.

O vencedor do pleito de 28 de outubro não oculta o seu projeto, mesmo se afirma respeitar a Constituição, o que pode ser lido de muitas maneiras. Ele diz quais são as suas convicções e, com os seus partidários, da cúpula ou da base, age. Deixa claro que quer “desmontar o sistema”. E, em setores fundamentais, não deixa dúvida sobre o que isso significa.

As universidades e as escolas devem ser submetidas pela proposta da chamada Escola sem Partido. Houve também o episódio da intervenção nas universidades, que o STF pôs em xeque. Os jornais, já sabemos, devem se comportar bem, se quiserem ter “subsídios”. 

Nada de publicar notícias sobre uma funcionária do presidente eleito que é surpreendida pela reportagem muito longe do seu trabalho. E nada de notícias sobre o uso abusivo de uma mídia eletrônica pelo candidato e pelo seu partido, na realidade, a ponta emersa de um iceberg. Nada de escrever coisas incômodas ao presidente. Ou então: nenhuma publicidade oficial e entrada barrada às entrevistas coletivas do novo presidente. 

O Judiciário? Uma parte está com ele. A manifestação de cem procuradores e promotores em favor da famigerada Escola sem Partido é um sintoma da maior gravidade. Parte do Judiciário assume com entusiasmo um projeto liberticida. 

Há também o projeto de revogar a chamada “PEC da bengala”, o que permitiria a Bolsonaro nomear quatro ministros do Supremo... Uma deputada eleita diz que isso é necessário, já que por razões “ideológicas” (sic!) o STF tende a barrar as brilhantes iniciativas do presidente (Escola sem Partido, excludente de culpabilidade etc.). 

A parte do Judiciário que não estiver com o novo poder, cuidado: o filho deputado, o “menino”, não deixou por menos. Não é necessário um jipe nem um sargento para fechar o STF. Militares a pé, dos dois graus inferiores da hierarquia (com o perdão deles), poderão fazer o serviço. 

E a Câmara? Não sabemos. Claro que a maioria dos deputados e senadores não é flor de muito bom cheiro. Mas as duas instituições, estas, há que preservá-las. O futuro ministro da Economia quer “prensar” uma delas, e parece que o verbo “tratorar” andou também circulando. 

O Congresso aprova aumento dos subsídios dos membros do Judiciário, contrariando a vontade do novo presidente? Organiza-se um abaixo-assinado com mais de 1 milhão de assinaturas. Claro que somos contra esse aumento. Mas que uso fará o novo poder desse abaixo-assinado? Serviria de arma para uma batalha contra um Congresso demasiado indócil para o gosto do presidente? 

Eduardo Bolsonaro, deputado eleito por São Paulo, aquele mesmo do “soldado mais o cabo”, recidiva com nova entrevista. Dois pontos-chave: se precisar prender 100 mil, diz ele, a propósito da projetada criminalização dos movimentos sociais, prenderemos... Mais claro ainda: seu projeto é o de “proibir” o comunismo, como na Ucrânia, na Polônia e na Indonésia (!). O que significaria, está dito quase com todas as letras na entrevista, pôr fora da lei o PT, o PC do B, e o PSOL. Nada menos...

A verdade é que não só podemos dizer que há um perigo real de que evoluamos para uma forma atípica de ditadura. Sem exagero, acho que o processo que nos levaria por esse caminho já está em andamento.

Para entender quem é Bolsonaro, vale a pena se debruçar sobre sua relação estreita com Olavo de Carvalho. Olavo de Carvalho é um misto de mau filósofo, de iluminado e de ativista, um militante da mídia que é seguido por centenas de milhares de adeptos. 

Católico fundamentalista, ele andou falando bem de certos regimes, como o de Viktor Orbán, na Hungria. Nesse país, as “instituições” foram em geral conservadas. Vota-se, há câmaras legislativas e tribunais superiores e ordinários. Entretanto, é muito difícil dizer que a Hungria seja hoje uma democracia. 

Orbán assegurou uma maioria confortável no tribunal superior, por meio de nomeações devidamente controladas. Pôs a mão nas escolas e nas universidades. Graças ao controle dos jornais e de algumas medidas na organização das eleições, ele garante um domínio estável sobre o país e impõe práticas restritivas em matéria de costumes. A alternância se tornou quase impossível.

Se há risco de que esse modelo venha a ser implantado do Brasil, é preciso reunir forças, discutir o mais possível, e, “not least”, não se esquecer de desmontar o discurso do adversário. Esse trabalho é da maior importância.



É com essa perspectiva, que dedicarei o que segue a Olavo de Carvalho, em especial à entrevista que o mentor e ideólogo de Jair Bolsonaro deu, duas semanas atrás, à revista Carta Capital. 

Vou passar por cima de tudo o que a sua fala tem de simples besteirol ou de puro sofisma: a escola de Frankfurt pregaria a guerra cultural através da propaganda do incesto e, por isso, Fernando Haddad, adepto da Escola de Frankfurt defenderia o incesto; a reza de Magno Malta por ocasião do discurso da vitória de Bolsonaro não mereceria crítica porque, afinal, é uma reza e não um ato pornográfico (ele não discute o essencial: a ocasião da reza). Há, ainda, o procedimento que consiste em reduzir relações muito diversificadas, que existem —ou não existem— entre certos elementos, a predicações idênticas ou a identidades, do tipo: candidato do PT remete a PT, PT remete a Foro de São Paulo, Foro de São Paulo remete a Farc, Farc remete a droga, candidato do PT remete a droga... Etc. 

(Ver o discurso do futuro chanceler Ernesto Araújo. A postagem do diplomata em seu blog Metapolítica 17 é uma joia: “Haddad é o poste de Lula. Lula é o poste de Maduro, atual gestor do projeto bolivariano. Maduro é o poste de Chávez. Chávez era o poste do socialismo do século 21 de [Ernesto] Laclau. Laclau e todo o marxismo disfarçado de pós-marxismo é o poste do maoismo. O maoismo é o poste do inferno”. 

O ministro diz apreciar divisas como “Deus, Família e Pátria”. A dos integralistas brasileiros —versão nacional do fascismo— era “Deus, Pátria e Família”. Já o programa do futuro ministro da Educação, como dá a entender Antonio Prata em coluna na Folha, é mais propriamente o programa de um ministro da Propaganda). 

A Escola de Frankfurt visaria o domínio cultural? Falso —devemos responder—, isso seria aproximar “a revolução contra o capital” de Gramsci do discurso de Adorno, cético quanto à práxis (naquela conjuntura, pelo menos) e impregnado da dialética do capital. 

As metonímias sofísticas: uma referência menor de um autor ou de uma “escola” (Horkheimer falou uma vez do incesto, e falou sem pregar o incesto, “nota bene”) se transforma em bandeira da “escola” ou do autor. Olavo de Carvalho é antes de tudo um mitômano, e o seu discurso é um tecido de disparates, uma enxurrada de embustes.

Olavo tempera os seus argumentos com dois molhos essenciais: abraços e palavrões —a baixaria mais chula por um lado e, por outro, sorrisos, tapinhas nas costas, conselhos e confissões, em tom de colóquio entre amigos. Esses ingredientes estão presentes em toda fala de Olavo. 

Já me ocupei do Olavo filósofo (em “Caminhos da Esquerda”, Companhia das Letras, 2017, pp 47-53). O que o personagem diz sobre Epicuro é besteira, o que escreve sobre Hegel é banalíssimo e ainda por cima errado, o que diz sobre Marx é superficial e também não bate, o que escreve sobre Adorno é falso...

Na realidade, a única coisa rigorosa no discurso de Olavo de Carvalho são os palavrões. Os palavrões cumprem por si sós duas funções: violência e familiaridade. Em vez de se pavonear com pitorescos filósofos de extrema direita da Europa central, Olavo deveria bater à porta de alguma universidade séria da Europa ocidental ou dos EUA. 

Vejamos o que ele dizia sobre a Escola sem Partido. O entrevistador pergunta se convidar os alunos a filmar os professores para ver se eles propagam ou não “ideias subversivas” não representaria uma forma de censura à livre manifestação. Como faz com frequência, Olavo começa com um jogo de inversão, respondendo à pergunta mais ou menos do seguinte modo.

Censura? Quem censura não são aqueles que convidam os alunos a filmarem, mas são os professores que se recusam a ser filmados. Afinal, o ensino é uma atividade pública. Todos têm o direito de saber o que se passa na sala de aula. Por que os professores se recusam, por que não querem que todos tenham acesso ao conteúdo das suas aulas? Isso, sim, é censura. E se se empenham tanto na recusa é por uma das três razões seguintes. A comunicação pública de suas aulas revelaria: 1) que eles são comunistas; ou 2) que eles são incompetentes ; ou 3) que eles são pedófilos (sic, fim da referência).

Para responder de maneira convincente e rigorosa a essa argumentação sofística, é preciso começar pelas raízes. O ponto de partida é a sociedade brasileira e sua característica principal: uma sociedade que está no ranking das dez mais desiguais do mundo.

Em sociedades desse tipo, como naquelas em que se tem alternativa ou cumuladamente um poder brutalmente opressivo (por exemplo a russa do início do século 20), a intelligentsia (isto é, a intelectualidade preocupada com as injustiças que reinam no seu país) assume uma atitude crítica para com esse estado de coisas.

Quando se trata de professores, o que ocorre? Pode ser que algum imprudente faça proselitismo, mas isso parece ser raro. O que ocorre é que, ao falar do país, numa aula de história, geografia ou economia, ele deixa transparecer que se situa mais entre os críticos do que entre os que dizem sim ao statu quo.

Isso significa tomar partido? Essa atitude se configura como proselitismo partidário? Nada disso. Os professores reagem como seres humanos e cidadãos do país, como seres dotados de inteligência, de informação e de generosidade. 

Ora, é essa situação que os partidários da chamada Escola sem Partido não toleram. Eles querem obrigar os professores a ocultar seus sentimentos, o que é na realidade impossível e teria o efeito de prejudicar o nível do ensino. 

É evidente que, se não houver um mínimo de investimento emocional com verniz valorativo, o ensino de disciplinas como a história se torna impossível. Observemos o essencial: essa situação não configura de forma alguma uma “escola com partido”. Nem a recusa do controle indica uma atitude qualquer de censura por parte dos professores, como pretendeu Olavo. 

Ela remete simplesmente à liberdade elementar de exercer o seu trabalho, no caso de professor, expondo o conteúdo da sua “matéria”, com o investimento normal afetivo-valorativo que essa atividade exige. Assim, do lado do professor (fora os casos aparentemente raros de proselitismo, usados no entanto como se fossem a regra), não há nem “escola com partido” nem “censura”. 

E do outro lado? O que significa o convite a registrar a fala e a imagem do mestre cada vez que o aluno supuser que aquele toma posição política ou partidária? Considero sempre a situação dominante, que é aquela em que o professor, se não assume bandeiras, não se dispõe, entretanto, a inibir completamente suas simpatias pessoais —que, na maioria dos casos, vão na direção das causas progressistas. 

Assim, a cada vez que o aluno se convencesse de que o professor não estivesse sendo “neutro”, ele se poria a filmá-lo e, de volta para casa, encaminharia tudo para o pai. Este remeteria o vídeo às autoridades competentes —diretor da escola, polícia ou Ministério Público. 

Desse lado, haveria censura, ou anticensura, como quer Olavo? Claro que existe censura. No sentido de que quando o pai do aluno instrui o seu filho a filmar o professor (a narrativa começa por aí) e este procede à filmagem no momento em que lhe parece conveniente, não se está defendendo um direito elementar, como no outro caso.

Trata-se de reprimir o que representa, no caso geral, um verniz de expressão das convicções de quem ensina. Essa repressão não é, por isso, reivindicação de liberdade, mas ato de censura. Também não se diga que, sendo o ensino uma atividade de interesse público, é normal que todas as aulas sejam acessíveis ao público. Há acessibilidade e acessibilidade.

Em muitas circunstâncias as aulas são públicas. Mas a publicidade se faz com vistas ao interesse teórico das aulas e à transmissão do saber. Isso é completamente diferente da gravação que visa o controle policial do professor.

Porém imaginemos que este tenha de fato ultrapassado os limites. Estou convencido de que isso não ocorre com frequência e que tampouco esse seja o maior problema da educação brasileira. Mas, se ocorrer, o mal que poderia haver nisso é certamente muito menor do que aquele que se produz ao introduzir um dispositivo repressivo que ninguém controla, nem o pai nem o filho. 

Desencadeia-se uma caça às bruxas que leva ao pior: no limite, ao fascismo. Os professores ficam com medo de dar aulas (o que já está acontecendo), temem a presença dos alunos, o que afeta não o professor partidário, mas o comum dos mestres, que não é sectário e, na maioria dos casos, é sério e responsável. 

Hoje já não se dá aula no Brasil sem um estresse terrível, derivado da ideia de que um aluno poderia denunciar o professor porque este lhe pareceu animado demais ao falar, por exemplo, da queda do czarismo ou da revolução de 1848. 

A atitude da dupla pai de aluno/aluno, que o pessoal da “nova ordem” quer impor ao país, é assim repressiva, uma atitude de censura, não de contracensura. 

Desse modo, não só não se pode inverter os sinais como pretende Olavo de Carvalho (a censura seria, na realidade, reivindicação de liberdade, e vice-versa) mas também não teríamos nem mesmo uma espécie de “empate”, como se as duas causas tivessem a mesma legitimidade. 

Na realidade, não existe simetria no caso, e o julgamento que se impõe intuitivamente é, de fato, o mais rigoroso. A disposição de filmar o professor para registrar eventuais transgressões à neutralidade é alimentada por um impulso político, o de dizer amém ao statu quo —impulso que pode e deve ser chamado de partidário, no sentido de que, mesmo se ele não vier de um único partido, e no caso talvez venha, brota de uma filosofia política bem definida, a que visa conservar a situação presente com as suas violências e injustiças. O que significa: a suposta Escola sem Partido é, na realidade, escola com partido. 

Mas, se dizemos que há partido aí, não deveríamos dizer que também há partido no lado de lá? Não: se não há simetria quanto a “censura”, também não há quanto a “partido”. A não simetria se conserva quando passamos de um termo ao outro. É que a democracia, que inclui o direito de ser fiel às suas ideias (desde que não se trate de ideias liberticidas), não é propriamente simétrica a um projeto antidemocrático. A democracia é a regra definida pela Constituição. A ruptura da democracia é a transgressão dos institutos da Constituição. 

Olavo, no entanto, continua o raciocínio, enveredando por um caminho insólito (que vai ser o que ele seguirá, em declaração posterior, em que se reafirma partidário da Escola sem Partido quanto ao conteúdo, mas adversário dela na denominação e na tática). Ele diz que não pede neutralidade absoluta. Isso não existe; todas as pessoas tomam posição (fim da referência).

Há aí uma virada, que na sua essência —se nesse registro a essência fosse o decisivo— seria considerável. De fato, o interessante nessa suíte é que, levada a sério, ela poderia servir como ponto de partida para desconstruir a fala inicial, e foi este novo argumento que serviu como ponto de partida para a minha contra-argumentação.

De fato, o reconhecimento de que não há neutralidade absoluta corrói (ou começa a corroer) o dispositivo de justificação da censura, porque abre os olhos para a possibilidade e a realidade de um envolvimento discreto com valores, que é aliás a regra em aula sem proselitismo.

Assim, Olavo como que introduz pelo menos parte do argumento do adversário, o que em princípio invalidaria o que ele disse no início. Só que Olavo o faz de tal maneira que se tem a impressão de que essa continuação não desmente o início, mas o confirma. Esse efeito se obtém simplesmente pela continuidade do seu discurso e pelo silêncio em torno da virada que nele se opera. 

Porém o prestidigitador segue, e a argumentação se completa —cereja no bolo— por uma afirmação que desarma o interlocutor. Depois de dizer que não quer neutralidade absoluta, porque ela não existe, ele acrescenta que não deseja censurar ninguém, pelo contrário, que ele quer que todas as opiniões se manifestem, quer o pluralismo. Nas condições atuais —ele explica—, quem pensa diferente não pode se manifestar (fim da referência). 

Nesse momento, o interlocutor vencido dirá aliviado, como num filme de Eisenstein com letreiros em inglês: “What a democrat!”. Ele quer o pluralismo, nada melhor, é isso mesmo que todos queremos, e os que dizem que ele é autocrata se enganam redondamente.

Só que... Essa cereja no bolo contradiz de novo a fala inicial (a censura aos professores impede o pluralismo), mesmo se ela é apresentada, ainda uma vez, como se não a desmentisse, mas a confirmasse. Ele não dá um pio sobre a dificuldade que existe aí: censura a professores contradiz a liberdade plural. 

O pretenso direito de filmar as aulas não terá certamente o suposto efeito democrático. Os que procederem às filmagens, como os que as ordenaram, continuarão visando denunciar os professores por proselitismo. Eles não adotarão a filosofia da transparência nem acreditarão nisso. E Olavo sabe disso. 

De resto, ele próprio não acredita nessa fábula que o faria passar por defensor de uma escola à sueca ou à finlandesa. Quanto à ideia de que ninguém pode abrir a boca numa discussão em aula, isso é falso —mesmo que seja verdade que é sempre mais fácil falar quando a maioria concorda consigo do que quando a maioria discorda. Enquanto Olavo finge que tira o corpo, para desarmar a crítica, a lei famigerada segue o seu curso. Ele sabe disso e vai falando.

O repórter pergunta a Olavo se se justifica o elogio que Bolsonaro fez do torturador Ustra. Olavo responde que Bolsonaro não defendeu a tortura, apenas disse que Ustra não era torturador. Isto é duvidoso, já que, na famosa votação do pedido de impeachment, Bolsonaro prestou homenagem a Ustra, referindo-se a ele como “o pavor de Dilma Rousseff”. O pavor de Dilma Rousseff? Mas se é pelo menos incerto que a recusa em imputar a prática da tortura a Ustra (ou a dúvida sobre essa imputação) tenha sido a justificação fornecida por Bolsonaro para elogiar o coronel, este é certamente o argumento de Olavo para justificar Bolsonaro.

Tentemos desenredar esse imbróglio. De que Ustra tenha sido torturador, não parece haver dúvida. Torturador e/ou chefe “omisso” diante da tortura (que, em matéria de violência, a responsabilidade direta e a indireta não são tão diferentes, foi afirmado pelo próprio Olavo ao discutir com um ex-guerrilheiro). O que não o impede de tentar eximir Ustra, insistindo no fato de que este foi condenado pelo STF só por omissão. 

As vítimas que sobreviveram contam como foi essa “omissão”. Ustra pôs, sim, a mão na massa e até mandou virem os filhos das vítimas para assistir ao espetáculo. Não há razão para duvidar desse tipo de testemunhas. Assim, não há problema a esse respeito, e, como vimos, o próprio Bolsonaro, prudente, parece evitar um desmentido direto da imputação.

A verdadeira questão é: pode-se elogiar um torturador? A qual nos leva à pergunta fundante ou fundamental: a tortura é admissível? Vê-se o sentido do passe de mágica de Olavo de Carvalho. Ao ser inquirido sobre o seu juízo a respeito do pronunciamento de Bolsonaro, ele substitui as perguntas pertinentes por uma pergunta que não tem interesse, porque a resposta é conhecida. 

Pois Olavo se arranja para dizer que seria essa pergunta desinteressante a que estaria na base da declaração de Bolsonaro. Pergunta a que este responderia afirmando que Ustra era inocente. De defensor de um torturador, Bolsonaro passa, assim, a desempenhar o papel de advogado de um inocente. 

Como isso foi possível (refazendo ainda uma vez o caminho)? Pela sub-repção das respostas pertinentes (é legítimo defender a tortura e os torturadores, ou então, é ilegítimo defender a tortura e os torturadores), através do método da substituição da pergunta. 

Uma vez posta a nova pergunta (Ustra torturou ou não torturou?), basta optar pela resposta que tem mais cara de generosa e respeitadora de direitos. Presunção de inocência, ou “in dubio pro reo”, o bom Bolsonaro teria declarado que não é verdade que Ustra torturou, defendendo assim um presumido inocente. Conclui-se que, longe de ser o ogro que se supõe —valha a velha sofística!—, Bolsonaro defende na realidade as boas causas e até os direitos do homem, Q.E.D. 

Olavo acha que houve tortura no Brasil, mas “pouca”. A ditadura militar não teria matado quase ninguém, e eu acrescentaria, nem —a frio— um bom número de prisioneiros de guerrilhas (nenhuma ética civil ou militar justifica, em quaisquer circunstâncias, a liquidação a frio de prisioneiros)? Quanto à exigência de que se exibissem “olhos furados”, “ossos partidos”, todo mundo sabe que os torturadores faziam questão de deixar um mínimo de marcas.

Na entrevista a Carta Capital, como também em seus livros, Olavo de Carvalho se declara adversário do fascismo. As pessoas não sabem o que é fascismo, diz. 

(A propósito: a tese de Olavo de que Hitler é de esquerda é pura charlatanice. Certo, o partido de Hitler, ou antes, aquele ao qual ele aderiu, se chamava Nacional Socialista, mas Hitler apreciava a hierarquia, detestava a igualdade, era inimigo mortal da Revolução Francesa e de toda a tradição socialista etc). 

Olavo acrescenta: eu até discuti com um fascista, o ideólogo fascista russo Aleksandr Dugin, amigo de Putin. Imaginem. Eu, que discuti com Dugin, sou chamado de fascista (fim da referência). 

Afinal, quem é Olavo, em termos políticos? Dados os limites de espaço, vou utilizar referências suficientes. Já falei da sua simpatia pelo regime de Viktor Orbán, na Hungria, e sobre o que representa esse regime. Um outro elemento essencial, um dado tão imediato que até o perdemos de vista, é o fato de que ele apoiou e apoia Bolsonaro. 

A declaração desse apoio pode ser encontrada no vídeo “Bolsonaro não é o verdadeiro candidato”. Nele, Olavo conta a história dos seus livros e termina declarando apoio ao capitão. Este não seria nem de direita nem de esquerda, já que é o único candidato que “não tem ideologia”, tem apenas opiniões (impostura evidente: o evangelho ideológico de extrema direita que o candidato pratica e prega é ideologia, sim, e muito mais perigosa do que qualquer grande ideologia, o liberalismo ou o socialismo democrático). 

Bolsonaro teria o mérito de ir contra todos os partidos (engano: apesar das aparências, isto não é mérito. Bolsonaro não está além dos partidos, está aquém deles; ele combate aquilo que, apesar de tudo, eles têm de positivo —o respeito à ordem democrática). 

Além do que, ele escaparia da dominação esquerdista (mitologia pesada: os partidos de esquerda não são de forma alguma dominantes e, bem ou mal, são os que defendem um mínimo de justiça social, coisa que o ideólogo detesta). 

Ao recomendar Bolsonaro, bom candidato, Olavo diz, entretanto, que preferia o caminho da formação de comitês de bairro (!). Vê-se que o filosofastro-ativista sonha com uma política de massa... Mas no meio dessa peça lírica, em que se alternam considerações teóricas ou pseudoteóricas com histórias pessoais da família ou de seus amigos, emerge o segredo. 

Ao falar do que precisa ser feito no Brasil, diz inocentemente: é preciso pôr na ilegalidade o PT (e, acrescentemos, também o PSOL e o PC do B, é claro), porque é um partido ligado a um centro internacional. Nada menos do que isso (conforme a fala do filho de Bolsonaro). A quantos eleitores Olavo quer negar o voto, 50 milhões? 

A justificativa é de que o PT depende de um centro que seria o Foro de São Paulo. Tolice. A internacional comunista morreu há muito tempo. O tal Foro de São Paulo teve uma importância muito relativa. Não foi nenhum verdadeiro centro e hoje deve vegetar. Atualmente, o PSL talvez tenha mais contatos internacionais do que qualquer dos partidos de esquerda. 

Se Bolsonaro e os seus querem tirar da legalidade os partidos da esquerda, não é por temor ao “comunismo”. O “comunismo”, a rigor, não existe mais. Na sua forma autêntica, a do marxismo ortodoxo, nunca existiu; na sua caricatura stalinista restam, é verdade, governos como os de Cuba, Coreia do Norte ou Venezuela, respectivamente um Estado burocrático opressivo, um totalitarismo sangrento e um populismo corrupto que não hesita em abrir fogo contra manifestantes. 

É contra eles que vai a campanha de Olavo contra o comunismo? Também (os inimigos de nossos inimigos não são nossos amigos), mas de modo acessório. O que ele chama de “comunistas” são sobretudo as diversas tendências da esquerda democrática no mundo (social-democracia, esquerdas trabalhistas, esquerda cristã etc.). E são estas que ele de fato combate.

O projeto político de pôr na ilegalidade todos os partidos de esquerda caracterizaria que tipo de política? Fascista? Mas Olavo não se declara inimigo dos fascistas? 

Houve até aqui duas ondas autocráticas de direita, a da primeira metade do século 20 e a das primeiras décadas do século 21. Nas duas levas, temos uma variedade de casos, desde exemplares muito virulentos a formações menos brutais. 

Na primeira onda, estas últimas foram dominantes, e uma delas levou a um genocídio de proporções gigantescas. Mas o nazismo foi contemporâneo de governos menos radicais, como o autocratismo português e mesmo o franquismo, passada a guerra civil. 

Na segunda leva, há também uma variedade de modelos, porém não domina até aqui a forma genocida —das variedades modernas, a mais homicida é o governo de Duterte, nas Filipinas. O modelo que hoje parece dominante é o de Orbán na Hungria, que vai se impondo na Polônia (uma das referências de Eduardo Bolsonaro), na República Tcheca e na Eslováquia. 

Como denominar essa nova onda, e em particular como chamar a figura que corresponderia eventualmente ao caso brasileiro? Para a forma típica do regime de Orbán e de outros análogos, há o neologismo “democratura”, que é interessante e talvez convenha para designar igualmente a nova onda em geral, do mesmo modo que “fascista” nomeava um caso particular mas também, com frequência, o conjunto da primeira leva. 

Mas continuemos: Olavo diz que não é fascista e que até já discutiu com fascistas. Será que esse fato se ajusta à minha leitura? Ou eu estaria forçando a barra? Pois tome-se o modelo: Viktor Orbán. O regime de Orbán e do seu partido, o Fidesz, tem como adversário um outro partido, pequeno e mais ou menos neutralizado pelo Fidesz, porém existente. 

Esse partido é o Jobbik. Apesar de uma tentativa de “desdemonização“ recente, esse partido é notoriamente racista e antissemita; ele tem a sua própria “guarda”, com um núcleo “viril”, é acusado de violências e de homicídios contra a população cigana e simpatiza com Dugin. Assim, Orbán é, à sua maneira, adversário dos fascistas. Estes encarnam demasiado —mais do que seria “necessário” hoje— a primeira onda e, por isso mesmo, na segunda, só podem ser marginais.

É com legitimidade idêntica à de Orbán que Olavo pode se declarar antifascista ou antinazista. É a oposição entre a forma moderna e a forma antiga do autocratismo. Os neofascistas contra os fascistas. Contudo, não é preciso ser nazista nem fascista à antiga para dar o apito inicial para muitos horrores (ver Duterte, nas Filipinas).

Dirão talvez que exagero: não é certo que a ameaça se efetive. De fato não é certo que ela se efetive por inteiro. Entretanto, é certo e provado que o projeto político de Bolsonaro e de seu mestre Olavo vai no sentido indicado, que não é o da democracia; e que o projeto já está sendo implementado.

Em resumo, não se deve dar ouvidos aos “cientistas políticos” que nos garantem que as “instituições brasileiras” são “sólidas”. Hoje, menos do que destruir as instituições, os inimigos da democracia as ocupam e as cristalizam em seu proveito.

Entretanto, ainda é possível evitar que a tragédia se consume. Não há outro caminho senão o de denunciar o verdadeiro caráter do poder que vai se instalando no Brasil e o de tentar pôr em xeque, no limite das nossas forças, as suas jogadas sucessivas. Para os próximos dias e as próximas semanas, a urgência absoluta é dar parada ao seu primeiro lance, a —ó, quão funesta— lei da Escola sem Partido. 

(Com agradecimentos a meu amigo Arthur Hussne Bernardo, uma das primeiras pessoas a se dar conta, no Brasil, dos laços estreitos que unem Bolsonaro e Olavo. Este ensaio tem dívidas para com um artigo de Arthur, “O Bolsonarismo É um Olavismo”, que sairá em breve). 

Ruy Fausto é professor emérito do Departamento de Filosofia da USP e autor de “Caminhos da Esquerda” (Companhia das Letras).

Fonte: Folha de São Paulo, 30 de novembro

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