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segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Sem sensibilidade social, aventura liberal radical de Paulo Guedes, pode arruinar reputação do liberalismo no Brasil

Economista Eduardo Gianetti afirma que desencanto político e econômico ajudou
na ascensão de candidato que classifica como 'ultradireita' Foto: Daniel Teixeira|Estadão

A reputação do liberalismo sempre foi ruim no Brasil. Com essa história de conservador ficar se dizendo liberal e apoiador do autoritário Bolsonaro, a ruína é certa. Destaco da entrevista:
Há riscos para a democracia? É possível responder afirmativamente, mas num sentido preciso. Uma definição estreita de democracia é a renovação periódica dos governantes em ambiente competitivo pelo voto universal e secreto. Isso não está em risco. Mas, sabemos que essa definição é compatível com práticas que comprometem a ordem democrática em sentindo pleno. Uma definição mais abrangente de democracia inclui o império da lei, o respeito à divisão de poderes, a liberdade de imprensa e de expressão, o respeito aos direitos das minorias e o respeito às oposições. Esses elementos suscitam dúvidas quanto a essa aventura na qual o Brasil está entrando, que é a eleição de Bolsonaro.

'Reputação do liberalismo no Brasil pode ser arruinada'
Para economista Eduardo Giannetti, plano 'neoliberal radical' do governo eleito pode não sair do papel, dado o histórico nacionalista de Bolsonaro

Diante do projeto “neoliberal radical” do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, o economista Eduardo Giannetti se diz preocupado com o futuro do próprio liberalismo no País.
Temo que essa aventura neoliberal radical, se não tiver o mínimo de sensibilidade social, possa arruinar a reputação do liberalismo no Brasil por muito tempo", afirmou em entrevista ao Estado. Giannetti, porém, pondera que talvez esse programa de Guedes não chegue a ser implementado, dada a trajetória nacionalista e corporativista do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).
Responsável pelo programa econômico da candidata derrotada Marina Silva (Rede), ele diz ainda que o resultado dela nas urnas reflete a polarização “raivosa” da sociedade brasileira, que acaba excluindo pessoas que defendem convergências. Essa polarização no País o levou a estudar sociedades que passaram por movimentos semelhantes, como a República de Weimar, que levou a Alemanha ao regime nazista. “Há muitos paralelos, mas não estou dizendo que isso deve ser ipsis literis aplicado ao Brasil. Quando essa polarização se estabelece, destrói o processo democrático eleitoral e a possibilidade de diálogo.”

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Quais fatores explicam a derrota dos partidos tradicionais e a ascensão de um nanico como o PSL?

Há um bom tempo o eleitorado brasileiro busca sair da oposição entre PT e PSDB. Esse movimento se anunciou em 2014, quando, depois da morte do Eduardo Campos, aquela onda avassaladora levou Marina a liderar as pesquisas. Mas, ela foi atacada de modo violento pelo governo Dilma Rousseff e acabou não resistindo. Há um parentesco entre aquela onda da Marina, uma outsider à época, e o que ocorreu agora. A diferença é que se agravou o quadro institucional e econômico brasileiro. Tivemos a Operação Lava Jato, que revelou os descaminhos da relação entre público e privado na vida brasileira. Houve a recessão provocada pelo desastre do governo Dilma. Isso favoreceu o desencanto e a busca por um candidato que não pertencesse ao establishment. Além disso, o Bolsonaro soube utilizar de maneira competente as novas tecnologias da informação para alavancar sua campanha mesmo sem estrutura partidária. De certa maneira, o PT provou de seu próprio veneno. O que eles fizeram contra Marina em 2014, em termos de boatos, foi feito contra eles agora pelo Bolsonaro,usando as mídias sociais de uma maneira mais avançada.

Dá para colocar PT em 2014 e PSL em 2018 no mesmo patamar?

Não foi muito diferente. A diferença é que, em 2014, era o poder instituído contra uma candidata sem recursos. Ela acabou sucumbindo diante das mentiras. Disseram que ela ia acabar com o Bolsa Família e que a autonomia do Banco Central seria entregue aos banqueiros. Fizeram um verdadeiro linchamento do qual eu mesmo fui vítima, porque representava o lado econômico da proposta dela.

Há também uma onda internacional crescente do populismo de direita. O que explica esse movimento global?

Sem dúvida Bolsonaro é parte de um processo que tem tomado conta de muitas democracias. Domesticamente, outro elemento importante foi que, tanto PT quanto PSDB, cujos programas são, a grosso modo, social democrata, nunca estabeleceram uma atuação cooperativa. Cada um deles, quando esteve no poder, preferiu se aliar ao que há de mais sinistro na política brasileira (o Centrão) do que conversar para enfrentar a desigualdade e obter um crescimento sustentável. Essa não cooperação abriu espaço para aventureiros. Também beneficiou Bolsonaro a força do sentimento antipetista, a raiva da população diante do establishment político e o medo que a insegurança gera. Olhando de forma mais ampla, há um desencanto generalizado com a democraria representativa nesse mundo da tecnologia da informação, em que há cobrança por resultados imediatos, muito mais possibilidades de organização e de compartilhamento de raiva e medo. Esses dois sentimentos elegeram Bolsonaro. Ele soube melhor que qualquer um se apresentar como alguám capaz de atender à raiva e ao medo. O efeito Bolsonaro tem parentesco com o que aconteceu nos Estados Unidos, com Donald Trump. É um tipo de populismo de direita que hoje tem muito apelo e que funciona muito bem nas mídias sociais. E ele tem um parentesco também no seu lado autoritário e meio autocrático com as democracias de fachada, como são Rússia e Turquia.

Há riscos para a democracia?

É possível responder afirmativamente, mas num sentido preciso. Uma definição estreita de democracia é a renovação periódica dos governantes em ambiente competitivo pelo voto universal e secreto. Isso não está em risco. Mas, sabemos que essa definição é compatível com práticas que comprometem a ordem democrática em sentindo pleno. Uma definição mais abrangente de democracia inclui o império da lei, o respeito à divisão de poderes, a liberdade de imprensa e de expressão, o respeito aos direitos das minorias e o respeito às oposições. Esses elementos suscitam dúvidas quanto a essa aventura na qual o Brasil está entrando, que é a eleição de Bolsonaro.

Até então, nenhum desses componentes haviam sido ameaçados?

Algumas propostas do PT ameaçavam também. Por exemplo, a liberdade de imprensa e de expressão e mesmo a autonomia dos poderes. Agora, a ameaça é maior com Bolsonaro. O Brasil vai viver duas coisas. Primeiro, um teste das nossas instituições democráticas. Será que elas sobrevivem ao voluntarismo e a tudo que Bolsonaro manifestou no passado? É uma dúvida. O segundo ponto é uma aventura para nossa sociedade em uma agenda ultraconservadora no plano dos costumes, que ameaça direito de minorias, e que, se se materializar, vai ser um tremendo retrocesso do ponto de vista da convivência no Brasil. Há uma outra aventura na agenda neoliberal radical que a equipe econômica está propondo. Uma agenda com muito pouca sensibilidade para questões ligadas à equidade, a grupos sociais vulneráveis e que me fez lembrar uma história da da Revolução Russa. (À época), Max Weber era professor de Georg Luckács, o principal filósofo marxista do século 20. Weber disse para ele: "Temo que os russos arruínem a reputação do marxismo por um século.” Eu temo que essa aventura neoliberal radical, se não tiver o mínimo de sensibilidade social e de compromisso com a ideia de justiça, arruíne a reputação do liberalismo no Brasil por muito tempo.

Com base nessa análise, Bolsonaro deve ser chamado de presidente de ultradireita?

Não tenho a menor dúvida.

Em relação a essa agenda econômica liberal 'radical', acha que ele será realmente implementada? Bolsonaro já desautorizou Paulo Guedes.

Também tenho dúvidas em relação a essa agenda, porque ela é totalmente inconsistente com a trajetória do Bolsonaro durante sete mandatos na Câmara. Ele sempre votou ao lado dos corporativistas, dos nacionalistas e dos estatizantes. Os sinais são muito desencontrados e não está claro qual vai ser a resultante desses vetores em conflito. É muito estranha essa conversão (de Bolsonaro) às vésperas da eleição ao ideário neoliberal radical. Não sei se ele se dá conta das implicações disso nem o que vai prevalecer quando ele tiver de decidir. Em relação ao Paulo Guedes, me lembrei de uma frase que eu ouvi uma vez: "Os economistas podem ser mais ingênuos sobre a política do que os políticos sobre a economia". As intenções dele são boas, mas temo que não saiba onde está se metendo.

Em geral, como vê o programa dele? 

É um programa genérico. Tem pontos positivos, como a abertura econômica. Acho que eles têm ciência da gravidade da situação fiscal, mas subestimam a dificuldade de implementação. Quando vejo essa equipe dizendo que vai zerar o déficit primário em um ano, fico muito incrédulo. Isso é improvável, tangenciando o pensamento mágico. Essa ideia de usar receitas excepcionais, como a de privatizações, para cobrir rombos fiscais sem resolver o desequilíbrio das contas públicas é vender a prata da família para jantar fora. Você vai ter algum alívio, reduzindo a dívida no curto prazo, mas, se não equilibrar as contas, daqui a pouco estará na situação anterior – e já terá vendido a prata da família. Então, é preciso tomar cuidado. O problema essencial do Brasil é que os gastos obrigatórios estão crescendo em um ritmo acima do crescimento do PIB – é insustentável. Temos seis meses para apresentar um programa fiscal crível, que cria o mínimo de ancoragem fiscal. Caso contrário, vamos entrar em uma situação de inadimplência do Estado e colapso financeiro. Aí tem duas alternativas, ambas péssimas: calote ou inflação. Essa ancoragem fiscal depende de medidas que vão ter de ser tomadas no início do mandato. A reforma da Previdência é a primeira. Acho até muito boa essa ideia de já aprová-la agora.

O sr. tem estudado sociedades fortemente polarizadas, inclusive a República de Weimar, que deu origem ao regime nazista. Há paralelos com o Brasil?

Eu me interessei em entender como uma sociedade se divide e chega ao tipo de polarização raivosa a que o Brasil chegou. Há muitos precedentes na história. A França teve a Revolução Francesa; a Espanha, a Guerra Civil e a Alemanha, a República de Weimar – que, dentro de um arcabouço democrático, elegeu Hitler, num enfrentamento entre nazismo e bolchevismo. Há muitos paralelos, mas não estou dizendo que isso deve ser ipsis literis aplicado ao Brasil. Quando essa polarização se estabelece, ela não permite mais nada que não esteja em um dos pólos. Isso destrói o processo democrático eleitoral e a possibilidade de diálogo. Na Alemanha, você era bolchevique ou nazista. E a elite financeira e industrial alemã, com medo do bolchevismo, estava topando qualquer aventura. Encontrei declarações de banqueiros e industriais alemães dizendo que Hitler não era problema porque, depois de eleito, eles o domesticariam. A elite econômica topou qualquer coisa para impedir que se repetisse na Alemanha uma revolução comunista nos moldes da Russa.

A elite brasileira tem apoiado Bolsonaro, sobretudo porque ele tem Paulo Guedes.

Tem de fazer todas as mediações, não é uma coisa que você pode aplicar diretamente. Mas, no Brasil, já vivemos isso na eleição de Collor. Para impedir Lula, quase toda a elite embarcou numa aventura que terminou mal, com um impeachment.

O que cria essas sociedades divididas?

O descrédito nas forças políticas estabelecidas, no status quo. A recessão também, no caso da Alemanha. O deseprego havia aumentado e Hitler soube se apropriar do sentimento de medo e de raiva. Ele oferecia ordem para uma sociedade que estava à beira de uma situção caótica de desorganização e da total incerteza em relação ao dia seguinte. Isso em condições muito mais dramáticas que o caso do Brasil. Agora, os paralelos são fortes.

Há elementos fascistas em Bolsonaro?

Essa palavra tem de ser usada com algum critério. Mas, o que ele falou sobre mulheres, homossexuais e indígenas ultrapassa qualquer fronteira de um pensamento civilizado do século 21. São de uma agressividade desmedida e, para qualquer pessoa minimamente centrada, gera uma enorme apreensão.

Todas as sociedades que o sr. estudou acabaram em guerra?

Não, os EUA estão vivendo isso. Há estatísticas que mostram que, em 1980, 5% dos republicanos não queriam que seus filhos se casassem com democratas. Em 2010, eram 49%. É um tipo de polarização preocupante que mina a confiança, que é fundamental para a democracia. Confiança de que você pode conversar com seus oponentes e encontrar pontos de convergência que permitam alguma atuação cooperativa acima das paixões partidárias.

Com base nesses estudos, como dá para imaginar o futuro do Brasil?

Vai depender do governo recém-eleito, que poderá ou não construir um espaço de diálogo em prol de propostas comuns.

O que aconteceu com a Marina, que começou a corrida eleitoral bem, mas terminou na lanterna?

Se fixou na imaginação do eleitorado brasileiro a ideia de que ela é frágil. E essa polarização raivosa exclui o surgimento de uma força que prega o diálogo e a convergência. Ela foi vítima dessa dinâmica. Foi por isso que fui estudar essa popularização raivosa que tomou conta da sociedade.

​Isso significa que, por enquanto, o político que procurar a convergência não terá espaço?

Esses pólos têm gás para se manter por certo tempo.


Fonte: O Estado de São Paulo, Economia e Negócios, Luciana Dyniewicz, 04/11/2018

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Jair Bolsonaro e a perversão do liberalismo


Como disse outras vezes, Bolsonaro nada tem de liberal, nem sequer no sentido econômico. Sempre foi estatista, corporativista e desenvolvimentista. Não por menos votou com o PT em muitas questões. No sentido das liberdades políticas e individuais, então, nem se fala. Um sujeito que nega o estado laico, que acha que minorias devem se curvar à maioria, é tudo menos liberal.

E, claro, o PSL não é um partido liberal, muito menos liberal social, a mais "esquerdista" das correntes liberais. O PSL é uma sigla de aluguel que se alugou para a extrema-direita bolsonariana. O pessoal realmente social-liberal, que estava tentando reformar o partido para fazer o nome combinar com a doutrina, abandonou o dito com a chegada de Bozo.

E Paulo Guedes, um liberal, no sentido econômico ao menos, se juntou ao Bozo pra tentar implantar suas ideias no governo. Como vão se entender é que são elas.

A The Economist é uma tradicional revista liberal de fato, no sentido amplo do termo. Já escreveu sobre Bozo antes e agora repete a dose com o texto "Jair Bolsonaro e a perversão do liberalismo. Revivendo o casamento profano da América Latina entre a economia de mercado e o autoritarismo político." Vale a leitura, inclusive pra gente ter uma ideia do que pode nos acontecer e já ir se preparando.

Jair Bolsonaro and the perversion of liberalism
Reviving Latin America’s unholy marriage between market economics and political authoritarianism

I
n july, at a convention of his small and inaptly named Social Liberal Party, Jair Bolsonaro unveiled his star hire. Paulo Guedes, a free-market economist from the University of Chicago, has done much to persuade Brazil’s business people that Mr Bolsonaro can be trusted with the country’s future, despite his insults to women, blacks and gays, his rhetorical fondness for dictatorship and the suddenness of his professed conversion to liberal economics. At the convention Mr Guedes praised Mr Bolsonaro as representing order and the preservation of life and property. His own entry into the campaign, he added, means “the union of order and progress”.

That prospect seems poised to make Mr Bolsonaro, a former army captain, Brazil’s president in a run-off election on October 28th. A survey by Ibope, a pollster, gives him around 52% of votes, to 37% for Fernando Haddad, his opponent from the left-wing Workers’ Party (pt); 9% of respondents said they would abstain. Mr Bolsonaro has benefited from a public mood of despair over rising crime, corruption and an economic slump caused by the mistakes of a previous pt government.

In the PowerPoint slideshow that passes for his manifesto, Mr Bolsonaro promises “a liberal democratic government”. Certainly Mr Guedes champions some liberal economic measures. He proposes to slim Brazil’s puffed-up, ineffective and near-bankrupt state through privatisations and public-spending cuts, and to undo the country’s serpentine red tape.

Yet Mr Bolsonaro’s words are often neither liberal nor democratic. He stands for “order”, but not the law. He urges police to kill criminals, or those they think might be criminals. He wants to change human-rights policy to “give priority to victims”, though presumably he does not mean the victims of extra-legal killings by police. He lacks a liberal regard for the public good in his plans to favour farmers over the environment and withdraw Brazil from the Paris agreement on climate change.

Whereas Mr Guedes proposes economic deregulation, Mr Bolsonaro wants moral re-regulation. He vows “to defend the family”; to “defend the innocence of children in school” against alleged homosexual propaganda; and to oppose abortion and the legalisation of drugs. As a congressman, he proposed birth control for the poor. He calls the generals who took power as dictators in Brazil in 1964 and ruled for two decades “heroes”. In July one of his sons, Eduardo Bolsonaro, who is a congressman, said “a soldier and a corporal” would be enough to shut down the supreme court. (The candidate distanced himself from these “emotional” comments, saying “the court is the guardian of the constitution.”)

When Comte hijacked liberalism

The combination of political authoritarianism and free-market economics is not new in Brazil or Latin America. Indeed, Mr Guedes’s phrase at the convention harks back to the point in the history of Latin American thought when the notions of economic and political freedom became divorced. “Order and Progress” is the slogan stamped across Brazil’s flag. There is no mention of “freedom” or “equality”. The slogan was dreamed up when Brazil became a republic in 1889 under the influence of positivism, a set of ideas associated with Auguste Comte, a French philosopher. Positivists believed that government by a high-minded “scientific” elite could bring about modern industrial societies without violence or class struggle.

Positivism was little more than a footnote in Europe. But it was hugely influential in Latin America, especially in Brazil and Mexico. It combined a preference for strong central government with a conception of society as a hierarchical collective, rather than an agglomeration of free individuals. Positivism hijacked liberalism and its belief that progress would come from political and economic freedom for individuals, just when this seemed to have become the triumphant political philosophy in the region in the third quarter of the 19th century. According to Charles Hale, a historian of ideas, positivism relegated liberalism to a “foundation myth” of the Latin American republics. It was to be paid lip service in constitutions but ignored in political practice. In a sentiment to which Mr Bolsonaro might subscribe, Francisco G. Cosmes, a Mexican positivist, claimed in 1878 that rather than “rights” society preferred “bread…security, order and peace”.

The divorce between the ideas of political and economic freedom in Latin America was in part a consequence of the region’s difficulty in creating prosperous market economies and stable democracies based on equality of opportunity. But it has also been one of the causes of that failure.

Liberalism had struggled to change societies marked by big racial and social inequalities, inherited from Iberian colonialism, especially in rural Latin America. Liberals abolished slavery and the formal serfdom to which Indians were subjected in the Andes and Mexico. But the countryside remained polarised between owners of latifundia (large estates) and indentured labourers. Missing were yeoman farmers, or a rural bourgeoisie. André Rebouças, a leader of the movement to abolish slavery in Brazil (which happened only in 1888), envisaged a “rural democracy” resulting from “the emancipation of the slave and his regeneration through land ownership”. It never happened.

Positivists rejected the liberal belief in the equal value of all citizens and imbibed the “scientific racism” and social Darwinism in vogue in late 19th-century Europe. They saw the solution to Latin American backwardness in immigration of white European indentured labourers, which initially prevented a rise in rural wages for former slaves and serfs.

The ignored lesson of Canudos

The high-minded positivists who ran the Brazilian republic were humiliated by a rebellion in the 1890s by a monarchist preacher at Canudos, in the parched interior of Bahia in the north-east. It took four expeditions, the last involving 10,000 troops and heavy artillery, to crush Canudos, at a cost of 20,000 dead (some of the defenders had their throats cut after surrendering). Euclides da Cunha, a positivist army officer-turned-journalist who covered these events, wrote in “Os Sertões” (“Rebellion in the Backlands”), which became one of Brazil’s best-known books, that the military campaign would be “a crime” if it was not followed by “a constant, persistent, stubborn campaign of education” to draw these “rude and backward fellow-countrymen into…our national life”.

That was a liberal response from a positivist writer. Again, it didn’t happen. Veterans from the Canudos campaign would set up the first favelas in Rio de Janeiro, which soon were filled with migrants from the north-east. Their descendants may end up as victims of Mr Bolsonaro’s encouragement of police violence.

Liberalism never died in Latin America, but in the 20th century it often lost out. With industrialisation and the influence of European fascism, positivism morphed into corporatism, in which economic freedom yielded to the state’s organisation of the economy, as well as society, in non-competing functional units (unions and bosses’ organisations, for example). Corporatism, with the power it awarded to state functionaries of all kinds, appealed to many of the region’s military men.
That became clear when many countries suffered dictatorships in the 1960s and 1970s. The Brazilian military regime would intermittently adopt economic liberalism, especially under the aegis of Mario Henrique Simonsen, a brilliant economist (and one of Mr Guedes’s tutors). He twice tried to impose fiscal and monetary squeezes to curb inflation. His nemesis was Antonio Delfim Netto, who favoured expansion through debt and inflation, which would cost Brazil a “lost decade” in the 1980s. The dictatorship that Mr Bolsonaro so admires ignored Da Cunha’s plea: it left to civilian leaders a country in which a quarter of children aged seven to 14 were not at school. Only in the current democratic period, under the constitution of 1988, has Brazil achieved universal primary education and mass secondary schooling.

The exception to military corporatism was General Augusto Pinochet’s personal dictatorship in Chile from 1973 to 1990. Pinochet sensed, rightly, that corporatism would require him to share power with his military colleagues. Instead, he called on a group of civilian economists, dubbed the “Chicago boys” because several had studied at the University of Chicago, where the libertarian economics of Friedrich Hayek and Milton Friedman held sway.

Trial and error from the Chicago boys

The Chicago boys applied these principles in Chile, whose economy had been wrecked by the irresponsibility of Salvador Allende, a democratic socialist overthrown by Pinochet. Their programme would eventually lay the foundations for Chile to become Latin America’s most dynamic economy at the turn of the century. But it was akin to a major operation by trial and error and without anaesthetic. They slashed import tariffs and the fiscal deficit, which fell from 25% of gdp in 1973 to 1% in 1975. They privatised hundreds of companies, with no regard for competition or regulation. Worried that inflation was slow to fall, they established a fixed and overvalued exchange rate. The result of all this was that the economy came to be dominated by a few conglomerates, heavily indebted in dollars and centred on the private banks.

In 1982, after a rise in interest rates in the United States, Chile defaulted on its debts and the economy slumped. Poverty engulfed 45% of the population and the unemployment rate rose to 30%. Pinochet eventually dumped the Chicago boys and turned to more pragmatic economists, whose policies contributed to Chile’s post-dictatorship prosperity.

Something similar happened in Peru under the presidency of Alberto Fujimori, who governed from 1990 to 2000. He sent tanks to shut down congress and pushed through a radical free-market economic programme. Again, that laid the basis for a dynamic economy but carried heavy costs. Mr Fujimori’s regime engaged in systematic corruption, and his destruction of the party system and of judicial independence had consequences that are still being felt. In Guatemala and Honduras, Hayekian anti-state libertarianism has led to dystopias from which citizens migrate en masse to escape from weak governments unable to provide public security or encourage economic opportunity (see article).

Mr Bolsonaro is a fan of Pinochet, who “did what had to be done”, he said in 2015. (This included killing some 3,000 political opponents and torturing tens of thousands.) So is Mr Guedes, who taught at the University of Chile in the 1980s, when the dean of its economics faculty was Pinochet’s budget director. Mr Guedes wants a flat income tax, a libertarian but not liberal measure. (Adam Smith, the father of liberal economics, favoured a progressive tax.)

So is Brazil in for a dose of pinochetismo? Mr Bolsonaro is not the army commander—indeed he was eased out of the army for indiscipline in 1988. And he is not a convincing economic liberal. At heart, he is a corporatist. As a congressman for 27 years, he repeatedly voted against privatisation and pension reform, and for increases in the wages of public servants.

Many of Mr Guedes’s proposals are vague, but sensible in principle and overdue. They include cutting the deficit and the public debt and reshaping public spending. Many of his proposed privatisations are necessary. As he told Piauí, a newspaper, Brazil is “paradise for rent seekers and hell for entrepreneurs”. He rightly wants to change that. But in many of these things Mr Bolsonaro may be his opponent. Mr Guedes may not last long.

Under a Bolsonaro presidency, Brazil could hope for a reformed, faster-growing economy and a president who keeps his authoritarian impulses in check. But there are plenty of risks. Perhaps the biggest is of illiberal democracy in which elections continue, but not the practice of democratic government with its checks and balances and rules of fairness. That could arise if a Bolsonaro presidency descended into permanent conflict, both within the government and between it and an opposition inflamed by Mr Bolsonaro’s verbal aggression. Frustrated, he might then lash out against the legislature and the courts. Separating economic and political freedom may seem like a short cut to development. But in Latin America it rarely is: the demand for strong government has vied with a persistent yearning for liberty.

Fonte: The Economist, 25/10/2018

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Mérito da jogadora Marta se mede por ser craque em campo e contra as desigualdades que enfrenta na vida

Análise estritamente economicista trata diferenças salariais entre o sexos sem considerar as origens históricas e sociológicas da desigualdade e de sua relação com o contexto sócio-cultural existente
Bem, acho as ideias liberais das mais aproveitáveis no que tange à administração do estado, da economia, etc. Melhor um estado pequeno realmente, menos impostos, menos burrocracia, mais liberdade econômica, mais liberdade para as pessoas empreenderem e tentarem determinar seus caminhos.

Por outro lado, liberais falham miseravelmente por não fazer análise estrutural (histórica, sociológica) dos fenômenos sociais, por não reconhecer todos os outros fatores de ordem sócio-cultural que inclusive interferem nos caminhos da própria economia, sem falar na trajetória das pessoas. Exemplo: bom público consumidor LGBT sempre existiu, mas ninguém investia nele porque a marginalidade da condição social das pessoas homossexuais impedia. Até hoje, empresas que investem nesse público ainda têm que enfrentar a objeção conservadora ao fazê-lo. Mas, graças à luta internacional por direitos LGBT, a inserção desse segmento populacional vem num crescendo na sociedade em geral, e as empresas pararam de temer a reação conservadora porque agora os benefícios parecem ser maiores do que os custos. Foi a mudança sócio-cultural que determinou a mudança econômica e não o contrário.

Mas, para muitos liberais, tudo continua explicável somente via papinho economicista e na base de uma suposta liberdade de escolha (como se nossas escolhas não estivessem também sujeitas aos condicionantes estruturais) que só existiria de fato se vivêssemos numa bolha isolada da realidade social ou numa realidade social diferente da atual. Diferente porque haveria igualdade de largada, começando por substituir a educação diferenciada dada às crianças que privilegia meninos em detrimento de meninas. 

Então, cai-se num mundo meio de faz de conta onde não viveríamos numa sociedade patriarcal que determina diferentes oportunidades para homens e mulheres desde o berço até o túmulo. Poderia citar inúmeros exemplos para ilustrar meu ponto de vista, mas, focando a questão salarial, em geral, a razão para as disparidades econômicas nos salários entre homens e mulheres tem como cerne o sexismo mesmo. As questões mercadológicas envolvidas no assunto são reflexo dessa raiz e não explicação para o problema, ainda que tenham resposta para uma parte dele.

Charlize Theron bateu o pé por salário igual e levou
Exemplo: as estrelas de Hollywood sempre levaram tanta gente às bilheterias de cinema quanto os astros, sempre geraram tanta grana ou mais para os empresários do ramo quanto os astros e nem por isso ganhavam o mesmo que eles. Só recentemente as divas de Hollywood resolveram peitar o sexismo cinematográfico e exigir o mesmo salário que o dos astros. Aí de repente, vejam só, o dinheiro apareceu. Obviamente quem faz análises exclusivamente economicistas de problemas complexos de ordem sócio-cultural jamais vai produzir soluções adequadas para os mesmos.

Na imagem do início deste post, vemos bem esse caso. Uma análise estritamente economicista que desconsidera vários outros fatores de ordem sócio-cultural para explicação dessa disparidade salarial entre Marta e Neymar E ainda substituem gol por mérito. E depois se queixam quando as esquerdas consideram a meritocracia uma falácia. Como contestá-las nesse caso?

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O Brasil está às vésperas de uma mudança de época rumo a ideias liberais?

Juan Arias
Será muito saudável essa mudança de época, como diz Juan Arias, em seu texto abaixo, se o liberalismo no Brasil deixar de ser tão contaminado pelo conservadorismo como se apresenta hoje.

Um Estado pequeno, mas forte, menos impostos, menos corrupção, menos interferência estatal na economia e na vida das pessoas, tudo isso compõe um estado moderno e bem mais funcional e interessante do que o que temos agora. Arias identifica essa mudança de visão na classe média já tradicional e na ascendente.

... (a classe média pensante) perdeu o complexo de defender valores como o liberalismo, que leva junto o desejo pela eficiência e o afã de criar sua própria empresa.
...É essa mesma classe que, sem distinções ideológicas excessivas, defende hoje valores que são bem mais de políticas de centro, como a livre iniciativa, a eficiência dos serviços públicos, uma maior segurança pública, menos corrupção e um Estado menos gastador e onipresente.
 Vejo até mais críticas na classe C com relação a certas bondades do Estado, como bolsas e ajudas sociais, do que em classes mais altas. Criticam que muitas dessas ajudas podem acabar acomodando as pessoas e as tornar preguiçosas para trabalhar e melhorar sua capacitação profissional.
Entretanto, como conciliar esse discurso modernizante com o reacionarismo conservador que é contra a liberdade individual (embora alguns falem cinicamente em liberdade), contra a educação sexual, contra os direitos de minorias e, sobretudo, contra a liberdade das mullheres de serem sujeitos da própria vida, de ter autopropriedade, num país ainda tão marcado pelo machismo mais anacrônico? 

Quem viver verá no que essa virada política vai dar. Verá se vão prevalecer as ideias liberais de liberdade não só para "homens brancos, héteros, burgueses e cristãos", como no já clichê, ou se vai predominar o obscurantismo conservador. Se teremos as luzes no fim do túnel em que o PT nos meteu ou se teremos um novo túnel igualmente trevoso de outros proprietários. Para nós, que queremos um Brasil melhor para todas e todos, impõe-se a necessidade de nos empenharmos pelas primeiras ideias naturalmente, porque de gente autoritária, desonesta, picareta, etc... já nos chegam esses últimos anos de petismo.

O Brasil está deixando de ser de esquerda?

Poucos brasileiros duvidam que o país está às vésperas de uma mudança que pode ser de época

Em meio ao redemoinho da crise que o país atravessa, é possível vislumbrar algo que parece ser novo e poderia marcar as próximas décadas: o Brasil está começando a deixar de caminhar para a esquerda e sente uma certa fascinação por valores mais liberais e conservadores, de centro, menos populistas ou nacionalistas e, paradoxalmente, mais modernos e globalizados.

Até antes da crise, ou das crises que se amontoam, ninguém no mundo político queria ser de direita aqui. Tanto é assim que entre o mar de partidos oficiais nenhum leva em seu nome as palavras direita ou conservador. Até o mais conservador deles, e um dos mais envolvidos no escândalo na Petrobras, o PP, se chama Partido Progressista.

Entre o mar de partidos oficiais nenhum leva em seu nome as palavras direita ou conservador

O Partido dos Trabalhadores (PT), que já foi considerado o maior partido de esquerda da América Latina, marcava o passo como príncipe dos partidos, abraçado pelos movimentos sociais, os sindicatos, os operários e boa parte dos artistas e intelectuais. As ruas também eram do PT. E isso apesar de seu mentor e guia, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se esforçar em dizer que ele não era “nem de direita nem de esquerda”, mas apenas um “sindicalista”. Em seus oito anos de Governo foi também aplaudido, mimado e defendido pelos bancos, as empresas e as oligarquias que foram amplamente recompensados por seu apoio. Ele mesmo repetia aos banqueiros que nunca tinham ganhado tanto como com ele. E era verdade.

O Brasil é visto fora de suas fronteiras com uma política de centro-esquerda, uma vez que o PT se aliou, para poder governar, com os partidos conservadores.

Essa roupagem de esquerda, com a qual era vista a política dos governos brasileiros, fazia parecer normal a preferência por países do socialismo bolivariano do continente. A direita neoliberal não tinha carta de cidadania no Brasil.

As coisas, dizem não poucos analistas, estão mudando, porque mudaram a rua e a sociedade, que começou a abandonar o PT ao mesmo tempo em que se perdeu o complexo, principalmente na classe média pensante, de defender valores como o liberalismo, que leva junto o desejo pela eficiência e o afã de criar sua própria empresa. E isso não só entre os filhos das classes mais abastadas, mas também com os da nova classe média oriunda da pobreza, que já não sonham como ontem com um trabalho fixo sob as ordens de um patrão para o resto da vida.

É essa mesma classe que, sem distinções ideológicas excessivas, defende hoje valores que são bem mais de políticas de centro, como a livre iniciativa, a eficiência dos serviços públicos, uma maior segurança pública, menos corrupção e um Estado menos gastador e onipresente.

Não basta a eles que o Estado ofereça esses serviços para todos, querem que sejam dignos de primeiro mundo, porque o Brasil tem um potencial de riqueza que possibilitaria isso.

Vejo até mais críticas na classe C com relação a certas bondades do Estado, como bolsas e ajudas sociais, do que em classes mais altas. Criticam que muitas dessas ajudas podem acabar acomodando as pessoas e as tornar preguiçosas para trabalhar e melhorar sua capacitação profissional.

Poucos brasileiros duvidam que o país está às vésperas de uma mudança que pode ser de época. Ninguém sabe ainda profetizar no que consistirá essa mudança e em que direção irá, nem qual partido e líder político serão capazes de expressar e reunir o que está sendo gerado de novo nessa sociedade.

O que parece cada dia mais provável é que a seta não aponta mais preferencialmente para os caminhos da esquerda, que foram necessários e criadores da prosperidade social, mas hoje estão perdendo o interesse e a credibilidade.

É verdade que os termos esquerda e direita hoje já não possuem mais a força que possuíam no passado, mas o que a sociedade brasileira parece estar buscando se assemelha mais com as políticas dos países hoje mais igualitários, com democracias mais consolidadas, com menores taxas de corrupção política, com moedas fortes e com liberdade de empreender economicamente.

Tudo isso, junto com uma política de bem-estar social.

O que tenho escutado de muitos trabalhadores neste país é o desejo e a esperança de que, assim como no trabalho profissional, um brasileiro possa gozar do nível de vida e dos serviços públicos que hoje desfrutam os cidadãos de países considerados conservadores, onde as diferenças sociais não são tão evidentes e tão brutais como nos países embalados pelas sirenes de um populismo que, com muito Estado e pouca cidadania, acaba reproduzindo pobreza, como hoje estão sofrendo em parte nossos vizinhos argentinos.

O Brasil quer mais e melhor. E quer isso com políticas mais próximas do centro, com maior liberdade de ação, sem tutores que desejem guiar seus passos e dizer o que é melhor para as pessoas. Os brasileiros querem que sua palavra, seus projetos e suas ideias tenham também valor e peso nas decisões que forjam o destino do país.

Essa é a verdadeira subversão que hoje começa a viver essa sociedade viva e rica, que está aprendendo a dizer “não”. E, como defendia o escritor e ganhador do Nobel de Literatura José Saramago, às vezes o “não” da rebelião é muito mais construtivo do que o “sim, senhor” da resignação ou da apatia.

A rebelião não tem cor política.

Saramago era de esquerda, comunista.

Fonte: El País, Juan Arias, 19/09/2015

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Para de fato combater a corrupção, é necessário diminuir a concentração de poder e manter a liberdade de imprensa e de escolha das pessoas

Odemiro Fonseca
Bom texto do empresário Odemiro Fonseca em O Globo demonstrando que só a punição dos corruptos não vai resolver o problema da corrupção endêmica que temos no Brasil. É necessário uma reforma estrutural do Estado brasileiro, reduzindo-o generosamente para diminuir a concentração de poder e manter a liberdade de imprensa e de escolha das pessoas.

Destaque:

Ideologias e corrupção estão ligadas pela concentração do poder estatal. Das experiências comunistas aos capitalismos de Estado. Nos países desenvolvidos que viveram e vivem experiências liberal-democráticas, o poder político é descentralizado e estatais não existem ou são poucas, regulamentação sobre abrir e fechar empresas é simples e a transparência, refletida na imprensa livre, é grande e protegida. É nesses países que a corrupção é muito menor.
Ideologias e corrupção
O único caminho é diminuir a concentração de poder e manter a liberdade de imprensa e de escolha das pessoas

Por Odemiro Fonseca

Somos o que cremos, defendem economistas comportamentais, alguns filósofos e psiquiatras. Por exemplo, alguém que creia ser possível e louvável criar um mundo melhor somente ou prioritariamente através da ação do Estado precisa de uma ideologia. Quem crê o contrário não precisa. É uma clivagem fundamental, pois a busca por um mundo melhor através da ação do Estado requer (concentrar poder) criar burocracia estatal ativa, que desenvolve objetivos próprios e clientelas e que capturam o sistema político, entrincheirando-se com demandas crescentes. A aliança entre políticos, burocratas estatais (inclusive os de empresas estatais) e suas clientelas privadas, com benefícios concentrados e interesses alinhados, precisa minimizar (transparência) para passar do formalismo burocrata em servir todos os cidadãos igualmente, para a escolha seletiva, o patrimonialismo e a economia de compadrio (poder discricionário). Finalmente chegamos à corrupção. Prova-se fórmula de Robert Klitgaard C= CP+PD-T (corrupção = concentração de poder + poder discricionário – transparência).

Ao contrario das ideologias, sejam na forma de teocracias, socialismos, comunismos, capitalismos de Estado, a liberal democracia (liberalismo clássico que criou o Estado Democrático, fruto do iluminismo) não é uma ideologia, portanto nada de bandeiras, cores, flores, hinos, “homem massa”, “locomotivas estatais”, “modelos”, “planejamentos centrais”. Baseia-se numa razão crítica, inacabada, que pressupõe tolerância, que é a convivência pacífica entre pessoas diferentes e consciência de que o conhecimento e a ação humana são limitados, que o progresso humano vem da sua criatividade, por tentativa e erro. Talvez esse seja o problema do liberalismo, seu laicismo racional e o respeito pela democracia moderna, que gera uma “fraqueza motivacional” (Habermas) que as ideologias não demonstram.

Ideologias e corrupção estão ligadas pela concentração do poder estatal. Das experiências comunistas aos capitalismos de Estado. Nos países desenvolvidos que viveram e vivem experiências liberal-democráticas, o poder político é descentralizado e estatais não existem ou são poucas, regulamentação sobre abrir e fechar empresas é simples e a transparência, refletida na imprensa livre, é grande e protegida. É nesses países que a corrupção é muito menor.

Crenças ideológicas sempre trouxeram corrupção. O PT não é um ponto fora da curva. Mas, na fórmula de Klitgaard, não existe a variável “impunidade”. Se formos somente nesta direção, o esforço atual será desperdiçado. A corrupção se tornará mais cara, insidiosa, ousada. O único caminho é diminuir a concentração de poder e manter a liberdade de imprensa e de escolha das pessoas. Desconcentrar poder significa desestatização, regulamentação menos abusiva e no limite, concessões de serviços ao setor privado. E mais federação. Resolve-se de quebra enormes problemas políticos.

Fonte: O Globo, 20/08/2015

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Retrospectiva 2015: Nem de esquerda nem de direita, o liberalismo pode ser a alternativa mais adequada para este século?

Dois textos do Roger Scar, do portal Libertarianismo, sobre a identidade particular da linhagem liberal, que, segundo o autor, deve manter sua autonomia tanto em relação ao conservadorismo quanto ao socialismo. Concordo em boa parte. Por isso,  divulgo.

Liberalismo: de esquerda ou de direita?

É natural que as pessoas queiram se identificar com um grupo. Dizer-se de esquerda ou de direita faz parte de uma linha comum no raciocínio dicotômico. Os liberais, no entanto, não escapam disso. Pelo contrário. Ouso dizer até que são os mais confusos no que diz respeito a isso. Frequentemente tentam se posicionar de um lado ou de outro, sem notar que, na prática, isso não apenas é pouco relevante como é quase sempre muito negativo.

Esquerda e direita são conceitos mutáveis, assim como vários conceitos o são. O que define um conceito é justamente isso: sua adaptação. Conceitos são aquilo que a mentalidade das pessoas, dentro de seu tempo (zeitgeist), podem compreender de uma ideia. Socialismo é um conceito que se modificou com o tempo. Liberalismo também. O mesmo ocorreu com “esquerda” e “direita”. Nos tempos de Bastiat era natural um liberal pender mais à esquerda; ele compreendia com razão que, na época, ser da esquerda era lutar contra o establishment, era questionar o status quo daquele tempo. Num momento pós-revolução francesa nada seria mais natural para um liberal. Já no século XX esta situação se alterou. A esquerda passou a adotar posturas muito mais voltadas ao pensamento pró-Estado. Nesta situação, ser liberal acabou significando um afastamento da esquerda. Foi aí que liberais incorreram no erro de se associar com linhas mais conservadoras.

No século passado, liberais e conservadores andaram de mãos dadas em muitas ocasiões. Neste contexto, ficou claro para nossos adversários que éramos “iguais” aos reacionários. Não tardou para que usassem isso contra nós. E não os culpo. Como oportunistas políticos que se tornaram, esquerdistas em geral precisam deste tipo de falácia para se sustentar. É natural que seja assim. Mas não há como não culpar a nós mesmos por isso. Enquanto liberais, pecamos feio em tentar guinar ao conservadorismo.

Entretanto, parece que como todo o restante da humanidade, não aprendemos com a história. No presente, vejo liberais caindo no mesmo erro. Alguns vivem no século XX e querem pertencer à direita. Outros vivem no início do século XIX, e estes querem pertencer à esquerda. Ambos incorrem exatamente no mesmo erro. Os “liberais de direita” criaram o conservadorismo liberal, uma ideologia que namora com o liberalismo e com o conservadorismo, mas acaba não sendo nenhuma das duas coisas. É uma aberração. E o motivo para que se tenha caído em tão óbvia armadilha é simples: conservadores em geral defendem liberdades econômicas. Mas, parece não ocorrer aos tais liberais que eles não defendem as liberdades civis, tão importantes quanto. E parece não lhes ocorrer, também, que os grandes pensadores de nossa ideologia já deixaram bastante claro que é impossível a liberdade ser plena se ela tiver restrições. Não há como ter liberdade econômica sem as liberdades civis.

Do outro lado do espectro, temos os modernos libertários de esquerda, mais conhecidos pela alcunha de “left-libs”. Estes tentam timidamente abraçar a esquerda e se aproximar da new left. O motivo de isto acontecer é também muito simples: eles caíram no engodo de acreditar que a esquerda de hoje luta por liberdades civis. Compraram o discurso feminista e anti-racista ou pró direitos homossexuais da esquerda de hoje. Ironicamente eles não notam que este discurso foi usurpado de nós mesmos. Nós, liberais, sempre defendemos a liberdade individual e a equidade para mulheres, negros, brancos, gays, ou o que quer que as pessoas sejam. E além de terem usurpado o nosso próprio discurso, vale ressaltar que a new left o usa de maneira torpe e trapaceira. O que estes libertários de esquerda não veem é que os socialistas de hoje não querem liberdades civis de verdade, eles querem apenas que o Estado regulamente estas liberdades. Nós falamos em liberação das drogas, eles falam de legalizá-las. Nós falamos em liberdades iguais, eles falam em direitos sociais e leis de privilégio. Sem contar que, quando falamos em liberdade econômica todos eles têm parada cardíaca. Não é à toa que a própria esquerda ridicularize os libertários de esquerda, exatamente como muitos conservadores fazem com os liberais de direita ou liberais conservadores.

O que liberais precisam aprender é que conservadores e socialistas não nos representam. Não é por concordamos com algo que eles digam e defendam de forma pontual que precisamos entrar de cabeça e guinar para o lado deles. Pelo contrário. Ter concordâncias pontuais é até natural, dificilmente alguém discorda em tudo. Mas é mais que necessário reconhecer que em essência somos completamente distintos. E isso era, inclusive, o que o próprio Bastiat defendia. Por isso me é tão entristecedor quando vejo libertários citando o bastião francês da liberdade enquanto tentam justificar sua inclinação espectral para a esquerda. Acho igualmente triste ver os liberais conservadores tentando justificar sua posição citando o trabalho de Reagan ou Tatcher, que foram tão pouco liberais quanto tantos outros.

Mas, é fato: precisamos ter foco. O que hoje aparece como hegemônico no espectro político é a esquerda e ela deve ser nosso alvo principal, sem dúvidas. Mesmo por que a direita atual tem muito menor relevância. E precisamos olhar o passado e reconhecer, ainda que tardiamente, que hoje a new left só possui tanta influência por causa dos nossos erros. Reconhecer isto é essencial para evitarmos o mesmo equívoco daqui para frente. Precisamos recuperar nossa pureza. E antes tarde do que nunca!

Acrescento, ainda, que é muito mais importante nos preocuparmos com o conteúdo e com a forma de nossas ideias do que em nos identificarmos como “isto” ou “aquilo”. Nós devemos fazer concessões somente se e quando houver legitimidade e um aparelhamento dentro daquilo que nós já defendemos, e não o contrário. A história já fez sua parte em nos mostrar os erros de nossos ídolos. Alguns tiveram a chance de morrer como heróis, mas outros viveram o bastante para tornarem-se “vilões”. Nós podemos traçar um novo caminho, levando o liberalismo adiante da forma como ele deve ser de verdade. Para isto, basta uma mudança de postura. Misture-se, portanto, ideias puras com um discurso flexível. Esta é a fórmula correta para adequar-se ao nosso tempo.

*Roger Scar é escritor e colunista do blog Portal Libertarianismo.

Por que conservadores fingem ser liberais?

Primeiramente, aqui vão duas coisas importantes que você deve saber antes de ler o texto:
Não há nenhum problema em alguém ser conservador. Nós, liberais, apenas discordamos ideologicamente disso.

Não é a intenção deste texto generalizar, dizendo que todo conservador age desta forma. Sabemos que não é isso. Trata-se de um comportamento de um grupo isolado, mas que não deixa de ser algo digno de nota.

Então, vamos lá…

Você já notou uma tendência muito forte em alguns conservadores, principalmente os mais novatos, em querer fingir que são liberais? Se não, passe a notar a partir de hoje. Mas, por qual razão eu afirmo que eles estejam fingindo?

Vejamos.
  • Porque boa parte deles defende uma forma poderosa de Estado. Na realidade, a maior parte do atual movimento conservador se resume a pessoas anti-PT, mas não necessariamente anti-Estado. É verdade que a ideologia conservadora não abarca obrigatoriamente a mentalidade estatista, mas ela é um terreno fértil para que tal coisa ocorra.

  • Porque muitos conservadores, por exemplo, ainda que sejam favoráveis à liberação das armas, se posicionam fortemente contra a liberação das drogas. Para tal, usam exatamente o mesmo tipo de argumento usado pelos desarmamentistas.
  • Porque boa parte deles defende a intervenção estatal para manter valores morais. Valores estes, é claro, que são compartilhados por eles próprios.

  • Uma pequena parcela, mais radical, é contrária à imigração e a miscigenação cultural, ambas coisas que são pilares da liberdade individual.
Vale reforçar que estes quatro pontos são apenas alguns dos muitos; mas só eles já são mais que suficientes para explicar porque o conservadorismo não tem nada a ver com o liberalismo. Felizmente, muitos conservadores e liberais sabem disso. Infelizmente, muitos liberais e conservadores não sabem disso. Mas alguns sabem e mesmo assim o fazem. E são estes os que estão deliberadamente fingindo ser o que não são.

Mas tudo isso mostra apenas que estejam fingindo. Falta agora mostrar o que os motiva a fazer isto. Bem, é muito simples. Nota-se uma clara ascensão do pensamento liberal na América Latina. E isso começou lá pela década de 90. No Brasil, nesta época, alguns dos maiores institutos liberais da história surgiram. E os que já existiam ganharam maior notoriedade. Porém, nada comparado ao “boom” dos últimos dez anos.

A ideologia liberal explodiu na última década de um modo fenomenal, e graças à internet ela se tornou muito mais acessível ao público geral. Hoje o Brasil possui um movimento liberal forte, ainda que não tão bem concentrado e organizado. Isto é um prato cheio para oportunistas tentarem ganhar algum espaço. E foi assim que muitos conservadores – alguns até falidos, verdade seja dita – cresceram os olhos diante da oportunidade de voltar à tona.

E isso tudo é possível graças ao imenso acúmulo de besteiras feitas pelo governo. Então, o movimento anti-PT cresceu, e com ele veio junto toda sorte de gente das mais variadas ideologias unidas por um ideal: O de agir contra o governo.Tudo bem que estejamos unidos por um mesmo fim. Mas não é correto ou producente que confundamos as coisas. Pelo contrário! Precisamos ficar de olho para não dar espaço a conservadores fingindo defender ideais liberais. Os que não fingem estão sendo apenas eles mesmos, e eles têm todo o direito de ser o que são. Os que fingem, por outro lado, estão tentando nos passar a perna. E eles não são tão poucos. Existe até um famoso blogueiro conservador que vive fingindo ser liberal. Não é um caso isolado.

Fonte: Portal Libertarianismo, 22/04/2015

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