8 de Março:

A origem revisitada do Dia Internacional da Mulher

Mulheres samurais

no Japão medieval

Quando Deus era mulher:

sociedades mais pacíficas e participativas

Aserá,

a esposa de Deus que foi apagada da História

Mostrando postagens com marcador economia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador economia. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 1 de março de 2022

Rússia (merecidamente) sitiada na economia

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, se reúne com autoridades da área econômica do país para discutir os efeitos das sanções do Ocidente | Alexey NIKOLSKY / SPUTNIK / AFP

Míriam Leitão
A jornalista Míriam Leitão explica abaixo como as sanções contra a Rússia estão fazendo efeito. Ao final, entrevista da jornalista Renata Lo Prete com a colega Míriam sobre o mesmo assunto.

O ataque do Ocidente à Rússia de Vladimir Putin, na área financeira, foi sem precedentes, e o país foi arremessado de volta à crise de 1998, quando as moedas dos países emergentes sofreram colapsos seriais. Certamente o presidente Vladimir Putin subestimou a reação dos grandes países, nos quais depositou suas reservas. No fim do dia, o quinto da guerra que declarou contra a Ucrânia, seu Exército estava às portas de Kiev, seu Banco Central estava de joelhos, e sua população estava numa corrida contra o rublo. Putin acumulou US$ 630 bilhões de reservas para descobrir que o Manifesto Comunista, que deve ter lido nos tempos de espião soviético, continha o melhor alerta: “Tudo o que era sólido desmancha no ar”.

Mas como desmancham-se as reservas? Dados do próprio Banco Central russo mostram que US$ 463 bilhões das reservas, ou 73% do total, estão em moeda estrangeira, e apenas 14% desse valor estão em moeda chinesa, yuan. Pelo menos 60% das reservas estão em dólar, libra esterlina, euro. Em ouro, ela tem US$ 132 bilhões, mas ainda não está claro como pode transacionar o metal se as principais economias do mundo — à exceção da China — estão fechadas com as sanções contra a Rússia. Há depósitos em papéis do FMI, que foram bloqueados. A decisão de mirar o Banco Central russo e congelar esses ativos deixa o BC sem acesso à artilharia que acumulou para enfrentar este momento. Putin teve êxito nas duas vezes em que atacou países, na Geórgia, em 2008, e na anexação da Crimeia, em 2014, porque, após a desvalorização do rublo, a moeda se estabilizou. Mas agora houve uma mudança quantitativa e, portanto, um salto qualitativo nas sanções. Desta vez atingiram o país.

A reação foi clássica. O BC russo mais que dobrou a taxa de juros e determinou que as empresas exportadoras convertam em rublos 80% de suas receitas. Ou seja, entreguem os dólares. Estão forçadas a aceitar o rublo. Nas ruas, contudo, longas filas se formaram em frente aos bancos e os correntistas tentavam tirar a maior quantidade de dólares possível. Nas crises de confiança que atingem moedas, empresas e famílias querem um porto seguro, em geral, dólar, dinheiro na mão.

Reservas são depósitos em bancos de outros países, em dinheiro ou aplicações em títulos emitidos pelos governos ou por empresas privadas. Os preferidos como reserva de valor são os títulos do Tesouro americano. Quando tantos países grandes impedem o país, dono das reservas, de transacionar com aqueles papéis ou depósitos, o que parecia sólido desmancha-se.

Nas últimas horas houve uma avalanche de decisões. A Suíça aderiu às sanções, a Noruega, que tem o maior fundo soberano do mundo, avisou que sairá de ativos russos, a S&P classificou os papéis como lixo. Sucessivas empresas — Shell, BP, Daimler, Equinor — anunciaram o rompimento de parcerias com empresas russas. O país foi sendo cortado do espaço aéreo, do sistema financeiro, da economia produtiva, dos esportes. Quando Putin ameaçou usar o seu arsenal nuclear, os governos ocidentais superarem suas divisões sobre a suspensão ou não da Rússia do Swift e adotaram algo mais pesado: acertar direto o Banco Central russo. O BCR ainda mantém ferramentas para acalmar o mercado. Pode aumentar mais os juros, fornecer liquidez aos bancos, fazer um controle explícito de capitais, impor feriados bancários.

Apesar de todo o embargo, a Rússia continua recebendo dólares do canal das exportações de energia e justamente para a Europa, seu principal mercado. Além disso, a Rússia tem a China. Única grande economia a não impor sanções e, em certa medida, a apoiá-la. Mas até que ponto? Economistas e empresários que falam com os chineses avaliam que a China não quer ser o fiador de Vladimir Putin. A visão é a de que “não há nada que a China possa ganhar”. Vai ajudar, vai aliviar o sufoco, mas não resgatá-la.

A elite russa mostrou sinais de fissura. Celebridades, empresários, pessoas ligadas a famílias de assessores de Putin começaram a falar publicamente contra a guerra. O conflito no front econômico não interessa a nenhum dos oligarcas que sustentam Putin, centenas deles diretamente atingidos. A Rússia está sangrando financeiramente. Numa situação assim todos perdem. Mas não fica barato também para quem impõe as sanções. Não há um lugar longe o suficiente desta guerra de Vladimir Putin.

Com Alvaro Gribel (de São Paulo)

Clipping Rússia sitiada na economia, por Míriam Leitão, coluna do Globo, 01/03/2022


quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Esther Duflo ganha Nobel de Economia com trabalho sobre a pobreza

Francesa Esther Duflo foi uma das vencedoras do Nobel de Economia de 2019
— Foto: Patrick Kovarik / AFP
Franco-americana é a segunda mulher na história a ganhar o prêmio. Trabalho da pesquisadora dá enfoque econômico diferente sobre a pobreza.
A franco-americana Esther Duflo firmou-se nos últimos anos como uma das economistas mais brilhantes de sua geração. Ela é a segunda mulher na história a ganhar o Nobel de Economia, depois da americana Ellinor Ostrom em 2009, e também a mais jovem, com 46 anos.

Ela compartilhou o Nobel de Economia de 2019 com dois homens, o americano nascido na Índia Abhijit Banerjee, que é seu marido, e o americano Michael Kremer. Seus trabalhos, realizados essencialmente na Índia, concentram-se na redução da pobreza.
Estou honrada. Para ser honesta, não achei que era possível ganhar o Nobel tão nova", reagiu a economista. "O prêmio Nobel de Economia é único em comparação com outros prêmios, reflete uma mudança no campo econômico e geralmente leva muito tempo [antes que a teoria seja posta em prática]", acrescentou, ao ser questionada pela Academia.
Em sua carreira, Esther Duflo ganhou muitos prêmios, incluindo a medalha John Bates Clark em 2010, que recompensa os trabalhos de economistas nos Estados Unidos com menos de 40 anos.

Em 2013, a Casa Branca a escolheu para assessorar o presidente Barack Obama em temas de desenvolvimento. Foi ainda parte do novo Comitê para o Desenvolvimento Mundial.
Acaso e trabalho de campo
É uma intelectual francesa de centro-esquerda que acredita na redistribuição e na noção otimista de que amanhã poderá ser melhor que hoje", escreveu a New Yorker sobre ela em 2010, em uma edição dedicada a inovadores da atualidade.
Nascida em Paris em 1972, cresceu em uma família protestante, com uma mãe pediatra, muito envolvida em obras humanitárias, e um pai professor de matemática.

Graduada na Ecole Normale Supérieure e na Ecole des Hautes Études em Sciences Sociales (EHESS) na França, também tem um doutorado do Massachusetts Institute of Technology (MIT) nos Estados Unidos, onde é professora.

No Laboratório de Pesquisa Abdul Latif Jameel sobre Alívio à Pobreza, que ela co-fundou em 2003 e lidera, seu trabalho é baseado em experiências de campo em parceria com organizações não governamentais.

Por exemplo, "se é estabelecido um novo programa de tutoria nas escolas, são escolhidas 200 escolas ao acaso, 100 das quais o programa será estabelecido e as outras 100 não", explicou à AFP em 2010, quando recebeu a medalha John Bates Clark.

Esther Duflo é também a única mulher entre todos os vencedores do Nobel em 2019.

O avanço dos estudantes é comparado e avaliado em ambos os casos, e os resultados dessa pesquisa são encaminhados às autoridades públicas e a organizações beneficentes como a Fundação Bill e Melinda Gates para que sejam "ampliados", apontou.

'Caricaturas e clichês'

Seu livro "Repenser la pauvreté" (Repensar a pobreza), escrito em colaboração com Abhijit Banerjee, recebeu o prêmio Financial Times/Goldman Sachs ao Livro Econômico do Ano de 2011.
Nossa visão da pobreza está dominada por caricaturas e clichês", disse em uma entrevista com a AFP em 2017. "Se quisermos entender os problemas associados à pobreza, devemos ir além dessas caricaturas e entender por que o fato de ser pobre muda algumas coisas no comportamento e outras não".
Para ela, esse esforço para mudar a percepção da pobreza também precisa ser aplicado à economia e aos economistas.

Os economistas têm uma reputação muito ruim e parte dessa má reputação se justifica provavelmente pela forma como a disciplina funciona", explicou no começo de 2019 em uma entrevista ao France Inter.
Quando você é economista,as pessoas acham que você está interessado nas finanças ou que você trabalha para os ricos, mas isso não é necessariamente o caso".

Clipping Esther Duflo, de 46 anos, é a mais jovem a ganhar Nobel de Economia, 14/10/2019, G1, via APF

quinta-feira, 7 de março de 2019

Mulheres conquistam chefia das instituições que influenciam economia global

Gita Gopinath, Laurence Boone, Pinelopi Koujianou Goldberg, Beata Javorcik

FMI, Banco Mundial, OCDE e ERDB têm agora economistas-chefe mulheres


São Paulo – As mulheres estão conquistando cada vez mais espaços de poder e um exemplo é o ramo da economia.

Quatro das principais organizações multilaterais do planeta escolheram recentemente mulheres para o posto de economista-chefe.

Isso significa que elas que estarão responsáveis por coordenar as projeções que embasam as instituições, servem como referência para o mercado e influenciam nos rumos da economia global.

Conheça as quatro economistas:

Gita Gopinath (Fundo Monetário Internacional)

Esta americana nascida na Índia, de 47 anos, foi escolhida para o cargo em outubro e assumiu em janeiro no lugar de Maurice Obstfeld.

Gita tem um Ph.D. em Economia de Princeton e já vinha chamando a atenção como professora, primeiro na Universidade de Chicago e depois em Harvard, de onde tirou uma licença.

Em 2011, foi escolhida pelo Fórum Econômico Mundial como uma das “jovens líderes globais”. O FMI também é dirigido desde 2011 por outra mulher, a francesa Christine Lagarde.

A instituição foi criada em 1945 e tem como objetivo manter a estabilidade do sistema financeiro global.

Laurence Boone (OCDE)

Escolhida em junho de 2018, esta francesa de 49 anos entrou no lugar de outra mulher: Catherine Mann, que ficou no posto entre 2014 e 2017.

Boone começou sua carreira no Merrill Lynch, já havia passado por instituições como Barclays e AXA e tem mestrado pela London Business School.

Entre 1998 e 2004, já havia trabalhado como economista na OCDE, organização fundada em 1961 e que define padrões para seus 61 países-membros, na maioria desenvolvidos (o Brasil pleiteia uma vaga).

Sua experiência prévia no setor público inclui um período, entre 2014 e 2016, em que assessorou a presidência francesa nas relações com instituições internacionais como FMI e G20.

Pinelopi Koujianou Goldberg (Banco Mundial)

Pinelopi tem um PhD da Universidade de Stanford e tirou licença de Yale, onde passou uma boa parte da sua carreira acadêmica, para assumir o posto no Banco Mundial.

Nascida na Grécia, mas também com cidadania americana, a economista de 56 anos tem no seu currículo pesquisas sobre o efeitos do comércio sobre desigualdade e inovação em países emergentes.

A experiência será valiosa para uma instituição que tem como foco o financiamento de projetos de desenvolvimento nestes países.

Beata Javorcik (Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento)

A economista polonesa de 48 anos assume em setembro o posto no ERBD, instituição fundada em 1991 para promover financiamentos para desenvolver mercados em 27 países da Europa Central à Ásia Central.

Beata é atualmente professora na Universidade de Oxford e seu currículo inclui um PhD de Yale e uma passagem pelo Banco Mundial.

Fonte: Exame, 04/03/2019

terça-feira, 28 de março de 2017

Matriarcados: quando as mulheres é que mandam

Bijagós: elas organizam o trabalho, a gestão da economia e a lei
Conhecer sociedades matriarcais ou matrilineares tem dois objetivos salutares fundamentais:
primeiro, desconstruir a crença de que o patriarcado em que vivemos é natural, universal e atemporal. Como tudo que se refere ao ser humano, visões essencialistas e deterministas não encontram respaldo na história da humanidade. O patriarcado, ou seja, o sistema onde o sexo masculino monopoliza a condução das sociedades e domina as mulheres, é um evento histórico consolidado sobretudo com o advento das religiões patriarcais, com destaque para as abraâmicas, a saber o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo.
segundo, citando as palavras da antropóloga Anna Boye "porque, através do saber que se adquire com elas, a gente aprende que há novas maneiras de organizar a sociedade, novas maneiras de ser, o que nos obriga a revisar tudo que aprendemos". 
Abaixo edição do texto original O que podemos aprender com as sociedades em que as mulheres mandam, da Natasha Romanzoti, e informações do blog da antropóloga Anna Boye. Ver também, ao fim da postagem, vídeos sobre sociedades matriarcais e um sobre a visão negativa que nossa sociedade patriarcal tem das mulheres à guisa de comparação.
Ede
Tradicionalmente, nas aldeias Ede do Vietnã, são as mulheres que possuem todas as propriedades e as passam para suas filhas. Elas também devem pedir seus maridos em casamento, e eles adotam o nome de família da esposa, vivendo na casa dela. A mulher mais velha da casa, inclusive, tem sua própria cadeira artesanal, que deve ser cuidadosamente esculpida a partir de um certo pedaço de madeira.

A terra é propriedade coletiva da aldeia, enquanto as florestas são sagradas, parte de sua antiga religião animista. Enquanto vestígios de costumes antigos ainda permanecem, as aldeias Ede de hoje são principalmente cristãs protestantes (ou seja, a contaminação patriarcal já se instalou).

Mosuo
Na sociedade Mosuo, no sudoeste da China, perto do lago Lugu, as mulheres tomam a maioria das decisões de negócios e gerenciam as famílias completamente. O também chamado “Reino das Mulheres” é formado por 40.000 fortes damas, e é uma das últimas sociedades matriarcais do mundo. A “Ah Mi” é a líder suprema da casa, normalmente a mulher mais velha. Crianças são criadas comunitariamente. Muitas vezes, uma família ajuda a criar o filho de outra como se fosse sua. Enquanto todo mundo compartilha um espaço comum, mulheres com mais de 13 anos de idade ganham a privacidade de seu próprio quarto, chamada de “sala de floração”. As mulheres podem escolher seu parceiro, mas não ficam totalmente ligadas à ele. Como convém a uma cultura com nenhuma palavra para “pai” ou “marido”, as mulheres não casam. Em vez disso, têm quantos amantes quiserem, convidando-os para encontros secretos à noite (geralmente depois que os homens passaram o dia todo abatendo porcos, enquanto elas organizavam as finanças domésticas). A propriedade é transmitida através da linha feminina e não há nenhum estigma em não saber quem é o pai de uma criança. Tal utopia matriarcal tem desvantagens, no entanto – visitantes curiosos vão até a região antes isolada sob a sugestão equivocada de que as mulheres Mosuo oferecem sexo grátis o tempo todo. Infelizmente, algumas das aldeias anteriormente pacíficas foram invadidas por hotéis, cassinos, karaokês e até um “distrito vermelho”.

Hopi
A tribo indígena americana Hopi se chama de “as pessoas pacíficas”. Eles basearam seu modo de vida em um respeito por seu ambiente, e tradicionalmente se organizam em volta de matriarcas. As mulheres ocupam a maior parte do poder, mesmo que o trabalho seja dividido igualmente.

Todas as mulheres se reúnem sempre que um bebê na tribo chega aos 20 dias de idade, a fim de nomeá-lo. É uma sociedade extremamente cooperativa, e que evoca princípios comuns a todos os níveis.

Chambri
Os escritos de Margaret Mead sobre o povo Chambri, de Papua Nova Guiné, em 1930 ajudaram a reforçar o feminismo nos Estados Unidos. Mead escreveu sobre como as mulheres é que pescavam e proviam para sua família e comunidade na sociedade Chambri. Antropólogos mais tarde concluíram que, embora as observações de Mead estivessem corretas, a dinâmica de poder entre as relações dos Chambri era mais igualitária do que ela deixou transparecer. No entanto, o povo Chambri ainda é um bom exemplo de uma sociedade com uma política sexual atípica, onde mulheres mantêm o controle de muitos aspectos da cultura.

Meghalaya
De acordo com o Livro dos Recordes Guinness, o estado indiano de Meghalaya é o lugar mais chuvoso na Terra. Suas populações tribais também possuem um dos poucos sistemas matrilineares sobreviventes do mundo, onde as mulheres, em vez de homens, são as donas das terras e propriedades. A tradição dita que a filha caçula da família herda todos os bens, bem como atua como zeladora dos pais idosos e irmãos solteiros. Quanto aos homens da família, um movimento sufragista surgiu, com grupos de direita afirmando que a cultura matrilinear está produzindo gerações de senhores que ficam aquém do seu potencial, posteriormente entrando no alcoolismo e abuso de drogas.

Aka
Os homens do povo Aka, na Bacia do Congo, na África, têm sido descritos como os “melhores pais do mundo”. Eles brincam com seus bebês pelo menos cinco vezes mais frequentemente que homens de outras sociedades. Enquanto as mulheres caçam, os homens cozinham. Berços não existem; os casais nunca deixam os bebês deitados sozinhos, e se um deles bate em uma criança, isso é base para divórcio. Mais impressionante de tudo, os pais Aka oferecem seus mamilos como chupetas para seus bebês quando a mãe não está por perto.

Minangkabau
Vivendo principalmente na Sumatra Ocidental, na Indonésia, em quatro milhões de pessoas, o povo Minangkabau é a maior sociedade matrilinear conhecida hoje. Além do direito tribal que exige que todos os bens do clã sejam legados de mãe para filha, o povo Minangkabau acredita firmemente que a mãe é a pessoa mais importante da sociedade. Após o casamento, cada mulher adquire seu próprio quarto. O marido pode dormir com ela, mas deve sair no início da manhã para tomar café na casa de sua mãe. Aos 10 anos, os meninos saem da casa de sua mãe para ficar em quartos de homens e aprender habilidades práticas. Os homens são sempre chefes do clã, mas são elas que escolhem o chefe e pode tirá-lo do posto se sentirem que ele não cumpriu suas funções.

Akan
Os Akan vivem em sua maioria em Gana e aderem à estrutura social matriarcal, apesar da pressão do governo.

A organização social dos Akan é fundamentalmente construída em torno do clã matriarcal. Dentro deste clã, a identidade, herança, riqueza e política são todas determinadas pelas mulheres.

No entanto, homens tradicionalmente ocupam cargos de liderança. Muitas vezes, o homem deve não só sustentar sua própria família, mas as de suas parentes do sexo feminino.

Bribri
O povo Bribri é um pequeno grupo indígena de pouco mais de 13 mil pessoas que vivem em uma reserva no Cantão Talamanca, na província de Limón, Costa Rica. Como muitas outras sociedades matrilineares, a de Bribri é organizada em clãs. Cada clã é composto de uma família e determinado pela matriarca. As mulheres são as únicas que tradicionalmente podem herdar terra, além de possuírem o direito de preparar o cacau usado nos rituais sagrados do povo.

Nagovisi
O povo Nagovisi vive no sul de Bougainville, ilha de Nova Guiné. O antropólogo Jill Nash relatou detalhes da sociedade dividida em clãs matriarcais. Por exemplo, mulheres Nagovisi estão envolvidas na liderança e cerimônias do povo, mas também trabalham nas terras que possuem. Nash observou que, quando se trata de casamento, a mulher Nagovisi dá à jardinagem e à sexualidade igual importância. O casamento não é institucionalizado. Se um casal é visto junto, dorme junto e o homem ajuda a mulher em seu jardim, para todos os efeitos, eles são considerados casados.

Bijagós
Trata-se de uma comunidade da ilha Orango Grande, no arquipélago Bijagós, em frente a costa de Guinea Bissau, onde as mulheres governam, gerenciam a economia e são respeitadas.

Segundo a antropóloga Anna Boye, nesta comunidade bijagó de Orango Grande cada sexo tem funções diferentes: as mulheres seguem a tradição de seus antepassados e organizam o trabalho, a gestão da economia e a lei, porém com um sistema de valores que aprecia os homens por sua sensibilidade e delicadeza e os valoriza pelo trabalho no campo, na caça e na pesca. Também os homens são levados em conta na hora de decidir as questões da comunidade com vistas ao bem comum.

Abaixo, o documentário Matriarcados: A lha das Mulheres, da antropóloga Anna Boye, outro sobre a sociedade Mosuo e um terceiro questionando o rebaixamento da mulher na educação patriarcal (à guisa de comparação). Fazer alguma coisa como uma menina é uma coisa negativa, ridícula.

Com informações de Hypescience e do blog da antropóloga Anna BoyeVer também Libertem as meninas do estereótipo feminino e elas serão grandes cientistas, matemáticas, engenheiras 




Publicado originalmente 04/07/2014

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

A Queda do Brasil: diálogo racional com o populismo de esquerda é uma impossibilidade



Destaque:

O problema dos salvadores do povo é que não percebem outra realidade exceto a de permanência no poder. Quanto pior a situação, mais se sentem necessários. Os irmãos Castro acham que salvaram Cuba e levaram a um patamar superior ao da Costa Rica, por exemplo. O chavismo levou a Venezuela a um colapso econômico, marcado pelas filas para produtos de primeira necessidade, montanhas de bolívares para comprar um punhado de dólares. Ainda assim, seus simpatizantes dizem, mesmo no Brasil, que a Venezuela está muito melhor do que se estivesse em mãos de liberais.
O colapso, a ruína, a decadência, nada disso importa aos populistas de esquerda. Apenas ressaltam suas boas intenções e a maldade dos críticos burgueses, da grande mídia, enfim, de qualquer desses espaços onde acham que o diabo mora. O Lula tornou-se o símbolo desse pensamento. Na semana em que se suspeita de tudo dele, do tríplex à compra de caças, do petrolão às emendas vendidas, chegou à conclusão de que não existe alma viva mais honesta do que ele.
Do ‘Aedes aegypti’à tsé-tsé

Fernando Gabeira*

A crise brasileira é um fato internacional. Dentro dos nossos limites, estamos puxando a economia mundial para baixo. Nossa queda não impacta tanto quanto a simples desaceleração chinesa. Mas com alguma coisa contribuímos: menos 1% no crescimento global.

Na crise da indústria do petróleo, com os baixos preços do momento, o Brasil aparece com destaque. Cerca de 30% dos projetos do setor cancelados no mundo foram registrados aqui, com o encolhimento da Petrobrás. Dizem que os brasileiros eram olhados com um ar de condolências nos corredores da reunião de Davos. Somos os perdedores da vez.

Diante desse quadro, Dilma diz-se estarrecida com as previsões negativas do FMI. Quase todo mundo está prevendo uma crise de longa duração e queda no PIB. Centenas de artigos, discursos e relatórios fortalecem essa previsão. Dilma, se estivesse informada, ficaria estarrecida por o FMI ter levado tanto tempo para chegar a essa conclusão. Ela promete que o Brasil volta a crescer nos próximos meses. No mesmo tom, Lula declarou aos blogueiros amestrados que não existe alma viva mais honesta do que ele. Não é recomendável entrar nessas discussões estúpidas. Não estou seguro nem se o Lula é realmente uma alma viva.

A troca de Levy por Barbosa está sendo vista como uma luta entre keynesianos e neoliberais. Pelo que aprendi de Keynes, na biografia escrita por Robert Skidelsky, é forçar um pouco a barra acreditar que sua doutrina é aplicável da forma que querem no Brasil de hoje. É um Keynes de ocasião, destinado principalmente a produzir algum movimento vital na economia, num ano em que o País realiza eleições municipais. É o voo da galinha, ainda que curtíssimo e desengonçado como o do tuiuiú.

O Brasil precisa de uma década de investimentos vigorosos, para reparar e modernizar sua infra. Hoje, proporcionalmente, gastamos nisso a metade do que os peruanos gastam.

O governo não tem fôlego para realizar essa tarefa. Isso não significa que não haja dinheiro no Brasil ou no mundo. Mas são poucos os que se arriscam a investir aqui. Não há credibilidade. O populismo de esquerda não é uma força qualquer, ele penetra no inconsciente de seus atores com a certeza de que estão melhorando a vida dos pobres. E garante uma couraça contra as críticas dos que “não querem ver pobre viajando de avião”.

Em 2016 largamos na lanterna do crescimento global. Dilma está estarrecida com isso e a mais honesta alma do Brasil diz “sai um lorde Keynes aí” como se comprasse cigarros num botequim de São Bernardo do Campo.

Aos poucos, o Brasil vai se dando conta da gravidade da epidemia causada peloAedes aegypti. Gente com zika foi encontrada nos EUA depois de viajar para cá. As TVs de lá martelam advertências às grávidas. Na Itália quatro casos de contaminação foram diagnosticados em viajantes que passaram pelo Brasil. O ministro da Saúde oscila entre a depressão e o entusiasmo. Ora exagera o potencial das campanhas preventivas, ora reconhece de forma fatalista que o Brasil está perdendo feio a guerra para o mosquito. Com nossa estrutura urbana, é quase impossível acabar com o mosquito. Mas há o que fazer.

Não se viu Dilma estarrecida diante da epidemia. Nem a mais honesta alma do Brasil articulando algo nessa direção. Solução que depende do tempo, a vacina ainda é uma palavra mágica.

No entanto, estamos nas vésperas da Olimpíada. Os líderes que a trouxeram para o Brasil, nos tempos de euforia, quase não tocam no assunto; não se sentam para avaliar como nos degradamos e como isso já é percebido com clareza lá fora.

A Economist publica uma capa com Dilma olhando para baixo e o título: A queda do Brasil. Na economia, área em que as coisas andam mais rápidas, não há mais dúvidas sobre o fracasso.

A segunda maior cidade do Rio, Estado onde se darão os Jogos, simplesmente quebrou. Campos entrou em estado de emergência econômica, agora que os royalties do petróleo parecem uma ilusão de carnaval.

O problema dos salvadores do povo é que não percebem outra realidade exceto a de permanência no poder. Quanto pior a situação, mais se sentem necessários. Os irmãos Castro acham que salvaram Cuba e levaram a um patamar superior ao da Costa Rica, por exemplo. O chavismo levou a Venezuela a um colapso econômico, marcado pelas filas para produtos de primeira necessidade, montanhas de bolívares para comprar um punhado de dólares. Ainda assim, seus simpatizantes dizem, mesmo no Brasil, que a Venezuela está muito melhor do que se estivesse em mãos de liberais.

O colapso, a ruína, a decadência, nada disso importa aos populistas de esquerda. Apenas ressaltam suas boas intenções e a maldade dos críticos burgueses, da grande mídia, enfim, de qualquer desses espaços onde acham que o diabo mora. O Lula tornou-se o símbolo desse pensamento. Na semana em que se suspeita de tudo dele, do tríplex à compra de caças, do petrolão às emendas vendidas, chegou à conclusão de que não existe alma viva mais honesta do que ele.

Aqueles que acreditam num diálogo racional com o populismo de esquerda deveriam repensar seu propósito. Negar a discussão racional pode ser um sintoma de intolerância. Existe uma linha clara entre ser tolerante e gostar de perder tempo. O mesmo mecanismo que leva Lula a se proclamar santo é o que move a engrenagem política ideológica do PT. Quando a maré internacional permitiu o voo da galinha, eles se achavam mestres do crescimento. Hoje, com a maré baixa, consideram-se os mártires da intolerância conservadora. Simplesmente não adianta discutir. No script deles, serão sempre os mocinhos, nem que tenham de atacar a própria Operação Lava Jato.

Considerando que Cuba é uma ditadura e a Venezuela chega muito perto disso com sua política repressiva, como explicar a aberração brasileira?

Certamente algum mosquito nos mordeu para suportarmos mentiras que nos fazem parecer otários. Não foi o Aedes aegypti. A tsé-tsé, quem sabe?

Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2016

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

9,1 milhões trabalhadores estão na lista de desempregados


Destaque:
 
O desemprego tornou-se um problema mundial. Mas é pior no Brasil do que na maioria dos países com nível de desenvolvimento igual ou superior ao nosso. Numa lista de 34 países, o desemprego no Brasil é maior do que o de 25 deles, de acordo com estatísticas referentes ao terceiro trimestre de 2015 divulgadas há pouco pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O pior está por vir

Em um ano, mais 2,5 milhões de brasileiros entraram para a lista de desempregados, elevando para 9,1 milhões o total de trabalhadores procurando emprego. Esses números, que constam da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referente ao trimestre agosto-outubro de 2015, mostram a rapidez com que o desemprego se alastra e dão a dimensão social da crise em que o País está mergulhado.

O pior é que não há indicações de melhora no horizonte. Com o agravamento da crise a partir do início do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, o desemprego parece ter adquirido força própria. Foram rompidos padrões observados em anos anteriores, quando o número de desempregados aumentava no início do ano, por causa das demissões dos trabalhadores temporários contratados para atender ao aquecimento dos negócios no fim do ano anterior, mas decrescia rapidamente nos meses seguintes.

Colocados num gráfico, os números da Pnad Contínua mostram que o desemprego não diminuiu em nenhum período do ano passado. O que se observa nesse gráfico é o crescimento ininterrupto do número de desempregados desde o trimestre móvel setembro-novembro de 2014, com a eliminação do pico normalmente atingido no primeiro semestre do ano seguinte. No trimestre setembro-novembro de 2014, havia 6,45 milhões de desempregados, o que significa que, até o trimestre agosto-outubro de 2015 (9,1 milhões de desempregados), o aumento foi de 40,7%.

Observe-se que esse aumento decorre principalmente do fato de que pessoas que antes não estavam à procura de trabalho, e por isso não eram contabilizadas na população economicamente ativa, passaram a buscar uma ocupação, incorporando-se imediatamente à lista dos desempregados. Este é outro efeito da crise. Entre os fatores que levaram essas pessoas a procurar trabalho está um dos aspectos mais nocivos da crise do mercado de trabalho: o fechamento de vagas no mercado formal, que oferece melhores salários e garantias como férias remuneradas, previdência social e décimo terceiro salário.

Em um ano, 1,184 milhão de pessoas perderam emprego com carteira assinada, de acordo com a Pnad Contínua. “Diante disso, outros membros da família, antes inativos, acabam saindo para buscar emprego”, na interpretação do coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo. É um fenômeno que deve se manter nos próximos meses. “Enquanto ocorrer redução na carteira assinada, a tendência é (a procura por vaga) aumentar”, previu Azeredo. Ou seja, o número de desempregados deve continuar crescendo, pois, ao aumento do desemprego no mercado formal, há, no início de cada ano, o fechamento das vagas temporárias. O pior ainda está por vir.

Mesmo quem continua trabalhando sente os efeitos da crise. A renda real média do trabalhador até outubro era 1,0% menor do que a de um ano antes. A massa real habitual paga aos ocupados, por sua vez, teve queda de 1,2% em um ano até outubro.

O desemprego tornou-se um problema mundial. Mas é pior no Brasil do que na maioria dos países com nível de desenvolvimento igual ou superior ao nosso. Numa lista de 34 países, o desemprego no Brasil é maior do que o de 25 deles, de acordo com estatísticas referentes ao terceiro trimestre de 2015 divulgadas há pouco pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Fonte: O Estado de SP, 17/01/2016

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Liberais vão continuar a ser assassinados politicamente enquanto não entenderem que a solidariedade é tão importante quanto a liberdade

O economista Paulo Guedes durante entrevista, na Bozano Investimentos,
em São Paulo (Foto: Letícia Moreira/ÉPOCA)

Transcrevo abaixo a entrevista que o economista Paulo Guedes deu à revista Época (José Fucs) não só por ser interessante no geral como também porque ele aponta - acertadamente no meu entender - a razão pela qual o liberalismo perdeu o protagonismo da cena política a partir do século XX. Sua colocação vai bem ao encontro do que eu disse, coincidentemente, na minha postagem O fato é que a direita não tem respostas para dar às demandas da maioria da população. Segue o destaque:
ÉPOCA – A que o senhor atribui essa predominância do pensamento de esquerda no país?Guedes - O que o socialismo tem de poderoso, tribal, secular, milenar e que assassinou politicamente as versões mais ingênuas do liberalismo? A solidariedade. Porque o Lula foi eleito quatro vezes? Porque ele entendeu que a solidariedade é importante. Então, os liberais vão continuar a ser assassinados politicamente enquanto não entenderem que a solidariedade é um instrumento tão importante quanto a liberdade. Tem que ter os dois. O liberalismo, criado no século XVIII e predominante no século XIX, foi assassinado, merecidamente, no século XX, porque não pensou na solidariedade. Aí vem o socialismo, absolutamente ignorante em matéria econômica. Desastroso. União Soviética, China, o capeta. Um fracasso do ponto de vista de liberdade política, aprisionando milhões de pessoas no mundo inteiro, guerra civil, Gulag, Revolução Cultural. Essa indignação da Dilma com os militares é muito merecida. Agora, se estivesse sido do lado de lá, ela não estaria como presidente hoje, porque o sistema varria os dissidentes muito mais rápido. Mas eles tinham uma coisa que sempre falaram e sempre falarão: “la solidariedad de los hermanos, la igualdad, el socialismo”. Quando os liberais se esqueceram disso, acreditando que isso é voluntário, a gente dá se quiser, dá o voucher saúde, o voucher educação, dá igualdade de oportunidade e, se tudo falhar, deixa ir para o saco, perderam o bonde. A solidariedade está além de direita e esquerda. É um traço humano.
[...] Agora, eu aposto na sociedade aberta. A grande sociedade aberta está além da direita e da esquerda. Quem estiver preocupado com isso ainda está saindo da Revolução Francesa no século XVIII. Aliás, esquerda naquela época eram os liberais. Se eu vivesse naquela época, estaria lá, com o Tocqueville, lutando contra a velha ordem. Essa é a pobreza mental brasileira. Você é de direita ou de esquerda? Eu sou da nova sociedade aberta.

Paulo Guedes: “Não tem como a credibilidade voltar com a Dilma na presidência”

Para o economista, reputação e credibilidade se constroem ao longo do tempo, mas são perdidas rapidamente – e Dilma “participou do início, do meio e do fim do crime do desequilíbrio fiscal”

O economista Paulo Guedes, de 66 anos, Ph.D. pela Universidade de Chicago, é um dos poucos entre seus pares com um pensamento genuinamente liberal. Crítico duro dos social-democratas que predominam no país desde a redemocratização, Guedes atribui a eles a atual crise econômica e não perdoa nem mesmo o PSDB e seus líderes. “Hoje, no Brasil, a direita é o Fernando Henrique, o homem que se envergonha das próprias privatizações, o homem que soltou o câmbio depois de perder US$ 50 bilhões para ser reeleito”, diz. Segundo Guedes, não há possibilidade de a credibilidade do governo voltar com Dilma na presidência. “A Dilma foi o primeiro braço importante a fulminar o equilíbrio fiscal no governo Lula”, afirma. “É preciso levar em conta que as pessoas têm uma história. Reputação e credibilidade são coisas que se constroem ao longo de muitos anos, mas são perdidas rapidamente.” Nesta entrevista, que reúne os trechos não publicados na edição em papel de ÉPOCA, fruto de quase três horas de conversa, Guedes fala também sobre a dificuldade de os liberais entenderem que a solidariedade é tão importante quanto a liberdade para a prosperidade. “A solidariedade está além da direita e da esquerda. É um traço humano”, diz.

ÉPOCA – Hoje, muitos analistas atribuem boa parte dos problemas econômicos do Brasil ao modelo de proteção social embutido na Constituição de 1988. O senhor também pensa assim?
Paulo Guedes - Muita gente reclama que a Constituição de 1988 aumentou muito os gastos sociais, mas não foi bem assim. No período militar, houve uma dívida externa excessiva, especialmente no período Geisel. Houve muita ênfase em estrutura física e quase nada em saúde e educação, que é algo típico de uma sociedade politicamente fechada. Com a pressão da redemocratização, era natural que houvesse uma mudança de eixo, uma inclusão maior nos orçamentos públicos. É compreensível que tenham existido essas pressões orçamentárias numa democracia emergente. Foram anos de subinvestimento em capital humano, anos de recursos centralizados sob o antigo regime. Também era natural que houvesse uma tentativa de descentralização dos recursos, que também foi embutida na Constituição. Uma democracia emergente exige as duas coisas: inclusão social nos orçamentos públicos e descentralização orçamentária.

ÉPOCA – Se o problema não foi a Constituição de 1988, qual foi então?
Guedes - O problema é que houve uma aliança entre um grupo de economistas muito interessados em assuntos políticos, porque a redemocratização estava em andamento, e políticos completamente ignorantes em matéria econômica, em decorrência da alienação em que ficaram durante 25 anos. Foi uma combinação trágica. O (José) Sarney, que era uma das estrelas do regime antigo, tornou-se sucessor por um golpe do acaso, e teve uma síndrome de ilegitimidade. Ele queria ser popular e encontrou jovens economistas inebriados por assuntos políticos, que lhe venderam a ideia de que o processo inflacionário brasileiro era apenas uma questão inercial, um reflexo do antigo regime, que já abusava de gastos públicos excessivos. O que se viu foi uma aliança que está em vigor até hoje. O Sarney continua por aí, era o presidente do Congresso até pouco tempo atrás, e seu discípulo Renan (Calheiros, atual presidente do Senado Federal), preparado por ele, também está aí. Com o Tancredo, a ordem seria conter os gastos, refletindo um pouco de experiência de um homem que havia experimentado a inflação no início dos anos 1960 e que acabou criando uma ruptura política, em 1964. Não iria haver qualquer aventura. Agora, morto Tancredo, o despreparo dos sucessores e a síndrome de legitimidade do Sarney, com o desejo desesperado de popularidade de um velho apoiador de militares, acabou nos levando a outro caminho.


ÉPOCA – O que essa aliança representou para o país naquela época?
Guedes – Ela revelou a nossa incapacidade como sociedade civil emergente de equacionar o conflito entre o aumento das demandas sociais e as limitações do orçamento. Para enfrentar o desafio das novas demandas, o Brasil deveria ter feito as reformas estruturais na economia. Só que ninguém percebeu que tinha uma nova ordem chegando, ampliando gastos, e que era necessário fazer uma transformação. Eu também não tinha essa visão. Sabia da importância do controle fiscal e monetário, falava isso na época, mas não tinha ideia do tamanho da onda de gastos sociais que estavam por vir, que eram totalmente legítimos. Questões como o Banco Central independente, o câmbio flexível e o ajuste fiscal não faziam parte da agenda política. Se eles tivessem feito isso, o Brasil estaria em outra agora.
No Plano Cruzado, a mídia apanhou maciçamente, sem saber que estava apoiando uma experiência bolivariana, tipo caçar boi no pasto, prender gente, tabelar preços”
ÉPOCA – Como o adiamento das reformas afetou o país?
Guedes - Em vez de fazer as reformas, eles fizeram o Plano Cruzado, com a complacência e a ignorância da mídia na ocasião. A mídia apanhou maciçamente, sem saber que estava apoiando uma experiência bolivariana, tipo caçar boi no pasto, prender gente, tabelar preços. Depois, vieram o “Plano Cruzeta”, o “Plano Brechola”, o plano não sei o quê. Terminamos na política do feijão com arroz, que foi o modesto reconhecimento de que não havia mais nada a fazer, no final do governo. Veio a hiperinflação, que não se pode desperdiçar sem reformas. Um plano anti-inflação tem de atingir furiosamente a velha ordem e derrubar o antigo regime. É a ocasião de fazer o orçamento base zero, em que cada item precisa ser explicitamente aprovado, e não apenas as alterações feitas em relação ao ano anterior. As grandes hiperinflações da história foram oportunidades de mudança dos regimes fiscal, monetário, cambial e também de descentralização de recursos. Mas, no Brasil, nós somos apaixonados pela acomodação. Não fizemos nenhuma reforma extraordinária. Aí veio o (Fernando) Collor. Teve uma chance, mas deu o tiro errado. O Collor foi o único que enfrentou o velho regime. Chamou o Lula de vagabundo e o Sarney de ladrão. Foi uma promessa de renovação. O Lula, na ocasião, também. Mas, de novo, o fator político falhou. O congelamento da poupança foi ridículo.

ÉPOCA – Em 1994, com o Plano Real, os tucanos não deram a volta por cima em relação aos erros do Plano Cruzado?
Guedes – Com o Plano Real, caiu um pouco o número de erros, tivemos algo de concreto. Na verdade, eles tiraram da sala o bode que tinham colocado lá. Estabilizamos a inflação, apesar de ter saído caro, em função da puxada dos juros, e depois – voluntariamente ou não – adotamos o câmbio flexível e a responsabilidade fiscal. Excelente. Criamos o tripé macroeconômico. Uma conquista. Continuamos avançando. Ao contrário do que aconteceu no Plano Cruzado, os tucanos entenderam que a inflação é sempre e em qualquer lugar, como dizia Milton Friedman, um fenômeno monetário. Os economistas do PSDB aprenderam a lição de que não se faz programa anti-inflacionário sem política monetária, mas não aprenderam a outra, que é a necessidade de usar a política fiscal como âncora, porque dói muito menos. Resultado: os juros foram a 40% ao ano. Uma política muito dura. Anos e anos a fio. A dívida pública explodiu. Surgiram as críticas das esquerdas, do Lula, desse pessoal, dizendo que o governo “entregou o patrimônio público”. Apesar do conteúdo populista da crítica, a verdade é que começou ali um importante desequilíbrio patrimonial do Estado brasileiro. Embora eles acreditassem que estavam privatizando e ajudando o Brasil, a dívida pública estava crescendo muito mais rápido que o valor das estatais.
Como é possível combater a inflação durante três décadas com os gastos públicos saindo de 18% do PIB, no fim do regime militar, para 35% do PIB hoje?”
ÉPOCA – O senhor não pensa que o saldo do Plano Real foi positivo?
Guedes - Com o regime de meta inflacionária, o Armínio (Fraga, então presidente do Banco Central) deixou um legado institucional. O Gustavo Franco (antecessor de Armínio) primeiro e o Armínio e o Meirelles, depois. Foram três indivíduos que nos deram a estabilidade monetária, que agora está sendo perdida de novo. Mas foi estritamente em cima do Banco Central. Não usamos a dimensão fiscal. Resultado: nós estamos há 20 anos nesse drama e a inflação ainda não foi embora definitivamente. Nós temos de perguntar por que todas as hiperinflações no mundo acabaram sem o uso da moeda indexada, os juros desabaram e a inflação nunca mais voltou e no Brasil isso não aconteceu. Será que fazer a reforma com moeda indexada foi novamente uma forma de adiar o ataque frontal aos problemas da estrutura econômica brasileira? Será que empurramos a crise para frente? Como é possível combater a inflação durante três décadas com os gastos públicos saindo de 18% do PIB, no fim do regime militar, para 35% do PIB hoje? Essa é a questão.

ÉPOCA – A Lei de Responsabilidade Fiscal não foi uma boa iniciativa para buscar o equilíbrio das contas públicas?
Guedes - A Lei de Responsabilidade Fiscal não foi um ato intelectual, de livre e espontânea vontade. Hoje, quando o PSDB exige que o PT venha a público e confesse seus erros, pergunto o seguinte: o Fernando Henrique explodiu a flexibilidade cambial, em 1999, ou foi explodido por ela, com a banda diagonal endógena, do Chico Lopes, então presidente do Banco Central? Eles foram estuprados pela explosão cambial. Na tentativa de reeleição do príncipe florentino, eles queimaram US$ 50 bilhões em seis meses. Fala-se hoje que a Dilma prometeu um negócio e fez outro, foi parecido. O Fernando Henrique, o príncipe florentino da sociologia brasileira, disse na campanha que não ia ter problema cambial e depois soltou o câmbio. Está errado soltar? Não. Tem de soltar mesmo. Mas a verdade é que não foi por causa de uma adesão intelectual ao sistema de câmbio livre. O Fernando Henrique descobriu o regime de metas de inflação ou foi também explodido por ela?Aí, é preciso fazer uma menção honrosa ao Gustavo Franco, que lutou sozinho no Banco Central, sem apoio fiscal, pela estabilidade. Não houve a mudança de regime fiscal na época, só juros absurdamente elevados, reflexos de uma luta isolada do Banco Central. O Gustavo Franco lutou sozinho, atacado ferozmente pelo (José) Serra, que era ministro do Planejamento, sem a cobertura do (Pedro) Malan (então ministro da Fazenda), que não o ajudou fiscalmente. O Malan o ajudou a se manter no cargo, mas não deu apoio operacional na Fazenda. Não fez uma reforma fiscal. O Malan foi um bom ministro da Fazenda, mas poderia ter ajudado muito mais na parte fiscal, na flexibilização da legislação trabalhista, na reforma da Previdência e na descentralização dos recursos, em vez de salvar bancos estaduais com a centralização da dívida pública. No governo Fernando Henrique, já com o Malan na Fazenda, criaram-se vários impostos não compartilhados com os estados e os municípios. São tributos reacionários, não progressistas. Entre os tucanos, quem melhor falou sobre esse problema foi sempre o Aécio Neves. Ele disse que, hoje, a centralização dos recursos não só tem sido foco das disfunções administrativas, com 39 ministérios, mas também de corrupções bilionárias.
Qual é o PIB brasileiro? São trilhões. Não dá para falar que não tem como cortar mais gastos. É possível, sim, derrubar essa estrutura"
ÉPOCA – O senhor faz críticas pesadas à gestão do ex-presidente Fernando Henrique e ao PSDB. E quanto ao PT? O ex-presidente Lula e a presidente Dilma não têm responsabilidade na atual crise econômica?
Guedes – A Dilma pegou um país relativamente estável e corre o risco de devolver um país completamente desestabilizado. Ela foi um dos mais importantes fatores de destruição do tripé macroeconômico, baseado nas metas de inflação e fiscais e no câmbio livre. É preciso levar em conta que as pessoas têm uma história. Reputação e credibilidade são coisas que se constroem ao longo de muitos anos, mas são perdidas rapidamente. A Dilma participou do início, do meio e do fim do crime do desequilíbrio fiscal. É por isso que não há possibilidade de a credibilidade voltar com ela na presidência. No primeiro governo Lula, o (Antonio) Palocci (ex-ministro da Fazenda) esteve a três passos do paraíso. Quando percebeu o circulo virtuoso do equilíbrio fiscal, com juro mais baixo e crescimento, ele propôs o déficit público zero. Se ele conseguisse isso, eles nunca mais sairiam do poder. Com a bandeira da solidariedade, estavam dizendo “estamos com o povo”. E, com a austeridade fiscal, em vez de ter crescido 7% ao ano, o país iria crescer 5,5%, mas para sempre. Não teria esse gasto anual de R$ 500 bilhões de juros que temos hoje. Em vez disso, foram com tudo na social-democracia, gastaram mais, como sinal de solidariedade. Só que foram para uma social-democracia aliada ao capitalismo de quadrilha, ao conservadorismo. Deram dinheiro para a Odebrecht e para o Prouni (Programa Universidade para Todos), também. Tinha de ser mais para o Prouni e menos para a Odebrecht e para o (ex-senador) Gilberto Miranda, com a zona franca de Manaus.

ÉPOCA – Na guinada do governo Lula na economia, que papel coube à presidente Dilma, que na época havia assumido a Casa Civil?
Guedes - A Dilma foi importante nisso, porque foi o primeiro braço importante a fulminar o Palocci quando ele propôs o déficit zero, dizendo que era uma proposta rudimentar, primária. Foi aí que ela começou a atacar o equilíbrio fiscal. Depois passou para a prática. Apoiou o (Guido) Mantega (ex-ministro da Fazenda) na demolição gradual do ajuste e ao assumir o governo manteve-o no cargo. Com a crise de 2008, voltamos ao velho sistema de acomodação. Começamos com subsídio para cá, gasto para lá, crédito fácil para consumo, e deixamos a inflação de lado. Cometemos os excessos que já tinham sido cometidos no passado. O Mantega repetiu erros clássicos de 15, 20 anos atrás: congelou tarifas públicas, reteve o preço da eletricidade, segurou o câmbio, pedalou loucamente para permitir a reeleição de Dilma. Houve a explosão do desequilíbrio fiscal de novo, a falsificação de novo. Nosso período de enriquecimento temporário foi todo “queimado”, em vez de melhorarmos a nossa capacidade de enfrentar crises futuras e mexer em fundamentos econômicos. Foi um equívoco extraordinário. Agora, finalmente, estamos cumprindo o ciclo. Vamos ter de atacar o regime fiscal, fazer as reformas estruturais. Temos que mexer na Previdência, na legislação trabalhista. Qual é o PIB brasileiro? São trilhões. Não dá para falar que não tem como cortar mais gastos. É possível, sim, derrubar essa estrutura. A Dilma perdeu essa chance. Ela teve uma sorte incrível de existir um cara mais ou menos bem desenhado para ser um tampão, que foi o (Joaquim) Levy (ex-ministro da Fazenda), que era a antítese do pensamento dela. À medida que ela foi desautorizando o Levy, o mercado foi entendendo que ela queria os benefícios de uma imagem de quem reavaliou os erros, mas sem pagar o preço de ter realmente mudado de ideia. Como ela não apoiou e como ele não conseguiu implementar nada, porque foi apanhado no meio do conflito político, a Dilma transformou o Levy num coletor de impostos.
Hoje é fácil pedir ao PT para fazer o mea culpa. A pergunta é a seguinte: como foi o mea culpa dos economistas tucanos? Os economistas do Cruzado, do PSDB, levaram quase duas décadas para chegar aonde era preciso”
ÉPOCA – Se a presidente Dilma e o PT reconhecem os erros cometidos no primeiro mandato na economia, não conseguiram recuperar a credibilidade?
Guedes - Hoje é fácil pedir ao PT para fazer o mea culpa. A pergunta é a seguinte: como foi a mea culpa dos economistas tucanos? Hoje, eles falam do PT, mas eu me lembro que, na época do Cruzado, um de seus pais, num ginásio da PUC do Rio de Janeiro, disse o seguinte: “Esse negócio de déficit público, política monetária, é conversa fiada. A inflação brasileira acabou. Ela era puramente inercial”. Os economistas do Cruzado, do PSDB, levaram quase duas décadas para chegar aonde era preciso. É trágico ter de esperar dez anos para chegar no câmbio flexível, a um Banco Central autônomo, e 15 anos para chegar no ajuste fiscal. É um tributo à improvisação brasileira. Então, a Dilma tem todo o direito de aprender trombando na cerca, como eles aprenderam também. Quando o Fernando Henrique trocou a aceleração das reformas e não ser reeleito por um segundo mandato, será que ele não permitiu que esse aparelho gigante do Estado fosse depois ocupado por quem era oposição a ele e ele fosse sentindo o moer daquela máquina nos próprios testículos? Agora, o PSDB está a quatro mandatos seguidos fora do poder sendo massacrado. Será que eles gostaram da experiência? Será que vale a pena limitar o poder do Estado ou ser esmagado mais 18 anos? Por mais que o Fernando Henrique queira se colocar como “eu sou o futuro”, ele é a vanguarda do atraso, o que há de menos ruim da velha ordem. Ele tem todos os méritos de ter enfrentado a hiperinflação, mas a energia dele foi toda consumida nessa transformação que era sair da ditadura e redemocratizar o país.

ÉPOCA – Como o senhor vê o Aécio Neves dentro desse contexto, dentro do PSDB?
Guedes - O Aécio é a coisa mais lúcida do antigo regime, porque ele percebeu que a dimensão fiscal era crítica. Ele disse que essa corrupção sistêmica é causada pela centralização de recursos no governo federal. Essa incompetência administrativa, também. Esse desvirtuamento da democracia brasileira está sendo causado pela concentração de recursos. Ele não estava nem falando do PT. Estava dizendo que esse excesso de concentração de poder, tanto de recursos financeiros, como de poder político na mão do governo federal, está desvirtuando a administração pública brasileira. O Eduardo Campos também fez um discurso muito claro de que nós estávamos com práticas degeneradas e com período de validade. Precisamos mudar. Agora, será que eles teriam capacidade de sair dessa prisão social-democrata? Acho que não. Eles têm instinto de sobrevivência política, de não querer tocar o Brasil sozinho, como a Dilma está tentando. É um desastre. O dinheiro tem de estar onde o povo está. Vejo também um sopro interessante na Marina Silva. Está mais à esquerda, mas foi ouvir o (economista Eduardo) Giannetti. Ela tem algumas coisas interessantes. Sinto nela a indignação com a política atual, mas não vejo nela competência executiva e a força pessoal para mover o Brasil. Não sinto no Aécio também a crença nos mercados para fazer a reforma forte de que precisamos, como também não percebia isso no Eduardo Campos. Então continuo esperando o novo. Mas, como eu acredito numa sociedade aberta, não estou preocupado com isso. Ele virá.
Hoje, no Brasil, a direita é o Fernando Henrique, o homem que se envergonha das próprias privatizações, o homem que soltou o câmbio depois de perder US$ 50 bilhões para ser reeleito”
ÉPOCA – O senhor acredita mesmo que o Brasil caminhará por uma linha mais liberal nos próximos anos?
Guedes – É muito difícil um brasileiro escapar dessa padronização da hegemonia social-democrata no Brasil. É uma mentalidade tão enrijecida quanto a de seus inimigos mortais, os militares. As luzes que brilham hoje no pensamento político brasileiro Fernando Henrique sociólogo que passou um tempo no exílio, Lula, líder sindical, tudo isso é passado, tudo isso é muito antigo, e eles não ousaram reformar o regime econômico brasileiro. Hoje, no Brasil, a direita é o Fernando Henrique, o homem que se envergonha das próprias privatizações, o homem que soltou o câmbio depois de perder US$ 50 bilhões para ser reeleito. Há suspeitas de práticas não republicanas. Toda vez que acossam o Lula e falam de corrupção ele diz “perguntem ao Fernando Henrique sobre a reeleição”. Hoje, você vê o governo elogiando uma baderna. O governo acha bacana invasão de terra, paralisar uma cidade. Agora, eu aposto na sociedade aberta. A grande sociedade aberta está além da direita e da esquerda. Quem estiver preocupado com isso ainda está saindo da Revolução Francesa no século XVIII. Aliás, esquerda naquela época eram os liberais. Se eu vivesse naquela época, estaria lá, com o Tocqueville, lutando contra a velha ordem. Essa é a pobreza mental brasileira. Você é de direita ou de esquerda? Eu sou da nova sociedade aberta.

ÉPOCA – Que sociedade aberta é essa a que o senhor se refere?
Guedes - Ela é verde, ambientalista, a favor de um desenvolvimento sustentável. A grande sociedade aberta são os mercados, gerando riqueza econômica, e as democracias, gerando liberdade política e solidariedade, que combina esse dois. O Brasil é uma sociedade aberta em construção. Temos um Banco Central relativamente autônomo, câmbio flutuante, mas não temos ainda o equilíbrio fiscal. Confio na sociedade aberta, confio na mídia que está distribuindo informação, no efeito da opinião pública sobre o que está acontecendo, no despertar do poder Judiciário. Ou privatizamos ou o Brasil vai continuar vítima desse combate pobre.
Os liberais vão continuar a ser assassinados politicamente enquanto não entenderem que a solidariedade é um instrumento tão importante quanto a liberdade. Tem que ter as duas coisas"
ÉPOCA – A que o senhor atribui essa predominância do pensamento de esquerda no país?
Guedes - O que o socialismo tem de poderoso, tribal, secular, milenar e que assassinou politicamente as versões mais ingênuas do liberalismo? A solidariedade. Porque o Lula foi eleito quatro vezes? Porque ele entendeu que a solidariedade é importante. Então, os liberais vão continuar a ser assassinados politicamente enquanto não entenderem que a solidariedade é um instrumento tão importante quanto a liberdade. Tem que ter os dois. O liberalismo, criado no século XVIII e predominante no século XIX, foi assassinado, merecidamente, no século XX, porque não pensou na solidariedade. Aí vem o socialismo, absolutamente ignorante em matéria econômica. Desastroso. União Soviética, China, o capeta. Um fracasso do ponto de vista de liberdade política, aprisionando milhões de pessoas no mundo inteiro, guerra civil, Gulag, Revolução Cultural. Essa indignação da Dilma com os militares é muito merecida. Agora, se estivesse sido do lado de lá, ela não estaria como presidente hoje, porque o sistema varria os dissidentes muito mais rápido. Mas eles tinham uma coisa que sempre falaram e sempre falarão: “la solidariedad de los hermanos, la igualtat, el socialismo”. Quando os liberais se esqueceram disso, acreditando que isso é voluntário, a gente dá se quiser, dá o voucher saúde, o voucher educação, dá igualdade de oportunidade e, se tudo falhar, deixa ir para o saco, perderam o bonde. A solidariedade está além de direita e esquerda. É um traço humano.

Fonte: Época, por José Fucs, 16/01/2016

Compartilhe

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites