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terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Hatikva: uma canção de melancólica esperança

Cantora Meyolia interpreta Hatikva
(uma das mais belas versões do hino de Israel)
A guerra Hamas-Israel, deflagrada pelo brutal ataque dos terroristas do Hamas contra civis israelenses, e a consequente paradoxal onda de antissemitismo no Ocidente, me obrigaram a aprofundar minhas pesquisas sobre os conflitos do Oriente Médio. Pra variar, me deparei com um festival de mentiras cabeludas promovidas pelos islâmicos com suas quintas-colunas ocidentais, a esquerda contrailuminista atual. Assunto pra outro momento porém.

Nessas também, me deparei com o hino nacional de Israel, Hatikva, A Esperança, letra de um poeta judeu, chamado Naftali Herz Imber, escrita em 1877, e música de Shmuel Cohen, composta entre 1887 e 1888, posteriormente adotada em 1948 pelo nascente estado de Israel. Imber nasceu na cidade de Zloczov, então parte do Império Austríaco, hoje Ucrânia. Quando da fundação do primeiro assentamento judaico chamado Petach Tikva (em hebraico, Portal da Esperança), na Palestina Otomana, Imber escreveu o poema Tikvatenu, Nossa esperança, cujos primeiros versos e refrão, adaptados posteriormente, se converteriam no hino Hatikva, musicado pelo romeno Shmuel Cohen, jovem imigrante em Rishon LeZion (perto de Telaviv), com base numa música popular cigana da Romênia.

O que mais me impressionou no hino foi o fato dele não parecer hino. Hinos costumam ser solenes, retumbantes, instigantes, grandiloquentes. Vamos pegar, como exemplo, quatro hinos conhecidos, o nosso, o da França, o dos EUA e do Reino Unido. Quatro hinos bonitos: o brasileiro ufanista pelas belezas do país e pronto a defendê-lo sem temer a própria morte; a Marselhesa, uma convocação às armas contra o jugo da tirania; o dos EUA sobre o triunfo do país contra os britânicos com a ajuda de deus; o dos britânicos, solene, pomposo, em saudação à rainha (agora ao rei) por quem se pede a derrota dos inimigos do Reino Unido. Anexo abaixo os quatro, com as letras em português, à guisa de comparação. Todos falam de lutas (mesmo que em hipótese como o brasileiro), guerras e a derrota dos adversários.

O hino de Israel, contudo, soa mais como uma canção que me pareceu, em seu início, uma mistura de cantiga de ninar e de roda que depois se eleva, como um cântico religioso, num voo de melancólica esperança. Nada de ufanismo, lutas renhidas, derrota de inimigos. Apenas o anseio de 2000 anos dos judeus de serem um povo livre em sua terra. Tudo simples, conciso e lindo. Deixo abaixo a versão mais bonita que ouvi, a mais minimalista. Acrescento também agora uma gravação do Hatikva, de 20 de abril de 1945, na voz de sobreviventes do campo de concentração de Bergen-Belsen, na Baixa Saxônia, Alemanha, recém liberado pelos britânicos (de arrepiar). Há também outras versões do hino, com orquestras e corais, que soam mais tradicionais. A letra é mais ou menos assim:

Enquanto no fundo do coração
Palpitar uma alma judia
E dirigindo-se ao Oriente
Um olhar avistar Sion (Sião),
Nossa esperança não terá se perdido,
a esperança de 2000 anos
de ser um povo livre em nossa terra:
a terra de Sion (Sião) e Jerusalém. 

(repete)

Am Yisrael Chai

Reedição de 13/01/24 do original em 02/01/24

terça-feira, 19 de julho de 2022

Dzi Croquettes: os libertários bailarinos dos anos 70 entre a força do macho e a graça da fêmea


1. “Nem homem. Nem mulher. Gente."

Livres e libertários, vestidos com purpurina, saias e cílios postiços, um conjunto de forças masculinas entrava no palco em pleno regime de ditadura militar no Brasil. Dzi Croquettes, grupo de teatro que surgiu na década de 70, no Rio de Janeiro, montava espetáculos musicais com uma enorme dose de ousadia, humor e irreverência.

O grupo foi resgatado recentemente pelo documentário Dzi Croquettes (ver abaixo), realizado por Raphael Alvarez e Tatiana Issa, em 2009, e pelo livro “A Palavra Mágica: a vida cotidiana do Dzi Croquettes”, de Rosemary Lobert, lançado em 2010 (publicação de sua dissertação de mestrado em antropologia social, 1979). Apesar de inúmeras apresentações no Rio de Janeiro, São Paulo e Paris, os únicos registros encontrados para a elaboração do filme foram de uma TV pública alemã e algumas cenas de entrevistas da rede Globo, no Brasil. A iniciativa de levantar a pesquisa e a recuperação desse material salva o grupo do esquecimento e denota a grande importância que os Dzi Croquettes tiveram para a arte, o teatro e a vida de toda uma geração.

Dzi Croquettes eram “As Internacionais”. Treze homens fortes, másculos e peludos entravam no palco com figurinos glamourosos: saias, sapatos altos, maquiagem carregada e corpos quase nus. Eram eles: Lennie Dale, Wagner Ribeiro de Souza, Cláudio Gaya, Cláudio Tovar, Ciro Barcelos, Reginaldo de Poli, Bayard Tonelli, Rogério de Poli, Paulo Bacellar, Benedictus Lacerda, Carlinhos Machado, Eloy Simões e Roberto de Rodriguez. Em poucos anos, foram responsáveis por uma revolução de comportamento, libertando-se de valores morais com relação à masculinidade e feminilidade, em um momento político em que “toda nudez era castigada”.

Eram homens vestidos de mulher, mas ninguém queria ser mulher” diz o cantor Ney Matogrosso em seu depoimento, presente no documentário. A questão era justamente essa: jogar com uma sexualidade dúbia fugindo de qualquer tipo de classificação. “Qual é essa mania de classificar?”, dizia um dos integrantes.

Criou-se então uma confusão de estereótipos sexuais confundindo inclusive a própria ditadura que não conseguia detectar onde estava exatamente a ameaça do grupo, além dos corpos nus. Negando os rótulos e assumindo a multiplicidade de caracteres, eles mesmos diziam:
Os Dzi Croquettes não são representantes do gay-power, nem dos andróginos, nem dos homens, nem das mulheres, nem dos brancos, nem dos pretos, mas de todos. Porque ou a gente representa todos ou não representa nada.”
Em 1973 Dzi Croquettes é censurado, mas depois de 30 dias é liberado por falta de argumentos consistentes, com a condição imposta de cobrirem seus corpos. Vale lembrar a tradição do carnaval brasileiro onde, durante os dias de festa, muitos homens se vestem de mulher. O grupo assim era político na maneira de ser e criticava as instituições nas entrelinhas da comédia musical.

Os espetáculos misturavam jazz, musicais da Broadway, cabaré, samba, teatro de revista, macumba, bossa-nova, improvisação, num exercício de pura antropofagia, evocando o manifesto de Oswald de Andrade: “Só a antropofagia nos une.” Devorando todas as culturas e falando várias línguas, os Dzi Croquettes alcançavam todo o tipo de público e levando ao extremo a própria noção de espetáculo.

 

2. Breve história do grupo

Com o espetáculo “Gente Computada Igual a Você”, de 1972, o grupo fez enorme sucesso no Rio de Janeiro e em São Paulo. Apresentando números cantados e dançados assim como monólogos e paródias, os Dzi abusavam da ironia e do duplo sentido. Os textos eram de autoria de Wagner Ribeiro e o preparo técnico do grupo ficava por conta de Lennie Dale, coreógrafo norte-americano naturalizado brasileiro. Eles se auto-denominavam “as internacionais” pela multiplicidade de línguas que compunham o espetáculo: português, inglês e francês eram as mais utilizadas. E o humor escrachado permeava todas elas num exercício de extrema liberdade de linguagem teatral.

Foi criado ainda todo um vocabulário “croquette”, com algumas palavras tão utilizadas que chegaram a entrar para dicionário da língua portuguesa como, por exemplo, “tiete”. O nome Dzi Croquettes foi também escolhido pela via do humor. Inspirado no grupo americano The Cockettes, fez-se uma alusão aos croquetes que eles estavam comendo no momento e a sonoridade do artigo the (zê - dzi). Dzi Croquettes. Afinal, como os croquetes, diziam, somos todos feitos de carne.

Essencialmente coletivo, o processo de criação dos Dzi Croquettes era do Teatro de Grupo, em sua versão mais radical. Além de atuarem juntos e acreditarem na mesma concepção estética e ideológica de linguagem, os Dzi Croquettes viviam juntos, como uma família, estabelecendo funções e papeis para cada membro: pai, mãe, filhas, tias, governanta, camareira, enfim; fazendo da própria vida um teatro e do teatro a vida. Em casa ou no palco, o que os Dzi Croquettes estavam propondo era uma forma de vida.

Pouco depois de censurados no Brasil, os Dzi Croquettes decidem embarcar para a Europa apenas com o dinheiro dos espetáculos e quase duas toneladas de cenário e figurinos. Uma sessão especial em Paris feita para Lisa Minelli e seus convidados lotou o teatro e eles alcançaram sucesso e reconhecimento. A atriz, tida como a madrinha do grupo, não esconde a grande admiração: “Eles se expressavam com todo o corpo e nós sentíamos essa energia em volta deles. Como se tivesse fumaça.”

 
Josephine Baker            

A cantora e bailarina Josephine Baker, que na ocasião estava entre os convidados de Liza Minelli, havia dito ao diretor do Teatro Bobino que quando ela morresse gostaria que os Dzi Croquettes fossem os próximos a se apresentar. O que de fato aconteceu quando, depois de uma semana de apresentações, em abril de 1975, Josephine Baker falece e o diretor, atendendo ao seu ultimo pedido, chama os Dzi Croquettes para ocupar o palco. Com o sucesso novamente e a presença de convidados ilustres na platéia como Jeane Moreau, Mick Jagger, Maurice Bejart, entre outros, o grupo alcança fama na Europa, mas decidem voltar para o Brasil em seguida.

No entanto, no inicio dos 80, com o aparecimento da Aids, o grupo perdeu quatro integrantes, sendo que na sequência três morreram assassinados e um de aneurisma. Dos treze restaram cinco: Ciro Barcellos - ator; Benedictus Lacerda - guia turístico; Rogério de Poly - ator; Bayard Tonelli - ator, diretor de arte e coreógrafo; e Cláudio Tovar - ator, cenógrafo e figurinista.

  

3. Contaminações e influências

Os figurinos incorporavam o lixo com glamour internacional. Feitos com restos de carnaval, roupas encontradas, collants desfiados, lantejoulas, meias de futebol, vestidos e fraques, a composição do vestuário era uma mistura de tons, cores e texturas onde o lixo virava luxo. Na cena em que eles dançavam “Assim Falou Zaratustra”, de Strauss, por exemplo, tecidos esvoaçantes ganhavam movimento como asas de Loïe Fuller, como se fossem mariposas voando pelo palco. O humor estava presente em todo momento, seja na escolha das músicas, na combinação de movimentos ou nos textos.

A rigidez técnica e o preparo físico, exigido por Lennie Dale, no entanto, fazia do grupo bailarinos profissionais. O trabalho de corpo com base em aulas de jazz e sapateado – ritmos adotados pelos musicais da Broadway – possibilitava a execução de movimentos limpos e precisos, o que dava contraponto ao excesso de liberdade corporal e textual. Visível, por exemplo, no bolero “Dois pra lá dois pra cá”, na voz de Elis Regina, dançado com rigor técnico e atrevimento.

No rosto, a maquiagem criava um disfarce. Eram como máscaras que ocultam e revelam ao mesmo tempo. Onde é possível ver sem ser visto. Um mural cênico composto de objetos e símbolos astronômicos, plataformas móveis e intensos focos de luz compunham uma capa de excessos. O olhar não abarcava o conjunto e o movimento era acelerado. No entanto tudo funcionava. Em acúmulos, desvios ou dribles de risos, moviam certezas na convicção de seus passos.

A devoração de elementos estrangeiros em fusão com a cultura brasileira presente também no Tropicalismo e nas idéias do Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade tem a sua máxima expressão com Dzi Croquettes.

Pela contracultura e experimentalismos de vanguarda, o grupo levou ao extremo as tentativas de superar as dicotomias arte/vida, arte/antiarte, fazendo do teatro, afinal, um projeto de vida. Nas palavras de Lennie Dale: “Life is a cabaret”.

Dzi Croquettes existiu entre 1972 e 1976 e exerceu influência em inúmeros artistas como Secos & Molhados, Ney Matogrosso, Frenéticas, entre muitos outros. Nota-se também a importância que tiveram no âmbito teatral, influenciando grupos como o Teatro Vivencial, de Recife, e toda uma corrente que leva adiante os conceitos de teatro de grupo e criação coletiva. Também o gênero pastelão, caricatura, deboche e comédia de costumes, travestismo e o movimento gay se apoiaram no vigor da presença do grupo. As contaminações disseminavam com velocidade em toda a arte dessa época.

Com a “força do macho e a graça da fêmea”, slogan da trupe, os Dzi Croquettes passaram como um vento forte balançando as estruturas. Um lugar onde nada é estático, onde os conceitos se misturam desorientando classificações. Intensos, magnéticos e ousados, deixam o recado:

Já que somos todos ignorantes, enlouqueçamos, pois.”

 

Raphael Alvarez e Tatiana Issa. Dzi Croquettes [Filme] Tria Produçoes. Brasil 2009.
 LOBERT, Rosemary. A palavra mágica: a vida cotidiana dos Dzi Croquettes, ed. Unicamp, Campinas: 2010
 Folha de São Paulo, 2.8.1973 in LOBERT, R., Op. Cit.. p.245

Clipping A força do macho e a graça da fêmea: Dzi Croquettes, por Lucila Vilela, Interartive, 02/2011


A força do macho e a graça da fêmea

Documentário sobre os Dzi Croquettes traz às novas gerações a trajetória do importante grupo teatral brasileiro

Treze homens em um palco. Maquiagens, muita dança, humor escrachado, pernas peludas à mostra pelo uso de vestidos curtos. "A força do macho e a graça da fêmea" era o mote que exemplificava a androginia característica. Isto era um pouco do que representavam os Dzi Croquettes, famoso grupo teatral que impactou o público na década de 70 (inserido no contexto do Ato Institucional nº 5, durante a Ditadura Militar brasileira, no auge da censura). A trajetória destes artistas está sendo contada no documentário Dzi Croquettes, dirigido por Tatiana Issa e Raphael Alvarez, que estreou nos cinemas nacionais em 16/07/2010 (ver abaixo).. Trazendo depoimentos de ex-integrantes e de diversos artistas (de Liza Minnelli a Ney Matogrosso), o longa-metragem busca recuperar estas tão importantes figuras da arte nacional, que infelizmente ficaram esquecidas no baú do passado.

Os Dzi Croquettes surgiram de um produtivo papo em uma mesa de bar, na qual estavam o dramaturgo e ator Wagner Ribeiro, Reginaldo de Poly e Bayard Tonelli.
Eles não sabiam bem como seria, mas tinham como base a ideia de uma coisa irreverente", conta Cláudio Tovar, que fez parte do grupo, em entrevista à Rolling Stone Brasil.
O projeto foi levado a Lennie Dale, nova-iorquino radicado no Brasil (considerado um gênio da dança), por seu aluno Ciro Barcelos, e imediatamente o coreógrafo se apaixonou pela ideia, encabeçando o grupo ao lado de Wagner. O ano do nascimento foi 1972. A partir daí, os Dzi Croquettes passaram a se valer da atuação, do humor e da dança para se expressar de forma livre em um contexto extremamente repressor.

Você possivelmente deve estar pensando: "Se o grupo é tão significativo, como nunca ouvi falar dele?" Pois é. Estes artistas entram na lista de nomes que ficaram esquecidos por não haver quase material registrado, muitas vezes por culpa da ditadura. A princípio, o grupo não foi barrado pelos militares durante o ensaio para a censura, realizado em 1973.
Como tínhamos essa variação no figurino, fizemos praticamente uma peça infantil. Era um bando de retardados, dançando como idiotas, vestidos de ursinhos", conta Tovar. "E eles não entenderam porra nenhuma, claro."
Porém, tempos depois, ao perceber do que tratavam os espetáculos, os generais proibiram definitivamente a exibição. Mas era tarde.
Já havíamos passado por duas boates e dois teatros. Já tínhamos feito a cabeça de milhares de pessoas, que viam naquilo uma possibilidade enorme de uma vida menos careta", explica o ex-integrante.
Pouco tempo depois, o espetáculo foi liberado e entrou em cartaz em São Paulo - posteriormente, com o dinheiro arrecadado, o grupo viajou para o exterior. Com humor e graça, os 13 atores e dançarinos (Lennie Dale, Wagner Ribeiro, Cláudio Tovar, Cláudio Gaia, Rogério de Poly e Reginaldo de Poly, Bayard Tonelli, Paulo Bacellar, Benedictus Lacerda, Carlos Machado, Eloy Simões, Roberto Rodrigues e Ciro Barcelos) davam, nas entrelinhas, verdadeiros safanões na sociedade e na realidade política do período.

Como forma de resgatar esse trecho de grande importância à cultura nacional, Tatiana Issa e Raphael Alvarez, amigos há 25 anos, suaram a camisa para conseguir coletar imagens e adquirir o maior número depoimentos para a elaboração de Dzi Croquettes.
Eu falava com todo mundo da minha geração: 'Isso na peça vem de Dzi Croquettes, aquilo também'. E ninguém nunca tinha ouvido falar deles", conta a diretora.
Sobretudo para Tatiana, o trabalho teve caráter pessoal, já que seu pai, Américo Issa, integrava a equipe técnica do espetáculo - e traçar a trajetória do grupo significava inevitavelmente trazer de volta parte da história de vida de Américo e cenas de sua própria infância.

O projeto começou a ser realizado em 2007, contando com os relatos dos integrantes remanescentes da formação original, bem como de artistas influenciados pelos Dzi - entre eles Liza Minnelli, que era a "madrinha" do grupo e amiga de Dale. Um dos grandes presentes do documentário são as cenas inéditas do espetáculo, gravadas pelo canal televisivo alemão MDR. As imagens foram resgatadas pela dupla de diretores após intensa procura, já que no Brasil não havia registros.
Não fazia sentido trabalhar nisso sem imagens de arquivo", diz Tatiana. "

 A TV alemã filmou e guardou.

 Descobrimos que esta fita existia e negociamos os direitos de exibição."
Segundo Tovar, as filmagens aconteceram durante o período de uma semana, enquanto a equipe estava em cartaz em Paris, e foi ao ar em um especial de fim de ano, em 1975.

Legado

Os Dzi Croquettes são vistos como exemplo de inovação nas artes teatrais. Com olhar muito a frente de seu tempo, uniam na dança, por exemplo, o jazz e o samba, numa representação consistente da antropofagia tão citada por Mário de Andrade, décadas antes. Quando o assunto era a forma com a qual se apresentavam no palco, um senso de liberdade surpreendente se fazia presente. Como se definiam, não eram homens ou mulheres, eram gente.

Muitos sustentam que o chamado besteirol começou ali, com o roteiro de Wagner Ribeiro.
As coisas eram ditas com humor, mas dando porrada. Foi a maneira que encontramos de falar o que a gente queria", lembra Tovar. "Era um musical muito brasileiro."
E é exatamente com relação a essa brasilidade que o ato antropofágico se encaixa. Havia músicas norte-americanas, já que Lennie Dale vinha dos Estados Unidos e trazia na bagagem a carreira como bailarino de jazz, mas as apresentações eram compostas majoritariamente pelo som nacional, como o samba e gafieira.

Pegamos o musical americano, deglutimos e jogamos de novo como se fosse algo nosso", afirma o ex-integrante.

No que diz respeito à postura no palco, os Dzi Croquettes foram os precursores no tratamento da sexualidade de forma aberta. No figurino dos 13 integrantes, tapa-sexo, botas de salto seis e maquiagem forte eram o básico. O resto vinha por cima - trajes doados por grandes estrelas da época, como Leila Diniz, Liza e Elke Maravilha e sobras de fantasias de escolas de samba.
Tudo era muito assumido. A década de 70 foi uma época bastante liberada, foi com a aids depois que a coisa ficou feia", diz Tovar.
Não valia a pena segurar a onda de porra nenhuma. Ainda mais em um período de repressão como aquele. Iria ainda reprimir sua própria sexualidade?"
O diretor Raphael Alvarez completa:
O que eles queriam mostrar era que não importava a sexualidade de cada um, havia coisas mais importantes que isso."
De acordo com os diretores, a princípio, o projeto teve dificuldade em conseguir patrocínio, talvez por ainda existirem certos tabus.

Não sei se era por causa da chegada da aids no Brasil, do primeiro movimento gay, da ditadura", diz Raphael Alvarez. "Ou a gente parava ou fazia com a nossa grana."

Obstáculos ultrapassados com a parceria do Canal Brasil, o longa-metragem agora entrou em cartaz nos cinemas nacionais para que os curiosos pudessem conhecer mais desta parte importante da produção cultural brasileira.

Clipping "A Força Do Macho E A Graça Da Fêmea, Por Patrícia Colombo, Rolling Stones, 18/07/2010 

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Sandman, uma das melhores HQ da história, para download

Sandman, uma das melhores séries de quadrinhos da história.
Sandman é uma série de história em quadrinhos para adultos, escrita pelo escritor britânico Neil Gaiman e desenhada por vários ilustradores, tais como Bill Sienkiewicz, Dave McKean, Sam Kieth, Charles Vess, Miguelanxo Prado, Jill Thompson, J. H. Williams III, Milo Manara, Mike Dringenberg, Shawn McManus, Marc Hempel e Michael Zulli e o capista Dave McKean. Publicada pela Vertigo, um selo da DC Comics, durante sete anos consecutivos (1989-1996), rendeu 75 edições e foi aclamada pelo público e pela crítica como uma das melhores séries de quadrinhos da história.

Multipremiada, recebeu nove prêmios Will Eisner Comic Industry Awards, três prêmios Harvey Awards e o prêmio literário World Fantasy Award em 1991 (como primeiro gibi da história a ter recebido a honraria). Em 2003, entrou na lista dos Best-Sellers do The New York Times como um ícone da cultura pop.

Sandman, ícone da cultura pop.
Resumo da história

Sandman (homem de areia) é baseado na lenda americana do personagem que assopra areia nos olhos das crianças para elas dormirem e que também atende por outros nomes, entre eles, Sonho, Morfeus, Oneiros, Moldador.

Ele é o protagonista da história e integra um grupo de seres de aparência humana, mas de fato imortais, que pairam acima dos deuses e são chamados Perpétuos. Fora Morfeus, essas entidades são o Destino, a Destruição, o Delírio, os gêmeos Desejo e Desespero e a Morte. Elas são representações antropomórficas responsáveis pelo ordenamento da realidade conhecida, pela coesão do universo físico e todos os seres vivos. O trabalho de Morfeus é administrar o Mundo dos Sonhos e controlar os sonhos humanos.

Sandman também é chamado de Morfeus
Quando uma ordem mística misteriosa tenta capturar sem sucesso a irmã mais velha de Morfeus, a Morte, com intuito de alcançar a imortalidade, quem acaba sendo preso é o próprio Sandman. Passam-se muitos anos de reclusão até ele conseguir se libertar e voltar ao seu lar, O Sonhar, que encontra muito diferente da época de sua prisão. 

Morfeus também enfrenta outras situações difíceis e seres tenebrosos, como Lúcifer, Belzebu e Azazel, ao longo das 75 edições de Sandman, onde prevalece um clima sombrio e misterioso que combina com a personalidade um tanto melancólica e soturna do personagem.

Pra fazer o download da obra via Google Drive (401 Megas), clique aqui. Para adquirir mais volumes, acesse o site da Amazon clicando aqui.

Nas HQs disponíveis, os arcos das histórias estão divididos em:

Prelúdios e noturnos (01 a 08)
A casa de bonecas (9 a 16)
Terra dos sonhos (17 a 20)
Estação das brumas (21 a 28)
Espelhos distantes (29 a 31 e 50)
Um jogo de Você (32 a 37)
Convergência (38 a 40)
Vidas breves (41 a 49)
Fim dos mundos (51 a 56)
Entes queridos (57 a 69)
Despertar (70 a 73)
Exílio (74)
A tempestade (75)

A Morte


quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Contracultura brasileira: o desbunde que desafiou a esquerda e os militares


 Gal Costa, Os Mutantes, Jards Macalé, Gilberto Gil (com Torquato Neto), Novos Baianos, Caetano Veloso, Jorge Mautner, Luiz Melodia, Rogério Duprat, Sérgio Sampaio, Tom Zé e Walter Franco 

A música Sangue Latino é de 73. Os Secos e Molhados existiram de 71 a 74 em sua formação original. Os Dzi Croquettes de 1972 a 1976. O musical Hair foi encenado de 69 a 71. Andróginos e libertários. Em pleno período do regime de exceção. Foram filhos da contracultura que os militares não reprimiram com a contundência que reprimiram a esquerda ortodoxa, mesmo porque a consideravam meio alienada, visão compartilhada pela esquerda da época. Segundo consta, foi a esquerda da luta armada que apelidou os contraculturais no Brasil de desbundados. A contracultura no BR foi o desbunde. 



E a geração que prevalece no país na década de 70 foi exatamente a do desbunde, a do "sexo, drogas e rock'n'roll", da "minha casa no campo, meus amigos, meus discos, meus livros e nada mais" e não a da esquerda que queria nos transformar num Cubão. Aliás, a matriz do movimento homossexual no Brasil e no mundo foi a contracultura, não a esquerda tradicional que era tão homofóbica e machista quanto os conservadores. Ainda hoje, vejo muito mais em comum entre eles do que sonham as vãs filosofias. 

Lembrei disso porque, desde que lançaram uma tese pra lá de discutível que afirma ter o regime militar instituído uma política de Estado contra pessoas homossexuais, volta e meia vem alguém me perguntar dos sofrimentos que passei por ser lésbica sob a ditadura. 

Então, vamos esclarecer, o período 64-84 se deu de fato sob um regime de exceção, mas não sob um regime totalitário. Nós não vivemos uma espécie de Gilead como no "O Conto da Aia," pra citar uma referência atual. Os agentes da repressão não estavam visíveis a cada esquina, não ficavam acompanhando as pessoas até o supermercado, não havia corpos de subversivos pendurados nos muros das cidades ou na frente das casas, não se executava gente a sangue frio em ruas de bairros de classe média. A abdução dos ditos subversivos se dava mais na surdina, na calada da noite ou em blitz pontuais durante o dia. Nós outros vivíamos uma aparente normalidade, com as pessoas levando suas vidas de forma não muito diferente da de hoje.


A juventude daquele período, no Brasil, gastava seu tempo tomando todas e transando muito, indo a teatros (onde se faziam críticas veladas ao regime), aos cinemas (ver Bergman, Pasolini, Fellini, Polansky, Woody Allen) e a Salvador (que virou a Meca dos desbundados). Também gastava seu tempo lendo livros, jornais (cheios de mensagens cifradas) e a imprensa alternativa, assistindo os festivais de música popular e as novelas na TV. Indo ainda a musicais e, no final da década, entre 78 e 79, acabando-se nas baladas dos dancing days.
++++++++

Enfim, esse era o meu cotidiano naquele período. Não sofri repressão da ditadura por ser lésbica. Da ditadura, sofri repressão como estudante, quando fui às ruas em 1977 participar das manifestações promovidas pela UNE que se rearticulava. Fui inclusive presa na tristemente célebre invasão da PUC pelas forças do famigerado coronel Erasmo Dias. Porque manifestação de rua não podia mesmo acontecer, ainda mais contra o governo. 

Como lésbica, a repressão que sofri foi da sociedade ultraconservadora da época, tão vigente aqui, sob um regime de exceção, quanto nos EUA, a democracia mais estável da História. Naquele período, a homossexualidade ainda era considerada doença ou crime (nos EUA, a homossexualidade só deixou de ser crime na década de 70), as pessoas homossexuais eram totalmente marginalizadas, como se fossem realmente criminosas, aparecendo na imprensa somente nas páginas policiais. Provavelmente a invasão que promovi, com outras ativistas, em 19 de agosto de 1983, no antológico Ferro's Bar de São Paulo, foi a primeira a inaugurar uma nova abordagem da imprensa sobre o assunto, com artigo da Folha de SP nos tratando de forma positiva. 

Em outras palavras, não vão comprando acriticamente qualquer tese que aparece. Busquem sobre a contracultura no Brasil no oráculo do Google. Há teses e livros sobre o tema que, sem dúvida, vão lhes ampliar o horizonte, abrir uma nova perspectiva sobre a realidade sócio-cultural daquele período paradoxalmente de repressão mas também de grandes mudanças políticas e comportamentais. Aqui uma dica: Contracultura – Alternative Arts and Social Transformation in Authoritarian Brazil, de autoria de Christopher Dunn. Liberdade cabeluda:  O  inusitado caráter político da contracultura brasileira

Por último, naqueles conturbados anos do regime militar e da Guerra Fria (com a bomba atômica pairando sobre nossas cabeças), nós vivemos a contracultura (considerada por muitos como a última grande utopia) e tínhamos aquela coisinha verde que, hoje, a gente procura à esquerda, à direita, no centro, em cima e embaixo, e não encontra. Nós tínhamos esperança. Ao contrário, atualmente, vivemos num clima distópico que parece sobretudo uma mistura do 1984 com O Conto da Aia mas também conta com pitadas do Admirável Mundo Novo e do Fahrenheit 451. Sinto muito!
 😓

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Até a Segunda Guerra Mundial, menino vestia rosa e menina vestia azul

Pinturas de um menino usando rosa e uma menina usando azul
As discussões sobre gênero (modelos de mulher e de homem) sempre estiveram presentes em nossa História. No ano passado, algo que veio à tona foi a reafirmação dos padrões de cores entre meninos e meninas, sob o discurso de Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos “menino veste azul e menina veste rosa”. Mas o que poucos sabem é que essas cores foram impostas em um passado recente, o que demonstra as bases fluidas sob as quais estão assentadas.

Se uma mãe que criou seus filhos no início do século 20 entrasse em uma loja infantil hoje em dia, ficaria horrorizada com as roupas destinadas às garotinhas: em sua época, o rosa lembrava o vermelho do sangue, simbolizando força e masculinidade. Por mais estranho que nos pareça, esse padrão só se modificou com a industrialização dos EUA no pós-guerra.

No princípio era o Branco

Para entender essa história, precisamos voltar a um passado anterior à associação entre cores e gênero. Na Inglaterra vitoriana, a cor branca e tons pastéis eram o padrão das vestimentas infantis, como foi descrito por Jo B. Paoletti, professora da Universidade de Maryland, em seu livro Pink and Blue: Telling the Boys from the Girls in America. 

Isso não acontecia por existir uma maior democratização em relação aos estereótipos de gênero, mas sim por questões econômicas: na época, a indústria da moda infantil com consumidores sedentos por roupas específicas era quase inexistente. E como era caro produzir roupas com tinturas, as cores eram destinadas às pessoas mais velhas e camadas nobres da população.

Roosevelt à moda vitoriana, de vestido / Crédito: Reprodução
Outra característica intrigante sobre as roupas infantis da época era o uso de vestido. Ambos os sexos tinham esse item como essencial, provavelmente pela facilidade na higiene e movimentação dos pequenos - um belo exemplo disso é a foto do estadista Franklin Delano Roosevelt aos 2 anos de idade, mostrando a adesão dos EUA aos padrões vitorianos. A partir dos cinco anos, os padrões de roupas começaram a se diferenciar para ambos os sexos.

Cores trocadas
Barão d'Holbach pelas mãos do pintor Louis Carmontelle. Já no século 18 o rosa era uma cor máscula. Crédito: Reprodução
Entre o fim do século 19 e o início do século 20, passou-se a definir as cores "certas" para cada gênero, de acordo com padrões que vinham do século 18 que eram contrários ao atuais.

Segundo Gavin Evans, escritor e especialista em cores, o azul sempre foi associado à Virgem Maria e a delicadeza das mulheres, enquanto o rosa estava ligado ao vermelho, visto como uma cor forte e enérgica que traria mais masculinidade aos garotos.

Essas questões, puramente sociais, que vinham desde séculos anteriores, determinavam um suposto “padrão psicológico” para o uso das cores.

Foi apenas na esteira da Segunda Guerra Mundial que o cenário mudou. Entre 1920 e 1950, com a crescente industrialização dos EUA, o azul passou a ser subitamente comercializado por varejistas como a cor perfeita para homens, enquanto marcas de moda afirmavam que o rosa era a cor mais delicada.

Com o tempo, essa dicotomia foi se espalhando para brinquedos, acessórios, berços e desenhos animados, agitando a indústria infantil e gerando os padrões que hoje temos como verdade.

Com a industrialização, padrões sociais passaram a ser como hoje.
 Crédito: National Geographic
Segundo a psicanalista Fani Hisgail,
A afinidade com alguma cor não determina personalidade ou sexualidade”. Pelo contrário: ter afinidade com algo não supostamente pertencente ao seu sexo determina apenas o modo como nossa sociedade ressignifica valores e crenças através dos tempos.
Aliás, é sempre bom lembrar da diferença entre gênero e sexualidade: enquanto orientação sexual é a atração por pessoas do mesmo sexo, de sexo diferente ou ambos, gênero é o modelo de mulher ou de homem com o qual a pessoa se identifica, não dependendo de sexualidade ou do sexo com o qual a pessoa nasceu.

É pelo fato de serem socialmente construídos (como bem demonstram as cores azul e rosa) que os gêneros podem ser criados, modificados e transformados, gerando inúmeras possibilidades de "ser humano".

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Lista da BBC Culture dos 100 melhores filmes realizados por mulheres

Imagem relacionada
O Piano (1003) de Jane Campion, primeiro lugar entre os 100 filmes de diretoras (ver abaixo)
A BBC Culture lançou uma lista dos 100 melhores filmes realizados por mulheres. Desta lista resultou uma análise internacional de especialistas em cinema onde participaram 368 críticos, académicos, figuras da indústria e programadores de cinema de 84 países diferentes.

“Cléo das 5 às 7” – [Cléo de 5 à 7, França, 1962]
O filme mais votado por “The Piano” (1993), de Jane Campion, que obteve 43,5% dos votos dos críticos.
Os críticos votaram em 761 filmes diferentes no total. Agnès Varda foi a realizadora mais popular em termos de número de filmes, com 6 filmes entre os 100 melhores, seguida por Kathryn Bigelow, Claire Denis, Lynne Ramsay e Sofia Coppola.
É com satisfação que apresentamos a maior e mais internacional lista de críticos de cinema da BBC Culture”, disse Rebecca Laurence, editora da BBC Culture. “Ficámos impressionados com a enorme resposta: 368 críticos, académicos, figuras da indústria e programadores de filmes de 84 países diferentes. E temos o prazer de informar que o número de votantes é equilibrado em termos de sexo, com um número ligeiramente maior de mulheres do que homens. Esperamos, como sempre, que esta lista provoque debates e inspire a descoberta da maravilhosa e diversificada coleção de filmes criados por mulheres ao longo da história do cinema.”, acrescentou a editora.
A análise mostra ainda que a maioria dos 100 melhores filmes são das décadas de 1990 e 2000. Os anos mais populares são 1999, 2008 e 2017, com cinco filmes cada. Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha, Itália, Bélgica, Canadá, Japão foram os países mais populares.

Lista completa:

100. The Kids are All Right (Lisa Cholodenko, 2010)
99. The Souvenir (Joanna Hogg, 2019)
98. Somewhere (Sofia Coppola, 2010)
97. Adoption (Márta Mészáros, 1975)
96. The Meetings of Anna (Chantal Akerman, 1977)
95. Ritual in Transfigured Time (Maya Deren, 1946)
94. News From Home (Chantal Akerman, 1977)
93. Red Road (Andrea Arnold, 2006)
92. Raw (Julia Ducournau, 2016)
91. White Material (Claire Denis, 2009)
90. Fast Times at Ridgemont High (Amy Heckerling, 1982)
89. The Beaches of Agnes (Agnès Varda, 2008)
88. The Silences of the Palace (Moufida Tlatli, 1994)
87. 35 Shots of Rum (Claire Denis, 2008)
86. Wadjda (Haifaa Al-Mansour, 2012)
85. One Sings, The Other Doesn’t (Agnès Varda, 1977)
84. Portrait of Jason (Shirley Clarke, 1967)
83. Sleepless in Seattle (Nora Ephron, 1993)
82. At Land (Maya Deren, 1944)
81. A Girl Walks Home Alone at Night (Ana Lily Amirpour, 2014)
80. Big (Penny Marshall, 1988)
79. Shoes (Lois Weber, 1916)
78. The Apple (Samira Makhmalbaf, 1998)
77. Tomboy (Céline Sciamma, 2011)
76. Girlhood (Céline Sciamma, 2014)
75. Meek’s Cutoff (Kelly Reichardt, 2010)
74. Chocolat (Claire Denis, 1988)
73. On Body and Soul (Ildikó Enyedi, 2017)
72. Europa Europa (Agnieszka Holland, 1980)
71. The Seashell and the Clergyman (Germaine Dulac, 1928)
70. Whale Rider (Niki Caro, 2002)
69. The Connection (Shirley Clarke, 1961)
68. Eve’s Bayou (Kasi Lemmons, 1997)
67. The German Sisters (Margarethe von Trotta, 1981)
66. Ratcatcher (Lynne Ramsay, 1999)
65. Leave no Trace (Debra Granik, 2018)
64. The Rider (Chloe Zhao, 2017)
63. Marie Antoinette (Sofia Coppola, 2006)
62. Strange Days (Kathryn Bigelow, 1995)
61. India Song (Marguerite Duras, 1975)
60. A League of their Own (Penny Marshall, 1992)
59. The Long Farewell (Kira Muratova, 1971)
58. Desperately Seeking Susan (Susan Seidelman, 1985)
57. The Babadook (Jennifer Kent, 2014)
56. 13th (Ava DuVernay, 2016)
55. Monster (Patty Jenkins, 2003)
54. Bright Star (Jane Campion, 2009)
53. The Headless Woman (Lucrecia Martel, 2008)
52. Happy as Lazzaro (Alice Rohrwacher, 2018)
51. Harlan County, USA (Barbara Kopple, 1976)
50. Outrage (Ida Lupino, 1950)
49. Salaam Bombay! (Mira Nair, 1988)
48. The Asthenic Syndrome (Kira Muratova, 1989)
47. An Angel at my Table (Jane Campion, 1990)
46. Near Dark (Kathryn Bigelow, 1987)
45. Triumph of the Will (Leni Riefenstahl, 1935)
44. American Honey (Andrea Arnold, 2016)
43. The Virgin Suicides (Sofia Coppola, 1999)
42. The Adventures of Prince Achmed (Lotte Reiniger, 1926)
41. Capernaum (Nadine Labaki, 2018)
40. Boys Don’t Cry (Kimberly Peirce, 1999)
39. Portrait of a Lady on Fire (Céline Sciamma, 2019)
38. Paris is Burning (Jennie Livingston, 1990)
37. Olympia (Leni Riefenstahl, 1938)
36. Wendy and Lucy (Kelly Reichardt, 2008)
35. The Matrix (Lana and Lilly Wachowski, 1999)
34. Morvern Callar (Lynne Ramsay, 2002)
33. You Were Never Really Here (Lynne Ramsay, 2017)
32. The Night Porter (Liliana Cavani, 1974)
31. The Gleaners and I (Agnès Varda, 2000)
30. Zama (Lucrecia Martel, 2017)
29. Monsoon Wedding (Mira Nair, 2001)
28. Le Bonheur (Agnès Varda, 1965)
27. Selma (Ava DuVernay, 2014)
26. Stories we Tell (Sarah Polley, 2012)
25. The House is Black (Forugh Farrokhzad, 1963)
24. Lady Bird (Greta Gerwig, 2017)
23. The Hitch-Hiker (Ida Lupino, 1953)
23. We Need to Talk About Kevin (Lynne Ramsay, 2011)
21. Winter’s Bone (Debra Granik, 2010)
20. Clueless (Amy Heckerling, 1995)
19. Orlando (Sally Potter, 1992)
18. American Psycho (Mary Harron, 2000)
17. Seven Beauties (Lina Wertmüller, 1975)
16. Wanda (Barbara Loden, 1970)
15. The Swamp (Lucrecia Martel, 2001)
14. Point Break (Kathryn Bigelow, 1991)
13. Vagabond (Agnès Varda, 1985)
12. Zero Dark Thirty (Kathryn Bigelow, 2012)
11. The Ascent (Larisa Shepitko, 1977)
10. Daughters of the Dust (Julie Dash, 1991)
9. Fish Tank (Andrea Arnold, 2009)
8. Toni Erdmann (Maren Ade, 2016)
7. The Hurt Locker (Kathryn Bigelow, 2008)
6. Daisies (Věra Chytilová, 1966)
5. Lost in Translation (Sofia Coppola, 2003)
4. Beau Travail (Claire Denis, 1999)
3. Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles (Chantal Akerman, 1975)
2. Cléo from 5 to 7 (Agnès Varda, 1962)
1. The Piano (Jane Campion, 1993)

Clipping BBC divulga lista dos 100 melhores filmes realizados por mulheres, Comunidade Cultura e Arte, 01/12/2019

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Oito filmes protagonizados por mulheres para ver na Netflix


Dicas de filmes no Netflix onde as mulheres são as protagonistas. Vale conferir.

The Girl on the Train

Emily Blunt em “A Garota no Trem” (Imagem: reprodução)
Emily Blunt estrela esse thriller baseado em obra homônima que acompanha a vida de uma alcoólatra recém-divorciada que não lida muito bem com a própria vida após a separação, caindo numa espiral depressiva, incapaz de manter um emprego ou lidar com a solidão. Pouco a pouco, vamos descobrindo mais sobre seu passado, o de seu marido e das pessoas que compõem o novo núcleo familiar, tanto do ex quanto da personagem principal. Este é um filme para aquelas que amaram “Gone Girl” (“Garota Exemplar”) e que amam um bom suspense psicológico e mulheres representadas de maneira excepcionalmente em suas falhas e vulnerabilidades.

Gone Girl
Rosamund Pike em “Garota Exemplar” (Imagem: reprodução/Netflix)
“Garota Exemplar“, título com o qual chegou ao Brasil, retrata o desaparecimento de Amy Dunne e a busca pelo seu paradeiro liderada por seu marido, com a investigação tomando rumos inesperados. Dirigido por David Fincher, esse filme é muito popular e vale a audiência. Se já o assistiu, vale muito a repetição.

Rosamund Pike carrega a película do começo ao fim, numa atuação pela qual foi indicada ao Oscar, Globo de Ouro e Critics Choice Awards, além de várias outras premiações no ano de 2015.

Annihilation
Gina Rodriguez, Tessa Thompson, Tuva Novotny, Natalie Portman e Jennifer Jason Leigh
(Imagem: divulgação/Paramount Pictures/Netflix)
Outro filme extraído das páginas de um livro, “Annihilation” (“Aniquilação”) segue a trilogia de Jeff Vandermeer, que conta sobre a descoberta de uma área protegida pelo governo: quem vai lá explorar, nunca retorna, e quem consegue, sempre deixa uma parte de si para trás. O filme faz algumas modificações no material do livro, mas não fica aquém dele.

É uma ficção científica bem elaborada, com protagonismo feminino em peso e um elenco notável: Natalie Portman é a protagonista e a equipe que lhe acompanha para a área desconhecida é composta por Tessa Mae Thompson, Jennifer Lason Leigh e Gina Rodriguez. Oscar Isaac faz o ex-marido de Portman. Quem gosta de elementos de ficção científica e reflexões sobre a humanidade e o que significa ser humano não pode perder esse filme.

RAW
Garance Marillier em “Raw” (Imagem: reprodução)
Não é para quem tem estômago fraco. “RAW” celebra o horror contando a história de Justine, uma estudante de veterinária que começa a mudar seu comportamento após o ingresso na faculdade, onde se envolve numa espiral canibalista e de vampirismo. Além de protagonizado por uma mulher, o filme também é dirigido por outra, Julia Ducournau, em estreia eficiente atrás da câmara.

“RAW” pode ser visto como um filme de horror gore ou metáfora sobre um dos períodos mais transformadores na vida de alguém, destoando da postura rudimentar normalmente agregada ao gênero. Um filme repleto de simbologia e feito de forma bem competente.

Loja de Unicórnios
Brie Larson em “Loja de Unicórnios” (Imagem: divulgação/Netflix)
Brie Larson nos leva ao seu coming of age, mas para aqueles perto dos seus 30 anos: um drama com adições de romance, mas cujo coração mora no cerne dramático mesmo. Idealizado e dirigido por Larson, ela também dá vida à protagonista, uma mulher expulsa da Academia de Artes que precisa retornar para a casa dos pais, sentindo-se descrente na própria capacidade e sem rumo algum na vida.

A obra dialoga perfeitamente com os apaixonados por criação, amantes da escrita, das artes e do meio cultural, mas também fala a qualquer pessoa que tenha tido um sonho e foi derrubada pela vida. Vemos a saga da protagonista e sua vida indo do multicolorido ao cinza. Também assistimos a abordagem de temas como  a descoberta do amor, o assédio em ambiente de trabalho, o sexismo e reconexão com a própria família.

I Am Mother
Cena de “I Am Mother” (Imagem: divulgação/Netflix)
“I Am Mother” é protagonizado por figuras femininas e envolve elementos de tecnologia, humanidade, ciência e inteligência artificial. Tudo se mistura num cenário pós-apocalíptico onde ninguém tem nome. Mesmo a protagonista tem apenas o nome de “Filha”. Os outros personagens também levam alcunhas não personalizadas.

No resumo da Netflix, vemos que “a humanidade foi dizimada e o futuro recomeça com uma garota e um robô que ela chama de mãe”. A relação entre mãe e filha é abordada conforme vamos descobrindo mais sobre o universo, o que levou ao fim da sociedade, como ela era e as possibilidades de reconstrução. As atrizes Clara Rugaard-Larsen e Hilary Swank conseguem manter a atenção dos expectadores, apesar do isolamento do cenário.

A Gente Se Vê Ontem

Eden Duncan Smith e Danté Crichlow em cena de “A Gente Se Vê Ontem”
 (Imagem: divulgação/Netflix)
Produzido por Spike Lee e dirigido por Stefon Bristol, "A gente se vê ontem" apresenta dois pré-adolescentes de inteligência superaguçada tentando provar que viagem no tempo é possível. Eles conseguem o feito, mas a princípio, o avanço é pouco – voltam apenas 24 horas no passado. A história se desenrola de fato quando o irmão da protagonista acaba sendo morto por dois policiais brancos, e ela convence seu amigo a voltar no tempo para tentar salvar o parente amado. Ambos embarcam nessa jornada mesmo cientes de que mudar os acontecimentos pode acabar afetando o presente de modo inesperado.

Durante o longa, as diversas tentativas frustradas da dupla refletem sobre escolhas, consequências, num misto de ficção científica e drama emocional. A mensagem principal é sobre resistir contra as adversidades, mesmo contra tudo. Existe também crítica à violência policial e contra o racismo. “A Gente Se Vê Ontem” funciona bem para quem gosta da temática de ficção científica e quer assistir o protagonismo de jovens negros, com destaque para a atriz principal.

February
Kiernan Shipka em cena de “February”, título em português (Imagem: divulgação/Netflix)
Estrelado por Kiernan Shipka, Emma Roberts e Lucy Boynton, “Enviada do Mal” se passa num instituto exclusivo para garotas e garante um clima mórbido e frio do começo ao fim do filme. Trata-se de um terror sem sustos e reações forçadas, levado por sua narrativa de suspense, com foco nas atuações das protagonistas.

Típico terror psicológico, de ar sombrio e  estilo fragmentado, criando um cenário de quebra-cabeças com perguntas provocativas até o final da projeção. “February” mantém o mistério até o terceiro ato, sendo muito indicado para os amantes do terror ou de apenas contos misteriosos cujas respostas podem ou não ser respondidas.

Com informações de Delirium Nerd, por Nathalia de Morais,  09/08/2019

terça-feira, 30 de julho de 2019

Clubes de leitura de obras feministas e autoras mulheres crescem no Brasil

Livros feministas ou de ficção escritos por mulheres ganham cada vez mais espaço nas livrarias e
entre as leitoras. Foto: Arte de Nina Millen
Clubes de leitura de obras feministas e autoras mulheres crescem no Brasil

Não precisa ser um grande observador para notar que a quantidade de publicações de livros escritos por mulheres está crescendo cada vez mais. Embora não haja no Brasil, segundo a Câmara Brasileira do Livro, um sistema de pesquisa que separe por sexo os autores das obras, basta entrar em uma livraria para ver que livros feministas ou de ficção escritos por mulheres estão ganhando espaço crescente nas prateleiras. E, claro, se há um crescimento no volume de publicação é porque a procura também aumentou.

Angela Davis, Djamila Ribeiro, bell hooks, Silvia Federici e Jarid Arraes são algumas das autoras que têm destaque nesse boom editorial, segundo Elisa Ventura, dona e fundadora da livraria Blooks, que investe no recorte de gênero e raça desde a sua fundação.
É um público interessado, atuante, com foco na leitura e isso representa um aumento na procura. Sempre tivemos um espaço para livros com esse recorte e isso facilita a nossa percepção de que o número de publicações de uns anos para cá cresceu muito — reforça Elisa. — Feminismo e gênero não são assuntos que estão na moda. São pautas. As pessoas estão entendendo a importância de discutir sobre isso. Os jovens, que antes não frequentavam livrarias, estão lá buscando esses títulos, participando dos eventos, sendo ativos.
Nas ruas, não é raro ver mulheres carregando títulos com esse recorte — o de gênero. E o acesso a essas informações de uma maneira mais massiva fez muitas delas reviverem um hábito que parecia já ter ficado no passado: os clubes de leitura.

'Enxergo o feminismo como ferramenta de mudança'


O clube Leia Mulheres, por exemplo, está presente em mais de 120 cidades brasileiras e tem mais de três mil livros lidos nos seus quatro anos de existência.

Com reuniões mensais — que recebem cerca de 20 participantes cada —, o clube seleciona autoras dos mais variados países e gêneros literários. As escritoras independentes também têm espaço na lista de leitura. O Leia Mulheres faz, inclusive, parceria com algumas editoras.
As discussões já começam nas nossas redes sociais, que também são uma expansão do que foi discutido no encontro. Toda semana eu recebo e-mail de duas ou três cidades pedindo para o Leia Mulheres formar um grupo de leitura no local. É um crescimento contínuo! — ressalta Michelle Henriques, coordenadora e mediadora do clube.
Nas reuniões, as mulheres encontram um espaço seguro pra compartilhar opiniões, comentar sobre experiências e reflexões que tiveram com aquela leitura, isso motiva muito. Você ler um livro que mexe com você e conversar sobre isso é muito bom.
Esta foi justamente uma das motivações para Alícia Oliveira, uma médica de 44 anos, fundar o Tranças Literárias, um grupo de leitura independente. Ao lado de 15 amigas que compartilhavam o interesse de discutir assuntos pertinentes às mulheres, ela criou um grupo no WhatsApp para escolher um título literário e combinar um encontro para discussão. Com apenas dois meses de existência, o grupo cresceu e já conta com 48 participantes.
O crescimento foi no boca a boca — conta Alícia. — É uma delícia. Tomamos vinho nos encontros, cada uma leva um lanche e discutimos a leitura, a visão feminina, as nossas sensações. As pessoas se juntam para ver série, filme... Por que não podemos fazer isso com livros?
Carolina Alves, de 33 anos, faz parte do Tranças Literárias e é uma das mais ativas no debate. Desde 2016, ela se dedica à leitura de livros feministas, buscando entender as variadas realidades que cercam as mulheres pelo mundo e ter maior embasamento para a sua argumentação.
Eu enxergo o feminismo como uma ferramenta de mudança. Eu quero entender as realidades, embasar os argumentos e levar isso para as pessoas. Eu sou a "chata da reunião de família" que briga com as pessoas — diverte-se ela.
Autoras lésbicas e bi também em destaque
Outro grupo que está ganhando destaque nacional é o Lesbos, que se dedica à leitura de obras escritas por mulheres lésbicas ou bi ou que narrem histórias de personagens lésbicos. Fundado em 2017 por Lídia Bizio e Sol Guiné, o grupo realiza reuniões mensais e já está presente em três cidades: São Paulo, Salvador e Curitiba.

Segundo Lídia, cada cidade tem autonomia para escolher o livro que será lido pelo grupo. Na capital paulista, por exemplo, as mulheres do Lesbos estão organizando a leitura seguindo uma ordem cronológica a partir de 1998; enquanto em Curitiba as autoras estão sendo selecionadas por regiões.
O que eu percebo nas mulheres que participam do Lesbos é que elas se sentem confortáveis e satisfeitas por terem um espaço para conversar sobre a vida, sobre as suas histórias. Essa dinâmica do "vamos sentar e conversar", ser ouvida, compreendida, tudo num espaço seguro, é muito importante — ressalta Lídia.

Clipping Crescem no Brasil clubes de leitura de obras feministas e autoras mulheres, O Globo, por Alice Cravo, 19/07/2019

terça-feira, 16 de julho de 2019

Cordell Jackson: pioneira do rock que lançou seu próprio selo musical em 1956

Cordell Jackson 1
No auge de sua carreira, Cordell apareceu no programa de David Letterman e da MTV, quando ficou conhecida como “vovó do rock and roll”. Moderna desde sempre, morava em uma casa amarela, dirigia um carro amarelo e abria sua casa para passeios todo verão. Ícone na cena musical de Memphis, ela tocava rock antes mesmo do nome ‘rock and roll’ ser criado.


Sua gravadora era a mais antiga em funcionamento em Memphis na época de sua morte em 2004. Uma senhorinha de vestido, cabelo arrumado e óculos, tocando guitarra com toda a confiança de ser uma mulher fazendo exatamente o que ela queria fazer.



Fonte: Hypennes, 2018. Cordell Jackson: a primeira mulher a produzir, promover e tocar em sua própria gravadora de rock and roll

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Jessica Jones 3: por que mulheres ambiciosas e poderosas têm que acabar presas ou mortas?

Trish Walker e Jessica Jones: fim do sisromance
Jessica Jones foi uma minissérie criada pela roteirista Melissa Anne Rosenberg e produzida através de uma parceria entre a Netflix e a editora Marvel Comics. Com o fim dessa parceria, a Netflix abandonou as séries de todos os super-heróis da Marvel: Punhos de Ferro, Luke Cage, Demolidor, o Justiceiro e, por fim, Jessica Jones, a última a cair (em junho agora). Dizem que pesou, para esse abandono, o anúncio de que a Disney encerraria seu acordo de licenciamento de conteúdo com a Netflix a fim de privilegiar sua própria plataforma de streaming. Como o contrato entre a Marvel e a Netflix estabelece que os personagens da parceria só podem reaparecer nas telas dois anos após o cancelamento das séries, se acontecer de voltarem, será em 2020 e 2021, pelo Disney + e/ou o Hulu. Esperamos que possamos rever alguns desses personagens novamente, em particular os de Jessica Jones.

Enquanto isso, vamos à analise da última e melhor temporada da melhor das séries da turma da Marvel-Netflix, lançada no último dia 14 de junho. Melhor temporada no que diz respeito aos aspectos distintivos da série, o clima neo-noir, cínico e pessimista, o trabalho detetivesco, misturado com thriller psicológico, e boas cenas de ação (onde brilha a personagem de Trish Walker, versão de tela da personagem das HQ, a Felina). Também permanece uma abordagem não maniqueísta da maioria dos personagens, como nas outras temporadas, que oscilam entre ações éticas e anti-éticas, legais e ilegais, e vários autoquestionamentos de ordem moral. O tratamento dos personagens homossexuais também acerta no ponto porque não é panfletário em momento algum. A homossexualidade é, como na realidade, um detalhe da vida desses personagens e não algo positivo ou negativo em si mesmo. Aparece até representante de outro grupo minoritário, uma trans, Gillian, como secretária de Jessica, que faz uma ponta nos primeiros episódios, mas se destaca por umas tiradas bem engraçadas.

Como nada é perfeito, do lado negativo, temos erros de continuidade de alguns eventos, mas que não chegam a comprometer o conjunto da obra. Agora, complicado mesmo foi o fim da relação não homossexual mas homoafetiva, o sisromance entre Jessica Jones e sua irmã adotiva e melhor amiga Patricia (Trish) Walker. Esse relacionamento foi o eixo principal da série, ela girou em torno dele, com as personagens fazendo declarações mútuas de amor eterno, lutando uma pela outra, salvando uma e a outra de situações de perigo (lembra a Xena e a Gabrielle). As mães das duas personagens tinham até ciume dessa relação. Os fãs inclusive shipparam as duas com o nome Trishica, embora na real elas nunca tenham se tornado amantes (talvez devessem). Amantes elas sempre foram de homens (alguns bem discutíveis) em relacionamentos casuais ou temporários. Uma amostra desse sisromance pode ser vista nos vídeos abaixo das duas temporadas anteriores:



(Alerta de spoilers generalizados da segunda e terceira temporadas a partir daqui)
Jessica Jones e a mãe Alisa Jones 
Pausa para relembrar a segunda temporada

Entretanto, a relação das duas já tinha ficado abalada ao final da segunda temporada quando Trish mata a mãe de Jessica. Explicando, a segunda temporada se centrou na busca de Trish pela origem dos superpoderes de Jessica, encampada depois pela própria Jessica. Dessa busca, dois resultados decorreram:  
Jessica descobre não só o responsável pela sua superforça, Dr. Karl Malus,  como também que sua mãe, Alisa Jones, não morrera e que tinha superpoderes como ela (na verdade, era mais forte e mais colérica do que a filha). Daí decorrem vários dilemas para Jessica, durante a temporada, que oscila mais de uma vez entre entregar a mãe para a polícia ou conviver com ela, como forma de recuperar o tempo que não tiveram juntas. Já no fim da temporada, ela decide fugir com a mãe, embora perseguida pela polícia, crente de que poderia controlar os surtos de fúria de Alisa;
Trish passa a usar o inalador de seu ex-namorado da primeira temporada, Wilson Simpson, que servia para aumentar o desempenho físico e mental dos combatentes. Simpson estava usando o inalador pra ter forças para lutar contra o "monstro", na verdade a mãe de Jessica, que queria matar Trish para evitar que seguisse com as investigações sobre a IGH, organização paramilitar que fazia experimentações em soldados e pacientes graves. Quando a droga acaba, Trish sai no encalço de Karl Malus para que a operasse também de modo a conseguir superpoderes e lutar contra os bad guys da vida. Malus concorda em realizar o procedimento e prepara uma droga que tinha como um de seus componentes uma vacina contra cinomose felina, indicando que um dos componentes de sua fórmula era DNA felino.
A cirurgia é interrompida por Jessica exatamente quando Trish começa a ter convulsões e a soltar sangue pela boca na mesa cirúrgica. Jessica diz a Malus que ele estava acabado,  levando-o a explodir seu laboratório, não sem antes Jessica carregar Trish para fora do local. Jessica leva Trish para o hospital onde ela tem uma quase morte, ou um renascimento, mas se recupera o suficiente para ir matar Alisa ao ser informada que Jessica estava sendo cúmplice da fuga da mãe e que a polícia poderia matar as duas.
Com medo de perder Jessica para a mãe ou para o tiroteio da polícia, Trish se dirige para o parque de diversões Playland, em Westchester, pois sabia que aquele lugar tinha um significado especial para as Jones. Enquanto Jessica e a mãe, que decidira se entregar para a polícia a fim de  poupar a filha, conversavam num dos bancos da roda-gigante, Trish atinge Alisa na cabeça com um tiro. Chocada, Jessica pula do banco da roda-gigante, avança sobre Trish, pega seu revólver e aponta para ela, mas acaba poupando-lhe a vida porque a irmã lhe diz ter atirado para salvá-la, pois a polícia pretendia matar as duas (mãe e filha). Posteriormente elas se encontram na porta do escritório/apartamento de Jessica, Trish se desculpa pelo tiro, mas Jessica diz que não poderia ter sido ela a tomar aquela decisão. Que agora olhava para Trish e não via sua irmã mas sim a pessoa que havia matado sua mãe.
Trish se retira, secando uma lágrima dos olhos, mas, quando uma mulher sai do elevador de costas e esbarra nela derrubando seu celular, ela o ampara com o dorso do pé e fica com a impressão que talvez a cirurgia de Malus não tivesse fracassado afinal.
Resumo da terceira temporada

Trish Walker é baseada na personagem Felina das HQ
Na terceira temporada, vamos ver a evolução da personagem de Trish Walker que de fato desenvolveu poderes em decorrência da cirurgia feita com Malus. Na continuidade da cena em que apoia o celular com o dorso do pé, ela sai do elevador para a rua e, embora seja noite, vê tudo claro (gatos enxergam no escuro, não?). Daí por diante vemos Trish passar um ano aperfeiçoando suas habilidades felinas e adquirindo força e habilidade suficientes para pular de qualquer altura e cair sempre em pé (como um gato) e dar surras memoráveis em qualquer marmanjo (a personagem é inspirada na Felina das histórias em quadrinhos). Fora arranhar também, como faz no rosto do vilão dessa temporada, o serial killer Gregory Sallinger . O que não consegue é reatar com Jessica, pelo menos nos primeiros episódios, o que a deixa triste por não poder compartilhar sua experiência de iniciante no combate aos bandidos de Nova York.



Jessica fica logo sabendo das novas habilidades da amiga, pois a mãe de Trish, Dorothy, contrata a detetive para que encontre a filha, desaparecida havia dois dias. Ao investigar o paradeiro de Trish, Jessica a encontra invadindo o apartamento de um sujeito que investigava e depois saindo do local pela janela. Quando se falam sobre a novidade, Trish diz a Jessica que, se respondesse seus e-mails e chamadas, teria sabido antes. As duas trocam ainda outras palavras amargas e ásperas antes de se separar.

Do lado de Jessica, fora ter arrumado uma secretária, para agendar sua crescente popularidade como detetive super-heroína, tudo continua o mesmo. Permanece enchendo a cara e pegando desconhecidos em bares para levar pra cama. Nesta temporada, este último mau hábito vai lhe custar um baço e um grande amor. Erik, o cara que Jessica pega num bar e leva pra casa é um chantagista de criminosos. Um desses criminosos não aceita a chantagem e decide matar seu chantageador, seguindo Erik até o apartamento de Jessica. Quando a ficada ia se desenrolar, a campainha toca duas vezes, Jessica vai atender e é esfaqueada no baço no lugar de Erik. 

Por ser especialmente forte, Jessica sobrevive à facada, mas mal se recupera e já quer descobrir quem tinha sido seu atacante. A princípio pensa que fora o cara que Trish estava espionando quando a procurou, depois se dá conta que de fato o alvo do ataque tinha sido o boy que levara pra casa. Pressiona-o, ele revela que chantageava criminosos, de fato gente que ele sentia que era má, pois tinha o poder de perceber o lado dark das pessoas. Jessica vai então investigar as pessoas que ele tinha chantageado e chega, enfim, ao apartamento do esfaqueador, Gregory Sallinger, um sujeito de múltiplas formações (advogado, engenheiro, psicólogo, químico) e serial killer.

Gregory Sallinger, o serial killer
Para enfrentá-lo, Jessica decide pedir ajuda à Trish, embora se convença de que não como parceira, mas sim como arma secreta. Obviamente, Trish aceita, e elas começam uma luta de gato e rato contra o criminoso, onde quem perde no final é a gata (em duplo sentido). Após Jessica provocar o assassino, humilhando-o em uma aula de luta greco-romana, Sallinger decide retaliar e tortura e mata a mãe de Trish. Entretanto, quando Trish vai a seu encalço e esta prestes a matá-lo, Jessica aparece para impedi-la com o papo furado de que, se matasse Sallinger, Trish viraria a vilã da história. Dessa infausta decisão, decorre uma verdadeira tragicomédia de erros que leva as duas supers a terem que infringir a lei e até matar pessoas para impedir que uma e a outra fossem presas. Entre muitas peripécias, consumida pela dor e pela raiva, Trish vai ficando cada vez mais violenta contra os vilões com quem se depara, inclusive espancando e matando alguns, culminando na merecida morte de Sallinger. Jessica conclui que a irmã estava fora de si e decide entregá-la à polícia, como já fizera com a mãe na temporada dois. Trish tenta fugir de Nova York, mas Jessica a intercepta e a envia para a terrível Balsa (The Raft), a prisão de segurança máxima dos supercriminosos.

Trish Walker e Daenarys Targaryen: se muito poderosas, melhor enlouquecê-las
Análise da terceira temporada
Trish, vilã ou vítima? Ou do por que mulheres ambiciosas e poderosas têm que acabar presas ou mortas?

Maratonei a terceira temporada de Jessica Jones e nos últimos episódios fiquei dividida entre torcer para Trish escapar e me identificar com as razões de Jessica para querer detê-la. Fiquei tentando racionalizar toda a situação, mas o fato é que meu coração não engoliu a história. A produtora Melissa Rosenberg disse que começara a terceira temporada prevendo ainda uma quarta, mas que, no meio da  produção, ficou sabendo que a Netflix estava cancelando as séries da Marvel e que Jessica Jones seguiria as demais. Então, procurou chegar, em suas palavras, a um final satisfatório, a uma conclusão que sentisse como certa. Tenho a impressão de que o final da série só foi satisfatório para ela, não para os fãs, boa parte enlutada não só com o fim da Trishica como com o destino de Trish.

Verdade que o destino de Trish não foi tão improvável quanto o de Daenarys Targaryen em Game of Thrones. No caso da mãe dos dragões, a mudança da personagem de mocinha para vilã foi  abrupta, contrariando tudo que havia demonstrado numa série de 8 temporadas. Os showrunners disseram que os fãs é que não conseguiram ver os indícios do lado sombrio de Daenarys apresentados ao longo dos anos, mas o fato é que só convenceram a poucos. Daenarys sempre fora seguramente ambiciosa  e implacável com os inimigos, mas, ao mesmo tempo, solidária e compassiva com os desvalidos e inocentes. Da noite para o dia, transformaram uma personagem que se destacara como abolicionista, acabando com a escravidão em toda uma região, numa genocida que, a bordo de seu dragão, queimou uma cidade inteira, população civil, crianças, um monte de gente inocente. Tudo porque, em função das seguidas perdas que tivera recentemente, perdera também o juízo e o caráter e mudara da água para o vinho. A verdade é que, para justificar seu assassinato, era necessário vilanizá-la ao extremo. O fim de GoT, aliás, foi patético e risível em muitos termos.

No caso de Trish, sua virada de mocinha para "malvadona" não foi tão inverossímil quanto a de Daenarys, mas também nada satisfatória. Trish já demonstrara, na segunda temporada, que, para conseguir seus objetivos, podia ser meio ardilosa e seguir a máxima de que os fins justificam os meios. Inclusive em relação a si própria, já que quase morre, ao se colocar como cobaia do Dr. Malus, a fim de adquirir superpoderes. Fora ter matado a mãe de Jessica, embora Alisa tivesse intenção de assassiná-la desde o começo da segunda temporada e tivesse quase chegado às vias de fato quando Trish estava no hospital, sendo impedida por pouco pela filha. Trish tinha razões concretas para matar Alisa, mas a disputa pelo afeto de Jessica foi a principal razão do tiro. De qualquer forma, há que se salientar que ambiguidade moral sempre foi a regra no caráter de todos os personagens da série.

No caso de Trish, talvez o que tenha lhe faltado foi um pouco do ceticismo de Jessica quanto ao ser humano, e ela visse as coisas realmente muito só na base do bem versus o mal, onde claro, ela sempre estava do lado do bem. Apesar dessa mentalidade um tanto maniqueísta, Trish simplesmente assumiu o figurino comum aos super-heróis de sair dando umas porradas nuns meliantes, deixando os finalmentes para a polícia e os juízes. Mesmo após a morte da mãe, a qual não pode dar resposta imediata, o que fraturou algo em seu âmago, ainda manteve sua ira, embora incontida, estritamente contra os bad guys. Nenhum inocente morreu por suas mãos. Daí a rotulação da personagem como vilã no final da série ter sido exagerada e sua punição tão desproporcional.

Trish Walker/Felina
Trish, uma luta pela autodeterminação entre uma mãe abusiva e uma irmã prepotente

Na verdade, após rever a série, cheguei à conclusão de que Trish esteve muito mais para vítima do que para vilã da história, o que pode soar controverso para algumas pessoas. Em duas frases emblemáticas de sua saga existencial, Trish diz ao Dr. Malus, quando ele a alerta  sobre os riscos de fazer a cirurgia para adquirir superpoderes:
 Você sabe o que é se sentir impotente?”  
- Todo o mundo sabe” - ele responde.
- Nem todo o mundo teve uma mãe abusiva e uma irmã superpoderosa. Só quero ajudar pessoas que não podem se ajudar.”
De fato, a mãe de Trish, Dorothy Walker, viu no talento e na beleza da filha a possibilidade de sair da pobreza, comercializando-a desde pequena, emplacando-a num bem-sucedido programa infantil de TV, que intitulou de "É Patsy", e cafetinando-a, ao chegar à adolescência, para conseguir pontas em filmes e alavancar sua carreira como cantora. A intensa pressão exercida pela mãe levou a garota às drogas e a clínicas de reabilitação, a estas com ajuda da irmã adotiva Jessica Jones. Posteriormente, adotou o nome de Trish Walker e se tornou âncora de um também famoso programa de rádio.

Por sua vez, Jessica foi adotada por Dorothy, depois do acidente que matou sua família, mais para ficar bem aos olhos do público do que por qualquer preocupação real com a adolescente. Mal sabia ela que essa adoção criaria uma forte relação de amizade entre sua filha e a adotada e a levaria a uma morte trágica ao fim da temporada três que, ironicamente, a redimiu um pouco diante dos telespectadores. Nas palavras da própria Jessica, Dorothy foi a primeira vilã que teve que combater, para proteger a irmã, numa série de outros vilões, com Trish sempre no papel de "donzela em perigo" a ser salva pela super-heroína.

Vale enfatizar que essa situação desagradava Trish que, mesmo sem poderes, tentava uma relação mais igualitária com Jessica, buscando participar de suas investigações desde a primeira temporada, tornando-se exímia lutadora de Krav Maga inclusive. Após a conquista de seus superpoderes, quando as duas reatam para combater o assassino em série Gregory Sallinger, como Jessica continuasse a tratá-la de forma vertical, Trish critica com todas as letras a forma de tratamento desigual que recebia. E, de fato, nessa terceira temporada é Trish que efetivamente salva Jessica de uma armadilha mortal, criada por Sallinger, num tanque, em uma ferrovia, onde o assassino guardava pedaços dos corpos de suas vítimas. A relação das duas distensiona um pouco depois deste evento, mas se percebe a dificuldade que Jessica tem de lidar com uma Trish quase tão poderosa quanto ela. Por ser mais experiente como detetive, Jessica impõe sua vontade no desenrolar do caso contra Sallinger e sobre as ações de Trish (como se fosse possível botar cabresto em gato), cometendo erros que iniciarão uma cadeia de eventos incontrolável.

Erik Gelden, o boy que Jessica pega no bar e lhe dá de presente um serial killer
Pra começar foi Jessica que colocou o serial killer no caminho de Trish e de sua mãe. Vejamos:
Primeiro, com seu péssimo hábito de levar homens desconhecidos pra casa, trouxe um chantagista de criminosos, Erik, pra namorar, e o bandido que ele chanteagava pra soleira de sua porta. E o bandido era um serial killer.
Segundo, chama Trish, por quem ainda tinha sérias mágoas, para usá-la como sua arma secreta contra Sallinger porque ele era superqualificado, e ela não dava conta dele sozinha. Vale ressaltar que Trish teria ficado apenas como mais uma heroína de Hell's Kitchen, pegando alguns bandidos pra entregar à polícia, se não fosse esse infausto convite. 
Terceiro, após salvar Erik, junto com Trish, que fora sequestrado por Sallinger, Jessica tenta convencer o boy a testemunhar contra o assassino. Como Erik também era chantagista, Jessica diz que conseguiria que ele ficasse preso por um ano, no máximo, se testemunhasse. O cara diz que não poderia testemunhar porque, com seu poder de detectar os maus, o que lhe causava  intensas dores de cabeça, iria morrer de dor rodeado de criminosos na cadeia. Trish sensatamente pondera que ele ficaria na solitária e poderia partir para a condicional, em pouco tempo, mas o mané não aceita, e Jessica o paternaliza.  Trish diz então que ela não viesse mais lhe dar sermões sobre o que estava em jogo naquela situação. E o serial killer sai da cadeia.


Quarto, após descobrir o corpo da primeira vítima de Sallinger, em sua terra natal, Jessica o reencontra num centro comunitário, de volta a Nova York, onde ensinava luta greco-romana. Jessica luta com ele e o humilha, ainda por cima  perguntando se tinha sido com golpes como aquele, utilizados contra ela, que ele tinha assassinado Nathan Silva, sua primeira vítima. Sallinger naturalmente resolve retaliar a arrogância de Jessica logo depois, enviando-lhe falsas dicas de mulheres que supostamente iria matar (parecidas com ela) como manobra diversionista. Enquanto ela e Trish buscam os supostos alvos, Sallinger  engana a polícia que guardava seu apartamento e sai para matar a mãe de Trish, também mãe adotiva de Jessica. Jessica depois lamenta a insensatez de ter se vangloriado para cima de um assassino em série, mas já era tarde.

Quinto, quando Trish vai visitar a mãe e a encontra morta, toda esfaqueada, com sinais de tortura, naturalmente fica transtornada e parte para matar Sallinger. Invade seu apartamento, tira a máscara, pra que ele visse quem iria matá-lo, inicia uma luta com ele, rasga-lhe o rosto com as unhas, mas, quando estava prestes a dar o golpe final, Jessica aparece pra impedi-la com a ladainha moralista e absurda de que se o matasse ela se tornaria vilã como ele. Não convence e tem que nocautear Trish para poder tirá-la da cena, pois já se podia ouvir a polícia chegando.
Obviamente, se Trish havia chegado até ali, Sallinger tinha visto seu rosto, e, como Jessica sabia, o apartamento tinha câmeras, o mais lógico era tê-la deixado terminar o serviço. Àquelas alturas do campeonato, com a mãe de Trish, o cara já tinha matado nove pessoas (as vítimas conhecidas ao menos), escapado da cadeia e enganado os policiais que o guardavam para ir matar Dorothy. Ao deixar Trish matá-lo, Jessica impediria que ele a identificasse, daria um fecho emocional para a filha chocada e enlutada, e eliminaria um assassino perigoso das ruas. Depois, era voltar ao apartamento para procurar as câmaras escondidas e destruir imagens onde Trish pudesse estar (aliás, ela faz isso no penúltimo episódio). Mas era preciso garantir a sobrevida do vilão até o fim da série e cozinhar a filha de uma de suas vítimas em banho maria, não é mesmo?


Efeito bola de neve


A partir deste ponto a trama adquire efeito bola de neve, com os erros de Jessica se avolumando a cada momento. Com Sallinger vivo,  ainda no hospital, ele vai chantagear Jessica, com a imagem de Trish tentando matá-lo (as câmaras do apartamento flagaram a luta), dizendo que manteria a identidade da Felina em segredo se Jessica o livrasse da cadeia eliminando as provas de seu crime no corpo de Nathan Silva (lembrando ter sido a gênia Jessica que lhe falara sobre essa vítima). Jessica vai então destruir as provas no necrotério da polícia, ao qual tem acesso via um policial corrupto vítima das chantagens de Erik. Depois conta à Trish, escondida num quarto de hotel, o que fizera, e a gata entra em desespero, dizendo:
Você acabou de destruir minha única vitória numa longa e dolorosa lista de perdas".
Jessica responde que teve que decidir entre destruir Sallinger ou salvá-la e que decidiu salvá-la como fazia todo o dia. Se assim fosse, não teria impedido que Trish matasse o desgraçado, não é mesmo?. Ela, Jessica, não tinha matado Kilgrave, o supervilão da primeira temporada? A verdade é que Jessica, heroína à revelia para quase tudo, parecia ter fixação em bancar a heroína da irmã, sempre colocada no papel da donzela em perigo, como já comentado, e de hipossuficiente. Numa situação dessa magnitude, para o bem ou para o mal, quem tinha que tomar decisões era Trish, que estava inclusive conformada em ir para cadeia desde que Sallinger fosse preso. O paternalismo muitas vezes se disfarça de bondade quando, na verdade, visa dominar e desempoderar.

O paternalismo muitas vezes se disfarça de bondade mas visa desempoderar

⤶ Ponto de inflexão do roteiro (resumo dos episódios finais)

A partir daqui, a história tem seu ponto de inflexão, enquanto o efeito bola de neve só aumenta, porque Trish, embora mantenha as aparências com Jessica nos preparativos para o funeral da mãe, vai seguir seu próprio caminho, sua própria forma de lidar com a dor da perda de Dorothy naquelas trágicas circunstâncias. A Felina passa a se sobrepor à Trish radialista, âncora de shows. De cara, vai visitar Sallinger, no hospital, pra dizer que ele tinha feito acordo com Jessica e não com ela e que não viveria pra sempre cercado de guardas. Sallinger revida falando da foto que tirou da mãe de Trish sob tortura deixada num álbum de fotos no apartamento da vítima. Trish resgata a foto só pra agravar sua ferida emocional e decide que precisa partir pra cima dos vilões da cidade, como forma de purgar seu sofrimento e pagar sua dívida com a mãe.

Procura Erik para tal, já que o chantagista conhecia muitos vilões e queria melhorar sua imagem com ela, pois não quisera denunciar o serial killer por seu sequestro. De quebra, estava ameaçado pelo policial Nussbaumer que permitira o acesso de Jessica ao necrotério da polícia, então viu na proposta de Trish uma boa forma de se livrar do incômodo. A ideia era apenas  Trish obrigar o corrupto a confessar seus crimes, através de algumas porradas, enquanto Erik o filmava. Foi o que aconteceu como também, acidentalmente, a morte do policial, causada por Trish quando lhe dá um pontapé nas costas, ele bate a cabeça na parede e morre. A Felina pega o distintivo do policial e eles fogem.

Na continuidade do efeito bola de neve, Jessica vai ser acusada pela morte do policial, pois tinha sido vista discutindo com ele quando fora chantageá-lo para conseguir acesso ao necrotério da polícia. Enquanto Jessica é presa, Erik e Trish decidem atacar outro vilão e ligá-lo ao caso do policial de modo a inocentar Jessica. O escolhido foi o empreiteiro Jace Montero que já promovera incêndios criminosos, com dezenas de vítimas, em prédios que depois adquirira. Trish invade seu escritório, no trailer em uma das obras que realiza, acusa-o dos vários crimes cometidos, ele a ataca com um cano, ela revida e acaba por matá-lo de pancada, vendo, em seu rosto, o rosto de Sallinger, como já acontecera quando batera no policial corrupto. A diferença é que a morte do policial fora acidental, aqui a morte do empreiteiro se deu porque Trish perdeu o senso de medida. De qualquer forma, deixa o distintivo do policial no colo de Montero e foge com Erik. Jessica é liberada da cadeia porque, quando o empreiteiro fora morto, estava presa, o distintivo do policial estava junto ao corpo, e a justiceira mascarada tinha sido vista nas redondezas do crime.



Como a bola de neve não para de crescer, a advogada Jeri Hogarth, que descobrira a identidade da justiceira mascarada, vai até o apartamento de Trish chantageá-la em troca de um favorzinho, dar um jeito em Demetri Patseras, sócio da fundação de uma amante de Jeri, Kith Lyonne, que o sujeito ameaçava com um processo. Trish se vê obrigada a engolir esse sapo, embora alerte Hogarth de que ela costumava realmente ir atrás dos vilões e das vilãs.

Por outro lado, Jessica volta para a casa e encontra Erik que lhe conta sobre o acontecido com Trish e de que ela já estava atrás de outro vilão. Não precisou muito para Jessica deduzir que Trish ia atrás de Sallinger no hospital e que precisava colocar o assassino na cadeia de qualquer forma, novamente para salvar a irmã. Jessica chega ao hospital a tempo de evitar a morte de  Sallinger, com Trish em seus calcanhares, depois vai com ele para seu apartamento (dele), onde destrói uma das câmaras que flagara a Felina em ação. Sob suas ordens, Erik e Malcom, com uma arma de choque, conseguem desacordar Trish, que espiava Sallinger no teto de um prédio em frente ao do criminos  e a levam para seu apartamento, onde fica acorrentada a uma coluna.

Nesse ínterim, Jessica arma para Sallinger, em seu escritório, levando-o a crer que a havia dopado e dominado, permitindo que ele inicie seu ritual de tortura, levando-o a confessar seus crimes, tudo para registro da câmara de Erik. Em seguida, o derruba e o imobiliza. Depois, vai com Erik para o apartamento do serial, faz uma limpa geral, incluindo as câmeras e o servidor onde poderiam estar imagens de Trish. Segue, então até Trish, informa que Sallinger havia sido preso pra sempre, que o segredo dela estava a salvo e que ela poderia voltar à rotina normal, apesar dos tantos pesares.

Embora ainda irada, Trish parece se conformar com a solução até que, de volta ao seu novo programa sobre roupas, uma colega de trabalho a abraça, diz o quanto sentia o que tinha acontecido e de como estava furiosa, apesar de Sallinger ter sido preso. Lamenta não haver pena de morte em Nova York, que Sallinger usaria o sistema a seu favor  porque era esperto (advogado) e indaga por que o serial killer não tinha sido morto num tiroteio. Foi como tentar apagar incêndio com gasolina. Trish vai atrás de Sallinger outra vez e, numa das melhores cenas da série, mata-o quando  era levado para julgamento. (Vale lembrar que Sallinger era defendido por Jeri Hogarth que costumava, no mínimo, aliviar para seus clientes).



Resumo do último episódio

Após a morte de Sallinger, Jessica fica dividida sobre o que fazer, embora as pressões para que entregue Trish à polícia venham de todos os lados. E a série está tão determinada a mandar Trish para a temida prisão de segurança máxima dos supercriminosos, a Balsa, onde se ficava na solitária em tempo integral, que apela até para uma visita de Luke Cage a Jessica para convencê-la a tomar essa decisão absurda. Ex-ficante de Jessica na primeira temporada, Cage que virara dono do Harlem's Paradise no final de sua série, clube onde também celebrava com contraventores, tinha mandado seu meio-irmão, bandidão de primeira categoria, para a Balsa e veio aconselhar Jessica a fazer o mesmo com Trish. Tinha sido duro, blá-blá-blá, mas necessário.

Apesar do ridículo da coisa, pois Trish tinha virado justiceira de vilões e não vilã, parece que convence Jessica (nada como um homem pra lhe dizer o que fazer) que começa a buscar Trish, encontra-a em seu apartamento, pede que ela se entregue, o que ela não aceita naturalmente. Engana Jessica e foge pela janela do banheiro. Se esconde em um dos edifícios de Jace Montero, liga para Jeri Hogarth sobre o acordo que tinham combinado e o favor que ela lhe pedira. Jeri, interessada em impressionar a amante,  dá-lhe o endereço de Demetri Patseras dizendo que ele era um monstro e não apenas um sonegador de impostos e um incômodo, e Trish vai atrás dele, espancando-o para que confesse seus crimes reais e imaginários. A filha do cara aparece, ele pede pra Trish não feri-la, ela diz que jamais o faria e foge.

Jessica convence Jeri Hogarth a ser isca para pegar Trish. Hogarth dá entrevista na TV dizendo que seu escritório tinha descoberto a identidade da justiceira e que sua prisão era iminente. Hogarth espera por Trish, mas quem aparece primeiro é sua amante, Kith Lyonne, que lhe diz que deveria estar horrorizada com a situação de Demetri Patseras, em situação crítica no hospital, mas de fato se sentia aliviada porque ele retirara o processo contra ela. Nessa hora, Trish aparece, diz "de nada", e se encaminha na direção de Hogarth, apontando que elas tinham um acordo que ela descumprira. Jessica aparece e joga Trish para o alto enquanto pede para Hogarth ligar para a polícia. Trish consegue escapar de Jessica e faz a amante de Hogarth de refém. Hogarth pega uma arma e aponta para Trish, dizendo para soltar sua namorada, que sairia dali como sua refém e conseguiria tirá-la do país. Até atira na perna de Jessica, de raspão, para possibilitar a fuga de Trish. Jessica joga a identidade de Trish na Internet. Hogarth consegue que Trish seja transportada num caixão, equipado com oxigênio para poder sobreviver a viagem, no avião de  um sujeito que exportava caixões para zonas de guerra. Jessica consegue localizar o aeroporto, mas quando está para abrir a tampa do caixão, Trish a empurra e foge para uma passagem do hangar, quebra a luz do corredor, pois enxergava no escuro, e golpeia Jessica que, no entanto, consegue jogá-la para fora desse espaço e parte para cima dela. Trish diz o óbvio:
Por que não me deixa simplesmente partir?
Jessica começa com uma baboseira sobre ter pensado que Trish havia assumido a persona atual - uma justiceira? - pelo que Sallinger tinha feito com ela, como efeito colateral de seus poderes, mas que de fato o que havia se tornado sempre tinha estado presente, que tinha visto esse seu lado quando matara sua mãe, que fora Dorothy que tinha incutido nela aquela determinação moralmente superior e hipócrita. Que ela pensava estar vingando sua mãe, mas que de fato havia se tornado como ela (Dorothy havia sido justiceira?). Jessica encurrala Trish que reage com uma faca, mas acaba derrotada por Jessica. Numa outra cena, Trish, já na cadeia, ouve as acusações contra ela e se assume como  a vilã que nunca foi. Jessica e ela ainda trocam um olhar quando Trish é levada para a Balsa (eu levantaria o dedo do meio pra ela). Depois, Jessica aparentemente larga tudo e se encaminha para pegar um trem a fim de sair de Nova York, mas acaba mudando de ideia.

A Justiceira (poster)
Justiceiros não são heróis nem vilões e de como as aparências enganam

Jessica Jones foi vendida como série feminista por ter uma protagonista, pelos temas apresentados e sobretudo pela relação de amizade entre Jessica e Trish (um sisromance), eixo principal das duas primeiras temporadas. Mas terminou como o oposto de tudo isso, numa relação tóxica entre as amigas que acabou encarcerando exatamente a personagem que lutava pela autodeterminação - nada mais feminista - que sempre lhe fora negada. Terminou também pintando como mocinha a responsável por toda a situação que levou à ruína da amiga enquanto hipocritamente dizia salvá-la.

Em múltiplos sentidos, o correto seria Jessica ter deixado Trish ir embora, por tudo que haviam sido uma para a outra, por ter sido ela Jesssica a colocar o assassino em série na vida de Trish, por Trish ter salvado sua vida da armadilha letal que lhe armara Sallinger, por ter sido sua arrogância (a de Jessica) a levá-lo a assassinar Dorothy, por não ter forçado Erik a depor contra o criminoso, e por ter impedido que Trish matasse o sujeito como devido com a desculpa esfarrapada de que, se o fizesse, ela viraria vilã. Logo ela Jessica que matara não só o vilão da primeira temporada, como outras duas pessoas, incluindo uma mulher inocente (sob comando de Kilgrave), mas continuara do lado dos mocinhos. Logo ela que até fugira com a mãe, imensamente mais perigosa do que Trish, só porque queria recuperar o tempo que não tinham tido juntas.

Quando Jessica encontrou a mãe, Alisa, na segunda temporada, esta já contabilizava seis mortes nas costas, algumas acidentais, outras premeditadas, incluindo mortes de inocentes. Alisa não matava os vilões da vida, matava qualquer um que estivesse em seu caminho, e não tinha maiores problemas em matar. Com sua força descomunal, bem maior do que a de Jessica, era candidata perfeita a passar o resto de seus dias na Balsa. Entretanto, Jessica, mesmo quando a coloca na cadeia pela primeira vez, barganha para que fosse mantida numa prisão comum, apesar dos riscos, e não levada para a Balsa. Assim poderia visitá-la. Quando a mãe foge da cadeia e a rapta, decide, contra a lei e a ordem,  não só ajudá-la a fugir como resolve fugir junto com ela, uma temeridade já que não poderia estar com Alisa em tempo integral, e ela poderia surtar a qualquer momento e matar mais um monte de gente.

Então por que não deixar Trish simplesmente partir, ela que nunca havia matado ninguém inocente, só vilões, e que não era tão poderosa e perigosa que precisasse ser enviada para a Balsa? Por que não deixar que os próprios erros de Trish a condenassem no decorrer de sua vida que não seria, aliás, nada fácil mesmo escapando? Conviver com Trish, na mesma cidade, sabendo que ela continuaria sua saga justiceira contra os criminosos ficaria realmente impossível para Jessica porque a colocaria como cúmplice da Felina, já que sabia de sua real identidade. Dar-lhe a alternativa de se evadir para evitar a prisão, contudo, permitiria que Jessica lavasse as mãos sobre seu destino. Entretanto, ao que tudo indica, Jessica não suportava mesmo era a independência que Trish resolvera ter dela - causada inclusive por Jessica ter vetado o agenciamento da amiga na punição do assassino de sua mãe. Quando Trish procura Erik pela primeira vez pra obter o perfil de criminosos a quem trazer à justiça, essa necessidade de independência já estava lançada. Ele lhe sugere o policial corrupto Nussbaumer a ser abordado, mas diz que vai junto com ela porque, se algo lhe acontecesse, Jessica lhe arrebentaria a cara. Trish responde que Jessica não era sua mãe e que precisava fazer algo bom que se contrapusesse a toda a atrocidade vivida e só ela pudesse fazer.

Em um dos entreveros que as duas têm, já no último episódio da terceira temporada, Trish diz a Jessica que ela, Trish, não era mais seu problema, e Jessica responde que ela sempre seria seu problema. Pareceu papo de homem que não suporta o fim da relação e decide matar a mulher. Por que Trish seria sempre seu problema? Por que Jessica se considerava responsável pelos atos de Trish (?), e ela poderia futuramente matar alguém inocente? Mas como Jessica não teve o mesmo raciocínio em relação a mamãezinha que já havia matado vários inocentes? O supervilão Kilgrave acabou sendo um problema de Jessica realmente porque ela se tornou a única a ter imunidade contra seu poder mental e, portanto, a única capaz de detê-lo. No caso de Alisa, segundo a própria, Jessica era a única que conseguia acalmá-la, durante os surtos de raiva, e trazê-la de volta à realidade, impedindo-a de detonar deus e todo o mundo. Mas, no caso de Trish, por que ela haveria de ser seu eterno problema? Erik e Malcom tinham conseguido se aproximar de Trish sorrateiramente e derrubá-la com uma simples arma de choque. Imagine se policiais treinados não teriam condições de detê-la numa armadilha? Então, Jessica afirma que Trish sempre seria seu problema porque só ela Jessica se via como sua solução? A eterna salvadora de uma suposta donzela que agora não se via mais em perigo, que não se sentia mais impotente, que agora se sabia forte e autossuficiente?

Trish Walker
Trish não era mais problema de Jessica, era problema dela própria. Formatada pela mãe para ser uma celebridade, padrão de beleza (loura, olhos verdes, bonita, gostosa, malhada), situação financeira confortável, inúmeros fãs, queria, no entanto, algo mais significativo do que viver sob os holofotes do mundo midiático. Queria ter superpoderes para lutar contra os bandidos da vida e ajudar quem como ela sabia o que era se sentir impotente. Arriscou a própria vida para conseguir esses superpoderes. Conseguiu, mas deveria ter trilhado carreira solo, aprendendo com os erros e acertos, ou ir pedir assessoria a outros heróis do mundo da Marvel de sua cidade, que inclusive conhecera nos Defensores, como o Demolidor ou a namorada do chatíssimo Punho de Ferro, Colleen Wing, que ganhara também punho próprio e podia lhe ensinar kung fu (pra matar com menos sangue ao menos😉) e controle mental. Só especulando aqui.



Mas não, tinha que reatar o eterno caso mal resolvido com a irmã/amiga (sei) com quem sempre quis parceria, mais ainda depois da aquisição dos superpoderes. Deu no que deu. A morte brutal de sua mãe, a qual não pode dar resposta imediata porque Jessica decidiu por ela o que fazer, a transtornou (a quem não transtornaria?), transformando-a progressivamente de aprendiz de heroína em aprendiz de justiceira implacável, a exemplo de seu colega também da Marvel, Frank Castle, o Justiceiro (The Punisher). Como Trish que perdeu a mãe para um sádico, Castle, um soldado altamente treinado, teve toda sua família morta por uma trama mafiosa e, a partir daí, fora matar quem matara sua mulher e filhos, passou a matar todo o bandido que encontrava pela frente. A diferença com Trish é que Castle, à parte o número de mortes obviamente, no caso dele incontáveis, depois de aparição e prisão na série Demolidor, ganhou mais duas temporadas de série própria para sair detonando a sempre renovada bandidagem. Vemos que, mesmo no universo dos "vigilantes" da ficção, ainda não há igualdade entre mulheres e homens.




Outra diferença entre a aprendiz de justiceira Trish e Castle, essa fundamental, é que Castle é um homem independente, apesar de atormentado pela morte da família, que não tem caso mal resolvido com ninguém, dependência emocional de ninguém, não sente necessidade de provar nada a ninguém e não aceita que lhe imponham a pecha de vilão, embora possa ser rotulado como anti-herói. Daí ter escapado da prisão, ganhado nova identidade enquanto Trish pode ter sido enterrada viva por aquela que sempre disse querer lhe salvar e que, no fim, apenas lhe impôs de novo sua visão. Trish deixou de ser heroína, porque passou a fazer justiça com as próprias mãos, mas não caiu na categoria de vilã e sim de vigilante (na acepção inglesa da palavra). Heróis trabalham com as autoridades no combate ao crime. Os justiceiros combatem o crime por conta própria, usando de métodos às vezes tão brutais quanto os dos bandidos. Uma conversa entre o Demolidor (Matt Murdock) e o Justiceiro (Frank Castle) exemplifica as duas maneiras de pensar. Sendo o Demolidor o típico herói que trabalha contra o crime, mas não executa os bandidos,  dá sermão em Castle sobre as vidas que  tirava, impedindo-as de ser redimidas, e ele retruca: "Você se acha herói porque põe os bandidos na cadeia que daqui a pouco a 'justiça' coloca de volta nas ruas. Eu os ponho no chão, e eles nunca mais levantam". Não faltou, aliás, quem visse no antagonismo forçado que se estabelece entre Trish e Jessica uma versão fajuta do antagonismo entre o Demolidor e o Justiceiro.
Justiceiro e Demolidor: duas visões sobre como tratar os vilões

O fato é que a fronteira entre o bem e o mal, a justiça e a vingança, o justo e o injusto, a condenação pelo Estado (nem sempre justa) ou pelo indivíduo, não é tão nítida como pode parecer. Se os justiceiros se equilibram na corda bamba esticada sobre essa fronteira, os heróis não raro são forçados a romper esse maniqueísmo também. Os exemplos de heróis que mataram bandidos encheriam as páginas de um livro volumoso. Matar um bandido extremamente perigoso não faz de ninguém necessariamente um vilão ou uma vilã. Jessica teve que matar Kilgrave e não virou vilã por isso (matou outras duas pessoas também, incluindo uma mulher inocente à revelia). Trish poderia ter matado Sallinger e não teria se tornado vilã por isso.  Jessica condenou Trish por ter matado a mãe dela, Alisa, sob o argumento de que não cabia a Trish ter tomado uma decisão daquelas, não podia ter sido ela a fazê-lo. Jessica estava certa, mas esqueceu de seu próprio argumento quando decidiu, por Trish, o que fazer naquela situação limite que envolveu a trágica morte de Dorothy.

Dorothy Walker
No fim das contas, a relação de sororidade entre as irmãs adotivas, tão decantada como feminista, revelou-se um engodo, e a abusiva mãe de Trish, Dorothy, acabou, no fim das contas, se saindo melhor na fita da série do que Jessica. Se Trish não tivesse atendido ao chamado de Jessica para enfrentar o serial killer e sua mãe viesse a saber de seus superpoderes, como aliás ocorreu numa das poucas cenas divertidas da terceira temporada (ver vídeo abaixo), iria com certeza tentar capitalizar o novo talento da filha (já estava querendo), mas ambas estariam vivas e bem, com Trish apenas tentando estabelecer limites para a sua "velha". Aliás, num aparte, a terceira temporada ameniza um pouco a imagem  da tão complicada mãe de Trish, descrita de forma bem negativa, principalmente na primeira temporada. Durante seu velório, que estava lotado de gente (e até mesmo antes dele), várias pessoas se dirigiram a Trish e até a Jessica pra falar o quanto Dorothy havia lhes ajudado em suas carreiras, com dicas certeiras de que como crescer no show business. Apesar de seus defeitos, Dorothy era uma alavancadora de talentos, talentos que considerava um dom a não ser desperdiçado, e perseguidora incansável desse ideal.



Enfim, sou consequencialista, e meço a validade das ideias, posicionamentos e ações dos outros (e as minhas também) por suas consequências. Foi o que procurei demonstrar aqui para questionar a protagonista da série como a mocinha que fez o maior dos sacrifícios ao enviar a irmã "amada" pra a cadeia em prol do bem maior. Como visto, quais foram as consequências dos posicionamentos de Jessica nessa terceira temporada? Todas negativas. Quando conseguiu arrumar um pouco a casa, já era tarde. Seu pior erro, repetindo mais uma vez, foi ter impedido Trish de fazer justiça contra o serial killer, logo após a morte de Dorothy, sob a desculpa de que, se o fizesse, ela se tornaria   vilã também. As consequências dessa decisão resultaram no pretendido? Pelo contrário, não? Se Trish não virou vilã propriamente dita, deixou de ser heroína. Se Trish tivesse matado Sallinger, provavelmente teria pagado a dívida com sua mãe e, apesar de todo o trauma e luto, serenaria a alma, em vez de ficar vendo a cara do assassino no rosto de cada homem que golpeou posteriormente. E todos os eventos decorrentes dessa decisão errada de Jessica não teriam adquirido o efeito de bola de neve de erros que culminaram na perdição de Trish.

Não, eu não estou passando pano para as escolhas da própria Trish, que haveriam de lhe pesar algum dia de qualquer forma, mas apenas perguntando quem não ficaria transtornada ao encontrar a mãe morta sob tortura? Quem não ficaria transtornada em não poder justiçar o assassino sádico de sua mãe, tendo poderes para fazê-lo, porque uma outra pessoa decidiu por você que essa não seria sua melhor escolha? Essa inação questionava a  própria visão de Trish sobre o que era ser uma heroína. Ela se viu de novo às voltas com a impotência da qual tanto lutara para escapar. De fato, Trish precisava era ter  passado por uma terapia das bravas, terapia do luto, a fim de conseguir se reequilibrar. Merecia também uma chance de se redimir e de se recuperar, pois ainda tinha condições para tal, o que lhe foi negado ao ser mandada para um buraco no fim do mundo.

Desde o lançamento de Jessica Jones, sempre tive sentimentos ambíguos em relação à protagonista. Enquanto todo o mundo incensava a primeira temporada, eu mal consegui terminá-la, pelo saco de encarar aquela heroína sempre de porre, depressiva e promíscua. Fora o vilão, Kilgrave, tão vilão de história em quadrinhos que é como se não tivessem se dado ao trabalho de traduzi-lo para a tela. Só faltou a pele roxa como nas HQ. De positivo, só vi mesmo a presença de Trish, tão solar e oposta a de Jessica, e de sua relação amorosa com a irmã adotiva. E, claro, a morte do vilão no último episódio. Depois vi Jessica, no combo de super-heróis Os Defensores, e a achei bem menos chata e até engraçada em alguns momentos, o que me fez assistir a segunda temporada de sua série própria, muito mais interessante do que a primeira, como escrevi aqui.

Nesta terceira temporada, como comentei, oscilei entre tentar entender a decisão de Jessica de prender Trish, que numa primeira audiência me pareceu até aceitável, e em detestá-la, numa leitura mais aprofundada depois, por não assumir a responsabilidade que teve no tormento e queda da amiga e, por isso mesmo, não ter lhe dado a chance de escapar e, quem sabe, até de se reencontrar posteriormente. Se Trish chegou a matar a mãe de Jessica para não perdê-la, Jessica "matou" Trish por não aceitar sua autonomia fosse qual fosse. Se Trish resolvera bancar polícia, juíza e executora dos vilões da cidade, a santarrona  da Jessica fez o mesmo com a irmã. A ideia de que a prendeu porque tinha se tornado uma vilã violenta e incontrolável não cola de fato, como pode parecer à primeira vista (vide o tratamento diferenciado que deu para a mãe de fato violenta e incontrolável). Com quem não era vilão, Trish agia normalmente. O buraco dessa história é bem mais embaixo, mais complexo, como procurei descrever aqui. Passa por ressentimentos, invejas mútuas, rejeições e pela dinâmica de uma relação que se apresentava como de sororidade mas que escondia dependência, dominação e desempoderamento.

O que me consola é saber que Trish pelo menos venceu Jessica em sua própria série, pois, na terceira temporada, passou de coadjuvante a coprotagonista, sendo dela as melhores cenas de ação, de luta, de violência, de sofrimento, de dor. Pra mim, Jessica virou a coadjuvante. A atriz australiana Rachel Taylor, que representa Trish Walker, deu show de interpretação na pele dessa personagem tão determinada, contraditória (forte e frágil, justa e cruel) e intensa que merece voltar à vida das telas como heroína redimida ou justiceira mesmo (sim, mulheres também podem ser justiceiras). E os produtores de séries precisam parar de pirar, prender ou matar as mulheres ambiciosas e poderosas, que eles ou elas mesmos criam, a fim de impactar suas temporadas finais, sacrificando o desenvolvimento das personagens e da própria história. Já está começando a dar na vista e cansar a paciência e a audiência. Melhor, de vez em quando, fazer um final pelo menos meio feliz para elas e para nós.

N.E. Os spoilers deste texto se centram nas trajetórias das protagonistas da série, Trish e Jessica, e seus desenvolvimentos. Outros personagens da série também têm suas tramas paralelas que valem a audiência, com grandes performances como a da atriz Carrie-Ann Moss (Jeri Hogarth).

Elenco: Kristen Ritter (Jessica Jones), Rachel Taylor (Trish Walker), Eka Darville (Malcom Ducasse), Benjamin Wlaker (Erik Gelden), Sarita Chourdhry (Kith Lyonne), Jeremy Bobb (Gregory Sallinger), Carrie-Ann Moss (Jeri Hogarth), Rebecca de Mornay (Dorothy Walker), Aneesh Sheth (Gillian), Tiffany J. Mack (Zaya Okonjo)


Love can kill
Lennon Stella

I wasn't thinking when I told you to stay
It was just too hard to push you away
You don't know that you're in over your head
I'm afraid I'll pull you over the edge

I need you to go, don't fight me
Even though I wanna hold on tightly
Let me go
But you won't let me go

Too much love can kill
Get swallowed by the weight
No matter how you feel
My love, you are not safe
I need you

It's hard for me to say what needs to be said
Hurts to say it over, over again
Consequence of loving me can be cruel
You're gonna suffer now whatever you do

I need you to go, don't fight me
Even though I wanna hold on tightly
Let me go
But you won't let me go

Too much love can kill
Get swallowed by the weight
No matter how you feel
My love, you are not safe
I need you

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