quinta-feira, 23 de abril de 2015

Retrospectiva 2015: Nem de esquerda nem de direita, o liberalismo pode ser a alternativa mais adequada para este século?

Dois textos do Roger Scar, do portal Libertarianismo, sobre a identidade particular da linhagem liberal, que, segundo o autor, deve manter sua autonomia tanto em relação ao conservadorismo quanto ao socialismo. Concordo em boa parte. Por isso,  divulgo.

Liberalismo: de esquerda ou de direita?

É natural que as pessoas queiram se identificar com um grupo. Dizer-se de esquerda ou de direita faz parte de uma linha comum no raciocínio dicotômico. Os liberais, no entanto, não escapam disso. Pelo contrário. Ouso dizer até que são os mais confusos no que diz respeito a isso. Frequentemente tentam se posicionar de um lado ou de outro, sem notar que, na prática, isso não apenas é pouco relevante como é quase sempre muito negativo.

Esquerda e direita são conceitos mutáveis, assim como vários conceitos o são. O que define um conceito é justamente isso: sua adaptação. Conceitos são aquilo que a mentalidade das pessoas, dentro de seu tempo (zeitgeist), podem compreender de uma ideia. Socialismo é um conceito que se modificou com o tempo. Liberalismo também. O mesmo ocorreu com “esquerda” e “direita”. Nos tempos de Bastiat era natural um liberal pender mais à esquerda; ele compreendia com razão que, na época, ser da esquerda era lutar contra o establishment, era questionar o status quo daquele tempo. Num momento pós-revolução francesa nada seria mais natural para um liberal. Já no século XX esta situação se alterou. A esquerda passou a adotar posturas muito mais voltadas ao pensamento pró-Estado. Nesta situação, ser liberal acabou significando um afastamento da esquerda. Foi aí que liberais incorreram no erro de se associar com linhas mais conservadoras.

No século passado, liberais e conservadores andaram de mãos dadas em muitas ocasiões. Neste contexto, ficou claro para nossos adversários que éramos “iguais” aos reacionários. Não tardou para que usassem isso contra nós. E não os culpo. Como oportunistas políticos que se tornaram, esquerdistas em geral precisam deste tipo de falácia para se sustentar. É natural que seja assim. Mas não há como não culpar a nós mesmos por isso. Enquanto liberais, pecamos feio em tentar guinar ao conservadorismo.

Entretanto, parece que como todo o restante da humanidade, não aprendemos com a história. No presente, vejo liberais caindo no mesmo erro. Alguns vivem no século XX e querem pertencer à direita. Outros vivem no início do século XIX, e estes querem pertencer à esquerda. Ambos incorrem exatamente no mesmo erro. Os “liberais de direita” criaram o conservadorismo liberal, uma ideologia que namora com o liberalismo e com o conservadorismo, mas acaba não sendo nenhuma das duas coisas. É uma aberração. E o motivo para que se tenha caído em tão óbvia armadilha é simples: conservadores em geral defendem liberdades econômicas. Mas, parece não ocorrer aos tais liberais que eles não defendem as liberdades civis, tão importantes quanto. E parece não lhes ocorrer, também, que os grandes pensadores de nossa ideologia já deixaram bastante claro que é impossível a liberdade ser plena se ela tiver restrições. Não há como ter liberdade econômica sem as liberdades civis.

Do outro lado do espectro, temos os modernos libertários de esquerda, mais conhecidos pela alcunha de “left-libs”. Estes tentam timidamente abraçar a esquerda e se aproximar da new left. O motivo de isto acontecer é também muito simples: eles caíram no engodo de acreditar que a esquerda de hoje luta por liberdades civis. Compraram o discurso feminista e anti-racista ou pró direitos homossexuais da esquerda de hoje. Ironicamente eles não notam que este discurso foi usurpado de nós mesmos. Nós, liberais, sempre defendemos a liberdade individual e a equidade para mulheres, negros, brancos, gays, ou o que quer que as pessoas sejam. E além de terem usurpado o nosso próprio discurso, vale ressaltar que a new left o usa de maneira torpe e trapaceira. O que estes libertários de esquerda não veem é que os socialistas de hoje não querem liberdades civis de verdade, eles querem apenas que o Estado regulamente estas liberdades. Nós falamos em liberação das drogas, eles falam de legalizá-las. Nós falamos em liberdades iguais, eles falam em direitos sociais e leis de privilégio. Sem contar que, quando falamos em liberdade econômica todos eles têm parada cardíaca. Não é à toa que a própria esquerda ridicularize os libertários de esquerda, exatamente como muitos conservadores fazem com os liberais de direita ou liberais conservadores.

O que liberais precisam aprender é que conservadores e socialistas não nos representam. Não é por concordamos com algo que eles digam e defendam de forma pontual que precisamos entrar de cabeça e guinar para o lado deles. Pelo contrário. Ter concordâncias pontuais é até natural, dificilmente alguém discorda em tudo. Mas é mais que necessário reconhecer que em essência somos completamente distintos. E isso era, inclusive, o que o próprio Bastiat defendia. Por isso me é tão entristecedor quando vejo libertários citando o bastião francês da liberdade enquanto tentam justificar sua inclinação espectral para a esquerda. Acho igualmente triste ver os liberais conservadores tentando justificar sua posição citando o trabalho de Reagan ou Tatcher, que foram tão pouco liberais quanto tantos outros.

Mas, é fato: precisamos ter foco. O que hoje aparece como hegemônico no espectro político é a esquerda e ela deve ser nosso alvo principal, sem dúvidas. Mesmo por que a direita atual tem muito menor relevância. E precisamos olhar o passado e reconhecer, ainda que tardiamente, que hoje a new left só possui tanta influência por causa dos nossos erros. Reconhecer isto é essencial para evitarmos o mesmo equívoco daqui para frente. Precisamos recuperar nossa pureza. E antes tarde do que nunca!

Acrescento, ainda, que é muito mais importante nos preocuparmos com o conteúdo e com a forma de nossas ideias do que em nos identificarmos como “isto” ou “aquilo”. Nós devemos fazer concessões somente se e quando houver legitimidade e um aparelhamento dentro daquilo que nós já defendemos, e não o contrário. A história já fez sua parte em nos mostrar os erros de nossos ídolos. Alguns tiveram a chance de morrer como heróis, mas outros viveram o bastante para tornarem-se “vilões”. Nós podemos traçar um novo caminho, levando o liberalismo adiante da forma como ele deve ser de verdade. Para isto, basta uma mudança de postura. Misture-se, portanto, ideias puras com um discurso flexível. Esta é a fórmula correta para adequar-se ao nosso tempo.

*Roger Scar é escritor e colunista do blog Portal Libertarianismo.

Por que conservadores fingem ser liberais?

Primeiramente, aqui vão duas coisas importantes que você deve saber antes de ler o texto:
Não há nenhum problema em alguém ser conservador. Nós, liberais, apenas discordamos ideologicamente disso.

Não é a intenção deste texto generalizar, dizendo que todo conservador age desta forma. Sabemos que não é isso. Trata-se de um comportamento de um grupo isolado, mas que não deixa de ser algo digno de nota.

Então, vamos lá…

Você já notou uma tendência muito forte em alguns conservadores, principalmente os mais novatos, em querer fingir que são liberais? Se não, passe a notar a partir de hoje. Mas, por qual razão eu afirmo que eles estejam fingindo?

Vejamos.
  • Porque boa parte deles defende uma forma poderosa de Estado. Na realidade, a maior parte do atual movimento conservador se resume a pessoas anti-PT, mas não necessariamente anti-Estado. É verdade que a ideologia conservadora não abarca obrigatoriamente a mentalidade estatista, mas ela é um terreno fértil para que tal coisa ocorra.

  • Porque muitos conservadores, por exemplo, ainda que sejam favoráveis à liberação das armas, se posicionam fortemente contra a liberação das drogas. Para tal, usam exatamente o mesmo tipo de argumento usado pelos desarmamentistas.
  • Porque boa parte deles defende a intervenção estatal para manter valores morais. Valores estes, é claro, que são compartilhados por eles próprios.

  • Uma pequena parcela, mais radical, é contrária à imigração e a miscigenação cultural, ambas coisas que são pilares da liberdade individual.
Vale reforçar que estes quatro pontos são apenas alguns dos muitos; mas só eles já são mais que suficientes para explicar porque o conservadorismo não tem nada a ver com o liberalismo. Felizmente, muitos conservadores e liberais sabem disso. Infelizmente, muitos liberais e conservadores não sabem disso. Mas alguns sabem e mesmo assim o fazem. E são estes os que estão deliberadamente fingindo ser o que não são.

Mas tudo isso mostra apenas que estejam fingindo. Falta agora mostrar o que os motiva a fazer isto. Bem, é muito simples. Nota-se uma clara ascensão do pensamento liberal na América Latina. E isso começou lá pela década de 90. No Brasil, nesta época, alguns dos maiores institutos liberais da história surgiram. E os que já existiam ganharam maior notoriedade. Porém, nada comparado ao “boom” dos últimos dez anos.

A ideologia liberal explodiu na última década de um modo fenomenal, e graças à internet ela se tornou muito mais acessível ao público geral. Hoje o Brasil possui um movimento liberal forte, ainda que não tão bem concentrado e organizado. Isto é um prato cheio para oportunistas tentarem ganhar algum espaço. E foi assim que muitos conservadores – alguns até falidos, verdade seja dita – cresceram os olhos diante da oportunidade de voltar à tona.

E isso tudo é possível graças ao imenso acúmulo de besteiras feitas pelo governo. Então, o movimento anti-PT cresceu, e com ele veio junto toda sorte de gente das mais variadas ideologias unidas por um ideal: O de agir contra o governo.Tudo bem que estejamos unidos por um mesmo fim. Mas não é correto ou producente que confundamos as coisas. Pelo contrário! Precisamos ficar de olho para não dar espaço a conservadores fingindo defender ideais liberais. Os que não fingem estão sendo apenas eles mesmos, e eles têm todo o direito de ser o que são. Os que fingem, por outro lado, estão tentando nos passar a perna. E eles não são tão poucos. Existe até um famoso blogueiro conservador que vive fingindo ser liberal. Não é um caso isolado.

Fonte: Portal Libertarianismo, 22/04/2015

0 comentários:

Postar um comentário

Compartilhe

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites