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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Ventos de mudança na América latina, e o liberalismo como a “doutrina mais dos meios que dos fins”

Diálogo de convertidos
Com experiências pessoais como militantes de extrema esquerda, Roberto Ampuero e Mauricio Rojas publicam um xeque mate às utopias estatistas

por Mario Vargas Llosa

Esta semana, duas coisas esplêndidas ocorreram na América Latina. A primeira foi o triunfo de Mauricio Macri na Argentina, uma severa derrota para o populismo do casal Kirchner que abre uma promessa de modernização, prosperidade e fortalecimento da democracia no continente; é, também, um duro golpe para o chamado “socialismo do século XXI” e para o Governo da Venezuela, a quem o novo mandatário eleito pelo povo argentino criticou sem complexos por sua violação sistemática dos direitos humanos e seus atropelos à liberdade de expressão. Tomara que essa vitória dê uma alternativa genuinamente democrática e liberal à demagogia populista e inaugure na América Latina uma etapa em que não voltem a conquistar o poder caudilhos tão nefastos para seus países como o equatoriano Correa, o boliviano Morales e o nicaraguense Ortega, que devem neste momento estar profundamente afetados pela derrota de um Governo aliado e cúmplice de seus abusos.

A outra excelente notícia é o lançamento no Chile do livro Diálogo de Conversos (Editorial Sudamericana, inédito no Brasil), escrito por Roberto Ampuero e Mauricio Rojas, que é, também no plano intelectual, um xeque-mate às utopias estatistas, coletivistas e autoritárias do presidente venezuelano Maduro e companhia e dos que ainda acreditam que a justiça social possa chegar à América Latina através do terrorismo e das guerras revolucionárias.

Roberto Ampuero e Mauricio Rojas acreditaram nessa utopia na juventude e militaram – o primeiro na Juventude Comunista e o segundo no Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR). Contribuíram assim para criar o clima de crepitação social e caos econômico e político que foi o Governo de Salvador Allende e a Unidade Popular. Com o golpe militar de Pinochet e o início de uma era de repressão, tortura e terror no Chile, ambos tiveram que fugir e se refugiaram na Europa. Ampuero foi à Alemanha Oriental e de lá a Cuba. Rojas rumou para a Suécia. No exílio, continuaram militando na esquerda mais radical contra a ditadura. Mas a distância, o contato com outras realidades políticas e ideológicas e, no caso de Ampuero, conhecer e padecer em carne própria o “socialismo real” (de pobreza, burocratização, censura e asfixia política) os levaram àquela “conversão” à democracia primeiro e ao liberalismo depois. Sobre isso dialogam no livro, que, embora seja um ensaio político e de filosofia social, é lido com o interesse e a curiosidade com que se leem os bons romances.

Ambos falam com extraordinária franqueza e fundamentam tudo o que dizem e acreditam com experiências pessoais, o que dá a seu diálogo uma autenticidade e um realismo de coisa vivida, de reflexões e convicções calcadas na história real e que estão, por isso, a anos-luz do ideologismo tão frequente nos ensaios políticos, sobretudo da esquerda, ainda que também da direita, que se move num plano abstrato, de confusa e presunçosa retórica, e que parece totalmente divorciado do aqui e agora.

A “conversão” de Ampuero e Rojas não significa sua transferência com armas e bagagem ao inimigo de outrora: nenhum dos dois se tornou conservador nem reacionário. Ao contrário. Ambos são muito conscientes do egoísmo, da incultura e do quanto é relativa a defesa da democracia feita por uma certa direita que no passado apoiou as ditaduras militares mais corruptas, que confundia liberalismo com mercantilismo e que só entendia a liberdade como o direito de se enriquecer por qualquer meio. E ambos, também, embora sejam muito categóricos ao condenar o estatismo e o coletivismo, que empobrecem os povos e cerceiam a liberdade, reconhecem a generosidade e os ideais de justiça que animam muitas vezes esses jovens equivocados a acreditar, como Che Guevara e Mao, que só alcançamos o verdadeiro poder empunhando um fuzil.

Seria bom que alguns liberais recalcitrantes, que veem no livre mercado a panaceia milagrosa, lessem neste Diálogo de Conversos os argumentos com que Mauricio Rojas, que aproveitou tão bem a experiência sueca – onde chegou a ser por um tempo deputado do Partido Liberal – defende a necessidade de que uma sociedade democrática assegure a igualdade de oportunidades para todos através da educação e da regulação fiscal. O objetivo é que o conjunto da população tenha oportunidade de poder realizar seus ideais e desapareçam esses privilégios que no subdesenvolvimento (e, às vezes, no países avançados) estabelecem uma desigualdade de origem que anula ou dificulta extraordinariamente que alguém nascido em setores desfavorecidos possa competir realmente e ter sucesso no campo econômico e social. Para Mauricio, que defende ideias muito sutis para o que chama de “moralizar o mercado”, o liberalismo é mais a “doutrina dos meios que dos fins”, pois, como pensava Albert Camus, não são estes últimos os que justificam os meios, mas o contrário: os meios indignos e criminosos corrompem e envilecem sempre os fins.

Roberto Ampuero conta, numa das mais emotivas páginas o que significou para ele, após viver na quarentena intelectual de Cuba e da Alemanha Oriental, chegar aos países livres do Ocidente e ter acesso aos livros censurados e proibidos. Mauricio Rojas confirma a experiência recordando como foi, nas salas e bibliotecas da Universidade de Lund, viver a transformação ideológica que o fez passar de Marx a Adam Smith e Karl Popper.

Ambos se referem extensamente à situação do Chile, a esse curioso fenômeno que levou o país que mais progrediu na América Latina – fazendo retroceder a pobreza e com o surgimento de uma nova e robusta classe média graças a políticas democráticas e liberais – a um questionamento intenso desse modelo econômico e político. E os dois concluem, com razão, que o desenvolvimento econômico e material aproxima um país da justiça e de uma vida mais livre, mas não da felicidade, e que inclusive pode distanciá-lo ainda mais dela se o egoísmo e a ganância se transformarem no norte exclusivo e excludente da vida. A solução não está em voltar aos velhos esquemas e enteléquias que empobreceram e violentaram os países latino-americanos, e sim em reformar e aperfeiçoar sem trégua a cultura da liberdade, enriquecendo as conquistas materiais com uma intensa vida cultural e espiritual, que humanize cada vez mais as relações entre as pessoas, estimule a solidariedade e a vontade de serviço entre os jovens e amplie sem trégua essa tolerância para a diversidade, permitindo que os cidadãos cada vez mais escolham seu destino e pratiquem costumes e crenças sem outra limitação que não causar danos aos demais.

Faz tempo que não aparecia em nossa língua um ensaio político tão oportuno e estimulante. Tomara que Diálogos de Conversos tenha os muitos leitores que merece.

Fonte: El País, 28/11/2015

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Mais um livro sobre o absurdo Estado tupiniquim: Patrimonialismo Brasileiro em Foco


Mais um livro sobre o problema central do Brasil: nosso Estado patrimonialista que, entra século, sai século, continua a persistir como característica forte do poder público e da mentalidade dos governantes nacionais. Trata-se de Patrimonialismo Brasileiro em Foco de Antonio Paim. Ver a resenha abaixo.

Arraigado Patrimonialismo
Não é infrequente atribuir boa parte das mazelas do Estado brasileiro ao patrimonialismo, que, entra século, sai século, continua a persistir como característica forte do poder público e da mentalidade dos governantes nacionais. No entanto, raras vezes o debate sobre a apropriação do Estado por uma elite burocrática versa sobre as reais causas do problema, sem conseguir apontar soluções consistentes e viáveis.

Diante desse cenário, o livro Patrimonialismo Brasileiro em Foco (Vide Editorial, 2015), de Antonio Paim, com a colaboração de Antonio Roberto Batista, Paulo Kramer e Ricardo Vélez Rodríguez, pode contribuir significativamente para o debate do tema. O propósito do texto é claro:
...urge (...) disciplinar a discussão do problema, sem o que não lograremos maiores êxitos nessa batalha. Defrontam-nos com uma longa e arraigada tradição que não será ultrapassada de modo fácil e seguro”.
Os autores tipificam o patrimonialismo como “o encastelamento em determinados núcleos do aparelho burocrático estatal de indivíduos que se valiam da circunstância para se locupletarem e, por que não dizê-lo, cuidar do próprio enriquecimento”. Eles querem “averiguar as possibilidades de outras estratégias”, tendo em vista que a privatização – tanto no Brasil, promovida nos anos 1990, como em outros países – não teve êxito em reduzir o poder econômico do Estado. E o que é mais grave: o retrocesso ocorrido nos últimos anos, com o fortalecimento do patrimonialismo durante os governos Lula e Dilma Rousseff.

A análise oferecida no livro desvela uma realidade habitualmente pouco notada: o patrimonialismo não faz distinções sociais. A dependência do Estado afeta pobres e ricos. Tanto os que recebem o Bolsa Família como os que recebem favores de uma eletiva desoneração tributária são dependentes do Estado e manipulados por ele. Naturalmente, as situações econômicas e sociais são muito díspares, mas a relação política com o poder público tem as mesmas cores – é uma relação de dominação, mantida pela oferta de ganhos de curto prazo.

O patrimonialismo produz uma inversão do papel do Estado. Ao invés de promover a autonomia individual e coletiva, o Estado busca manter todos subservientes aos seus interesses. Nesse sentido, o olhar sobre a eficácia das políticas públicas – tanto as assistenciais quanto as de desenvolvimento da indústria, por exemplo – deve ser o de “quantos saem” delas, e não apenas “quantos estão” nelas incluídos. O número de beneficiados pouco indica a qualidade e a legitimidade do investimento feito nessas políticas públicas.

Vê-se aí a tensão entre o curto e o longo prazo. Os benefícios obtidos no presente podem ser grilhões que impeçam um futuro qualitativamente superior. Mantém-se assim a dependência da sociedade ante o Estado, seja pela precariedade da situação social das famílias que recebem a bolsa assistencial do governo, seja pela falta de competitividade da indústria brasileira. Todos ficam à mercê das benesses do poder público, distribuídas não por critérios republicanos, mas como resultado de escolhas político-partidárias, que apenas fortalecem os ocupantes da burocracia estatal.

Aqui talvez esteja a falta mais grave dos governos petistas: desperdiçaram os anos de bonança da economia brasileira, que deveriam ser usados para a promoção de uma real independência dos indivíduos, no sentido de construção e fortalecimento de uma situação social e econômica de autonomia. O que se viu foi exatamente o oposto – a manutenção da situação de dependência, seja entre os favorecidos pelos programas sociais, seja entre os agraciados com as desonerações tributárias. A burocracia estatal saiu mais forte, a sociedade – cada indivíduo – saiu mais fraca.

Como alerta Antonio Paim, o agravamento da dependência estatal foi também resultado das equivocadas mudanças nos marcos regulatórios de importantes setores da economia. Um dos casos citados é o do petróleo. Em 2010 abandonou-se o sistema de concessão pelo sistema de partilha. Além de elevar as possibilidades de corrupção, a mudança do marco regulatório diminuiu a eficiência do setor, como se viu com a drástica redução do ritmo de crescimento da produção de petróleo. Entre 1988 e 2006 a produção praticamente dobrou, saltando de 1 milhão de barris/dia para 1,9 milhão; oito anos depois, no entanto, a produção diária era de 2,109 milhões de barris/dia.

O livro lembra que os governos petistas, a despeito de terem delegado certas obras à iniciativa privada, mantiveram-na atrelada ao seu domínio por meio de juros subsidiados do BNDES. Não houve um efetivo avanço institucional – mudaram-se as regras, mas a lógica permaneceu a mesma. Segundo os autores,
o enfraquecimento do patrimonialismo, através de reformas econômicas – notadamente a privatização –, dar-se-á na medida em que possibilitem a emergência de forças sociais cujos interesses possam contrapor-se aos da burocracia estatal”.
Não foi o que se viu nos últimos anos.

Ao longo da análise dos casos da Rússia – se as reformas econômicas de Boris Yeltsin foram capazes de enfraquecer o Estado patrimonialista – e da Europa – com as tensões entre os diversos países relativas à configuração e ao papel da União Europeia –, transparece a constatação de que o enfraquecimento do patrimonialismo ultrapassa o tema econômico. Há profundas questões políticas e culturais envolvidas, que não são superadas de “modo fácil e seguro”.

A atual crise brasileira pode ajudar a vislumbrar a necessária reforma do Estado. Os inegáveis méritos da Constituição de 1988, restabelecendo a democracia e garantindo direitos fundamentais, não podem enevoar a realidade de que o modelo de Estado ali proposto, além de insustentável, tem fortes veios patrimonialistas, ao colocar a sociedade como menor de idade, dependente da boa vontade do poder público. Boa coisa não é.
Nicolau da Rocha Cavalcante, advogado e jornalista

Fonte:
Estado de SP, 13/11/2015

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Mulheres (esquecidas) na Ciência: Émilie du Châtelet

Um retrato de Émilie du Châtelet atribuída a Maurice-Quentin de La Tour.
Crédito: DeAgostini / Getty Images.
Ver vídeo sobre Châtelet ao final da postagem

Émilie du Châtelet: a mulher que a ciência esqueceu

Por Jessica Nunes

Um animado debate enfureceu a Europa do século XVIII sobre o que conduzia o movimento dos planetas. Na Inglaterra, Sir Isaac Newton e seus seguidores disseram que era a gravidade: a mesma força invisível que impulsiona uma maçã caindo também mantinha os planetas em seus caminhos maravilhosamente ordenados.

Do outro lado do Canal da Mancha. muitos Continentais preferiam a teoria de René Descartes que dia que um “éter” cósmico giratório, como um tornado celestial, empurravam os planetas em seu caminho.

Esta discordância é mais do que uma curiosidade histórica – ela foi afundo do que é necessário para uma proposta se qualificar como uma verdadeira teoria científica.

Um par improvável ajudou Newton a conquistar a vitória na Europa Continental: o mais conhecido e mais polêmico dramaturgo da França, Voltaire, e sua amante, a matemática Émilie du Châtelet. Seu trabalho científico inclui o que ainda é a tradução definitiva em francês do Principia de Newton. No entanto, após sua morte, ela foi praticamente esquecida. Se ela foi lembrada, suas realizações foram muitas vezes menosprezadas, perdida na sombra dos “grandes homens” de sua vida. Mas os historiadores modernos têm redescoberto Émilie, e sua história está inspirando novas gerações de matemáticas mulheres, inclusive eu.

Quando Émilie mudou-se para Cirey para se juntar a seu amante, as más-línguas se alvoroçaram.

Nascida em Paris em 1706, ela é sem dúvida a matemática mais glamorosa da história. Alta e aristocrática, apaixonada por suas atividades intelectuais e amorosas, ela era maior que a vida. Muito ousada para a maioria das pessoas da época: ambiciosa demais, intelectual demais, emocional demais, e sexualmente liberal demais. Feminista demais também: ela não brincou enquanto escrevia sobre sua luta para graduar-se em matemática e física (as mulheres eram impedidas de entrar em boas escolas, ficando sozinhas nas universidades): “Se eu fosse rei” escreveu, “Eu reformaria esse abuso em cortar metade da humanidade. Eu teria mulheres participando de todos os direitos humanos, e, acima de tudo, os da mente”.

Aos 26 anos, ela cativou Voltaire, que foi seduzido por seu cérebro, bem como pela sua beleza. Ele já era famoso como um plebeu arrogante com um humor perverso. Émilie, ao contrário, nasceu para a vida aristocrática; seu pai tinha sido chefe de protocolo na corte de Luís XIV em Versalhes. Ela tinha sido casada aos 18 anos com o Marquês du Châtelet, com quem ela logo teve três filhos. Tendo feito o seu dever para a linhagem de Châtelet, ela e seu marido, em seguida, viveram vidas relativamente separadas – uma situação comum nas famílias aristocráticas. Menos comum era a amizade notável que eles desenvolveram, de modo que, finalmente, o marquês apoiou não só a ambição incomum de Émilie, mas também sua relação passional com Voltaire. Ter um amante era comum na época dos casamentos arranjados, mas Émilie e Voltaire escandalizaram a sociedade quando eles foram morar juntos: casos amorosos extraconjugais deveriam ser flertes discretos, não casamentos alternativos. Curiosamente, o arranjo interno dos dois – e seus papéis como revolucionários newtonianos – eram tão interligados quantos os mistérios do cosmos que eles queriam explicar.

A atração de Voltaire por Newton nasceu da raiva do dramaturgo pelos conservadores e pelas elites francesas – algo que ele deixou claro em sua escrita satírica. No momento em que ele conheceu Émilie em 1733, sua propensão em perturbar pessoas poderosas já tinha o levado à Bastilha por 11 meses – e no final da década de 1720 ele foi forçado a se exilar por alguns anos. Exílio esse que se mostrou feliz, pois ele tinha ido para a Inglaterra, onde conheceu alguns dos principais discípulos de Newton – o próprio Newton já passava de seus 80 anos nessa época..

Londres estava alvoroçada com Newton, e quando o grande homem morreu em 1727, Voltaire compareceu ao seu funeral na Abadia de Westminster. Tal veneração oficial de um cientista era desconhecida na França de Voltaire, e o deixou muito impressionado. Tanto que ele escreveu uma série de ensaios sobre os ingleses: sua monarquia constitucional, relativa tolerância religiosa, a ciência newtoniana racional, e a nova geração de filósofos empiristas, especialmente John Locke, amigo e discípulo de Newton.

Voltaire publicou esses ensaios na Inglaterra. No início de 1734, ele disse a um amigo que estava adiando a publicação da versão francesa mais longa – Lettres Philosophiques – por medo do clero da corte francesa. A edição francesa incluiu uma crítica desfavorável dos escritos religiosos do matemático francês Blaise Pascal, e uma defesa da afirmação de Locke de que o pensamento pode surgir através de um mecanismo material – uma ideia que deixou os teólogos nervosos de ambos os lados do Canal por assumirem que Locke estava dizendo que não existiam coisas como almas imortais.

A confusão com o dogma religioso era perigoso. Mas o apoio que Voltaire encontrou nas ideias de Locke e de Newton também desafiou o orgulho nacional francês. Um de seus ensaios criticou os “cartesianos” que dominavam a Academia de Ciências de Paris. Estes homens – seguidores do filósofo do século XVII René Descartes – tiveram grande dificuldade com a teoria do movimento planetário de Newton. Como a gravidade do Sol poderia viajar através de milhões de quilômetros no espaço vazio para alcançar e influenciar os planetas? Eles pensaram que isso cheirava a pseudociência – como a astrologia ou a alquimia. Isso é irônico, em retrospectiva, porque hoje nós consideramos a teoria de Descartes como pseudocientífica, com seus vórtices giratórios de éter invisível arrastando os planetas em suas órbitas. Ninguém sabia do que era feito esse éter, ou por que ele girava como um tornado. Voltaire apontou a hipocrisia de acreditar em redemoinhos etéreos mágicos enquanto rejeitavam a atração gravitacional. Seu ensaio mostra que para muitos teóricos do século XVII, as regras sobre o que constitui uma teoria verdadeiramente científica ainda não tinha solidificado.

A matemática foi crucial para a abordagem de Newton. Não que Voltaire estivesse no topo das sutilezas matemáticas que mostraram o quão superior a teoria de Newton era – ele precisaria da ajuda de Émilie para isso. Mas essa ajuda teria de esperar porque em abril de 1734, a editora francesa de Voltaire lançou o Lettres na França sem a sua permissão. Um mandado de prisão foi emitido e Voltaire passou a se esconder. Émilie se enfureceu com seus amigos pelo tratamento injusto que a França deu ao seu maior escritor. Seus apelos às autoridades, assim como os de seu marido e outros amigos aristocráticos, deu frutos. Voltaire foi autorizado a voltar para a França, onde viveu sob uma espécie de prisão domiciliar em no château de Cirey, em Champagne.

Quando Émilie se mudou para Cirey para se juntar a seu amante, as más-línguas se alvoroçaram, com ódio, porque ela tinha se atrevido a desrespeitar as regras do decoro. Ela e Voltaire começaram a transformar Cirey em uma academia informal onde estudavam, escreviam, discutiam filosofia e hospedavam intelectuais livres-pensadores. Era um arranjo idílico, embora às vezes Voltaire sentia que não estava trabalhando duro o suficiente em sua poesia e peças teatrais. “Muitas vezes”, disse ele, “a ceia, Newton e Émilie me levam embora”. Ele estava se referindo aos seus preparativos para uma popularização séria das ideias de Newton, que se chamaria Elementos da Filosofia de Newton.

Émilie levaria esse projeto ainda mais longe em um “comentário” de 180 páginas que ela anexou à sua tradução do Principia de Newton. Isto incluiu um guia do leitor relativamente acessível para os principais argumentos na teoria gravitacional do movimento planetário de Newton. Também descrevia as aplicações da teoria de Newton por seus eminentes amigos matemáticos e, por vezes tutores, Alexis Clairaut e o arrojado Pierre-Louis Moreau de Maupertuis, bem como uma atualização sobre a teoria da gravitação das marés de Newton por seu colega, o matemático suíço Daniel Bernoulli. O apêndice de Émilie também incluiu sua própria reformulação de algumas das provas mais importantes da linguagem do cálculo do Principia. Newton (e independentemente o matemático-filósofo alemão Gottfried Leibniz) inventou o cálculo – a matemática que descreve e prediz como as coisas mudam, como a posição de uma maçã que cai ou um planeta no céu. Mas, aparentemente, Newton sentiu que o cálculo era novo demais para convencer as pessoas da validade de sua radical teoria gravitacional . Em vez disso, ele estabeleceu a maior parte de seus argumentos com provas geométricas engenhosas mas idiossincráticas – o tipo de abordagem lógica, rigorosamente aperfeiçoada pelos gregos antigos. Émilie re-escreveu algumas dessas provas usando a notação dy/dx que havia sido desenvolvida por Leibniz.

A fama de Émilie entre os intelectuais europeus não veio de sua tradução do Principia, mas a partir de um trabalho anterior de ciência popular – chamado Institutions de Physique (Fundamentos de Física) – no qual ela corajosamente tentou integrar o trabalho de Newton e Leibniz. A opinião científica naquele tempo tenderam a favorecer tanto o inglês quanto o alemão. Não foi apenas sobre nacionalismo, foi também um debate sobre o que constitui uma teoria da natureza. Newton focou em fornecer explicações testáveis para o que podemos observar no Universo, enquanto Leibniz enfatizou questões filosóficas sobre a natureza da existência. O brilhantismo de Émilie estava em sua capacidade de compreender as sutilezas da teoria de Newton e filosofia de Leibniz.

Voltaire, por outro lado, estava extasiado com Newton e não se preocupou muito com Leibniz – ele e Émilie permaneceram em desacordo sobre a questão. Em sua novela, Candide, ele iria satirizar a filosofia de Leibniz sobre o “melhor mundo possível” – tentativa de Leibniz de conciliar a bondade de Deus com o sofrimento e o mal no mundo.

Em meados da década de 1740, no entanto, o trabalho de Emilie no Principia estava mais próximo a seu coração – traduzir 500 páginas de Latim e geometria complexa, e verificar e re-verificar suas provas de cálculo, foi árduo. “Eu nunca fiz esse sacrifício para a razão, por isso eu tenho que ficar aqui e terminar este livro. É um trabalho horrível, para o qual é necessário uma cabeça e uma constituição de ferro”, ela lamentou. No entanto, tanto ela como Voltaire estavam seduzidos pela lógica de Newton. Mostrando quão profundamente a mente humana pode penetrar os mistérios da natureza, Newton deu aos seus discípulos esperança de que a razão iria triunfar sobre a superstição, dando início a uma abordagem racional, secular, não só para a “filosofia natural”, mas também para a política e para a ética.

Artigo traduzido de Cosmos MagazinePor Robyn Arianrhod

Fonte:  Universo Racionalista, 08/11/2015

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Sociólogo afirma que conservadores antidemocráticos crescem nas costas dos erros do PT

Marcio Sales Saraiva
Sociólogo ligado à Rede Sustentabilidade afirma que a esquerda brasileira está, hoje, esfacelada e desmoralizada e que o conservadorismo - como este blog sempre disse - cresce nas costas dos erros do PT. Então, seguindo a tradição autoritária brasileira, mal estamos saindo desse triste período autoritário da esquerda fóssil, jurássica, bolivariana bananeira e já nos vemos às voltas com o autoritarismo de direita, representado pelo crescimento de uma direita mais estúpida, carrancuda, linha-dura, com simpatias por regimes autoritários, antifeminista, contra os direitos das pessoas LGBT. Isso é de fato nefasto como disse o entrevistado. O Brasil precisa é de democracia, de gente capaz de conviver com as diferenças ideológicas e com a diversidade humana e não de trocar idiotas de esquerda por imbecis de direita. Não é possível que o país não consiga se livrar dessa sina autoritária.

Segue abaixo a entrevista do sociólogo, com destaque para o trecho abaixo. Adianto que não tenho simpatia pela Rede da Marina, apenas achei a crítica que ele faz à esquerda pertinente e importante, por isso a reproduzo. 

Eu acredito que, se essa esquerda não se renovar, não se conectar com o século 21, não desenvolver um projeto que possa ganhar os corações e mentes dos indivíduos e ganhar a confiança de vários setores da sociedade, com certeza, será varrida por um bom tempo do mapa político e eleitoral do País. O resultado disso já estamos vendo: o crescimento exponencial da direita, da extrema-direita e das forças mais reacionárias no Brasil. Esse crescimento é espontâneo? Não. Esse crescimento é um fruto da Era PT. A direita volta a crescer à medida que o PT vai cometendo erros sobre erros. A decepção e a desilusão são imensas diante do partido que prometeu ética na política com um discurso de esquerda que procurava ser "diferente de tudo que aí está". Esses conservadores crescem nas costas dos erros do PT, que arrastou o então imaginário social positivo a respeito da esquerda para a lama da corrupção e das alianças imorais. E agora nós temos uma direita muito maior, mais organizada e com uma voz ativa no cenário político. O pior disso tudo é que nem sempre é uma direita liberal e comprometida com a democracia. Esses liberais eu respeito, mas o que tenho visto é o crescimento de uma direita mais estúpida, carrancuda, linha-dura, com simpatias por regimes autoritários, antifeminista, contra os direitos das pessoas LGBT. Isso é nefasto.
Esquerda brasileira olha para trás, diz intelectual ligado à Rede

Sociólogo, cientista político, mestre em Políticas Públicas pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS-UERJ) e um autodeclarado "democrata pós-moderno", Marcio Sales Saraiva é um intelectual defensor dos ideais de justiça, igualdade e direitos humanos.

É também filiado à Rede Sustentabilidade e amplamente conhecido dentro do novo partido de Marina Silva.

Em entrevista ao blog, ele refletiu conosco sobre a situação em que se encontra a esquerda brasileira, o avanço do conservadorismo, o debate ideológico nacional e o possível futuro do pensamento progressista no País.

O senhor escreveu recentemente sobre o "aniquilamento da esquerda brasileira". Nesse contexto, qual seria o diagnóstico para essa esquerda?

Marcio Sales Saraiva: Dentro do "critério Bobbio" do que é esquerda e direita, considero razoável dizer que hoje a esquerda brasileira está, num primeiro momento, esfacelada e desmoralizada. Mas poderá se recuperar na medida em que ela abrir mão de dogmas do passado e conseguir refletir de forma honesta sobre o presente. Fazer uma autocrítica profunda e apontar para uma agenda ética, política, socioeconômica e cultural antenada com o século 21. Trata-se de apresentar à sociedade um programa de esquerda que seja crível, razoável e possível. Não adianta falar, por exemplo, em dar um calote na dívida. Isso é loucura. Ninguém acreditaria nisso. Poderia levar o País a uma insolvência econômica. Hoje, com o mundo globalizado e as economias interconectadas, se você faz algo desse tipo, você dá uma pancada violenta no mercado com fuga imediata de capitais. São questões muito pragmáticas das quais a esquerda precisa se dar conta com mais realismo e menos devaneio.

Podemos considerar essa esquerda brasileira que temos hoje como uma esquerda elegível?

Eu acredito que, se essa esquerda não se renovar, não se conectar com o século 21, não desenvolver um projeto que possa ganhar os corações e mentes dos indivíduos e ganhar a confiança de vários setores da sociedade, com certeza, será varrida por um bom tempo do mapa político e eleitoral do País. O resultado disso já estamos vendo: o crescimento exponencial da direita, da extrema-direita e das forças mais reacionárias no Brasil. Esse crescimento é espontâneo? Não. Esse crescimento é um fruto da Era PT. A direita volta a crescer à medida que o PT vai cometendo erros sobre erros. A decepção e a desilusão são imensas diante do partido que prometeu ética na política com um discurso de esquerda que procurava ser "diferente de tudo que aí está". Esses conservadores crescem nas costas dos erros do PT, que arrastou o então imaginário social positivo a respeito da esquerda para a lama da corrupção e das alianças imorais. E agora nós temos uma direita muito maior, mais organizada e com uma voz ativa no cenário político. O pior disso tudo é que nem sempre é uma direita liberal e comprometida com a democracia. Esses liberais eu respeito, mas o que tenho visto é o crescimento de uma direita mais estúpida, carrancuda, linha-dura, com simpatias por regimes autoritários, antifeminista, contra os direitos das pessoas LGBT. Isso é nefasto.

E quais seriam as perspectivas de futuro para a esquerda brasileira?

Eu considero que essa é "a pergunta do milhão". Penso que o futuro da esquerda brasileira passa por uma releitura radical do seu passado à luz da contemporaneidade e pela necessidade de se refundar, ética e politicamente, sobre novos valores, novos paradigmas, como por exemplo, o da sustentabilidade planetária. Ou seja, eu penso que o que a história pede hoje é uma nova esquerda. Nova esquerda não só porque ela vai trocar de camisa, trocar de símbolo ou trocar de nome. Isso é algo muito superficial. Mas nova esquerda no sentido de concepção, de visão de mundo. Que a esquerda possa realmente aprender com os erros do passado: desde o culto ao Estado até o "vale-tudo" em nome da mudança social. A Rede Sustentabilidade, por exemplo, está tentando isso. Mas não é só a Rede. Tem gente espalhada por vários partidos e gente fora dos partidos políticos que vem meditando e refletindo sobre essas questões, criando novas formas de atuação com mais horizontalidade e democracia, sem uma metanarrativa arrogante que dê conta de todas as coisas, dialogando com as questões da pós-modernidade. Mas ainda assim, no geral, o que chamamos de "esquerda brasileira" tem enorme dificuldade de se repensar.

Qual é a tendência diante dessa dificuldade de se repensar enquanto movimento ideológico?

A tendência é fazer o que ocorreu na fundação do PSOL. Diante da fragmentação social e política, culpa-se a direita, as forças reacionárias, os "golpistas" ou o próprio PT de "desvio doutrinário/ideológico". Qual seria a solução "inovadora" pra essa esquerda tradicional? Voltar novamente ao passado. A esquerda permanece numa espécie de eterno retorno ao passado. Como se a solução para o mundo pós-moderno - com seus dilemas e potencialidades - estivesse, em síntese, no passado. No retorno literal a Marx, Gramsci ou Althusser, ao invés de olhar para frente e pensar: "Bem, dadas as novas condições socioeconômicas, culturais, ambientais e políticas, o que podemos pensar como progressista daqui pra frente? O que é ser progressista hoje?". Claro, isso não quer dizer que a esquerda deva negar sua trajetória, seu passado. De forma alguma. Já disse que o equilíbrio é necessário e há lições que ainda hoje são preciosas. Marx, Gramsci e Togliatti ainda nos dizem algo, mas não podemos encará-los como uma espécie de cânon sagrado, vozes inquestionáveis de uma "verdade divina do proletariado". Eles, os clássicos, nos apontam problemas que precisam ser repensados a partir do hoje.

Não ocorre, vamos colocar assim, um certo bullying ideológico quando alguém tenta fazer essas novas reflexões dentro da esquerda?

Sem dúvida. No Brasil, há intelectuais que têm na tradição de esquerda sua referência, mas que estão pensando no hoje com os olhos no futuro. Veja, por exemplo, Luiz Eduardo Soares, Marco Aurélio Nogueira, Boaventura Souza Santos ou Bruno Cava Rodrigues. Mas isso é algo que irrita profundamente a maioria da esquerda tradicional, agarrada aos velhos paradigmas. Nesse movimento de repensar, hoje, somos poucos. A maioria corre pro velho. Corre pro antigo. Até porque isso oferece uma solidez psicológica e emocional. É algo típico do fundamentalismo religioso. Eu diria que a esquerda brasileira tende a um certo fundamentalismo ideológico. Ela se volta aos fundamentos e se agarra neles, diante de um presente que é muito arriscado, que é muito complexo, cheio de desafios e paradoxos, fluido e não rígido. Nesse campo, nossa esquerda tem traços semelhantes ao fundamentalismo religioso. Quem na esquerda ousa pensar diferente é prontamente tachado de "coxinha", de "reacionário" ou de "liberal".

Num cenário em que há um movimento mundial de se repensar a esquerda, por que a esquerda brasileira seria então tão fundamentalista?

Eu tenho impressão de que teorias e ideias renovadoras do pensamento ideológico chegaram muito atrasadas ao Brasil e, por muito tempo, a esquerda brasileira ficou isolada da esquerda mundial. Mas com o processo de globalização da informação, essa situação de "atraso" vem sofrendo profundas modificações. A esquerda brasileira está sendo forçada a pensar em conjunto com o mundo. Ainda assim, ela resiste. Quem na esquerda aceita dialogar com as contribuições de um John Rawls, Adam Przeworski, Amartya Sen ou mesmo Hannah Arendt não é visto com bons olhos.

E quais seriam questões importantes para a esquerda de hoje?

Como conduzir um programa de responsabilidade fiscal sob uma perspectiva de esquerda, por exemplo? Ou governos de esquerda devem ser necessariamente deficitários? O Syriza, na Grécia, tem enfrentado essas questões pragmáticas. E muita gente já se retirou do Syriza por causa disso. Porque é muito fácil você fundar um partido novo, de esquerda, que fica na oposição parlamentar "contra tudo e todos" com um purismo ingênuo. O desafio é quando esse partido de esquerda senta na cadeira do governo e assume responsabilidades públicas. Aí ele tem que dar conta da realidade. Sair do discurso fácil do "contra tudo isso aí". Deixar a promessa e transformá-la em política pública concreta. Sair das perspectivas utópicas da campanha para administrar o real. E esse real cotidiano é massacrante. O Tsipras tem passado por muita dificuldade, porque uma coisa era o que ele dizia na campanha, outra é executar. Não é fácil.

Onde poderíamos enxergar algumas dessas reflexões que você cita ocorrendo na esquerda global?

Você tem, por exemplo, uma tradição de esquerda que vem inovando muito desde o eurocomunismo na Itália, na França e na Espanha. Incluindo setores de esquerda liberal do Canadá. Anthony Giddens, com toda sua teorização da Terceira Via, trouxe contribuições muito importantes, principalmente com o livro Para além da Esquerda e da Direita. A Utopia Desarmada, do Jorge Castanheda, Christopher Lasch, Pierre Rosanvallon, Manuel Castels, Zygmunt Bauman, Alain Touraine, Castoriadis, Daniel Cohn-Bendit, Michel Lowy e os ecossocialistas... Todos trazem aportes importantes para a esquerda renovada do século 21. Precisamos aprender com a experiência do Syriza. A experiência dos movimentos da Espanha, como o Podemos. Acompanhar os movimentos de reforma do Partido Democrata nos Estados Unidos, do Partido Socialista Espanhol (PSOE). Olhar o modelo sueco, com o Partido Operário Social-Democrata da Suécia. A própria experiência da Frente Ampla no Uruguai. Mas nada disso parece fazer muito sucesso no Brasil. Pelo contrário, a tendência da esquerda brasileira sempre foi de condenar esses autores e movimentos que, nem sempre acertando, ainda assim faziam um esforço intelectual no sentido de mudança e compreensão do vivido. A tendência é de sempre olhar isso tudo como uma traição à ortodoxia do marxismo, essa mesma ortodoxia que matou Marx.

Existe muita reação na internet quando se faz uma defesa da Rede, com acusações de que a Rede seria um partido conservador. Diante desse quadro, você diria que há espaço para o pensamento de esquerda dentro do Rede?

Se não houvesse espaço para um pensamento de esquerda dentro da Rede, uma liderança como Heloísa Helena não estaria na Rede, nem o vereador carioca Jefferson Moura, o comunista Martiniano Cavalcanti, o senador Randolfe Rodrigues ou o deputado federal Alessandro Molon. Se não houvesse espaço para um pensamento renovado de esquerda dentro do partido, muita gente da Executiva Nacional, do Elo Nacional e dos Elos Regionais abandonariam a Rede Sustentabilidade. O fato de que essas pessoas estão na Rede é uma prova de que a Rede tem espaço pra um pensamento à esquerda. Essa conversa de que a Rede seria conservadora-liberal é ignorância ou má-fé. Lembramos que Marina Silva, Pedro Ivo e muitos outros companheiros da direção nacional foram militantes do clandestino Partido Revolucionário Comunista (PRC) na década de 1980, no interior do Partido dos Trabalhadores. Chamar esse povo de "direita" é brincadeira.

Mas a Rede é de esquerda ou de direita?

A Marina já expressou, em algumas ocasiões, que a Rede Sustentabilidade não é "nem de esquerda, nem de direita". Que ela é "para frente". Qual o sentido disso? A primeira questão é que essa expressão envolve, na minha leitura, um ideal progressista. Esse seria o sentido de "para frente". Muito mais do que preocupar-se com as etiquetas de esquerda ou de direita, a Rede Sustentabilidade tem como preocupação o progresso social, e que esse progresso se dê dentro do paradigma de sustentabilidade planetária. Portanto, isso nos diz algo sobre economia solidária, nova política, ética global e desenvolvimento não predatório com redução de assimetrias sociais graves. São diversos eixos que se encontram dentro desse paradigma de sustentabilidade progressista que age no aqui-agora com olhos no futuro. Basta conferir o Estatuto da Rede, o seu Manifesto, acompanhar a atuação da Rede Sustentabilidade, os posicionamentos da Executiva Nacional da Rede e agora os posicionamentos da bancada da Rede no Congresso e você irá testemunhar que, de fato, trata-se de uma nova organização progressista. Ainda que não esteja capturada pela lógica tradicional da esquerda e da direita. Portanto, não opera dentro dos critérios de Norberto Bobbio que eu estou usando aqui apenas como orientação. A segunda questão é que a Rede tem claros compromissos ideológicos e programáticos. Não ser de esquerda ou de direita deve ser interpretado apenas como a afirmação de um espaço imagético, teórico e prático que está além da díade na pós-modernidade, sem, contudo, negá-la por completo.

E se tentássemos fazer uma análise externa, pela visão tradicional de um cientista político?

Se nós tentarmos forçar a dicotomia ou a "díade", como chamava Bobbio, talvez possamos dizer que a Rede seja um partido de centro-esquerda ou "esquerda moderada". Ela tenta conjugar mercado e Estado com justiça social e respeito a todas as formas de vida e ao meio ambiente. Um partido que se afasta de uma visão laissez-faire de mercado, mas que também não abraça uma visão tradicional de socialismo onde o "Estado é bom" e deve intervir em todos os aspectos da vida dos indivíduos "para o bem dos indivíduos". Por isso mesmo, a Rede, da forma como vejo, dialoga com uma tradição positiva do liberalismo: defesa das liberdades individuais e civis, das instituições e procedimentos da democracia e do dinamismo do mercado. Mas também dialoga com aquilo que a esquerda e os movimentos socialistas trouxeram de melhor para a humanidade, como a radicalização da democracia e a centralidade do bem-estar social: a defesa da igualdade social, da distribuição equitativa da renda e do direito das minorias contra todas as formas de totalitarismo de maioria. Todas essas são bandeiras da Rede Sustentabilidade. Mas poderíamos dizer também que isso está para além da direita e da esquerda. Poderíamos chamar de razoabilidade democrática.

Fonte: Brasil Post, por Romulo Rodrigues de Carvalho, 01/11/2015

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